“Um tributo à escola pública“ Memorial Profª. Eunice Schilling Trein
Faculdade de Educação
Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento.
Processo de Progressão Funcional ao Cargo de Professor Titular
Eunice Schilling Trein
Primavera de 2017
Se é verdade que apenas podemos viver uma pequena parte daquilo que há dentro de nós, o que acontece com todo o resto? 1
Pascoal Mercier
1 MERCIER, Pascoal. Trem noturno para Lisboa. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2013, p.52.
Lembranças e aprendizagens 5
Projetos especiais. 10
25 de UFF. 16
A Docência 16
A Pesquisa. 20
A extensão como dimensão ampliada da docência e da pesquisa 26
A participação em órgãos colegiados e nas funções administrativas. 27
Minha trajetória teórica 30
Palavras finais. 32
Lembranças e aprendizagens
“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado.” 2
Karl Marx Reconstruir uma trajetória é uma tarefa difícil, pois envolve razão e sentimento, memória e fantasia. Quais contornos deve ter um memorial, onde
começa, o que incluir e o que excluir?
O que digo a meus alunos quando interrogada sobre como escolher um objeto de pesquisa? Tenho respondido que deve ser algo que nos agrade ao coração ou nos bata no fígado!
Será este um bom critério para mexer com minhas lembranças? Talvez!
Começo por minha infância, lugares e pessoas.
Nasci em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, detalhe importante: fica na fronteira com a Argentina. Habituei o ouvido ao português e ao espanhol ao mesmo tempo.
Nasci também em uma família que se constitui da mistura de italianos, alemães e franceses. Na cultura de uma família estendida, incluindo tios e primos, aprendi a valorizar o trabalho manual, o cultivo da terra, o conhecimento das plantas medicinais, o respeito à diversidade religiosa e também a independência que o saber fazer nos dá.
Com meu pai, Mário, aprendi três lições que me acompanham: não temer os poderosos; o conhecimento nos liberta; o nosso trabalho manual ou intelectual deve sempre ser orientado por uma função social. De minha mãe aprendi o gosto
MARX, K. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: Obras Escolhidas, vol.1. São Paulo: Ed. Alfa. Ômega, p. 203.
pela arrumação da casa, o que inclui necessariamente a presença de flores, e o gosto pela literatura, que nos enriquece o pensamento e as emoções.
Minhas memórias de infância me conduzem de imediato para o espaço escolar.
Aos 5 anos, fui para o Jardim de Infância em uma escola pública. Lá fiquei apenas três meses, pois não me conformava em reproduzir o que já fazia em casa: brincar, desenhar, descansar e merendar. No entanto, aprendi que mesmo na escola pública não se estabelece a igualdade. Uma coleguinha pediu a minha merenda e eu, surpresa, sugeri que ela pedisse à mãe dela. Em casa, minha mãe me explicou que talvez ela não pudesse ter uma merenda igual. A partir daquele dia passei a levar merenda para nós duas.
Nesse tempo eu já havia mudado para outra cidade por exigência do trabalho de meu pai, um “engenheiro barrageiro”, como sempre o chamei. Não demorou muito, mudamos outras vezes pelo mesmo motivo.
Aos 6 anos, já morando em Porto Alegre, ingressei no antigo Primário e aquele foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Enfim, aprendi a ler!
Com certeza, mesmo sem ser fruto de um raciocínio pronto e acabado, mas, ali, eu já começava a entender que ensinar a ler era o papel fundamental da escola. Aprender a ler significava liberdade e principalmente independência. Me tornei uma leitora voraz de livros de histórias para crianças, passando para romances policiais e livros de aventuras – gêneros que aprecio até hoje.
Ao ingressar no Grupo Escolar “Ildelfonso Gomes”, me tornei o que sou até hoje – filha da escola pública. Aos 11 anos, prestei o meu “vestibular” mais difícil: fiz o exame de admissão para o Instituto de Educação “General Flores da Cunha”. Lá cursei o antigo Ginásio e depois a Escola Normal. Com minha orientadora de Estágio, a Professora Liba Juta Knijnick, aprendi uma primeira lição fundamental sobre o que é ser professora. Ao questioná-la sobre “o que vou fazer com as crianças do 3º ano?”, ela respondeu: “Você acha que sabe alguma coisa que as crianças ainda não sabem?”. “Penso que sim”, afirmei. Então, ela me disse: “pois você vai ensinar o que você sabe e elas ainda não”. Carrego comigo até hoje esta responsabilidade como professora – partilhar o conhecimento. E por isso é tão importante continuar aprendendo.
Lembro Paulo Freire em seu belíssimo texto “A importância do ato de ler”: o educador precisa ser educado porque educa e se educa no mesmo processo. Penso que ele sintetiza minha trajetória escolar desde o momento em que me alfabetizei com a professora Maria Antonieta até o momento em que me formei professora.
Saí do imponente edifício do Instituto de Educação, atravessei a rua e ingressei na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFRGS, para cursar a Licenciatura em Filosofia.
Nosso desfile como calouros se deu em uma grande avenida, todos vestidos de preto, com uma mordaça na boca, ao som de um tambor. Era 1966 e vivíamos sob uma ditadura. Muitos anos mais tarde, quando fui fazer o mestrado no Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas (IESAE – FGV), na entrevista, o professor Victor Valla me perguntou: “Quem é você?” E eu respondi: “sou filha do AI5 e do 477”, me referindo ao Ato Institucional que abalou a nossa sociedade e ao decreto-lei que mudou a face da Universidade Brasileira.
Desde o momento em que ingressei na Universidade, participei ativamente da vida política estudantil, o que trouxe como consequência meu afastamento do país por sete anos. Meu colega de faculdade, Franklin Trein, se tornou meu marido, sendo sempre também companheiro político, amigo, o amor da minha vida.
Nos sete anos em que permanecemos na Alemanha, moramos em diversas cidades, conhecemos pessoas de todas as partes do mundo, aprendemos a língua alemã e nos reconhecemos, ele e eu, em uma cultura que trazíamos de casa, a cultura germânica, que até então não nos parecia tão presente em nosso modo de ser.
De lá eu trouxe um bem precioso, meu filho Luciano. Trouxe também muitos conhecimentos sobre a América Latina, tanto os que aprendi na Universidade quanto os que construí no convívio com os latino-americanos exilados, que chegavam em levas, após cada golpe de Estado que ocorria no continente. Me familiarizei com a Teoria da Dependência nas aulas de André Gunder Frank e Franz Hinkelammert. Ali pude estudar as obras de Theotônio dos
Santos, Vânia Bambirra, Rui Mauro Marini, Fernando Henrique Cardoso, Samir Amin, Gino Germani e muitos outros cientistas sociais.
Outro ganho extraordinário foi ter tido a oportunidade de ler a literatura latino-americana e espanhola, disponível na biblioteca do Instituto Ibero- americano de Berlim, no original. Assim, conheci: Cortazar, Garcia Marques, Vargas Llosa, Carpentier, Lorca, entre outros.
O contato com a obra de Marx, iniciado ainda no Brasil, na Universidade (na militância, não nas aulas), teve continuidade e serviu de incentivo para o difícil estudo da língua alemã.
Como nos diz Marx no 18 Brumário:
"... o principiante que aprende um novo idioma, traduz sempre as palavras deste idioma para sua língua natal; mas, só quando puder manejá-lo sem apelar para o passado e esquecer sua própria língua no emprego da nova, terá assimilado o espírito desta última e poderá produzir livremente nela"3
Ao retornar ao Brasil, em 1977, fui morar em Belo Horizonte, já que Franklin havia feito concurso para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). De lá trouxe outra preciosidade: meu filho José Inácio, apenas nascido na capital mineira e que com nove meses veio para o Rio de Janeiro, mas que se reconhece como mineiro.
