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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A REGULAMENTAÇÃO E AS PRIMEIRAS AÇÕES DE IMPLEMENTAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO PELA LEI Nº 13.415/2017 NO PARÁ1



Resumo

Alice Raquel Maia Negrão2 Dinair Leal da Hora3

Este texto analisa a regulamentação e as primeiras ações de implementação da Reforma do Ensino Médio de 2017 no Pará, através da pesquisa documental, análise de conteúdo e das categorias gestão, tempo integral, currículo, financiamento e relação público-privada, concluindo que, contrário aos interesses sociais, a atuação conjunta da Secretaria e do Conselho Estadual de Educação não conseguiu regulamentar uma proposta de Ensino Médio capaz de ampliar a qualidade socialmente referenciada à última etapa da Educação Básica.

Palavras-chave: Política Educacional. Reforma do Ensino Médio. Lei nº 13.415/2017.


REGLAMENTO Y PRIMERAS ACCIONES PARA IMPLEMENTAR LA REFORMA DE LA ESCUELA SECUNDARIA POR LEY N ° 13.415 / 2017 EN PARÁ

Resumen

Este texto analiza la normativa y las primeras acciones para implementar la Reforma de la Escuela Secundaria 2017 en Pará, a través de la investigación documental, el análisis de contenido y las categorías gestión, tiempo completo, currículo, financiamiento y relaciones público-privadas, concluyendo que, en contra A los intereses sociales, la acción conjunta de la Secretaría y el Consejo Estatal de Educación no ha logrado regular una propuesta de educación secundaria capaz de ampliar la calidad socialmente referenciada a la última etapa de la Educación Básica.

Palabras clave: Política educativa. Reforma de la escuela secundaria. Ley n ° 13.415/2017.


REGULATION AND FIRST ACTIONS TO IMPLEMENT THE REFORM OF HIGH SCHOOL BY LAW No. 13.415/2017 IN PARÁ


Abstract

This text analyzes the regulations and the first actions to implement the 2017 High School Reform in Pará, through documentary research, content analysis and the categories management, full-time, curriculum, financing and public-private relations, concluding that, contrary to social interests, the joint action of the Secretariat and the State Council of Education has failed to regulate a proposal for secondary education capable of expanding the quality socially referenced to the last stage of Basic Education.

Keywords: Educational Policy. High School Reform. Law No. 13.415/2017.


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1 Artigo recebido em 15/11/2020. Primeira avaliação em 29/01/2021. Segunda avaliação em 26/03/2021. Aprovado em 23/04/2021. Publicado em 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47155

2 Mestre em Currículo e Gestão da Escola Básica pelo Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará. Professora da Educação Básica no município de Abaetetuba do Estado do Pará e Especialista em Educação pela 3ª Unidade Regional de Educação, vinculada à Secretaria de Estado de Educação do Pará. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0786-5368

E-mail: aliceraquelmaia@yhaoo.com.br; Lattes: http://lattes.cnpq.br/9825226112946201

3 Pós-doutorado em Administração Escolar e Economia da Educação pela USP – Universidade de São Paulo e em Sociologia das Organizações Educacionais pela UMINHO – Universidade do Minho / Portugal. Doutora em Educação pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas. Professora Permanente do Programa de Pós- Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica da Universidade Federal do Pará e do Programa de Pós- Graduação em Educação na Amazônia - Doutorado em Rede. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3278-3914;

E-mail: tucupi@uol.com.br /dinairleal@ufpa.br;Lattes: http://lattes.cnpq.br/2705119184820662


Introdução


Este texto analisa documentos referentes ao início da implementação da Reforma do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017 no Pará, com a intenção de responder: que conteúdo e como se configuraram a regulamentação e as primeiras ações de implementação da reforma no estado, no período de 2016 a 20194?

No intuito de “[...] apreender o real a partir de suas contradições e relações entre singularidade, particularidade e universalidade, captando as categorias que possibilitam a sua apreensão numa totalidade” (RÊSES, 2015 apud RÊSES, SOUSA, SILVA, 2016, p. 29), o estudo tem por base o enfoque teórico histórico-dialético, como instrumento lógico de interpretação da realidade, cuja definição epistemológica, advém do método do materialismo histórico.

O recurso à pesquisa documental (MINAYO, 2002), se justifica por objetivar identificar em documentos primários, dados brutos do contexto sócio histórico e informações que servissem como subsídio à identificação da estrutura e da dinâmica da sociedade na relação de classes e da incidência das forças produtivas imersa ao conteúdo e configuração das ações iniciais da Reforma no Pará. Para tanto se busca, mediante a análise de conteúdo (BARDIN, 2006), definir categorias (gestão, tempo integral, currículo, financiamento e relação público-privada) subsidiadas por contribuições teóricas que têm se ocupado do estudo e de análises da Reforma em curso.

Os documentos que são aqui analisados originam-se de produção da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC/PA) e assessoria privada, em ação conjunta ao Conselho Estadual de Educação (CEE/PA)5, os quais apresentam diretrizes, princípios e estratégias de ação destinadas à gestão escolar pública, enquanto orientações a serem cumpridas pelas escolas de Ensino Médio da rede


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4 Destaca-se que as análises empreendidas ao período de 2016 a 2019, fazem referência ao início do processo de alinhamento ocorrido no Estado do Pará por meio de ações em consonância a posicionamentos em favor dos determinantes previstos desde a MP nº 746/2016 e que deram de forma contínua com a sua conversão na Lei nº 13.415/2017.

5Importante ressaltar que na composição do órgão têm-se na Presidência do Conselho: Representante de Diretores do Ensino Médio Particular (Presidente) e Representante do Governo do Estado (Vice- presidente); na Câmara de Educação Básica-CEB: Representante de Diretores do Ensino Fundamental Particular (Presidente); Representante de Professores do Ensino Básico Particular (Vice-Presidente) biênio 2019-2021 (PARÁ, 2019, on-line).

estadual, em particular às Escolas – Piloto dos Programas do Governo Federal no Pará (EMTI, ProBNCC e ProNEM)6.

