V.18, Nº 35 - 2020 (jan-abr) ISSN: 1808-799 X
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v18i35.40507
José Lúcio Nascimento Júnior 2
Patrícia Maria Pereira do Nascimento 3
No presente texto apresentamos uma resenha do livro A Historiografia em Trabalho-educação: como se escreve a história da educação profissional organizado pela professora Dr.ª Maria Ciavatta, com mais nove colaboradores publicado pela Navegando Publicações.
En el presente texto presentamos una revisión del libro Aprender con la historiografía en Trabajo- Educación: cómo se escribe la historia de la educación profesional, organizada por la profesora Maria Ciavatta, con otros nueve colaboradores publicados por Navegando Publications.
In this text we present a review of the book The Historiography in Work-education: how to write the history of professional education organized by Professor Maria Ciavatta, with nine other contributors published by Navegando Publications.
1Artigo recebido em 25/11/2019. Primeira avaliação em 28/11/2019. Segunda avaliação em 16/12/2019. Aprovado em 09/01/2020. Publicado em 23/01/2020.
2 Doutorando e Mestre em História (PPGH-UERJ). Graduado em História (UNISUAM). Professor de Teoria e História da Arquitetura (FAU-UNISUAM). Membro dos Grupos de Pesquisa: NUCLEAS-UERJ, NUPEP-UFRRJ e eMAIS-UNISUAM. E-mail: prof.joselucio@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1769-2520
3 Doutoranda e Mestra em Ensino de Ciências (PROPEC-IFRJ). Especialista em Gestão da Sistemas Integrados em QSMSRS (AVM). Graduada em Biologia (UNIGRANRIO). Professora do Curso Técnico em Segurança do Trabalho (SENAC). Membro do Grupo de Pesquisa Trabalho-Educação e Educação Ambiental (GPTEEA-IFRJ). E-mail: prof.pattynascimento@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000- 0002-8654-8506
4 CIAVATTA, M. et. al. A historiografia em trabalho educação: como se escreve a história da educação profissional. Uberlândia: Navegando Publicações, 2019.
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Resenhar ou fazer a apresentação de um livro é sempre uma tarefa complicada. Devemos trazer as principais características sem oferecer aos leitores um spoiler da obra. Nesse caso, em se tratando do livro “A Historiografia em Trabalho- Educação: como se escreve a história da educação profissional”, tal empreendimento se torna ainda mais hercúleo, por se tratar de uma obra que ao mesmo tempo marca a posição de um campo de estudos, o Trabalho-Educação (TE) e visa oferecer um roteiro para uma nova área de estudos, a Historiografia em Educação Profissional (EP) e em TE. Nesse sentido, o livro já se apresenta como uma novidade e um clássico.
Além da obra ser organizada e dirigida por Maria Ciavatta5, ela conta com a participação de um grupo de pesquisadores bem diverso, como veremos a frente, e com o prefácio assinado por Gaudêncio Frigotto. Para iniciar essa apresentação, nos valemos do comentário feito por Frigotto no prefácio, quando este nos diz que “o livro engendra, pois, o duplo apreender da história: como processo e como método” (FRIGOTTO: 2019, p. 1).
A equipe que participou da escrita do livro foi composta por Jacqueline Botelho6, Jordan dos Santos7, Lísia Cariello8, Marcelo Lima9, Mônica Rocha10, Renata Reis11, Rosângela Rosa12, Sandra Morais13 e Sânia Ferreira14. Esses pesquisadores estão em diferentes etapas de seu processo formativo pessoal, pois encontramos desde bolsistas de Iniciação Científica até doutores (em diferentes áreas das ciências
5 Doutora em Ciências Humanas (Pontifícia Universidade Católica-RJ). Graduada em Filosofia e Letras (Pontifícia Universidade Católica-RJ).
6 Doutora em Serviço Social (Universidade do Estado do Rio de Janeiro-RJ). Graduada em Serviço Social (Universidade do Estado do Rio de Janeiro-RJ)
7 Mestrando em Educação (Universidade Federal Fluminense-RJ). Graduado em Ciências Sociais (Universidade do Estado do Rio de Janeiro-RJ).
8 Graduanda em História (Universidade Federal Fluminense-RJ). Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC- UFF).
