V.18, nº 37, set-dez (2020) ISSN: 1808-799 X
Arminda Rachel Mourão2 Doriedson do Socorro Rodrigues3 Odete da Cruz Mendes4
Nas disputas entre capital e trabalho, manifestam-se, nos diversos territórios amazônicos, processos intensos de exploração de recursos minero-energéticos, invasão de terras para o agronegócio, monocultivo e criação de animais com o objetivo de atender os interesses do mercado. A fim de o capital se expandir, acumular e concentrar cada vez mais, as ações predatórias visam homogeneização de identidades culturais e, para tentar impedir as lutas de resistência, buscam o silêncio dos povos e comunidades tradicionais.
Entretanto, o movimento de trabalhadores e trabalhadoras nos coloca também as lutas, conquistas e os desafios de homens e mulheres da Amazônia para preservação de suas identidades sociopolíticas, manifestas nos seus modos de produzir a existência, no campo da cultura e da educação, por exemplo. Contestam
1Artigo recebido em 21/09/2020. Avaliado e aprovado pelos editores em 22/09/2020. Publicado em 25/09/2020. DOI: http://doi.org/10.22409/tn.v18i37.46257.
2 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) - Brasil. Professora Titular da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) - Brasil. E- mail:armindaufam@gmail.com. ORCID: 0000-0002-1940-9477.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3864748731992379
3 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA) - Brasil. Docente da Universidade Federal do Pará, Campus Universitário do Tocantins/Cametá - Pará, Brasil. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE/UFPA). Membro do Grupo de Pesquisa História, Educação e Linguagem na Região Amazônica (GPHELRA/UFPA). E-mail: doriedson@ufpa.br ORCID: 0000-0002-5120-2484. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1127076028303549.
4 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Brasil. Mestre em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA) - Brasil. Professora Associada da Universidade Federal do Pará (UFPA). É credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura (PPGEDUC/UFPA), onde orienta pesquisas em temas de política educacional. E-mail: ocm@ufpa.br; ORCID: 0000-0002-1475-3922. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3058470629162300
sociabilidades do capital como forma de resistir à negação da vida imposta pelo modo de produção hegemônico: o capitalismo.
É nessa perspectiva que as produções que compõem o número temático Trabalho, Cultura e Políticas Educacionais na Amazônia analisam lutas e conquistas no campo educacional, com suas contradições, tensões, consensos e dissensos. Enfatizam os contextos socioculturais das experiências vividas por homens, mulheres, crianças, jovens, adultos que vivem e se identificam como ribeirinhos, indígenas, extrativistas, quilombolas, campesinos, dentre outras identidades, nas relações que estabelecem entre si e com a natureza, em unidade dialética.
É bastante emblemática a foto que ilustra a capa da TN 37 – Homem, rio e barco na Amazônia – unidade trabalho e natureza –, do fotógrafo e historiador cametaense Hugo do Carmo Sanches, do Estado do Pará, a quem agradecemos. Sintetiza a unidade do diverso que constitui a Amazônia, em que mulheres e homens, com seus produtos do trabalho, encontram-se integrados ao/pelo rio que lhes movimenta a vida. A embarcação carrega subjetividades construídas nos espaços/tempos das águas, possibilitando à população das comunidades ribeirinhas- extrativistas-agricultoras-quilombolas o acesso à escola. Também carrega lutas contra as investidas do capital, como a Hidrovia Araguaia-Tocantins5, a Hidrelétrica de Tucuruí6 e a de Belo Monte7, no Pará, assim como a de Santo Antônio e a de Jirau,
6 Rodrigues (2012) analisa a questão de saberes sociais e luta de classes, a partir do território de pescadores artesanais, focando também os impactos da Hidrelétrica de Tucuruí sobre as experiências de vida desses trabalhadores, dados os impactos socioambientais advindos com a construção desse empreendimento na região.