Em 1979, decidi ingressar no mestrado. Franklin havia se transferido para a UFRJ e ali conheceu um colega que estudava no IESAE. Em contato com ele, fiz a escolha pelo perfil teórico e político do curso. Em 1980, ingressei no IESAE – FGV, no curso de Mestrado em Educação, onde tive a felicidade de conhecer e estabelecer sólidas amizades com professores e alunos. Sem esquecer tantos outros, destaco Durmeval Trigueiro Mendes, que foi meu orientador até o momento dramático em que o perdemos. Fui aluna de Elter Maciel, Cândido Grizbowski, Zila Xavier, Circe Navarro, do queridíssimo mestre Victor Valla, depois meu colega no programa de Pós-Graduação da UFF. Estudei muito e aprendi muito sobre a situação da educação no Brasil. Em minha banca contei com Zilá Xavier, então minha orientadora, Gaudêncio Frigotto e Moacyr de Góes.
Gaudêncio e Edith Frigotto eu já os conhecia desde os tempos em que estudava na Alemanha e era bolsista da Obra Ecumênica de Estudos, uma
MARX, K. 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: Obras Escolhidas, vol.1. São Paulo: Ed. Alfa. Ômega, p. 203.
instituição que acolhia estudantes de todo o mundo que estivessem em situação de risco por motivos políticos. Ao vir ao Brasil, em 1974, entramos em contato com Gaudêncio e Edith, queridos irmãos, colegas, companheiros – a ponto de, sem que o sejamos, nos tratarmos até hoje por compadre e comadre.
Em 1985, como professora concursada, ingressei no quadro de professores de Filosofia para o 2º grau no Estado do Rio de Janeiro. Atuei, inicialmente, na Escola Estadual “República de Moçambique”, em Bangu. Em 1987, convidada, fui posta à disposição da Prefeitura do Rio de Janeiro, onde atuei junto à Secretaria de Governo, integrando a comissão que instituiu o Programa Meninos do Rio – cuja finalidade era a de criar um “Centro de Educação, Assistência e Apoio para Meninos de Rua e Adolescentes que necessitem Escola ou Assistência Especiais”. O Programa previa ainda a implantação de um “Centro de Atendimento” e de uma “Pousada de Meninos de Rua”. Na ocasião, em estreita ligação com a realidade de tantas crianças e jovens em situação de risco em pleno coração da cidade, vivi tudo aquilo como um elemento de pesquisa que “batia no fígado”. Quem sabe, estava ali apreendendo, no chão da prática, o caráter integral que liga os corações a todo o resto?
Mais uma vez se comprovava a necessidade urgente da presença da escola pública e, mais ainda, da reversão dos níveis de miséria, desigualdade social, desemprego e exclusão de boa parcela dos filhos da classe trabalhadora. Enquanto estive à disposição da Administração Municipal também interagi com o Programa Especial de Educação, materializado na criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Ali permaneci até 1989. Depois passei a integrar o quadro de professores do Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CECIERJ). No Centro de Ciências atuei como professora e coordenadora do programa de Formação Continuada de Professores da Rede Estadual de Ensino na Área de Ciências e da Matemática. Naquele momento eu já havia retornado ao Estado, estando lotada na Secretaria de Estado de Indústria, Comércio, Ciência e Tecnologia.
Permaneci no CECIERJ até novembro de 1991, quando fui requisitada para exercer a assessoria técnica junto à superintendência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), onde coordenei os trabalhos de formação continuada de professores num convênio entre a
Secretaria de Estado de Educação e o Fórum de Reitores. O Programa previa a atuação de professores de diversas universidades situadas no Rio de Janeiro os quais, em encontros presenciais realizados em diversos polos, ofereciam aulas aos professores do Ensino Médio de todo o Estado. Coube à FAPERJ coordenar os trabalhos e viabilizar as bolsas para professores do Estado e os recursos para o deslocamento dos professores das Universidades. Coordenei esses trabalhos até meu ingresso na Universidade Federal Fluminense, em setembro de 1992.
Já em minha “casa”, esta que me preenche a vida profissional até os dias de hoje, é que fiz o meu doutorado, desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Educação na UFRJ e concluído em 1994.
Projetos Especiais
“Talvez, ela escreveu em seu diário, tentando se sentir melhor com suas escolhas”, a História não passe de uma grande bagunça e uma grande injustiça, e a vitória seja sempre errada. Mas uma coisa é certa: homens bons são tão absolutos como as montanhas e igualmente requintados, e enquanto houver quaisquer homens bons valerá a pena viver e estar com eles. E não se pode sentir totalmente desesperado sobre o futuro sabendo que tais pessoas existem, quer vençam ou não” 4
Amanda Vaill.
A narrativa de Amanda Vaill reconstrói a trajetória de três casais de escritores, fotógrafos e jornalistas que registraram a Guerra Civil Espanhola. Nela encontrei a passagem acima atribuída a Martha Gelhorn, escritora e companheira de Hemingway. Os momentos de profundo desânimo que estamos vivendo em nosso país, de falta de horizontes e baseado em perspectivas individualistas, me remetem ao texto do livro para, inspirado nele, dizer que, em diferentes momentos, pude partilhar projetos coletivos que, em certa medida, derrotados, ou, ao menos, concluídos abruptamente, não retiram os méritos daqueles que os conceberam, dos que os compreenderam e implementaram e das conquistas obtidas, ainda que transitórias. Certamente, influenciaram os que neles tiveram
VAIL, Amanda. Hotel Flórida: verdade, amor e morte na Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2016, p.344.
participação e até hoje nos dão testemunho de suas virtudes, com seus acertos e fracassos.
Por ordem cronológica, os menciono a seguir, pois influenciaram o meu modo de ser professora, me deram a certeza da importância da educação pública e me permitiram continuar com o pessimismo da razão, mas com o otimismo da ação, como nos ensinou Gramsci.
Início por minha participação no projeto dos Centros Integrados de Educação Pública – CIEPs.
O final dos anos 70 do século passado e os anos 80 foram tempos de muitas lutas, de esperanças e também de frustações, para aqueles que se engajaram em projetos de construção de uma sociedade mais democrática, mais justa e inclusiva. Esse processo ocorreu não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina na busca da superação dos regimes ditatoriais. As lutas por direitos políticos e sociais se materializaram na expansão do acesso à saúde, à educação, à moradia, ao emprego, à cultura, ao lazer.
Nesse contexto, as Conferências Brasileiras de Educação foram espaços de formulação de propostas para uma educação democrática, comprometida com os interesses da maioria da população. Delas participei e uma política que despontou na ocasião foi a dos CIEPS.
Os Centros Integrados de Educação Pública constituíram-se num projeto, fruto da construção coletiva e zelosa de um grande número de professores, estes sobre quem, como que a representá-los, bem afirma Cecília Goulart: “fizemos o que pudemos fazer, vivemos o que soubemos viver”.
Embora tenha participado do projeto só em sua 2ª fase, fui impactada por uma proposta educacional que se desdobrou em dois momentos entre 1983 e 1988.
“Primeiro a constituição básica da proposta pedagógica de uma escola de horário integral, que não fosse uma escola-modelo, mas sim modelo de escola que pudesse ser seguido, a médio e longo prazo, pela rede escolar como um todo.