9 Doutor em Educação (Universidade Federal Fluminense-RJ). Graduado em Pedagogia (Universidade Federal do Espírito Santo-ES)
10 Mestranda em Educação (Universidade Federal Fluminense-RJ). Graduada em Ciências Sociais (Universidade Federal Fluminense-RJ).
11 Doutora em Educação (Universidade Federal Fluminense-RJ). Graduada em Serviço Social (Universidade do Estado do Rio de Janeiro-RJ).
12 Doutora em Educação (Universidade Federal Fluminense-RJ). Graduada em Educação Artística (Universidade Federal do Rio de Janeiro-RJ).
13 Doutora em Educação (Universidade Federal Fluminense-RJ). Graduada em História (Universidade Santa Úrsula-RJ)
14 Mestranda em Educação (Universidade Federal Fluminense-RJ). Graduada em Pedagogia (Universidade Federal Fluminense-RJ).
humanas), o que confere a obra diferentes nuances de escrita e análise, sem perder o rigor metodológico levado a cabo pelo grupo ao longo da pesquisa.
O leitor desavisado, por sua vez, pode acreditar que essa obra consiste em uma coletânea de textos fruto de um grupo de pesquisa e que foi escrita em sua individualidade, por um ou mais membros; ou ainda de se tratar de uma obra de gabinete, escrita na solidão do trabalho acadêmico. O que certamente não ocorreu. Fruto do Projeto de Pesquisa aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e intitulado A Historiografia em Trabalho-Educação e o Pensamento Crítico, o livro que ora apresentamos resulta da análise das obras escolhidas pela sua contribuição aos campos de TE e EP.
Outro momento que atesta que essa não é uma obra de gabinete, foi o debate promovido no Seminário Historiografia em trabalho-educação: como se escreve a história da educação profissional realizado na UFF em Niterói em novembro de 2017, onde os pesquisadores da obra ora apresentada tiveram a oportunidade de dialogar com os autores dos livros analisados. Além disso, foram promovidos outros momentos de discussão em diferentes instancias, tais como o Seminário de Produção Científica do Grupo THESE (2017); e a publicação de parte da pesquisa em periódicos de relevância para o campo, tais como a revista eletrônica Trabalho Necessário.
Para Ciavatta et al (2019), o principal objetivo da obra consistia em apresentar como se escreveu a história do Trabalho-Educação e da Educação Profissional no Brasil considerando a produção dos últimos 20 anos, uma vez que a maioria dos livros analisados foram publicados entre 2000 e 2018. A exceção pode ser vista no livro pioneiro publicado por Celso Suckow da Fonseca, em 1961, intitulado História do Ensino Industrial no Brasil (volume 1). Quando consideremos o recorte cronológico analisados pelas obras percebemos que elas cobrem a história do Brasil desde o colonial ao republicano, apresentando um grande painel do Trabalho-Educação e da Educação Profissional no Brasil.
Além disso, o livro não deve ser visto como uma coletânea de capítulos que apresentam apenas a temática e/ou a abordagem em comum. Ele foi concebido para refletir a ideia de unidade, uma vez que os dois primeiros capítulos, assinados por Maria Ciavatta, podem ser vistos como um manifesto da área; neles são apresentados as concepções e categorias para quem visa adentrar no estudo da História (e Historiografia) de Trabalho-Educação. E os demais foram compostos de forma a
manter unidade na escrita e nos comentários aos textos analisados, como veremos a frente. Tal ideia de integração pode ser vista também no fato de que as referências bibliográficas estão reunidas no final da obra e não no fim de capítulo, como algumas coletâneas mais convencionais15.
Não podemos deixar de sublinhar que na presente obra organizada e dirigida por Maria Ciavatta se encontra a defesa de que Trabalho-Educação se constitui enquanto um campo de conhecimento, acrescido a demonstração de que faltam análises sobre a temática (historiografia sobre Trabalho-Educação) e que os autores visam apresentar como a questão foi trabalhada ao longo do tempo. Além disso, no campo da Educação, em especial na subárea História da Educação, houve uma limitada influência do pensamento marxiano, o que pode ser visto pelo próprio desenvolvimento do GT Trabalho-Educação da ANPEd16 e pelo seu desenvolvimento nos últimos 30 anos (CIAVATTA, 2019).