7 Padinha (2017, p. 09), estudando os impactos “[...] socioespaciais às escalas da vida das pessoas atingidas, por um “grande projeto”, a UHE Belo Monte, construída no rio Xingu, Amazônia brasileira [...]”, destaca a ação desse projeto como promotor da “[...] re(des)estruturação dos territórios onde são implantados, causando fortes impactos às espacialidades existentes e historicamente constituídas de ribeirinhos, camponeses, indígenas, bem como de moradores da periferia da cidade de Altamira – Pará
– Amazônia”.
em Rondônia, no Vale do Rio Madeira8, que destroem diferentes sociabilidades de povos de comunidades tradicionais desta mesma Amazônia, lhes impondo a luta.
É nesse contexto de unidade homens-mulheres-rio-natureza, pois, que sujeitos históricos lutam por processos educacionais que lhes integrem a existência, com seus modos de produzir a vida. E que, com suas experiências de trabalho e cultura, mediadas pela educação, possam lhes permitir a formação por inteiro, como advoga o homenageado na TN 37, presente na seção Homenagem: o professor Paolo Nosella. A partir do texto O princípio educativo do trabalho na formação humana: una spaccatura storica, o professor ressalta a necessidade de se continuar pautando e lutando por processos educacionais que promovam o acesso à cultura extrema, intensa, plena. Isto significa, na Amazônia, opor-se a processos formativos que intentem formar os trabalhadores e as trabalhadoras pela metade, com a negação de conhecimentos escolares em sua totalidade, sem escolas com infraestrutura adequada, sem a garantia de merenda e transporte escolar, sem bibliotecas, acesso à internet, sem laboratórios, que permitam redescobrir os processos de construção de conhecimentos, a partir do trabalho como princípio educativo, em reflexão no seu texto.
A singela e merecida homenagem da Revista Trabalho Necessário se materializa por meio de texto intitulado Paulo Nosella: um herege no campo Trabalho e Educação?, de Ronaldo Marcos de Lima Araujo e Luciane Teixeira da Silva, no qual os autores refletem sobre a trajetória desse filósofo no campo de estudos e pesquisa sobre Trabalho-Educação. Para o contexto Amazônico, são considerações que nos convidam para a luta em prol dos interesses da classe trabalhadora, opondo- se a toda necropolítica que, nos últimos meses, no contexto da pandemia por coronavírus, tem provocado a morte de um conjunto de homens e mulheres de comunidades e povos tradicionais. Trata-se de assumir, como Paolo Nosella, o fascismo e o socialismo como opostos que nos mobilizem a produção e movimentação política, como bem expressam Ronaldo e Luciane sobre o homenageado: “Assim,
8 Souza (2020, p. 19-20), em seu estudo sobre modos de vida de povos e comunidades tradicionais como formas de resistência ao capital, a partir das categorias trabalho-educação, economia e cultura, salienta que, em Rondônia, “No vale do rio Madeira, a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio comprometeu sobremaneira a vida de povos e comunidades tradicionais. Muitas comunidades foram alagadas e deixaram de existir, sendo seus moradores transferidos para outros lugares”. E destaca: “Em situação de constante alerta com essa situação, os povos e comunidades tradicionais discutem as suas ações na luta”.
fascismo e socialismo foram os opostos que mobilizaram a sua produção e a liberdade foi assumida como o objetivo fundamental da formação humana. Para ele [Nosella], na tese gramsciana do trabalho como princípio pedagógico, o trabalho deve ser entendido como momento educativo da própria liberdade humana, concreta e universal”.
E essa perspectiva política de estudos e pesquisas, como a que se manifesta nos trabalhos aqui reunidos, parte da materialidade histórica vivida nestes últimos anos, com a ascensão de um governo de cunho fascista, destruidor de direitos de povos e comunidades tradicionais, que impõe à comunidade científica progressista posicionamentos contra-hegemônicos, quer na definição de seus objetos de estudos, ligados ao humano e suas necessidades, analisando-os no interior das contradições capital e trabalho, quer na militância a favor da vida, o que pressupõe a luta pela educação por inteiro em diferentes territórios das diversas Amazônias que constituem a Amazônia, principalmente quando consideramos que o Brasil enfrenta um dos piores momentos de sua história.