E, em um segundo momento, que se construísse, experimentasse, coletivamente, o projeto pedagógico em si, enfim, o funcionamento real desta escola em seu cotidiano."5
Na homenagem que aqui presto a Darcy Ribeiro (in memoriam) e a Lia Ciomar Faria, sintetizo minha gratidão por ter partilhado com tantos e tantas educadoras que tiveram a coragem de sonhar com uma escola pública de qualidade para as classes populares.
O segundo projeto que quero mencionar é o Projeto de Formação Continuada para o ensino de ciências, realizado pela equipe de professores do Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro, que tive a oportunidade de coordenar.
O projeto voltava-se para três objetivos principais:
a valorização do professor, enquanto pessoa e profissional;
a reformulação dos objetivos do ensino de ciências e matemática na escola pública de 1º Grau;
a utilização das ciências como uma das leituras do mundo e ligação dos conteúdos programáticos com a realidade cotidiana do aluno, tornando significativa para ele a aprendizagem de ciências e matemática.
Inspirados em Paulo Freire, buscávamos afirmar que a educação dialógica permite a apropriação do conhecimento pelos educandos como forma de “pronunciar o mundo”. A estratégia pedagógica utilizada, a das “Estações Geradoras” (floresta, mar, campo, indústria e serviços urbanos), constituía-se de espaços interdisciplinares de leitura, releitura, inovação e questionamento das práticas internalizadas por força da “escola bancária”.6
Minha homenagem também à Letícia Parente (in memoriam) e a Guaracira Gouveia de Souza, queridas colegas que, enfrentando tantas dificuldades, sonharam com um trabalho marcado pelo profundo respeito aos mais de duzentos professores de 35 diferentes municípios que participaram dos cursos oferecidos pelo CECIERJ.
Em 1992 chego aqui.
FARIA, Lia. CIEP – A utopia possível. São Paulo: Editora Livros do Tatu,199,1 p.36.
Sobre essa experiência elaboramos o texto: Um projeto em questão: A formação continuada para o Ensino das Ciências, que foi publicado na Revista Contexto e Educação, nº 21, jan./março 1991, p. 56-65, da Universidade de Ijuí/RS.
Quando ingressei na UFF, encontrei um coletivo de professores empenhados em construir um curso experimental de Pedagogia em convênio com a Prefeitura de Angra dos Reis.
O projeto estava baseado na proposta que vinha sendo gestada pelos educadores aglutinados na Comissão Nacional dos Cursos de Formação do Educador e que, em 1990, criaram a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE). Foi no ambiente desta Associação que se formulou o conceito de base comum nacional que veio a servir de eixo articulador para a proposta do curso de Angra.
Duas educadoras intensamente vinculadas à escola pública de qualidade tomam a frente do projeto em uma construção coletiva à qual foram se somando muitos professores, recém concursados, da Faculdade de Educação. Regina Leite Garcia (in memoriam) e Nilda Alves lideraram um processo extremamente enriquecedor por sua perspectiva inovadora e profundamente comprometida com a formação de professores. Tal compromisso se explicitou de diversas formas, mas a mais significativa, sem sombra de dúvidas, foi a organização do curso de Pedagogia
“A proposta curricular elaborada assume, então, que o processo de conhecimento, bem como o caminho curricular, se dá não linearmente, mas como uma espiral aberta, na qual a tensão é constante entre disciplinas e atividades, na construção do tecido das múltiplas relações, entre individualidades e coletivos, e pelos vários trajetos realizados do particular ao geral, e deste novamente ao particular, com a mediação do específico (as habilitações).”7
Ter podido participar ativamente, durante alguns anos, deste projeto foi um aprendizado de um alcance extraordinário para todos nós. O desejo de trabalhar em dois municípios, Niterói e Angra dos Reis, em dois cursos de Pedagogia, com currículos diferentes, nos desafiava a reflexões e ações que se renovavam todas as segundas-feiras nos encontros coletivos de planejamento, evento totalmente inédito em nossa rotina acadêmica. A afirmação de que "todo o professor deve ser formado para ser um pesquisador da própria prática" – eixo de proposta curricular do curso de Angra e que depois inspirou a reforma curricular do curso
ALVES, N; GARCIA, R. L. A construção do conhecimento e o currículo dos cursos de formação de Professores na vivência de um processo. In: Formação de Professores: pensar e fazer. LINHARES, Célia et al., 3ª ed., São Paulo: Cortez, 1995.
de Pedagogia de Niterói – precisava ultrapassar a mera palavra de ordem e se converter em uma prática pedagógica a se firmar na contramão das formulações existentes para todas as licenciaturas baseadas na fórmula do 3+1, nas quais a prática, naquela concepção, se realizava no período do estágio, ao final do curso. A nova proposta entendia a pesquisa e a prática como eixo articulador, presente ao longo do curso, por meio das disciplinas, atividades culturais, encontros nas escolas, processos avaliativos individuais e coletivos, seminários interdisciplinares e participação na construção do projeto político-pedagógico das escolas onde muitos alunos do curso até já atuavam.
Os três projetos, mencionados até aqui, possibilitaram retomar as reflexões desenvolvidas em minha pesquisa que resultou na dissertação de mestrado intitulada “Educação Popular: instrumento de fortalecimento da sociedade civil – desafio dos anos 80”, que defendi na FGV. Nela busquei fundamentar teoricamente a defesa intransigente de uma escola pública, laica e gratuita, que se constitua em espaço de educação popular, compreendida como aquela que se exerce a serviço dos interesses da classe dominada.
Naquele momento, muitos trabalhos acadêmicos negavam o espaço da escola pública como espaço de educação popular, entendendo-a apenas como espaço de reprodução de ideologia da classe dominante. Negavam as contradições presentes na escola e desacreditavam ser ela um espaço em permanente disputa que não pode ser abandonado.
Minha participação nos CIEPs, principalmente na Educação Juvenil, nos cursos do CECIERJ e depois no curso de Angra, só fortaleceram minha convicção acerca da importância da formação de professores para a escola pública, com o máximo de compromisso e competência que possamos dispender para sua realização.
O quarto projeto que quero destacar é o Projeto Managé. Este projeto parte de demandas locais das comunidades pertencentes à Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana. Seu ponto de partida foi a avaliação da situação ambiental da Bacia do Itabapoana, apoiando-se num levantamento de dados sociais e de seu espaço físico de produção. Para a realização dessa pesquisa inicial contamos com sete grupos de trabalho de diferentes áreas de conhecimento. Eu era responsável pelo GT7 – Educação ambiental.
Após o diagnóstico, fizemos mais de 40 missões à região, estabelecendo contato com prefeitos, vereadores, secretários municipais, lideranças dos movimentos sociais organizados, de forma a socializarmos as informações obtidas. Nosso trabalho objetivava cumprir os propósitos do projeto, ou seja, "articular, coordenar e desenvolver propostas institucionais integradas com a finalidade de viabilizar a indicação de políticas e formas de intervenção que visassem a melhoria da qualidade do ambiente e da vida da população na Bacia do Rio Itabapoana, em consonância com o Plano Diretor da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica."
Na segunda fase do projeto pudemos contar com o apoio dos pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo e da Universidade Federal de Viçosa – MG. Os municípios que integram a Bacia de Itabapoana estão assim distribuídos: 5 no Estado do Rio de Janeiro, 9 no Estado do Espírito Santo e 3 no Estado de Minas Gerais. O trabalho que realizamos na região, por mais de quatro anos, me proporcionou vivenciar de forma cabal a indissociabilidade entre docência, pesquisa, extensão, administração e ação política. Iniciei minha participação em 1995 e em 1998, quando assumi a coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, fui me afastando do projeto, principalmente dos trabalhos de campo.