Essa seleção compõe-se da Matriz Curricular do Ensino Médio em Tempo Integral (PARÁ, 2017a), do Caderno 6 denominado “Orientações para Gestores Escolares sobre a organização da rotina do Tempo Integral identificado como Tempo Estendido” (PARÁ, 2017b), do Caderno 7, nomeado “Subsídios para o alinhamento entre as áreas de conhecimento” (PARÁ, 2017c), do Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica (PARÁ, 2018), e do Documento “Programa Novo Ensino Médio no Pará: orientações para o registro da PFC7 na plataforma PDDE interativo” (PARÁ, 2019a).

Além destes, foram utilizados a Portaria da Seduc/PA nº 851 de 2018 (PARÁ, 2018b), que instituiu a Coordenação Estadual de Currículo e da BNCC, integrando tanto a Comissão de Apoio à implementação da BNCC como a do Programa Novo Ensino Médio no Pará, fortalecendo as ações do poder executivo, o Relatório das Ações da Comissão ProBNCC EM do Pará (PARÁ, 2019b), o Documento de Orientação à adesão das Escolas-Piloto ao ProNem/PDDE (PARÁ, 2019c) e o Relatório das Ações da Comissão de Apoio à implementação do ProNem “Novo Ensino Médio no Pará: Desafios, Possibilidades e Proposições para Rede Estadual - 1 e 2” (PARÁ, 2019d) enquanto fontes de dados a subsidiar as análises acerca do objeto problematizado.

As apreensões estão distribuídas em unidades que buscam destacar, à luz das categorias apontadas, o produto das interlocuções obtidas a partir da análise dos documentos que referendam os compromissos do Governo Estadual com o processo gradativo de adesão e alinhamento às ações do Governo Federal voltadas à implementação da Reforma no Pará logo após a promulgação da MP nº 746/2016, evidenciando a correlação de forças que se faz presente na efetivação da implementação.


A Reforma do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017 no Pará: regulamentação e primeiras ações de implementação


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6 Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (Programa EMTI), o Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (Programa ProBNCC) e o Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio (Programa ProNem).

7 Proposta de Flexibilização Curricular, exigida pelo Documento de implementação da reforma como condição para transferência de recursos às unidades de ensino para o desenvolvimento das ações que constituem o Novo Ensino Médio.


A problematização sobre o objeto em estudo está situada no campo das políticas educacionais, na acepção da ação política, em que se lança um olhar crítico sobre a ação pública em seu conjunto, como centro de gravidade da esfera política.

O conceito político de reforma então passa a ser compreendido enquanto [...] “uma ocasião de batalha tecnocrática entre peritos, confronto ideológico entre intelectuais ou um ato de pedagogia pública, ou seja, um debate sobre o substantivo concretizado com a gramática no plural” (FRIGÉRIO, 2002, p. 197). E que ainda pode assumir outra conotação, quando pode ser concebida como uma tecnologia de gestão, se refletir o clima e anseios sociais e políticos subjacentes à promoção dos princípios da equidade, da igualdade de oportunidades (SILVA, 1996).

No presente estudo, as políticas públicas são mencionadas tanto como um construto de pesquisa (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1989) quanto como nos sentidos político e administrativo. No sentido político, trata-se de um processo de decisão, em que há conflitos de interesses entre as decisões e/ou omissões do governo, e as opiniões da sociedade.

O sentido administrativo, por sua vez, refere-se a um conjunto de programas e atividades realizado pelo governo, bem como a ações e decisões tomadas em âmbito nacional e estadual, com a participação de entes públicos e/ou privados, de forma direta ou indireta. Há que se destacar que, no atual contexto, tal sentido tem relaxado no propósito de assegurar direitos de cidadania para vários grupos da sociedade ou para determinado segmento social, cultural, étnico ou econômico no Brasil, correspondentes aos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988.

A implementação das políticas, é entendida como “[...] uma ação e um processo que compreende tudo o que acontece, tratando-se de alcançar os objetivos da política” (PRESSMANN; WILDAWSKY, 1973, p. 75 apud ROTULO, 2004, p. 1), e que

se estabelece, segundo Mainardes (2006, p.49), como a “política em uso”, ou seja, trata-se, desde as primeiras ações de implementação e seus desdobramentos, quanto as categorias de análise, enquanto esforços visando ao estabelecimento definitivo da política de Reforma do Ensino Médio no Pará.

A regulamentação abordada aqui se refere ao estabelecimento de um conjunto de medidas legais e dispositivos regulamentares que rege um assunto, sob forma de lei a ser cumprida pela Administração Pública. Ou seja, são atos normativos do Poder

Executivo, cuja finalidade é desdobrar ou detalhar um ato normativo superior, como é o caso da Lei nº 13.415/2017, referente à Reforma em questão.

Nesta perspectiva, observa-se que a regulação e a regulamentação perpassam por um conjunto de intencionalidades de diferentes sujeitos (governamentais e/ou não) que vêm guiando todo o processo de implementação da Reforma do Ensino Médio nos estados brasileiros, dentre esses, no Estado do Pará.

A formulação e a implementação das políticas do Ensino Médio, nesse prisma, não ocorrem isoladas das relações políticas, econômicas e sociais, posto que fazem parte de estratégias e ações que incidem sobre a formação dos sujeitos eminentemente expostas às perspectivas da produção em nível internacional, refletidas no contexto nacional e local, principalmente em âmbitos como a gestão, o tempo integral, o currículo, o financiamento e a relação público-privada.