Assim, além da Pandemia que levou a sociedade a processos de isolamento social, estamos vivendo o ultraliberalismo perverso, o qual submete homens e mulheres à barbárie, cotidianamente. A natureza tem sido devastada, a Amazônia está em chamas, o Mato Grosso enfrenta o maior incêndio de sua história. Há intenso esforço para conter as queimadas. Milhões de trabalhadores e trabalhadores estão desempregados.
Em nome do combate à corrupção, inúmeros atos ilegais são cometidos; além das mentiras (Fake News) vinculadas às redes, temos a proteção imoral à família do presidente. Lideranças são eliminadas – Marielle no Rio de Janeiro, Cacique Francisco de Souza Pereira em Manaus, Emyra Waiãpi em Pedra Branca do Amapari, Carlos Alberto Oliveira de Souza Mackpak em Manaus, Paulo Paulino Guajajara em Bom Jesus das Selvas, Firmino Praxedes Guajajara em Jenipapo dos Vieiras (Todos e todas presentes em nossas lembranças).
O Governo serve aos interesses dos ruralistas, o capital avança com leis que acabam com os direitos dos trabalhadores, ameaçam a educação e a saúde pública. Há perplexidade frente a atos insanos, porém, há esperança e muita luta para a construção de uma sociedade mais justa.
É o que mostra a TN 37, pois mesmo com todas as dificuldades que a pesquisa científica atravessa em todo o país e mais especificamente na Amazônia, pesquisamos, produzimos e construímos a resistência científica, como expressam os Artigos do número temático, a seguir.
Com Solidariedade econômica e descolonialidade do poder: um diálogo com as visões “indígenas”, marxistas e feministas, de Boris Marañón-Pimentel, temos outra visão da economia, denominando-a de solidariedade econômica, que propugna por novas formas de pensar como responder de maneira não eurocêntrica às necessidades da manutenção da vida. Para tanto, o autor apresenta algumas categorias que contribuem para entender esta nova visão. Chama atenção para a relação sociedade natureza, visto que existe um perigo real da destruição das bases materiais da vida planetária. Apresenta a esperança de construção/desconstrução das estruturas do poder colonial.
O texto A terra em pandemia: povos indígenas brasileiros e suas (derradeiras?) infâncias, de Léa Tiriba, Christiana C. Profice e Miguel T. Schlesinger, traz uma reflexão sobre a relação entre os seres humanos e a natureza na perspectiva da ecologia política, a partir de atores principais, os indígenas do Mato Grosso, mostrando que a Pandemia deixou bem visível como os direitos destes povos estão sendo violados. Evidenciam que a realidade cotidiana das crianças indígenas, a forma como são educadas, demonstra respeito para com os infantes e com o planeta terra. A materialidade do trabalho e a sua organização na comunidade de Nogueira/Alvarães/Amazonas é a temática abordada no texto A materialidade do trabalho em territórios das águas, terras e florestas da Amazônia. O campo amazônico são as terras firmes, as águas e as florestas, no qual a força de trabalho relaciona-se com os ciclos da natureza. E a partir dessa realidade, Arminda Rachel Botelho Mourão, Iraci Carvalho Uchôa e Heloísa da Silva Borges constatam a(s) ausência/insuficiências de políticas públicas de Estado, o que faz com que os trabalhadores e trabalhadoras enfrentem constantemente desafios, muito presentes também no setor educacional, o que lhes mobiliza um conjunto de lutas pela manutenção da vida, advogando-se a necessidade de a escola vincular os conhecimentos construídos nessas lutas com o vivido nos processos de ensino e
aprendizagem formais, o que ainda não se verifica.