A coordenação competente e comprometida do Prof. Airton Bodstein de Barros e de toda a equipe que se somou ao projeto – professores, estudantes, técnicos – permitiu o êxito do trabalho e o seu reconhecimento nacional e internacional. Ainda hoje encontramos nos municípios partícipes muitos desdobramentos dos conhecimentos produzidos pelas equipes do Projeto Managé. Homenageio aqui, além do Prof. Airton, coordenador do projeto, o Prof. Ivan de Oliveira Pires (in memoriam), geógrafo e ambientalista, alguém que muito lutou também pela preservação da Baia da Guanabara.
Certamente, participar de todos estes projetos enriqueceu minha compreensão quanto ao papel da educação pública para além dos muros da escola, mas sem prescindir do que vai em seu cotidiano. Permitiu também uma interlocução diferenciada com educadores do interior do Estado, que vivenciam outros desafios, próprios de suas comunidades, comunidades bastante
diferenciadas, formadas por pequenos agricultores, pescadores, quilombolas, populações indígenas.
Registradas essas memórias, imagino ter evidenciado o motivo de escolha da epígrafe que abre esta seção do memorial. Na verdade, ela sintetiza minha vivência em processos coletivos de trabalho em que alguns ousam sonhar mais alto, nos impulsionam a superar o desânimo, a descrença e o pessimismo e a querer ir mais além do que nos é consentido.
25 anos de UFF
"Se se aliena parte do povo da possessão plena dos instrumentos de sua inserção na polis, é claro que os próprios instrumentos se debilitam e são relegados a uma situação de inferioridade. Isto vale dizer que se a maioria não conta para a construção da cidade, não há por que refinar os instrumentos com os quais ela deveria contribuir para tal construção"8 (Durmeval Trigueiro Mendes)
A Docência
Meu ingresso como professora na Faculdade de Educação da UFF se deu no momento em que o Departamento de Teoria e Prática de Orientação Educacional e Vocacional incluiu no currículo de Pedagogia a disciplina Trabalho e Educação. Foi um período em que se fazia um grande movimento no Brasil para ressignificar o trabalho do Orientador Educacional, ocasião em que se buscava superar o conceito naturalizado de vocação para entender que a escolha profissional se dá em um contexto sócio-histórico, que condiciona as possibilidades dos jovens no momento de realizar esta escolha. As obras de Celso Ferretti e Regina Leite Garcia, só para citar alguns exemplos, inspiraram essa mudança que ocorria em nosso curso de Pedagogia. Assim, desde 1992 até hoje, venho lecionando esta disciplina que, primeiro teve a denominação de
TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Existe uma filosofia da educação brasileira? Tentativa e esboço. In: TRIGUEIRO MENDES, Durmeval et al. Filosofia da Educação Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 3a edição, 1987, p. 52.
Trabalho e Educação e, depois da revisão curricular que realizamos, passou a se chamar Trabalho, Educação e Produção do Conhecimento. Além dessa disciplina, venho trabalhando com Educação e Meio Ambiente. Primeiro, trouxe esta temática do componente curricular das “Atividades Culturais”, oferecido aos alunos de Pedagogia ao longo do curso. Com a reforma curricular transformamos esta “atividade” em disciplina optativa e eletiva e passei a oferecê-la tanto para os alunos de Pedagogia quanto para os das demais licenciaturas.
Durante o período em que lecionei em Angra ministrei diversas disciplinas, entre elas: Trabalho, Cultura e Escola; Pesquisa e Habilitação; Interdisciplinaridade nas séries iniciais.
Em 1993, por iniciativa da Associação de Educadores Latino-americanos e Caribenhos – AELAC/Brasil, criamos um curso de pós-graduação “lato sensu” em Educação Ambiental na Faculdade de Educação da UFF em convênio com a Faculdade de Educação da UFRJ. Coube a mim a coordenação do curso. Como representantes da UFRJ, participaram da elaboração da proposta, da oferta de disciplinas e do acompanhamento dos alunos os professores Roberto Leher e Ronaldo S. de Castro.
Assim, minha trajetória como docente tem sido marcada por estas duas linhas temáticas, tanto na docência quanto na pesquisa e na extensão: Trabalho e Educação e Educação e Meio Ambiente. Mantenho sempre como categoria central em minhas aulas, pesquisas e publicações o conceito de Trabalho.
Outra disciplina que ministrei com regularidade foi Pesquisa e Prática Pedagógica que, como já expus, em relação ao curso de Angra, pauta-se na perspectiva da formação do professor pesquisador de sua própria prática. Tal componente curricular se desenvolve buscando articular teoria e prática num diálogo entre as disciplinas previstas na grade curricular e a realidade da escola ou de outros espaços educativos.
Na pós-graduação venho ministrando as disciplinas: Epistemologia; Seminário Permanente de Produção do Conhecimento; Teoria I (exclusiva para o doutorado); Estudo Independente Supervisionado; Tópicos Especiais em Trabalho e Educação.
Nestes 25 anos, como professora na UFF, penso que lecionei para mais de quatro mil alunos. Em todos os níveis de ensino – graduação, pós-graduação “lato
sensu” e pós-graduação “stricto sensu” – tenho me empenhado em realizar o que entendo como responsabilidade da universidade: a produção e sistematização do conhecimento, conjugando no seu fazer a dimensão científica e a dimensão política.
Nessa trajetória procurei sempre articular a docência, a pesquisa e a extensão de forma a responder aos desafios que emanam do ambiente escolar e do mundo do trabalho.
A docência tem me permitido construir relações de confiança, respeito e afeto com meus alunos. Isso se desdobra nas orientações de monitorias, de iniciação científica, de trabalhos de conclusão de curso de graduação, de monografias de pós-graduação “lato sensu” e de dissertações de mestrado.
O reconhecimento de meus alunos tem se manifestado nas diversas vezes em que fui escolhida como professora homenageada, paraninfa e patrona de turma.
Meu trabalho como docente se ampliou para cursos de formação continuada e cursos de extensão, desenvolvidos dentro e fora da UFF, em convênios com o Sindicato dos Professores, com o Movimento dos Trabalhadores sem Terra e também num longo e profícuo trabalho em parceria com o Departamento de Educação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
As atividades de ensino têm me propiciado acompanhar as transformações pelas quais tem passado o espaço escolar e o exercício do magistério, onde observo que o crescente condicionamento da educação aos ditames da lógica empresarial vem retirando, paulatinamente, a autonomia do trabalho docente:
“Os professores vão perdendo o domínio sobre o próprio trabalho, são dirigidos por regras que não estabeleceram e submetidos a avaliações cujos critérios não foram democraticamente consensuados”.9
Hoje vemos o avanço de várias formas de intervenção externa nas escolas, dentre elas, talvez a mais preocupante, a autodenominada “Escola Sem Partido”, que escamoteia, sob este pseudônimo, uma proposta de introdução do pensamento único na escola, naturalizando as diferenças socioculturais, as
TREIN, Eunice, LIMA, Jacqueline Girão Soares. Implicações curriculares e pedagógicas da entrada de empresas em escolas públicas na promoção do desenvolvimento sustentável. In: LOUREIRO, Carlos Frederico B., LAMOSA, Rodrigo
D.A.C. (orgs.). Rio de Janeiro: Quartet: CNPq, 2015, p.206-207.
desigualdades sociais e os condicionantes históricos, que estão na raiz dos problemas educacionais brasileiros.