A regulamentação da Reforma do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017, no Pará, encontra-se em fase inicial de regulamentação cuja introdução se estabeleceu mediante algumas medidas e ações desenvolvidas pela gestão pública governamental, através da atuação da SEDUC em conjunto ao CEE ao longo dos anos de 2016 a 2019, e que foi contestada pelos movimentos sociais, por apresentar influências da regulação, eivada, cada vez mais pela presença do privado sobre o público na determinação das políticas educacionais (ATAS DO FEE/PA, REGISTROS DO SINTEPP/PA 2016; 2017), evidenciando a ação do Estado a serviço de uma classe - a classe detentora dos meios de produção.

Dentre essas ações, a tentativa de aprovação da 1ª Proposta da Seduc/PA, referente à alteração curricular do Ensino Médio em adequação ao Ideb, anulada após Movimento de Ocupação do CEE/PA por movimentos sociais se constituiu pela elaboração do Mapa Estratégico com assessoria da empresa privada FALCONI consultora de Gestão por Resultados; elaboração do Formulário de Sondagem de Aptidões, visando à formulação dos itinerários formativos; emissão do Relatório da Seduc/PA referente ao 1º Planejamento, visando à Reestruturação do Ensino Médio em adequação à Reforma, à pesquisa de Sondagem de Aptidões e à demanda dos arranjos para seleção dos itinerários formativos da Educação Profissional, apresentado no Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino Médio: Flexibilização e Implementação, promovido pelo Instituto Unibanco (FEE/PA; SINTEPP, 2016; 2017).

Nessa constituição se entende a própria composição do CEE, uma vez que, não por acaso, à frente da Presidência e Vice-presidência do Conselho e da Câmara de Educação Básica encontram-se representantes do Governo do Estado e do âmbito privado. Entende-se que numa intrínseca relação entre o setor público e a iniciativa privada, no Pará, o setor público vem sendo regulado pelo privado, o que vem interferindo nas tomadas de decisão acerca da regulamentação da reforma no estado, bem como na condução do processo de implementação da política de educação na rede estadual de ensino, cuja implementação vem se estabelecendo com foco na Gestão para Resultados, que assemelha a condução das políticas educacionais de Ensino Médio no Pará a uma lógica de gestão privada aplicada à educação (VALE; PEREIRA, 2018), uma vez que a metodologia de gestão da empresa assessora a gestão para essa perspectiva – resultados, conforme Contrato de Consultoria nº 060/2017, celebrado entre a SEDUC/PA e o Instituto de Desenvolvimento Gerencial

S.A (FALCONI), cujo objeto tratou de Serviço de Consultoria para Fortalecimento do Sistema de Gestão da Secretaria de Estado de educação por meio da Implementação da Gestão para Resultados nas Escolas de acordo com a Portaria nº 004769-2018- SAGEP de 07/05/2018, disposto no IOEPA nº 33613, de 09/05/2018, p. 51 e Cronograma de formação geral para implementação do sistema de gestão para resultados no Estado do Pará (PARÁ, 2018).


    1. Gestão


      O pressuposto de que a educação se destina à promoção humana e que está voltada ao compromisso social (FERREIRA; AGUIAR, 2000), exige práticas de gestão alicerçadas a esse compromisso, e desponta o alerta de que a gestão das políticas para o ensino médio está imersa a desafios voltados à garantia do direito à educação que demandam esse horizonte na perspectiva das análises e das práticas

      Segundo Paro (2016, p. 38) a concepção de gestão entendida como “a mediação para alcançar determinados fins”, encontra-se no cerne desse contexto, pois em contraponto ao conceito tradicional de gestão ou administração como normas ou medidas que se tomam no âmbito das atividades-meio sem levar em conta a própria atividade-fim, operam precedidas por intencionalidades que perpassam por fins de interesses distintos para além do âmbito de atuação da gestão escolar. Nesse sentido, há de se considerar que “[...] os textos das políticas são produtos de múltiplas

      influências e agendas, e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do estado e dentro do processo de formulação da política” (MAINARDES, 2006, p. 53).

      No Estado do Pará, após sucessivos movimentos realizados pela Seduc, a alteração da legislação estadual só ocorreu com a modificação do Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica (PARÁ, 2018); embora as primeiras ações tenham iniciado após a adesão da Seduc a Programas do Governo Federal: Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral – EMTI (2017), Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular – ProBNCC e Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio – ProNem (2018).

      A promulgação da Lei nº 13.415/2017, favoreceu a alteração de um conjunto de normatizações para a rede estadual de ensino paraense. O Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica do Pará de 2010 foi atualizado, e sua versão alterada foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE nº 33.748, de 28 de novembro de 2018), passando a estabelecer diretrizes à (re) organização de todas as etapas da Educação Básica, e, portanto, também do Ensino Médio.

      O Regimento se configura como importante instrumento de organização do sistema de ensino paraense, tanto para os estabelecimentos públicos quanto privados. Sua natureza não é apenas disciplinar, mas também administrativa e pedagógica, configurando-se como um modelo de regimento único, legal e unificado a ser cumprido pelo sistema educacional de ensino paraense.

      A Secretaria Estadual de Educação do Pará realizou ações internas, entre 2017 e 2018, referentes à implementação de estudos para reestruturação da política educacional da Educação do Campo, Quilombola e Indígena, com o objetivo de identificar alternativas à oferta da última etapa da Educação Básica nessas localidades, em adequação à Lei nº 13.415/2017, com estudos que levaram em conta o fundamento curricular com base em competências e foco nos direitos de aprendizagem, tomando como base a estrutura e prescrições da BNCC, segundo Atas do Fórum Estadual de Educação (FEE/PA, 2017; 2018).

      A Seduc também produziu um conjunto de outros documentos configurados em seu conteúdo por orientações vinculadas aos Programas do Governo Federal (EMTI, ProBNCC e ProNem), caracterizando, assim, o fio condutor e indutor da política de reforma pelas primeiras ações a serem executadas no estado mediante produção de matrizes documentais.