Benedita Celeste de Moraes Pinto, Vilma Aparecida de Pinho e Beleni Salete Grando, ao apresentarem o artigo, História, memória e educação dos remanescentes quilombolas de Boa Esperança – Pará concluem que, apesar da riqueza cultural dos quilombolas, não há um trabalho efetivo no cotidiano da escola com as experiências culturais das comunidades. Assim, ao resgatar por meio da história oral as reminiscências contidas nas memórias, há a indicação de que a prática escolar tem que ser revista. No texto, o debate sobre processo de integração entre escola e a vida da comunidade, com suas experiências, é tema presente.
Com o artigo Política de formação dos professores do campo: prática de resistência na Amazônia, Hellen do Socorro de Araújo Silva, Carlos Nazareno Ferreira Borges e Maria do Socorro Dias Pinheiro focam suas análises na política de formação de educadores do campo, no contexto amazônico, buscando compreender a inter-relação com a vida dos sujeitos do campo em prol de processos de transformação da própria escola do campo como prática de resistência. Para as autoras e o autor, “O contexto de reconstrução da escola do campo requer [...] maior resistência por uma formação de professores inclusiva e com seu pilar na diversidade e nas políticas afirmativas”.
O trabalho Tecnologias digitais, trabalho docente e tempos/espaços de aprendizagem na Amazônia Paraense, de autoria de Maria Sueli Corrêa dos Prazeres e Ilda Gonçalves Batista, aponta que as mudanças na compreensão espaço/tempo na Amazônia, devido ao uso das tecnologias digitais, são contraditórias, posto que ao mesmo tempo que favorecem os processos de ensino/aprendizagem também desfavorecem o trabalho docente, sendo necessário aprofundar os estudos sobre a questão. No contexto Amazônico, as autoras apontam a necessidade de serem consideradas, nos processos de definição e uso de tecnologias, as realidades vividas pela classe trabalhadora no campo de suas relações de trabalho, no interior dos processos socioeducativos na escola.
Tendo em conta uma escola de ensino médio – a Escola Crescendo na Prática
–, criada no Assentamento Palmares II, Estado do Pará, a partir de lutas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Larissa de Nazaré Carvalho de Aviz analisa o sentido do ensino médio para os jovens trabalhadores, buscando compreender o processo de integração/fragmentação entre os saberes sociais produzidos pelas experiências vividas no assentamento, a partir da categoria trabalho, e os
conhecimentos escolares na formação dessa juventude. Movimento social e a educação: o Ensino Médio na Escola Crescendo na Prática é texto que nos coloca para a discussão educacional na Amazônia a necessidade de integração entre escola e vida, a partir do que fazem os movimentos sociais enquanto intelectuais orgânicos dos interesses dos trabalhadores e a cultura humana presente no universo escolar por meio também dos conhecimentos escolares.
Eleuza de Souza, Maria Edilene Ribeiro e Odete Cruz Mendes, com o artigo A participação da mulher trabalhadora como associada no STTR/CAMETÁ e a sua constituição como ser político, apresentam importante reflexão sobre o processo formativo de mulheres associadas ao Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Cametá – STTR/Cametá, no estado do Pará, como lideranças na organização da entidade, pautando demandas e posições políticas, diante de uma sociedade de patriarcado estrutural, ligado a interesses do capital. Trata-se de texto, no dizer das autoras, que traz “[...] discussões referentes ao modo como essas mulheres se inserem na entidade, pelo modo de sobrevivência no trabalho e nas lutas do próprio sindicato, pautando suas demandas, no intuito de que sejam visibilizadas enquanto agente que como ser, no/pelo trabalho, também, produz sua existência”.
Ao analisar as comunidades tradicionais no estado de Mato Grosso, sob o enfoque materialista histórico e dialético, o texto Pesquisas sobre comunidades tradicionais em Mato Grosso: a unidade do diverso, de Ana Paula Bistaffa de Monlevade, Janaina Santana da Costa e Cristiano Apolucena Cabral, nos traz elementos que nos permitem reconhecê-las como tal. São as histórias, os costumes e as tradições, guardados na memória, que são passados de geração em geração, relacionados com as experiências vividas que permitem constituir a comunidade e lutar por uma outra forma de produzir, sendo uma resistência ao capitalismo que tudo destrói.