Tal abordagem atribui aos professores a responsabilidade pelo fracasso escolar de seus alunos, induzindo a sociedade a acreditar que tudo se resolverá com a formação continuada dos professores, a introdução de “mais ordem” nas escolas e do ensino de disciplinas curriculares de forma “neutra”, abstraindo que todo conhecimento humano é fruto de uma construção histórica, mediada por visões de mundo e intencionalidades construídas coletivamente. Por outro lado, nos deparamos com um ambiente escolar que, em virtude da violência à qual está submetida toda a sociedade e muito principalmente as populações mais empobrecidas, se torna mais inóspito, o que explica, em parte, o afastamento dos jovens da carreira do magistério.
Ao longo de todos estes anos testemunhei uma sensível mudança no perfil do alunado de Pedagogia. Se nos anos de 1990 ainda contávamos com um número expressivo de alunos – professores formados na Escola Normal – hoje, dificilmente, os temos nas salas de aula. Muitos dos estudantes mais recentes nos manifestam que estão no curso de Pedagogia, porém, desejam seguir outra carreira profissional e que seu ingresso no curso se deve à baixa pontuação por eles obtida no Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM).
Todas essas questões estão presentes nas atividades cotidianas da Faculdade de Educação. De uma forma ou de outra expõem a complexidade da trama que me trouxe até aqui. Também neste lugar, a minha trajetória me confirma a integralidade do mundo do trabalho e o tanto que o espaço da educação não caminha sozinho, dentro de si. A reorganização curricular, os programas das disciplinas, os projetos de pesquisa e de extensão que debatemos nas reuniões departamentais, nos colegiados de graduação e de pós-graduação, nos induzem, permanentemente, a articulações coletivas mais amplas. Daí o meu engajamento e participação nos fóruns da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), da ANFOPE, dos Conselhos Municipais de Educação, nos GTs da Associação de Docentes da Universidade Federal Fluminense (ADUFF) e do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES).
As questões que emergem da prática docente se convertem em desafios à pesquisa numa demonstração da indissociabilidade entre ambas. Vivenciamos a pesquisa em seus desdobramentos nas ações de extensão e de publicização de seus resultados por meio das publicações, e ainda pela apresentação de trabalhos em congressos, palestras, conferências ou participação em bancas, entre outras tantas atividades acadêmicas.
A Pesquisa
As pesquisas que venho desenvolvendo desde o mestrado estão voltadas para as questões onto-epistemológicas que dão sustentação ao meu trabalho com as temáticas do mundo do trabalho e dos modelos de desenvolvimento e suas consequências socioambientais. Estas questões incluíram novos objetos, na medida em que fui orientando trabalhos de pesquisa de meus alunos na graduação e na pós-graduação. Minha produção bibliográfica expressa este percurso, assim como ele se manifesta nas escolhas bibliográficas e nas estratégias metodológicas utilizadas nas disciplinas que ministro na graduação e na pós-graduação. Caminhos cruzados, como não poderia deixar de ser.
Tanto minha dissertação de mestrado – “Educação Popular – instrumento de fortalecimento da sociedade civil: desafio dos anos 80” – como minha tese de doutorado – “Trabalho, cidadania e educação: entre projeto e a realidade concreta, a responsabilidade do empenho político” – que desenvolvi no Programa de Pós-graduação em Educação na UFRJ, concluído em 1994, incorporavam como objetivo central explicitar em que medida a educação, através de uma escola pública, laica e gratuita – orientada por uma perspectiva unitária e politécnica – deve estar comprometida com a construção integral do ser humano e com a construção de uma sociedade emancipada. Para tanto, discuti o espaço escolar como aquele em que se explicita a disputa de diferentes projetos societários, seus desdobramentos no mundo do trabalho e suas consequências socioambientais.
Ao ingressar como professora na pós-graduação stricto sensu, dei início a um novo projeto de pesquisa que buscava tanto articular as temáticas com as quais estava trabalhando na docência e na extensão como dar suporte às orientações de monografias e dissertações. O projeto “Trabalho e Meio Ambiente: repensando a relação homem-natureza e suas consequências para a educação” tinha como objetivo geral discutir as características da crise do modelo capitalista de desenvolvimento face aos limites ambientais. A análise que empreendi visava abarcar as mudanças nos processos de trabalho e suas consequências para a educação. Para tanto, parti de uma perspectiva epistemológica e ontológica em que a relação homem-natureza é entendida como mediada pelo trabalho.
Desde 1995 minhas pesquisas individuais passaram também a se articular com as pesquisas do campo de Trabalho e Educação do Programa de Pós- Graduação em Educação da UFF. Assim, estabeleci um profícuo diálogo com os trabalhos dos pesquisadores do GT Trabalho e Educação da ANPEd, por mim integrado desde 1992, e para o qual, em setembro de 1993, fui eleita coordenadora, para um mandato que se estendeu de setembro de 1993 a setembro de 1996.
Durante esse período e nos anos seguintes, acompanhei a trajetória do GT, o que me permitiu escrever e publicar quatro textos por meio dos quais, juntamente com Iracy Picanço e Maria Ciavatta, fiz um balanço das temáticas ali trabalhadas, tendo participado intensamente da elaboração de uma pauta de questões que mereciam aprofundamentos.
Ao longo destes 25 anos acompanhei as atividades da ANPEd como expositora de trabalhos e participante de mesas redondas. Em muitas oportunidades ministrei minicursos encomendados no GT9 (Trabalho e Educação) e no GT22 (Educação Ambiental), bem como apresentei trabalhos encomendados nos dois GTs.
A outra atividade que considero de grande relevância foi minha participação, no biênio 1998-1999, como Coordenadora do Fórum de Coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Educação (FORPRED) da ANPEd. Naquela ocasião, a área havia sofrido um grande revés com a implantação da nova sistemática de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Vários Programas
obtiveram notas 1 e 2, além das Pró-reitorias de Pesquisa e Pós-graduação terem recebido a sugestão de fecharem os cursos mal avaliados e de reabri-los com nova proposta. A situação gerou, no âmbito do Fórum de Coordenadores, uma série de discussões que procurei não apenas acompanhar e colaborar como também oferecendo sugestões de encaminhamento na contramão do que havia sido sugerido pela comissão de avaliação da CAPES. Pleiteamos uma revisão dos critérios utilizados e fizemos gestões junto às Pró-reitorias no sentido de que oferecessem apoio aos professores para que fossem feitas modificações nos respectivos Programas, sem encerrar suas atividades e tampouco desfigurar suas características peculiares.
Detalhando minha atuação, durante o período em que coordenei o Fórum, apresentei um breve relatório durante a Assembleia Geral da 22ª Reunião Anual da ANPEd. Foi um período que considero de relevante trabalho, em que realizei 14 viagens pelo Brasil, visitando os Programas e participando de reuniões gerais. Na ocasião, também tomei parte de encontros de sociedades científicas em defesa dos recursos para Ciência e Tecnologia que estavam sendo contingenciados.
O breve, porém, intenso período à frente do Fórum foi, talvez, o maior desafio que enfrentei em todo o meu tempo na Universidade. Naquele momento eu acumulava a coordenação do Fórum e a coordenação do Programa de Pós- Graduação em Educação da UFF, este que também se ressentia dos efeitos da avaliação então promovida pela CAPES.
Aquele foi um tempo em que os alunos da primeira turma do doutorado iniciavam suas defesas; também estávamos redefinindo as linhas de pesquisa, buscávamos articular melhor o mestrado e o doutorado, bem como ampliar o diálogo entre a graduação e a pós-graduação. Todas estas atividades se davam num contexto de falta de recursos financeiros e de pessoal, algo semelhante – ou mesmo, acredito, o início – do que nos acomete nos dias atuais. Durante dez anos, praticamente, não tivemos concursos nas Universidades Federais, convivemos com congelamento de salários e contingenciamento de recursos para Ciência e Tecnologia.