      A elaboração da Matriz Curricular do Ensino Médio em Tempo Integral e da coletânea teórica constituída por cadernos de subsídio que tratam da organização do Tempo Integral enquanto Tempo Estendido e curricular, em 2017; a publicação da Portaria Seduc/PA nº 851/2018, que nomeia a Coordenação Estadual de Currículo e a Coordenação Estadual da BNCC EM, vinculada à Comissão de Apoio à implementação tanto da BNCC como do Novo Ensino Médio, e o relatório da Comissão Estadual ProBNCC EM, em 2018; a elaboração do documento de orientação às escolas-piloto do Programa Novo Ensino Médio, além do relatório da Comissão Estadual sobre as ações de implantação do Programa Novo Ensino Médio, e do documento orientador à elaboração das Propostas de Flexibilização Curricular – PFC’s, em 2019.


    2. Tempo Integral


      O conceito de educação integral e tempo integral é uma reflexão complexa, visto que pode ser entendido por diferentes perspectivas, intenções e concepções. Segundo Gadotti (2009), o tempo integral trata-se da qualidade sócio cultural, a qual diferencia-se da noção comum daquela aferida pelos índices educacionais. A qualidade almejada pela escola de tempo integral busca o ensino e aprendizagem de alunos e professores, comprometida com o entorno da comunidade, em melhores condições de serviços, a partir da educação ativa e cidadã para os sujeitos da escola e comunidade.

      O tempo integral embora esteja associado ao tempo da jornada escolar, vem sendo foco de discussões a respeito da qualidade dessa extensão diante do caráter educativo da formação integral no espaço-tempo escolar.

      A oferta do tempo escolar não é apenas uma questão de ampliação da jornada escolar, mas está associada à qualidade socialmente referenciada de educação. Entende-se que “esses lugares e tempos são determinados e determinam uns ou outros modos de ensino e aprendizagem e não só conformam o clima e a cultura das instituições educativas, mas também educam” (VIÑAO-FRAGO, p. 99, tradução dos autores, apud PESSANHA; DANIEL; MENEGAZZO, 2004, p. 65).

      A concepção de educação integral deve estar como pano de fundo para referendar o tipo e fundamento epistemológico da ampliação da jornada escolar. De acordo com Moll (2008) a educação integral é debate complexo e polissêmico, não

      obstante segundo Paro (2009), a educação de tempo integral é uma concepção de educação que se justifica pelo aumento do tempo escolar e reproduz uma forma educativa já oferecida na escola de turnos, porém “[...] não se quer pensar somente uma educação em tempo integral como uma bandeira de luta, mas articular essa extensão a uma concepção de educação integral” (PARO, 2009, p.13), associada a formação integrada do conhecimento, ou seja imersa a um sentido profundo da humanização de todo ser humano, sedimentada a uma política curricular do ponto de vista da educação omnilateral (RAMOS, 2003).

      O estado do Pará aderiu ao Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) em 2017, mediante assinatura do Termo de Compromisso à adesão dos estados, além de responder às seguintes exigências: limitação a um número mínimo garantido de escolas e de matrículas por estado, sendo que, no caso do Pará, essa limitação considerava inicialmente a adesão de até 16 escolas e em atendimento a até 7.200 estudantes; eleição das escolas-piloto que apresentassem requerida infraestrutura estipulada pelo Programa; e atendimento às atribuições recomendadas à equipe de governança local.

      Após a adesão ao Programa (EMTI), a Seduc/PA passou a responder às orientações do MEC e seus desdobramentos, por meio das seguintes normatizações: Portarias nº 1.145/2016, nº 727/2017, que tratam da instituição da política de fomento e da orientação à adesão das primeiras escolas-piloto do Programa EMTI; Portarias nº 1.023/2018 e nº 1.024/2018, que orientaram a inclusão das escolas-piloto na avaliação de impacto e questões do financiamento via adesão de recursos do FNDE; e Portaria nº 2.116/2019, que regulamenta e amplia a oferta de Ensino Médio em Tempo Integral, com vistas à implementação da proposta pedagógica de tempo integral em escolas de Ensino Médio das redes públicas dos estados e do Distrito Federal, além daquilo que determina a Resolução CNE/CEB nº 03/2018, acerca das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) (BRASIL, 2018a).

      Em 10 de dezembro de 2018, a Seduc em conjunto com o CEE/PA, consegue aprovar tanto o Projeto de Regularização do Ensino em Tempo Integral, iniciado a partir de 2017, bem como a Matriz Curricular do Ensino Médio de Tempo Integral, por meio da Resolução nº 732/2018, publicada no DOE nº 33.759, de 13 de dezembro de 2018.

      A Matriz Curricular do Ensino Médio de Tempo Integral do Pará (PARÁ, 2017a) é um documento cujo conteúdo apresenta a distribuição dos componentes curriculares e suas respectivas cargas horárias evidenciando ampliação da jornada escolar. Está constituído em duas partes, a primeira pela Base Comum Curricular, dispondo as áreas de conhecimento (Ciências da Natureza e da Matemática, Linguagem e Humanas); e a segunda, pela Parte Diversificada e Flexível, composta por oficinas curriculares: experiências físicas, químicas e biológicas, atividades esportivas e motoras, atividades artísticas e de participação social, e outras relacionadas à Língua Portuguesa e Matemática.

      A referida proposta constitui-se de um total de 3.300h de carga horária da Base Nacional Comum, distribuídas entre 1.200h de carga horária por ano (1º, 2º e 3º Ano do EM), e 1.200h da carga horária total da parte diversificada e flexível, sendo ambas com módulos de 50 minutos. Ao todo, a Matriz Curricular prevê o total de 4.500h, distribuídas em 1.500h por ano (1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio), destacando-se a maior parte da distribuição de sua carga horária direcionada aos componentes e oficinas curriculares de Língua Portuguesa e Matemática.

