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v.17, nº 34, set-dez (2019) ISSN: 1808-799 X


DISSERTAÇÃO DE MESTRADO1


QUEIROZ, Janaina Gulart Oliveira. As condições de vida, de trabalho e de escolarização dos migrantes nordestinos da construção civil na UFSC. 2018. 227p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, (UFSC), Florianópolis, 2018.2


Resumo expandido


O presente estudo 3 tem como tema a produção e reprodução da vida de trabalhadores migrantes temporários nordestinos da construção civil que trabalham no Campus central da Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC, em Florianópolis/SC. Seu objetivo principal é analisar as condições de vida, trabalho, moradia e escolarização dos trabalhadores diante do crescimento das migrações na atualidade. Na pesquisa empírica foi realizado um trabalho de campo nos canteiros de obras no campus, com o propósito de identificar as empresas que prestam serviço na universidade e também quais as empresas que empregavam maior número de trabalhadores migrantes temporários nordestinos. Na coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os trabalhadores migrantes e com as empresas nos canteiros de obras da universidade. A pesquisa de campo envolveu ainda conversas informais com os trabalhadores migrantes, com as empresas e registros fotográficos. A pesquisa parte de observações que foram realizadas no interior da UFSC acerca dos trabalhadores migrantes temporários que são contratados por empresas da construção civil e terceirizadas, a partir de licitações



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1 Resumo recebido em 14/06/2019. Aprovado em 01/07/2019, pelos editores. Publicado em 27/09/2019. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.17i34.p38061.

2 Licenciada em Educação do Campo com ênfase nas áreas de Ciências da Natureza, Matemática e Ciências Agrárias pela Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação(PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora: Prof.ª Dra. Célia Regina Vendramini — Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Integra o Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho-TMT, e-mail: janaamora@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4057-2535 URL: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/198660

3 A presente pesquisa integra uma pesquisa maior, cujo título é: Migração e escolarização: a realidade de jovens estudantes e trabalhadores, sob a coordenação da Prof.ª Dra. Célia Regina Vendramini da Universidade Federal de Santa Catarina.

entre empresas e universidade. Os trabalhadores foram observados em plena atividade de trabalho, inclusive aos finais de semana, onde se identificou que o espaço em que trabalhavam também era usado como moradia e cujas instalações evidenciavam condições de precarização e degradação, com intensa exploração do trabalho.

Na pesquisa documental foram considerados os dados sobre migração do Censo Demográfico do IBGE; Conselho Nacional de Imigração — CNIg /TEM; Organização Internacional do Trabalho — OIT Brasil; Organização das Nações Unidas

— ONU; Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos - DIEESE; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento — PNUD; Alto Comissariado das Nações Unidas — ACNUR; Organização Internacional de Migração — OIM; Prefeitura Municipal de Florianópolis — PMF, entre outros. Com base nos dados, observou-se que no mundo hoje são milhares as pessoas que se deslocam na condição de migrantes internacionais, nacionais ou como refugiados. Há um intenso fluxo das migrações entre diferentes países, cidades, para diferentes direções (inclusive pequenas e médias cidades), com dificuldade cada vez maior de fixação dos trabalhadores. O número de migrantes internacionais em 2017 atingiu um total de 258 milhões, segundo dados da ONU. No Brasil, o IBGE (2011) indica que há movimentação de migrantes internacionais e se mantêm os deslocamentos entre as regiões brasileiras. Os dados indicam também que há um aumento de fluxo migratório para a região sul do Brasil.

Com relação à base teórica da pesquisa, autores clássicos e contemporâneos subsidiaram a análise das contradições presentes na relação capital, trabalho e escolarização no contexto da sociedade capitalista e concretamente na vida dos trabalhadores. Buscou-se em Marx (2011) a compreensão de que a expropriação dos trabalhadores, necessária para a acumulação e expansão do capital, produz o deslocamento da classe trabalhadora e uma população excedente no processo de produção. A expropriação segue na atualidade, apresentando novas formas, as quais foram identificadas com base em Harvey (2008), Silver (2005) e Fontes (2010). O trabalho ou a ausência dele tem sido fator principal no deslocamento para a produção da vida social e busca pela superação da condição de pobreza da classe trabalhadora. Hobsbawm (2017) analisa que os trabalhadores vagueiam pelo mundo em busca de trabalho, se deslocam do campo para a cidade, do centro para a periferia e da periferia