Naquele período, vimos as políticas públicas para o setor da educação debilitarem e relegarem a uma situação de inferioridade os instrumentos que
possibilitariam à população brasileira sua participação mais qualificada na definição de um projeto de sociedade democrático e includente. A Universidade, como espaço privilegiado de reflexão e construção do conhecimento, lutava, como vem lutando agora, contra o processo de privatização e de sucateamento, um processo já iniciado nos anos 1990.
Meu tempo de coordenação do Fórum e do Programa de Pós-Graduação também foi um tempo de estudos sobre as políticas de pós-graduação no Brasil, estudos que resultaram em palestras e participações nas reuniões promovidas pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela ANPEd.
Complementar aos trabalhos de docência e pesquisa, realizei ao longo de todos estes anos atividades externas à UFF como consultora ad hoc da CAPES, FAPERJ, Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e ANPEd. Integrei conselhos editoriais de inúmeras revistas, comitês científicos de eventos acadêmicos e participei, como representante da ANPEd, do comitê do Programa de Educação para Competitividade (PROEDUC) – FINEP.
Ocupa um lugar de destaque nesta minha trajetória a participação que tive no Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação – NEDDATE (UFF). Desde meu ingresso na pós-graduação, passei a integrar a equipe do Núcleo, coordenado, na época (1995), pelos professores Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta. O Núcleo reunia também alunos mestrandos e doutorandos, bolsistas de iniciação científica, professores da graduação e da pós- graduação e bolsistas de apoio técnico.
Desde sua origem o Núcleo se congrega em torno dos seguintes objetivos:
estimular a produção da pesquisa científica na área de trabalho e
educação e temas afins, tanto na pós-graduação como na graduação;
formar novos pesquisadores através da orientação de mestrandos, doutorandos e bolsistas;
criar um espaço de reflexão, ação e intercâmbio com os movimentos sociais e com outros grupos estudiosos desta temática;
promover a catalogação e a organização da documentação, cuidar da sua divulgação e dar acesso a outros pesquisadores;
professores, estudantes e movimentos sociais.
Este trabalho se desdobrou na publicação do Boletim NEDDATE, que mais tarde, em 2003, se converteu na publicação online da Revista Trabalho Necessário.
O elemento mais significativo no tocante à minha trajetória no NEDDATE foi o contato com meus alunos e orientandos. Tive a felicidade de ser professora de todos os alunos que fizeram sua pós-graduação – mestrado e doutorado – no campo de confluência Trabalho e Educação. Tal fato se deve a que sempre estive presente na disciplina Seminário Permanente de Produção do Conhecimento ou nas que tiveram outras denominações – Seminário de dissertação, Seminário de tese – que nós denominamos simplesmente “Orientação Coletiva”. Nela, reunimos todos os alunos do mestrado e do doutorado e discutimos conjuntamente as pesquisas de cada um; seguimos leituras de aprofundamento, trabalhamos questões teórico-metodológicas, entendendo que a produção do conhecimento, embora seja autoral, não elide a dimensão coletiva.
Essa satisfação se estende para a minha participação em mais de 160 bancas de mestrado e doutorado, especialização e graduação.
Em 2007, solicitei um período de Licença Capacitação para realizar o levantamento de fontes relativas a um novo projeto de pesquisa, sob o título de “A contribuição do pensamento crítico para a educação ambiental: a ilusão do desenvolvimento sob o modo de produção capitalista”, supervisionado pela Profª. Maria Ciavatta.
Tal pesquisa se deveu, em grande parte, à minha participação no Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/FE/UFRJ). Constituído em 2004, o Laboratório é um espaço importante de discussões sobre a Educação Ambiental Crítica e de formação de mestres e doutores que atuam na área, não apenas nas escolas e na universidade, mas também em diversos órgãos públicos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio), Jardim Botânico do RJ e órgãos ambientais sediados nos Estados e Municípios.
Em 2013, solicitei afastamento para realização de meu pós-doutorado sob orientação da Profª. Maria Jaqueline Girão S. de Lima, da Faculdade de Educação da UFRJ e também vinculada ao LIEAS. Naquele período, dei início ao
projeto "A educação ambiental na escola: novos desafios à educação ambiental crítica". Tal projeto teve uma dupla vinculação: por um lado, estava articulado à linha de pesquisa sobre “A reconstrução histórica da relação trabalho e educação” do PPG em Educação da UFF; por outro, articulava-se ao projeto “Educação ambiental nos contextos formais e não formais: políticas e formação”, coordenado pela Profª. Jaqueline Girão. Nele se explorava a relação homem-natureza no contexto da crise do projeto civilizatório capitalista e suas implicações no campo da educação.
No período do pós-doutoramento realizei um estudo exploratório junto a algumas escolas de rede municipal do Rio de Janeiro (2ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), buscando compreender tanto de que forma as escolas têm incluído no currículo as temáticas socioambientais, como também verificar de que modo as avaliam.
Há muitos anos venho participando dos debates epistemológicos, teóricos e práticos, no campo da Educação Ambiental, sendo que, nos últimos 10 anos, participei ativamente dos Encontros de Pesquisa em Educação Ambiental (EPEA), nos quais, juntamente com a Profª. Dra. Rosa Maria Feitero Cavalari, coordeno o GDP (Grupo de Discussão) “Pesquisa em Educação Ambiental e Questões Epistemológicas”.
Desta interface entre as temáticas Trabalho e Educação e Meio Ambiente, materializada nos projetos de pesquisa que realizei, resultaram 23 dissertações de mestrado, 23 monografias de graduação em Pedagogia, 5 monografias de pós-graduação lato sensu, diversas orientações de iniciação científica e de monitoria, além de participação em bancas, anteriormente mencionadas.
De modo idêntico a experiências anteriores, os resultados dessas pesquisas foram socializados por intermédio de trabalhos apresentados em congressos, palestras, conferências, mini-cursos e textos encomendados. Para além dessa disseminação, foram publicizados em 23 publicações de artigos em periódicos e 14 capítulos de livros indexados no sistema Qualis CAPES.
Meu engajamento nas reuniões bianuais do EPEA tem significado um importante espaço de discussão sobre as políticas públicas, referentes à educação ambiental, e uma singular oportunidade de participação no debate que ocorre hoje no campo da pesquisa entre as vertentes de educação ambiental
crítica e a perspectiva conservadora, está com forte influência do pensamento empresarial, que procura apropriar-se da noção de “desenvolvimento sustentável” de forma a adequá-la às exigências de reprodução da lógica capitalista. Provoca- me entusiasmo estar ombro a ombro no EPEA, em articulação com o GT22 (Educação Ambiental) da ANPEd, em sua tarefa de implementar ações conjuntas de debates e enfrentamento das políticas públicas em educação ambiental no contexto escolar, contribuindo para a construção de um conhecimento crítico e problematizador, que se potencialize nos espaços de formação de professores.
A extensão como dimensão ampliada da docência e da pesquisa
Os trabalhos de extensão, para além do Projeto Managé, anteriormente citado, são objeto de minha permanente preocupação, pois defendo que sejam entendidos como momentos especiais de interação com a sociedade e espaço de escuta sobre novos desafios à pesquisa e à docência.