      Na Matriz, os componentes curriculares (Língua Portuguesa e Matemática) adotam 6 (seis) horas-aula semanais a cada um, além de que são incluídas, como itinerários formativos, atividades de Matemática/Experiências Matemáticas e Atividades de Linguagem e Hora da Linguagem. Na parte diversificada e flexível da Matriz Curricular, apresentam-se, como possibilidade, seis Oficinas Curriculares, com 2h semanais, somando 66h por ano (1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio), culminando, ao todo, em 200h ao final dos 3 anos da etapa.

      Com base em Paro (2009) entende-se que a matriz curricular do ensino médio de tempo integral do Pará se dissocia da concepção de tempo integral integrada à formação humana integral, pois ao trazer em suas determinações itinerários formativos configurados por oficinas curriculares que se alinham à proposta da BNCC EM (2018), com foco na hierarquização de saberes centralizados em Língua Portuguesa e Matemática, reitera processos de seleção e exclusão escolar, marcas históricas do Ensino Médio, e portanto, vai de encontro à literatura aqui dialogada.

      Neste documento (PARÁ, 2017a), a hierarquização de saberes direciona-se à preparação dos estudantes aos exames nacionais, por meio de um tipo de alinhamento à Lei nº 1.415/2017 no movimento de padronização e ênfase à

      performance escolar em contraponto a uma educação integral, que tem o objetivo de construir relações na direção do aperfeiçoamento humano, por mediações, relações e interações, matéria-prima da constituição da vida pessoal e social, Guará (2006).

      Em 2017, a Seduc, com apoio de assessoria privada, elaborou uma coletânea teórica, para subsidiar a implementação da Matriz (EMTI) do Pará, que foi encaminhada às Escolas-Piloto do programa EMTI como indutora da política da recente Reforma do Ensino Médio. Trata-se de um único documento de caráter oficial minimamente metódico, procedimental, descolado da realidade das escolas de Ensino Médio do Pará. Nele integram os Cadernos 6 (PARÁ, 2017b) e 7 (PARÁ, 2017c).

      O Caderno 6 é constituído por orientações sobre a organização da rotina do Tempo Integral, identificado como Tempo Estendido. É composto por um conjunto de informações referentes ao tempo escolar, e é identificado como subsídio que auxilia a “reorganização inteligente do tempo na escola” (PARÁ, 2017b, p. 4).

      O Caderno 7, contém subsídios ao alinhamento entre as áreas de conhecimento do currículo considerando a organização e execução prevista pela Resolução CNE/CEB nº 03/2018. Orienta que a organização curricular deve considerar o tempo destinado aos projetos de ensino-aprendizagem, a partir do alinhamento dos tempos pedagógicos nos diferentes espaços escolares e não escolares, enfatizando experiências de boas práticas, advindas de outras regiões do país com foco na hierarquização de saberes por meio das competências e habilidades (PARÁ, 2017c).

      Esses documentos apresentam referenciais teóricos que definem a concepção de educação em tempo integral sob a lógica do estado, a ser viabilizada por uma proposta que se resume a tempo estendido com ampliação da jornada escolar, fundamentado, portanto em uma concepção limitada e insuficiente ao que requer a proposta da Educação em Tempo Integral, camuflando a realidade das precárias condições de recursos a sua implementação em suas proposições e que pode favorecer processos de responsabilização e privatização, perspectivas que caminham juntas (FREITAS, 2018).

    3. Currículo


      O currículo compreendido a partir das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio homologadas em 2012, se constitui como “um conjunto das experiências formativas que atribuem sentido e relevância ao conhecimento escolar, organizado de forma integrada a partir das dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura” (SILVA, 2016, p.10), ao contrário da concepção presente pela Lei nº 13.415/2017, na qual é concebido a partir de uma lógica fragmentada em opções formativas que privam os sujeitos do acesso a uma formação básica comum (SILVA; SCHEIBE, 2017; ARAUJO, 2019).

      No Pará, a regulamentação do currículo do Ensino Médio Regular está normatizada de forma mais ampla, no Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica (PARÁ, 2018). Tal como analisado, o Regimento é o documento de referência que ainda carece de ser complementado e/ou regulamentado por outros documentos orientadores ainda não concretizados até 2019.

      As principais alterações sobre o currículo do Ensino Médio Regular no Regimento (PARÁ, 2018) estão na Seção III, art. 37, que trata do Ensino Médio. Nos parágrafos 1º a 3º, é possível identificar as alterações no texto do documento ligadas à organização dos currículos do Ensino Médio, com vistas a adequá-los à BNCC e aos cinco itinerários formativos da Reforma.


      Art. 37. As escolas da Rede Estadual de Ensino organizarão seus currículos do ensino médio observando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos específicos, a serem definidos pelo Conselho Estadual de Educação do Pará, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional: I – Linguagens; II – matemática; III – ciências da natureza; IV – ciências humanas; e V - Formação técnica e profissional. § 1º As escolas da Rede Estadual de Ensino, mediante autorização expressa e observada a organização determinada pela Seduc, poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área prevista nos incisos I a V do caput. § 2º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para a sua formação nos aspectos cognitivos e socioemocionais, conforme diretrizes definidas pelo Ministério da Educação. § 3º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular observará o que determina a legislação em vigor, assim como as regras definidas pelo Conselho Estadual de Educação do Pará (PARÁ, 2018).

      As ações de mudança no conteúdo do Regimento (PARÁ, 2018) revelam, quanto à organização do Ensino Médio no Pará, que o currículo obedecerá às normatizações estabelecidas pela Lei nº 13.415/2017 e pelas DCNEM (2018) regulamentadas pelo Parecer CNE/CEB nº 2/2018, e homologadas pela Resolução CNE/CEB nº 03/2018, embora não se apresente de forma clara e evidente ao cumprimento das 1.800 horas, uma vez que, de acordo com o art. 37, “as escolas da Rede Estadual de Ensino organizarão seus currículos do Ensino Médio, observando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os itinerários formativos específicos a serem definidos pelo Conselho Estadual de Educação do Pará”; ainda que, segundo o que regulamenta o § 3º: “a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular observará o que determina a legislação em vigor, assim como as regras definidas pelo Conselho Estadual de Educação do Pará”; e ainda que se disponha, no § 4º:


      os currículos do Ensino Médio das escolas da Rede Estadual de Ensino contemplarão uma parte diversificada, que considere a diversidade, as características locais e especificidades regionais, integrada à Base Nacional Comum Curricular a ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural, de conformidade com as normas emanadas pelo Conselho Estadual de Educação (PARÁ, 2018).