para o centro. São trabalhadores que não têm lugar fixo, atravessam países, territórios, cidades e fronteiras em busca da sobrevivência. No que se refere à categoria migração, foi realizado um balanço da literatura, o qual identificou o debate de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento sobre a temática migração, trabalho e escolarização de migrantes nordestinos, no período 2007-2017. Considerando que a categoria migração está em disputa, conclui-se pela necessidade de sua manutenção enquanto fenômeno histórico e conectado com o trabalho e a classe social. Com relação à educação, compreende-se que ela está subordinada aos interesses do capital. À classe trabalhadora é ofertada uma escola que se limita às exigências de mercado, o qual requer uma força de trabalho disciplinada, flexível e subordinada. A literatura educacional crítica de base marxista (MESZÁROS, 2008; FERNANDES, 1966; RUMMERT, 2011) indica forte relação entre as condições de vida, trabalho e escolarização.

A dissertação é composta por três capítulos. O primeiro analisa os processos migratórios diante das expropriações dos trabalhadores, seja na origem ou na atualidade da acumulação do capital. No capítulo dois é apresentada a situação da classe trabalhadora, particularmente no que diz respeito ao trabalho dos migrantes e suas condições de vida junto aos canteiros de obra. O foco do último capítulo está na escolarização dos migrantes diante do projeto de escola do capital para os trabalhadores. Os trabalhadores executam trabalhos simples, rotineiros, cansativos, pesados, com longas jornadas, baixos salários e péssimas condições de trabalho. Vivem em barracos insalubres (sem ventilação), com pouca ou nenhuma higiene, alimentação irregular e regime de confinamento. Deles não é exigida qualificação. Todos são migrantes (89% oriundos do estado da Bahia e 11% de Pernambuco), de origem pobre, com pouca ou nenhuma escolaridade. Constituem uma massa de trabalhadores que vagueia pelo país em busca de trabalho. São os migrantes permanentemente temporários, conforme Silva (1992).

No cotidiano dos trabalhadores migrantes da construção civil no interior da Universidade, paradoxalmente a escola está muito distante deles: 78% possuem baixa escolarização (ensino fundamental incompleto) e admitem ter dificuldade na leitura. Já 11% dos entrevistados possuem o fundamental completo e 11% o ensino médio completo. Também identificou-se que nenhum dos seus pais completou o ensino fundamental, alguns não sabem ler e tiveram pouca frequência à escola.

Os trabalhadores sujeitos desta pesquisa abandonaram a escola muito cedo, porque precisavam trabalhar e, deste modo, reproduzem a mesma condição de vida e trabalho de seus pais. A baixa escolaridade, a falta de acesso à escola e ao conhecimento e o conteúdo escolar alienado das necessidades da classe trabalhadora colocam como desafio a construção de um novo projeto educacional associado a um novo projeto de sociedade, que permita às pessoas migrarem de um lugar para outro livremente e não movidos (forçosamente) pela necessidade de sobrevivência, visando a reprodução social para os interesses do capital.


Referências


FERNANDES, F. Educação e Sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus/Edusp, 1966.


FONTES, V. O Brasil e o capital-imperialismo. 2. ed. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010.


HARVEY, D. O neoliberalismo – história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008. HOBSBAWM, E. A era do capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.

IBGE. Censo Demográfico 2010: Características da população e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro (RJ): IBGE, 2011. 270 p.


MARX, K. O capital: crítica da economia política. Trad. de Reginaldo Sant`Anna. 25ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, livro 1, v. 2, 2011.


MÉSZÁROS, I. A educação para além o capital. Trad. de Isa Tavares. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008.


SILVA, M. A. de M. Destinos e trajetórias de camponeses migrantes. Anais. VIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. 1992. 161-186 Disponível em:

<http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/1992/T92V03A09.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2015.


RUMMERT, S. M. Educação e formação humana no cenário de integração subalterna no capital-imperialismo. Anais. 34ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Natal, RN, outubro de 2011.


SILVER, B. Forças do trabalho: movimentos de trabalhadores e globalização desde 1870. Trad. de Fabrizio Rigout. São Paulo: Boitempo, 2005.

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