Por meio de imagens, Osvaldo Luís Martins de Castro e Doriedson do Socorro Rodrigues desenvolvem reflexões sobre o trabalho artesanal de pescadores/pescadoras. As imagens revelam o ser social pescador produzindo os saberes construídos no cotidiano, relacionando-os com a natureza e com outros homens e mulheres. Na seção Ensaio, com o título Tecnologias de produção da vida em imagens: saberes do trabalho da pesca em comunidades ribeirinhas, os autores
destacam as tecnologias criadas, tais como: O Paredão: uma forma de captura de pescado; O Matapí: a captura de camarões; O Paneiro: instrumento de transporte de produção; O Casco e o Remo: possibilidade de locomoção; Bloqueio ou Borqueio na pesca do mapará: um trabalho colaborativo; O trato do pescado em colaboração no cotidiano da casa; Muquém ou Moquém: a técnica do assado do Mapará. São formas que expressam o modo de vida dos pescadores e pescadoras, a partir de seus processos formativos.
Na seção Entrevista, Océlio Muniz, Membro da Coordenação Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB (RO), com informações concedidas a William Kennedy do Amaral Souza e Mahalia Gomes de Carvalho Aquino, chama a atenção que o governo Bolsonaro, ao procurar soluções para a economia estagnada, ameaça o bem estar da população em prol da produtividade capitalista. Na entrevista, a liderança do MAB afirma que há ascensão da extrema direita que se pauta em ideias fascistas, racistas e machistas, que ataca os direitos e territórios historicamente conquistados pela classe que vive do trabalho e pelas populações tradicionais. Na entrevista, é evidenciado que a luta é de resistência; a luta é pela vida. Na seção Teses e Dissertações, dois resumos são apresentados ao leitor, tomando como foco processos formativo-educacionais experienciados na Amazônia. Ana Maria Raiol da Costa com a tese de doutorado A experiência educativa da Casa Familiar Rural de Gurupá/PA, apresenta-nos importante análise sobre o desenvolvimento do ensino médio integrado à educação profissional do campo, a partir das mediações da Pedagogia da Alternância. Para a autora, a perspectiva formativa analisada, com base nessa Pedagogia, mostrou-se como “experiência educativa de resistência em contraposição ao modelo hegemônico [...], posto que concebe a educação a partir da realidade local, destacando-se a integração de saberes da família, da comunidade e da escola, como “[...] uma experiência de
educação integral no Campo”.
José Rivaldo Arnaud Lisboa, por sua vez, com a dissertação de mestrado Atuação da Igreja Católica na Prelazia de Cametá: o contexto da Educação Popular no período de 1980 a 1999, apresenta-nos discussão sobre o processo formativo de trabalhadores e trabalhadoras a partir de educação de cunho popular oportunizada pela Igreja Católica de perspectiva progressista, com base nas orientações da Teologia da Libertação, no contexto político da ditadura e a abertura democrática no
país. Para o autor, as materialidades produtivas desenvolvidas pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras rurais foram tomadas como elementos importantes para nortear os processos formativos, proporcionando uma “[...] Educação Popular como denúncia da ausência do Estado; a Educação Popular como militância; a Educação Popular com foco na formação e trabalho associados a fatores econômicos; a Educação Popular na perspectiva de atividade ético-política transformadora; a Educação Popular como integração”.
Na seção Memória e Documentos, o professor e pesquisador Francisco José da Silveira Lobo Neto, com o texto Projeto Rondon: relações entre universidade e sociedade, analisa, a partir de Decretos e Leis, a trajetória do Projeto Rondon, observando a relação entre universidade e sociedade, a partir de atividades extensionistas que criavam oportunidades para que um “[...] maior número de estudantes circulasse em campi avançados de suas próprias universidades e de outras universidades”. Essas reflexões, contudo, para além de uma descrição historicista, apontam para se continuar o exercício de atividades extensionistas no país, sendo importante, para tanto, “[...] resgatar critérios como participação das populações locais na formulação e controle das ações; como uma educação da cidadania como aperfeiçoamento de direitos individuais e sociais, e nenhuma submissão às realidades perversas da desigualdade; como uma segurança nacional que integre e desenvolva sustentavelmente a todos; como igualdade de condições de educação e saúde para todos”.