      Nos parágrafos 5º, 6º, 7º e 8º, identifica-se o mesmo, uma vez que os estudos das Línguas Inglesa e Portuguesa, além de Matemática, deverão ser obrigatórios nos três anos na referida etapa. Discorre-se, ainda, sobre a possibilidade de os estudantes cursarem, concomitantemente, mais de um itinerário formativo, caso haja oferta. Não se garante, portanto, a oferta igualitária de todos os itinerários a todas as escolas.


      § 5º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pela Seduc. § 6º Nos termos da legislação em vigor, o ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio. § 7° A Seduc, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitará ao aluno concluinte do ensino médio cursar, em anos letivos subsequentes ao da conclusão do ensino médio ou concomitantemente, caso haja compatibilidade de horários, outro itinerário formativo de que trata o caput. § 8º A oferta de formação a que se refere o inciso V do caput, nos termos das normas estaduais em vigor, poderá considerar: I - a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de

      instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional; e II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade (PARÁ, 2018).

      Relativamente à oferta de formação e ao estabelecimento das parcerias, sobre as certificações, o documento deixa claro que a relação público-privada será flexibilizada, uma vez que, no art. 37, § 8º, consta:


      a oferta de formação a que se refere o inciso V do caput, nos termos das normas estaduais em vigor, poderá considerar: I – a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional, e; II – a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade (PARÁ, 2018).


      Assim, é evidenciada a intencionalidade de se flexibilizar e favorecer o repasse de recursos públicos à gestão de empresas privadas e seus determinantes com reação ao tipo de concepção que aproxima as finalidades do Ensino Médio ao mercado e ao grande capital. Além disso, são lacunas que não estabelecem os mecanismos de controle social sobre os serviços prestados, deixando-os expostos à possibilidade de fragilizar ainda mais o pacto federativo no repasse do ônus público ao serviço público.

      Quanto aos itinerários de formação técnica e profissional, aponta, nos parágrafos 9º, 10º e 11º (PARÁ, 2018), para diferentes formas de “aproveitamento de créditos”, assim como dispõe a Lei nº 13.415/2017, quanto à oferta de cursos técnicos, em casos excepcionais, oriundos do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, ficando a critério da Seduc o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica, observada a BNCC e exclusiva prioridade da Seduc, podendo haver mecanismos de reconhecimento de conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação.


      § 9º Em casos excepcionais, havendo interesse público, mediante autorização do Conselho Estadual de Educação, poderá ocorrer a oferta de formações profissionais experimentais em áreas que não constem do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos e sua continuidade dependerá de renovação de autorização pelo Conselho Estadual de Educação, no prazo de três anos, e da inserção de referida formação no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados da data de sua oferta inicial. § 10 A critério da Seduc, o ensino médio poderá ser organizado de todas as formas legalmente admitidas, incluindo o sistema de créditos ou

      disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum Curricular, a fim de estimular o prosseguimento dos estudos.

      § 11 Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, a exclusivo critério da Seduc, observadas as normas emanadas do Conselho Estadual de Educação do Pará, poderá haver mecanismos de reconhecimento de conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação (PARÁ, 2018).


      Ao que se refere à regulamentação da educação a distância, o Regimento (PARÁ, 2018), determina, na Secção VII, art. 70, Inciso II – Ensino Médio, nos termos do § 11, art. 36 da Lei nº 9.394/96 que, “para efeito de cumprimento das exigências curriculares do Ensino Médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação”, incluído pela Lei nº 13.415, de 2017.

      O Regimento (PARÁ, 2018) se trata de um instrumento normativo estratégico que representa a primeira etapa de regulamentação da Reforma no Pará, pois versa sobre a orientação dos primeiros ajustes da reorganização do sistema de ensino em adequação às determinações da Lei nº 13.415/2017. Além disso, ao contrário de apresentar uma proposta emancipadora em respostas às especificidades de seu território, passa a se alinhar à política de transferência da gestão educacional e do currículo da Educação Básica para o setor privado, favorecendo a sua atuação no mercado educacional e incluindo a intensificação da participação do empresariado na condução e na implementação da oferta da educação pública paraense, gerenciando o serviço educacional pago pelo Estado.

      A regulamentação do Ensino Médio presente no Regimento (PARÁ, 2018) apresenta o alinhamento à mesma concepção de currículo, por ser fundamentada na fragmentação da educação presente na Reforma em curso, a qual pode possibilitar possíveis impactos (negativos) na vida dos jovens paraenses, estes os mais afetados pelas desigualdades sociais e educacionais.

      No mesmo direcionamento, além de indicar o empreendedorismo, o Documento de Orientação das PFC’s (PARÁ, 2019a) sugere que as escolas-piloto agrupem as propostas de itinerários formativos das quatro áreas de conhecimento em dois blocos, sendo: Atividade de Flexibilização 1 – Ciências e Matemática (que contemplará as áreas das Ciências da Natureza e da Matemática) e Atividade de Flexibilização 2 – Linguagens, Culturas e Práticas Sociais (que contemplará as áreas

      de Linguagens e Ciências Humanas), servindo como documento indutor da política de restrição presente nas prescrições da Reforma do Ensino Médio e da BNCC., e portanto implica favorecer a possibilidade de um reducionismo da formação para uma perspectiva de transformação, pois ao contrário a desfavorece e alija.