Durante o período em que atuei junto ao curso de Pedagogia em Angra dos Reis realizamos um consistente processo de extensão. Participei, ativamente, dos seminários de avaliação e de planejamento promovidos pela Secretaria de Educação, onde tínhamos contato tanto com os professores quanto com os alunos da rede municipal. Muitos desses profissionais eram nossos alunos e suas preocupações se transformaram em monografias de final de curso, em propostas de intervenção no projeto político-pedagógico das escolas e na produção de materiais inovadores. Também no curso de Pedagogia de Niterói realizamos trabalhos coletivos em parceria com as escolas municipais, seja pela participação de nossos alunos nas escolas da rede, seja pela presença de professores em cursos de extensão oferecidos sobre temáticas por eles demandadas. A oferta de cursos, palestras, material audiovisual e publicações específicas constituíram-se em ações extensionistas junto a movimentos sociais, em sua busca junto à Universidade necessitando de suporte para elaborar ações de caráter mais duradouro e transformador. Ao longo dos anos destaco ainda a minha parceria com o Núcleo de Educação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com o qual realizei vários cursos de extensão para professores e servidores de órgãos públicos responsáveis por políticas ambientais de nosso Estado.
Registro aqui, por fundamental em meu ponto de vista, que todos os trabalhos de docência, de pesquisa e de extensão demandam ainda, para a sua realização, de forma articulada e coerente, além do trabalho individual e coletivo – de professores, servidores técnicos e alunos – o suporte de instâncias administrativas, onde se definem e implementam os Projetos de Desenvolvimento Institucional. Assim, entendo que a Universidade não se assenta apenas sobre o tripé Docência, Pesquisa e Extensão, senão que exige uma permanente articulação com os seus componentes Administrativo e o Político.
A Participação em órgãos colegiados e nas funções administrativas
"Por maior que possa ser a influência exercida por alguns indivíduos especiais, as mudanças históricas mais profundas e mais significativas, aquelas que afetam mais decisivamente as sociedades, são modificações que dependem sempre da participação coletiva, das ações empreendidas por grandes grupos humanos”10
Leandro Konder Desde que ingressei na UFF tenho me empenhado em participar das instâncias coletivas. Destaco como espaços relevantes para os quais fui eleita o Conselho Universitário, o Colegiado de Unidade, o Colegiado do Curso de Pedagogia de Angra os Reis, a Direção da ADUFF e o Conselho de
Representantes da ADUFF.
Para o Conselho Universitário fui eleita como representante dos professores do Centro de Estudos Sociais (CES), que congregava as unidades: Faculdades de Educação, Direito, Economia, Serviço Social e Administração. Exerci meu mandato por quatro vezes, sendo duas como membro titular e duas como membro suplente.
Durante os oito anos em que atuei naquele Conselho, pude construir uma visão abrangente da cultura institucional da UFF, tendo também acompanhado a formulação de projetos de universidade que disputavam a condução de soluções para problemas que, muitas vezes, atingiam Unidades de Centros diversos do que eu representava. Essa experiência junto ao órgão deliberativo máximo da
KONDER, L. Os Sofrimentos do "Homem Burguês". São Paulo: Editora Senac, 2000, p.72.
Universidade foi de grande aprendizado. Afinal, tal Conselho representava um espaço de embates, disputas e negociações que fortalece a democracia interna e que cobra de cada um de nós uma visão histórico-processual das políticas públicas e suas implementações numa sociedade dependente. Lá estar, estudando, debatendo e intervindo é ação necessária, uma vez que desde os anos 90 do século passado estamos submetidos a uma crescente reorientação do setor de serviços pelo capital. A educação não mais considerada como direito mas como serviço, passou a sofrer cada vez mais pressões econômicas e culturais, tanto pela imposição de processos de privatização quanto por ser considerada espaço privilegiado de formação de uma nova sociabilidade para o mundo do trabalho. Isso, numa sociedade mercantilizada em que o mundo do trabalho foi reduzido ao mercado de trabalho.
Nos anos 2000 pude acompanhar, discutir e enfrentar toda a discussão em torno do Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. Seu objetivo seria a criação de condições de ampliação, acesso e permanência no ensino superior. Certamente, um objetivo almejado por qualquer sociedade efetivamente democrática. No entanto, as vivências, para além dos muros da Universidade, nos faziam alertar a comunidade acadêmica para os riscos de implantação de tal projeto em uma universidade pública que já vinha em um processo de sucateamento pela deficiente reposição do quadro de professores e técnicos administrativos, após as levas de aposentadorias ocorridas durante os governos de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso. Ao lado dessa redução, acontecia também a diminuição de recursos financeiros de custeio. Vivenciamos hoje enormes problemas, como a multicampia, a intensificação do trabalho docente, a ampliação do número de estudantes sem os recursos para sua permanência (transporte, moradia, bandejão, bibliotecas, laboratórios e salas multimídias), sem falar na estrutura que se ampliou de maneira precária no interior do Estado na forma de salas – contêineres.
Os quatro períodos de dois anos em que estive no Conselho Universitário, incluindo aquele em que fiz parte da Câmara de Assuntos Educacionais e Comunitário, me permitiram ampliar a visão que tinha sobre o ensino superior brasileiro e os desafios que a universidade pública enfrenta, se não quisermos
nos ajustar ao conformismo e pretendermos continuar defendendo a construção de outras possibilidades societárias.
No mesmo sentido, destaco minha participação no Colegiado de Unidade, onde completo agora o 5º mandato (não consecutivo). Ali, por duas décadas e meia, posso acompanhar a trajetória da Faculdade de Educação de uma perspectiva bastante ampla e privilegiada. Como órgão máximo deliberativo da Unidade, naquele Colegiado discutimos o Projeto Político-Pedagógico da Faculdade englobando a graduação, a pós-graduação lato sensu e stricto sensu, os projetos de extensão, as questões curriculares, administrativas e a articulação com as demais instâncias da Universidade.
Tanto no Conselho Universitário quanto no Colegiado da Unidade temos a presença da representação estudantil como membros plenos. No entanto, sinto que as políticas privatistas, que induzem à concorrência e ao individualismo, além da situação nacional, indutora de grande pessimismo, vêm desmobilizando os mais jovens, acarretando entre eles um sentimento de descrença nas instâncias coletivas.
Os seis anos em que participei do Colegiado do Curso de Pedagogia de Angra dos Reis foi um período de nítidas contradições – inicialmente, grandes alegrias pela criação do novo e, mais tarde, de pessimismo, no momento em que encerramos o Curso e a Universidade, no processo de adesão ao REUNI, criou o Campus de Angra. Aquela experiência, já alvo de partes anteriores deste Memorial, foi única – pelo projeto, pelo envolvimento dos professores e pelos resultados concretos obtidos. Muito do que ali foi experimentado ainda hoje alimenta nossas discussões sobre mudanças curriculares em Niterói, sobre formas de interação com a comunidade escolar municipal e sobre formas de articular a docência, a pesquisa e a extensão.
E sigo, registrando outras instâncias de que participo em minha vida acadêmica na UFF... Além dos Colegiados para os quais fui eleita, também participo das reuniões departamentais e do colegiado da pós-graduação. Todas as instâncias coletivas nos oportunizam tomar parte na construção do espaço público, discutir as políticas públicas de educação e enfrentar os processos produtivistas que solapam o valor de uso social de nosso trabalho, que se vê constrangido pela lógica mercantil. Além disso, o trabalho administrativo que
experienciei como coordenadora do Programa de Pós-Graduação stricto sensu e como coordenadora de uma Pós-Graduação lato sensu me ensinaram os limites concretos de nosso trabalho e também me possibilitaram contribuir para as mudanças almejadas por professores e alunos.
Para além das instâncias coletivas, já mencionadas, considero relevante o trabalho que realizei no âmbito do movimento sindical. Desde meu ingresso na UFF, filiei-me ao Sindicato de Docentes e durante estes anos participei de todos os movimentos de nossa AD, pois entendo que as muitas contribuições que aportamos à educação pública brasileira e à sociedade em geral, em nossa condição de professores e pesquisadores, também acontecem quando atuamos no âmbito da política sindical. Embora reconheça que todo o nosso trabalho tem sempre uma dimensão política, penso que o enfrentamento das reformas que atingem o trabalho docente e a viabilidade econômica de sustentação da Universidade Pública exigem uma ação mais coletiva.