Todos os autores dessa obra partem do materialismo histórico para examinar a historicidade do Trabalho-Educação e da Educação Profissional. Partindo desse referencial, demonstram como o desprezo pelas duas áreas de pesquisa passou também pela desvalorização histórica do trabalho manual, compreendido como inferior, no Brasil, desde os tempos da escravidão. Para conduzir a pesquisa, a equipe que escreveu A Historiografia em Trabalho-Educação partiu da concepção que a história é vista como processo vivido e não como coleção de fatos; os autores se afastam de uma produção historiográfica factual para se aproximar de uma ligada a história como produção social da existência, aproximando-se da historiografia marxista inglesa, que tem como referências Eric J. Hobsbawm (1917-2012) e Edward Thompson (1924-1993); sem perder as referências basilares em Karl Marx (1818- 1883), Friedrich Engels (1820-1895), Georg Lukács (1885-1971) e Antonio Gramsci (1891-1937). A referência a autores estrangeiros não significa que houve o silenciamento do diálogo com pesquisadores brasileiros também de orientação marxiana, tais como Claudio Batalha, Jurandir Malerba, Ciro Cardoso e Leandro Konder.
15 Cabe aqui uma pequena crítica que não tira o brilho da obra; ao reunir as referências citadas não constam ou podem estar com ano de publicação diferentes das referências bibliográficas apresentadas no final do livro, o que poderá ser revisto na próxima edição.
16 A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.
No primeiro capítulo do livro, intitulado Trabalho-educação – a história em processo existe a busca de Maria Ciavatta em definir e precisar o campo de Trabalho- Educação, tanto a nível epistemológico como de história vivida, ao situar sua origem nos anos 1980/90, como ao demonstrar as bases teóricas que o fundamenta. No segundo capítulo, que tem por título Como se escreve a história da Educação Profissional – caminhos para a historiografia, Ciavatta dialoga com “historiadores de ofício” para apresentar os contornos do que ela e seu grupo de pesquisa entendem por historiografia e para demonstrar como a História da Educação, muitas vezes, ficou fora da atuação dos historiadores. Ao analisar a produção historiográfica em Trabalho- educação, aponta como existe grande número de referências a trabalhos de monta, porém pouco a fontes primárias, objeto de estudo básico do historiador de ofício17. Demonstra que a História da Educação Profissional não se constitui como uma área de relevância nem mesmo para historiadores da Educação, o que pode ser percebido pelo pequeno número de trabalhos na área.
No terceiro capítulo, intitulado História da Educação e do Trabalho no Brasil – O livro de Celso Sudckow da Fonseca, assinado por Sandra Morais e Sânia Ferreira, as autoras analisam o livro História do Ensino Industrial no Brasil de Celso Sudckow da Fonseca explorando não apenas o contexto de produção do livro e o período que ele abarca, mas também as categorias de Contradição, Classes Sociais e Ensino Industrial. Concluem, demonstrando como tal obra tem sido referência indispensável para quem visa estudar a História da EP.
O capítulo que tem por título O Passado Escravista no presente: a Sociologia histórica de Luiz Antônio Cunha – uma releitura é assinado por Maria Ciavatta e Renata Reis. Nele, o objeto de estudo consiste no livro O Ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata de Luiz Antônio Cunha. Dentre as categorias analisadas temos a herança do escravismo, o trabalho manual, a organização dos ofícios e o ensino de ofícios. Concluem demonstrando o caráter moralizante que a EP assumia no contexto colonial e imperial brasileiro (séculos XVI-XIX).
Rosangela Rosa assina o quinto capítulo do livro que tem por título Trabalho- Educação das crianças pobres na Primeira República – o livro de Luciano Faria Filho.
17 A expressão historiadores de ofício emerge do diálogo que esse grupo de pesquisa faz com Marc Bloch em seu livro Apologia a História ou o ofício do historiador, assim como a outros historiadores ligado a École des Annales, tais como a Fernando Braudel e suas categorias de tempo histórico (curta, média e longa duração). Para saber sobre a história da École des Annales, ver: BURKE: 1992.
Ao examinar a obra República, trabalho e educação: a experiência do Instituto João Pinheiro (1909-1934), Rosa (2019) demonstra que o historiador Luciano Faria Filho é autor de um conjunto de textos (dentre artigos, capítulos, livros e coletâneas) sobre a EP. Na obra analisa o período de 1909 a 1934, abrangendo parte da Primeira República (1889-1930) e o Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930-1934), o que o difere das obras analisadas nos capítulos anteriores que tinham como recorte temporal grandes períodos da História do Brasil. Dentre as categorias analisadas temos: alunos, instituição, trabalho, educação, escola, questão social e resistência.