      Essas primeiras normatizações, a regulamentação do currículo pela referida reforma no Pará está fundamentada em uma concepção que se preocupa em ampliar o tempo de permanência na escola e reforçar a hierarquia do saber, mas não no planejamento de espaços adequados para a realização das diversas atividades previstas. Isso revela uma orientação frágil, desarticulada e não emancipadora, que, ao invés de integrar, acaba por reproduzir a estrutura disciplinar, sem praticamente nenhuma alteração das estruturas do próprio fazer educativo favorecendo o aprofundamento das desigualdades educacionais.


    4. Financiamento e relação público-privada8


O fundo público e o financiamento das políticas sociais, no Brasil, são basilares para que o Estado Brasileiro possa garantir direitos (SALVADOR, 2012). Contudo, nem sempre a validação dessa vinculação pelo Governo Federal a municípios e estados significa que os gastos serão feitos de forma a garantir a justiça social e a expandir os benefícios e serviços de forma universal, buscando erradicar as desigualdades sociais. Além disso, a regressividade tributária no financiamento das políticas sociais pela União é um limitador da capacidade redistributiva do orçamento público e que vêm sendo restrita com a EC nº 95/2016.

Nesse âmbito, considerando os recursos financeiros destinados pelo Governo Federal aos programas de implementação da Reforma do Ensino Médio (EMTI, ProBNCC e ProNem), destaca-se que segundo o MEC (BRASIL, 2019), em 2018, ao Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) foram destinados R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 2.000,00 por aluno/ano, com previsão de atender


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8 Importa destacar que o texto, ao tratar das categorias gestão, tempo integral e currículo, traz em seu âmago possibilidades e apontamentos críticos à interferência direta e/ou indireta da relação público- privada, a qual, neste item 1.4 será tratada junto ao financiamento, no sentido de visibilizar o fato de que para além da interferência nas demais categorias, os dados dos documentos em análise apontam que no Pará, o financiamento vem evidenciando à ampliação dos repasses de recursos à instituições privadas em detrimento ao repasse às unidades escolares de natureza pública identificadas como Escolas-Piloto, àquelas que fazem parte dos Programas do Governo Federal (EMTI, ProBNCC e ProNem) no estado e portanto a categoria público-privada está entrelaçada a todas as demais categorias em xeque.

aproximadamente 500 mil novas matrículas em tempo integral. No que se refere à destinação de recursos ao estado do Pará, em 2019, foi destinado R$ 1.747.415,87, referente à parcela daquele ano. No entanto, isso não significa que tais recursos tenham sido suficientes, ou mesmo que chegaram, de fato, às escolas, mesmo às escolas-piloto.

O Relatório ProBNCC EM (PARÁ, 2019b), considerando dados divulgados no Documento do MEC (BRASIL, 2019, p. 5), indica que “o total do montante de recursos destinados ao Programa ProBNCC via Plano de Ações Articuladas - PAR foi de R$ 57.907.776,54”. Sobre os recursos destinados ao Programa ProBNCC para a Educação Básica, em 2018, para o PAR foram empregados R$ 58 milhões, além de R$ 30 milhões (novo recurso, de 2019), além da destinação de um valor para bolsas, na casa de R$ 17 milhões. A partir desses dados, o MEC divulgou que o total de recursos à Educação Básica, mais especificamente ao Programa ProBNCC, será de R$ 105 milhões de reais.

Para o ano de 2019, foram destinados recursos ao ProBNCC Ensino Médio no Pará, orçados em R$ 61 milhões via PAR (até 19 de fevereiro de 2019, eram R$ 58 milhões disponíveis para os estados), R$ 3 milhões para novas adesões, e R$ 8 milhões para bolsas, sendo 27 bolsas por estado, a fim de compor as equipes de implementação, contabilizando o total de R$ 69 milhões de recursos repassados.

No Pará, os recursos financeiros repassados às escolas-piloto vinculadas ao ProNem foram regulamentados pelo que preconiza a Resolução FNDE nº 21/2018 (BRASIL, 2018b) e as orientações do Quadro Sinóptico da Implementação do Programa Novo Ensino Médio, normatizado pelo MEC, FNDE, Diretoria de Ações Educacionais (DIRAE), Coordenação-Geral de Apoio à Manutenção Escolar (CGAME) e Coordenação de Monitoramento e Apoio à Gestão de Programas (COMAG).

Destaca-se que os recursos financeiros não foram destinados a todas as escolas de Ensino Médio Paraense e sim, somente àquelas que foram consideradas aptas e identificadas na lista de escolas elegíveis, disponibilizada por meio do Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do MEC – SIMEC, e pela Secretaria de Educação Básica do MEC – SEB/MEC, os quais foram, no final de 2018, homologadas pela Seduc/PA no mesmo sistema de monitoramento on-line. De tal forma, as condições iniciais à implementação da Reforma do Ensino Médio no Pará

foram estabelecidas de forma restrita, pela destinação do repasse de recursos públicos.

Segundo o Documento de Orientação à adesão às Escolas-Piloto do ProNEM/PDDE (PARÁ, 2019c), ao serem garantidos recursos via PDDE, o MEC encaminhou, à Seduc, a relação das escolas paraenses habilitadas no SIMEC, ao que se procedeu a habilitação de todas as escolas elegíveis disponíveis pelo relatório (lista) disponibilizado pelo MEC, iniciando, ainda no final de 2018, o processo de mobilização das USE’s e URE’s no direcionamento à adesão das primeiras escolas- piloto ao ProNem, na Plataforma do PDDE Interativo.

De acordo com o quadro de status das escolas habilitadas ao ProNem no Pará, de 2018 a 2019, das 590 escolas de Ensino Médio, 288 foram consideradas elegíveis e aptas ao processo de adesão pelo MEC/Seduc/PA (PARÁ, 2019e), sendo 56 das 139 no polo Guajará, 37 das 65 no Baixo Amazonas, 30 das 60 no Guamá, 27 das 60

no Rio Caeté, 25 das 58 no Carajás, 27 das 50 no Tocantins, 28 das 44 no Rio Capim,

19 das 34 no Araguaia, 9 das 30 no Marajó, 7 das 21 em Tucuruí, 11 das 19 no Xingu e 8 das10 no Tapajós.