Isto posto, destacamos que os resultados das pesquisas aqui reunidas, a partir de processos de investigação que tomam as contradições decorrentes de uma sociedade de classes, com interesses antagônicos, colocam-se também, no campo das discussões sobre educação e cultura, mediadas pelo trabalho de homens e mulheres, como ações contra hegemônicas a um tipo de sociedade anticulturalista e anti-intelectualista, que intenta uma realidade naturalizadora e silenciadora de desigualdades sociais, em prol do fortalecimento de ethos de vida sob orientações mercadológicas. Trata-se de pesquisas que nos apresentam, na Amazônia – ou Amazônias, com suas amplas diversidades –, a luta de homens e mulheres em proveito de processos formativos de cultura extrema, integrais, que coloquem o humano como sujeito emancipado, pleno de direitos e detentor dos resultados do trabalho, em amplas dimensões da vida.
Por último, apresentamos a seção Artigos - Outras Temáticas contendo cinco artigos, que não deixam de se articular com a tema central da TN 37 - Trabalho, cultura e políticas educacionais na Amazônia. Isto porque, os referidos textos generalizam a importância da reprodução ampliada da vida para além do espaço da Amazônia, como direito inalienável dos seres humanos.
O artigo de George Amaral e Anderson Deo, A relação entre trabalho e educação a partir da ontologia marxiana: apontamentos aos seus fundamentos, propõe a reflexão entre as categorias Trabalho e Educação. Parte da análise produzida por Karl Marx e na abordagem de György Lukács, buscando elucidar a função social que se constituem essas relações para a formação humana, uma imbricada na outra, como elementos constitutivos – nexos constitutivos - no processo de formação humana.
O artigo de Catherine Guillaumin, La formation professionnelle en france: aspects historiques, choix politiques, traductions juridiques et methodologiques põe em evidência as transformações políticas da França e seus aspectos históricos, analisando a legislação sobre a educação no país, especialmente sobre a formação profissional. Como conclui a autora, é “um assunto sempre atual nos debates educacionais e que é necessário atenção para o trabalho realizado nos Centros de Formação”. O texto é rico pela descrição que apresenta, por isso interessante para nós brasileiros, pois pouco sabemos sobre a oferta profissional atual na França voltada para jovens e adultos. Representa um excelente material para estudos comparados em Trabalho-Educação.
O texto de Ecléa Vanessa Canei Baccin e Eneida Oto Shiroma, Contexto histórico de criação do reconhecimento de saberes e competências e suas repercussões sobre o trabalho e a carreira docentes, analisa o que representa para a categoria profissional do magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico – EBTT, o Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC) para a concessão de equivalência à retribuição por titulação para fins de remuneração. Resgata o processo histórico, as resistências, as contradições, os conflitos entre governos-sindicatos, na medida que representa um mecanismo / dispositivo político de certificação de “uma certa” prática docente. As autoras, com suas análises, clarificam a contradição de fundo que o RSC acaba por significar no auto reconhecimento, remuneração e coesão da categorial profissional docente e suas lutas.
Em Reformismo e educação: a escalada liberal brasileira e suas repercussões educativas, Victor Leandro Silva analisa o cenário recente da política brasileira, sinalizando o forte impacto do reformismo ultraliberal trazidos pela mudança do mundo do trabalho e pela Reforma Trabalhista, o que leva ou alcança também o campo educativo, explicitamente com a Reforma do Ensino Médio, para possibilitar os objetivos visados pelas diretrizes da reforma trabalhista. Denuncia o processo de precarização do trabalho, a supressão dos direitos dos trabalhadores, o retorno do neotecnicismo, ampliando o processo de exploração e expropriação do trabalho criativo que estão sujeitos (precariado e uberização), por parte do capital e a consequente fragilização dos trabalhadores da educação e suas lutas.