O protagonismo dos pretos e pardos na luta por escola na primeira metade do século XIX – o livro de Adriana Maria Paulo da Silva é o título do sexto capítulo de autoria de Jacqueline Botelho e Mônica Rocha. Ele examina o livro Aprender com perfeição e sem coação: uma escola para meninos pretos e pardos na Corte, que como o analisado no capítulo 5 tem como recorte temporal o período imperial brasileiro e foi escrito por uma historiadora, a saber Adriana Maria Paulo da Silva. Após a análise do contexto de produção do livro e das fontes utilizadas pela autora, Botelho e Rocha (2019) examinam as categorias de Totalidade/ particularidade, classe social, escolarização/escola, trabalho e espaço-tempo.
Maria Ciavatta assina o sétimo capítulo que tem por título A resposta republicana ao problema da infância pobre – o livro de Milton Ramon de Oliveira que analisa o livro Formar cidadãos úteis: os patronos agrícolas e a infância pobre na Primeira República. Tal como o livro de Luciano Faria Filho analisado no quinto capítulo, o de Milton Ramon de Oliveira tem como recorte temporal a Primeira República. Após o exame da obra e dos diálogos realizados pelo autor, Ciavatta (2019) analisa as categorias de infância e adolescência pobres, conformação social da força do trabalho e patronatos agrícolas.
Examinam o livro A História da formação profissional: os passos e descompassos históricos do SENAI-ES de Marcelo Lima, Jordan Rodrigues dos Santos e Lísia Nicolieillo Cariello. O oitavo capítulo analisa tanto o contexto de produção do livro como as fontes utilizadas pelo autor, para, em seguida, examinar as categorias de totalidade, mediação e contradição, trabalho-educação, historicidade do trabalho-educação, formação profissional, mudanças econômicas e educacionais, formação geral e formação profissional, requalificação profissional dos trabalhadores.
O autor analisado no capítulo VIII, Marcelo Lima, assina junto com Jaqueline Botelho o nono que tem por título História da Socialização da força de trabalho em São Paulo (1873-1934) – a contribuição de Carmen Sylvia Vidigal de Moraes. Nele, Lima e Botelho (2019) realizam o estudo da obra socialização da força de trabalho: instrução popular e qualificação profissional para demonstrar como a autora trabalhou as categorias de luta de classes, escola quartel-convento e escola-fábrica-escola. Concluem demonstrando como o modelo do Centro de Formação e Seleção do Estado de São Paulo (CEFESP) foi importante para a constituição do Serviço Nacional da Indústria (SENAI) na década de 1940.
O último capítulo tem por título Relações e tensões entre trabalho, escola e profissionalização – o livro de Silvia Maria Manfredi e tem autoria de Sandra Morais e Rosângela Rosa. Partindo do estudo do livro Educação Profissional no Brasil, Morais e Rosa (2019) demonstram como em seu livro-síntese Manfredi analisa as categorias de tempo histórico, trabalho e profissão, educação e educação profissional, educação dos trabalhadores e movimentos sociais e educação. Em termos de recorte temporal, o livro de Manfredi cobre o maior espectro, iniciando sua análise no período colonial e finalizando nos anos 1990.
Por fim, como demonstrar a importância de uma obra que já nasce como um clássico? Para quem deseja conhecer o campo da Historiografia em Trabalho- Educação e da História da Educação Profissional A Historiografia em Trabalho Educação consiste em uma excelente introdução ao tema. Não há dúvidas que essa obra será adotada em cursos de graduação e pós-graduação como referências básicas no estudo da temática, seja por sua amplitude, seja pela profundidade apresentada. Além disso, não há como desconsiderar que o roteiro de pesquisa demonstrado nos dois primeiros capítulos seja de interesse em pesquisa na área de Trabalho-Educação.
BURKE, P. A Escola dos Annales: a Revolução Francesa na Historiografia (1929- 1989). 2ª Edição. São Paulo: UNESP, 1992.
CIAVATTA, M. et. al. A historiografia em trabalho educação: como se escreve a história da educação profissional. Uberlândia: Navegando publicações, 2019.
FRIGOTTO, G. Prefácio. in CIAVATTA, M. et. al. A historiografia em trabalho educação: como se escreve a história da educação profissional. Uberlândia: Navegando publicações, 2019, p. 1-6.