No momento que estamos vivendo, de forte contingenciamento de recursos e de supressão de direitos com sérios desdobramentos para a realização de pesquisas e para a formação de profissionais que contribuam para a soberania do país, faz-se necessária a participação em instâncias que possam se articular com a sociedade civil organizada. Por isso, além de minha presença constante nas atividades realizadas pela ADUFF, integrei a Diretoria do Sindicato, por dois mandatos, além de ter integrado o seu Conselho de Representantes.
Os professores, grande parte deles, em todas as esferas – municipal, estadual e federal –, têm se mantido organizados em defesa da escola pública, apesar das adversidades que enfrentam em nosso país. Como um deles, encaro, pois, como firmemente necessária a minha participação em todos os espaços colegiados que nomeei, tanto quanto o meu empenho na docência, na pesquisa e na extensão.
Minha trajetória teórica
Esta reflexão sobre minha trajetória não estaria completa se não mencionasse os inúmeros encontros que o desfio de ser professora, pesquisadora e militante me propiciaram.
Nos anos de 1960, quando ingressei no curso de filosofia, onde tive o privilégio de ser aluna de Gerd Bornheim ao longo de quatro anos, entrei em contato com os questionamentos propostos pelo existencialismo francês, principalmente com o a obra de Sartre. Em seus escritos filosóficos mas, principalmente, em sua obra literária, encontrei interrogações que dialogavam com nossas angústias diante do que ocorria no mundo e, mais especialmente, no Brasil. O Maio de 68 trouxe o protagonismo dos estudantes e a necessária transformação da Universidade como tarefa imperiosa. A obra de Louis Althusser, através da qual começávamos a ler Marx, nos alertava para os embates com os "Aparelhos Ideológicos de Estado", o que parecia localizar com precisão o enfrentamento com o regime ditatorial em curso naquele momento.
Ao chegar à Alemanha, em 1970, e o contato com a "Teoria da Dependência", que mobilizava os latino-americanos em suas ações de resistência, parecia responder às nossas necessidades de desvendar os acontecimentos políticos e igualmente os econômicos, que afetavam os povos do então chamado Terceiro Mundo.
Ao retornar ao Brasil, em 1977 e, mais precisamente, ao ingressar no IESAE, em 1980, encontrei a expressão teórica das lutas pela redemocratização no diálogo com a obra de Gramsci e seus conceitos de "Estado Ampliado", "Intelectual Orgânico" e "Hegemonia". A ampla produção teórica sobre a Educação Popular elaborada aqui mesmo no Brasil por Carlos Rodrigues Brandão, Celso Beisiegel, Vanilda Paiva e as muitas outras abordagens envolvendo a obra de Paulo Freire e de Álvaro Vieira Pinto encontravam na realidade brasileira os conceitos e as categorias de nossas referências europeias.
Essas reflexões se materializaram em minha dissertação de mestrado e em outros escritos publicados ou apresentados em congressos.
Na UFRJ, quando realizo meus estudos no doutorado, sob a orientação de Werner Markert, tenho a oportunidade de realizar um profícuo diálogo com os filósofos da Escola de Frankfurt, em especial com Jurgen Habermas ao questionar a obra de Marx e tematizar a separação entre "razão instrumental" e
"ação comunicativa". Providencial, pois ao defrontarmos com competentes provocações as nossas certezas teóricas, somos desafiados a fundamentar com mais precisão nossos argumentos e a exercitar o método de investigação do real com cada vez mais apurado rigor e afinco. Apoiada nos fundamentos do materialismo histórico e dialético, enfatizando a centralidade do trabalho humano como categoria de análise e sua importância para a formação e emancipação humana, elaboro minha tese de doutorado. O diálogo com Frigotto, Saviani, Nosella, entre outros filósofos da educação brasileira, servem de horizonte para a abordagem da relação entre a educação e o mundo do trabalho, a formação profissional, as questões onto-epistemológicas que estão contextualizadas em tempos neoliberais e de reestruturação produtiva.
Pude debater, principalmente no GT Trabalho e Educação da ANPEd, estas questões de cunho mais teórico-conceitual. Devo também enfatizar que, ao longo desta minha trajetória, também me acompanham as questões socioambientais. Sempre baseada no materialismo-histórico, tenho dialogado com Roberto Leher, Virginia Fontes, Atílio Boron, Anibal Quijano, Carlos Frederico Loureiro, Philippe Layrargues, dentre outros importantes pesquisadores que se ocupam de temáticas ambientais no contexto brasileiro e latino-americano. Estudiosos que se voltam para as tarefas políticas inadiáveis na superação deste modelo sócio-metabólico estruturado com a natureza sob a égide do capital e para a possibilidade de uma outra forma social, política, econômica, cultural de convivência humana.
Estas breves palavras têm o intuito de situar meu pertencimento teórico e suas implicações com a prática, pois entendo, com Marx, que a teoria pode se converter em força material, daí a importância da educação, da construção social do conhecimento. Penso que este processo teórico vem me possibilitando contribuir tanto no campo do Trabalho e Educação quanto da Educação Ambiental com reflexões onto-epistemológicas que têm feito avançar a pesquisa e a docência numa visão crítica de sociedade.
Palavras finais
"Mas a emancipação humana só estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ser genérico na qualidade de homem individual na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais, quando o homem tiver reconhecido e organizado suas “forces propres” (forças próprias) como forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na forma da força política."11 Karl Marx
Finalizo a escrita deste memorial dizendo que a dúvida expressa na epígrafe que o inicia, de certa forma, fica respondida com esta epígrafe com a qual o concluo. As reflexões sobre as vivências ao longo de minha vida escolar e profissional, as experiências na docência, na pesquisa e na extensão, suas articulações com as experiências na administração e nos órgãos colegiados me tranquilizam. Realizei minhas atividades profissionais privilegiando o compromisso com a formação de professores de todos os níveis de ensino. Deste trabalho emergiram temáticas e objetos de pesquisa que se desdobraram em orientações de alunos da graduação e da pós-graduação e também em publicações. Hoje, vejo com satisfação tantos ex-alunos, que agora são colegas, atuando na Escola e na Universidade, o que demonstra o caráter multiplicador do trabalho realizado.
Meu pertencimento à Faculdade de Educação da UFF, integrando o grupo de pesquisa no NEDDATE, se explicita em uma produção intelectual que colabora para o adensamento do campo Trabalho e Educação.
Também minha presença junto ao LIEAS e ao EPEA me propiciam participação acadêmico-política que transcende o espaço da UFF. Na esfera nacional esta produção tem contribuído para a produção de novos conhecimentos e também para a implementação de novas políticas formativas para o mundo do trabalho, nas quais a dimensão ambiental é parte construtiva de uma abordagem crítica sobre a atividade humana e sua relação metabólica com a natureza.
Minha produção no campo da pesquisa interfere no ensino que pratico e dele se alimenta pelo constante surgimento de novas temáticas, acalentando em mim a perspectiva de que “o mestre que educa tenha que ser educado”, numa espiral virtuosa e dialética.
MARX, K. Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 54.
O trabalho coletivo nos fortalece e nos traz a certeza de nossa incompletude, mas também de nossa força, por se desdobrar no outro e com o outro. Pelo conjunto de nós todos.
Se olho para trás, só tenho uma certeza: tem valido a pena!