O texto de Eraldo Souza do Carmo, intitulado Financiamento da educação e as implicações à garantia do direito e qualidade da educação, trata de temática atual e relevante no momento em que se problematiza a política dos fundos, principalmente o FUNDEB. Dialogando com alguns pesquisadores da área da educação e contando com a análise da legislação educacional, o autor, ao problematizar a política de fundos, conclui que o financiamento não representou / apresentou recursos adicionais ou novas fontes de recursos à educação, gerando limites para a sua oferta com qualidade em diferentes municípios brasileiros, além de salientar a não superação das desigualdades educacionais de recursos.
Para finalizar a apresentação da TN 37, gostaríamos de enfatizar que as reflexões que deram corpo a este número temático, cuja centralidade são as relações de trabalho vinculadas às terras, águas e florestas, tendo em vista o trabalho como princípio educativo, sugestivamente tendem a responder questões-problema que afetam as comunidades nos seus diferentes territórios amazônicos. Estas comunidades, ao produzirem suas existências no/pelo trabalho, oferecem inúmeros elementos de investigação que podem abarcar as riquezas culturais, as linguagens e os seus modos de vida, contribuindo assim para as áreas científicas e sociais.
Por meio do Programa de Cooperação Acadêmica – PROCAD(UFPA/UFMT/UFAM) que oportunizou a presente publicação, trazemos um conjunto de estudos sobre os aspectos das riquezas culturais, as linguagens e os modos de vida mediatizados pelas relações seres humanos/natureza. O fato de o PROCAD ter contemplado três universidades públicas federais situadas nos Estados do Pará, Mato Grosso e Amazonas permitiu que, a partir de uma visão plural, se
trouxesse à tona a diversidade e as singularidades da vasta região amazônica. As três universidades, em articulação com pesquisadores e pesquisadoras da Universidade Autônoma do México (UNAM) e de outros institutos federais e universidades brasileiras tomaram por base os saberes e visões cosmológicas ímpares e plurais construídas nos diferentes espaços/tempos existenciais das populações, assim como as determinações do capital e as múltiplas dimensões das políticas públicas de educação para crianças, jovens e adultos trabalhadores/as e, em particular, para indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas da região amazônica.
Pelas reflexões produzidas na composição do presente número temático se pode depreender das realidades analisadas nesse contexto, ao mesmo tempo plural e singular, uma Amazônia que se expressa no trabalho e na cultura dos diferentes sujeitos, entendendo-se o trabalho e a cultura como categorias histórico-ontológicas onde homens e mulheres produzem as suas existências e constroem resistências em favor da vida através das relações estabelecidas no/pelo trabalho, sendo este o ato fundante do ser social. Conceber o trabalho, dessa forma, é reconhecê-lo como práxis social humana, que implica reflexão e ação, tomada de decisão e execução, ou seja, atividade intelectual e, também, atividade manual.
Convidamos o leitor/a leitora a adentrar na proposta que trazemos, que é a construção de uma nova forma de produzir, rompendo com estereótipos e evidenciando que a Amazônia é um espaço ocupado com seres humanos que vivem e pensam o mundo de outras formas, sendo necessário entender que a Amazônia precisa ser preservada.
PADINHA, M. R. Grandes objetos na Amazônia: das velhas lógicas hegemônicas às novas centralidades insurgentes, os impactos da Hidrelétrica de Belo Monte às escalas da vida. 2017. 444f. 2017. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia. Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente.
RODRIGUES, D. do S. Saberes sociais e luta de classes: um estudo a partir da colônia de pescadores artesanais Z-16 Cametá/ Pará. 2012. 337f. Tese (Doutorado em Educação)
– Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, Belém.
SOUZA, W. K. do A. Trabalho-Educação, Economia e Cultura em Povos e Comunidades Tradicionais: A (Re)Afirmação de Modos de Vida como Forma de Resistência. 2020. 222f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense. Niterói.