Assim, em relação ao ProNem, segundo o Documento “Programa Novo Ensino Médio do Pará (PARÁ, 2019e), dos 144 municípios do estado, 106 apresentavam pelo menos uma escola-piloto financiada pelo PDDE e, do total de 830 unidades escolares que ofertavam o Ensino Médio, 590 pertenciam à rede estadual de ensino, distribuídas nos 144 municípios até 2019. No entanto, cabe ressaltar que do total de municípios paraenses, a maioria (57) apresenta apenas 1 escola de Ensino Médio, enquanto 30 municípios apresentam 2 escolas, 13 municípios apresentam 3 escolas, outros 13

municípios apresentam 4 escolas, 5 municípios apresentam 5 escolas e, por fim, 26 municípios apresentam 6 ou mais escolas (PARÁ, 2019d).

De acordo com o Relatório do SIMEC, 302 escolas foram consideradas não aptas à adesão, sendo que 284 aderiam ao PDDE Interativo e apenas quatro decidiram não aderir. Destas, 210 escolas ofertantes do ensino regular foram selecionadas a serem escolas-piloto do ProNem. Esse número aumentou, posto que a Seduc passou a somar, a ele, 26 escolas do Programa de Educação em Tempo Integral (EMTI), totalizando 236 escolas-piloto selecionadas à implementação da Reforma do Ensino Médio no Pará, sendo 51 situadas na capital e 185 no interior, até 2019 (PARÁ, 2019d).

Os recursos financeiros, fracionados em três parcelas, foram destinados às despesas de custeio e capital, calculados com base no número de matrículas do Ensino Médio registado no último Censo Escolar da Educação Básica, sendo que os valores se referiram a um montante fixo de R$ 20.000,00 por escola, somado ao valor per capita de R$ 170,00 por aluno (BRASIL, 2018c), o que corresponde ao adicional de 10% sobre o valor variável às escolas que apresentaram, dentro da margem de vulnerabilidade social, carga horária anual inferior a mil horas, conforme o censo do último ano, as quais ofereceram modalidades de educação escolar indígena, quilombola ou educação do campo, essas sendo as únicas de seus municípios e que apresentaram menos de 130 alunos matriculados, conforme Resolução FNDE nº 21/2018 (BRASIL, 2018b).

De acordo com dados extraídos do Documento do Programa Novo Ensino Médio do Pará (PARÁ, 2019d), em 2019 houve apenas o repasse dos recursos financeiros de duas das três parcelas, considerando o disposto no Quadro Sinóptico da Implementação do Programa Novo Ensino Médio.

O referido repasse foi condicionado e fracionado, sendo a 1ª parcela referente a 20% do valor total a ser repassado, cuja transferência ocorreu somente após a validação das escolas que aderiram ao sistema PDDE Interativo, pela SEB/MEC. A 2ª parcela, correspondente a 40% do valor total, foi repassada sob a condição da elaboração do Plano de Acompanhamento da Proposta de Flexibilização Curricular PAPFC pela Seduc/PA, assim como da aprovação da PFC pelas escola-piloto, através do envio à SEB/MEC, respeitando as orientações prescritas no Documento do Programa Novo Ensino Médio no Estado do Pará: orientações para o registro das Propostas de Flexibilização Currículo – PFC’s, na Plataforma PDDE Interativo (PARÁ, 2019a). Esta ação perdurou até o final do ano de 2019. A 3ª parcela, correspondente a 40% do valor total, ficou adiada para o ano seguinte, uma vez que a sua transferência foi condicionada à apresentação de nova Matriz Curricular alinhada à BNCC, assim como do quadro de horário de aula e do projeto pedagógico reelaborado e a ser enviado para validação pela SEB/MEC.

Segundo o Relatório das Ações Desenvolvidas para a Implantação do Novo Ensino Médio (PARÁ, 2019d), para o total das 22 URE’s, correspondentes a 86 municípios e 210 escolas inseridas no Programa Novo Ensino Médio, a Seduc informou que o investimento destinado ao Programa foi de R$ 5.853.864,00, referente

à 1ª parcela, tratando-se de investimentos provenientes do BIRD especificamente às escolas-piloto do ProNem.

Neste documento também é importante destacar que, dos 144 municípios paraenses, apenas 86 receberam a fração que corresponde à primeira parcela. O valor destinado em termos de URE’s variava, tendo como menor valor aquele destinado a quatro escolas-piloto, referente a R$ 62.899,60, o que corresponde à 9ª URE – Maracanã, e como maior valor aquele destinado a 40 escolas-piloto, referente a R$ 885.971,40, o que corresponde à 19ª URE- Belém. Em contraponto, identificou- se nos Relatórios do Cenpec9 (CENPEC, 2019), recursos financeiros repassados do Pará (2018 e 2019) a este consórcio do setor privado, no total R$ 449.498,00 a frente das ações do EMTI e ProNem.

No estado do Pará, no mesmo período (2018 e 2019), houve o aumento de 65,63% de recursos destinados às instituições privadas. Esse dado é verificado no Parecer Público do Tribunal de Contas do Estado, sob o Processo nº 2019/51266-0, referente ao Parecer Complementar das Contas do Governo - Análises das Contrarrazões - Exercício 2018, Belém/Pará - agosto/2019 (PARÁ, 2019e).

Destaca-se, também, que dos repasses orçamentários destinados à educação, em relação aos programas temáticos do Poder Executivo, dos 21 (vinte e um) programas temáticos do Poder Executivo, 05 (cinco) concentraram 85% do montante de recursos previstos, distribuídos da seguinte maneira: Educação Básica (38%), Saúde (21%), Governança para Resultados (15%), Segurança Pública (6%) e Infraestrutura (5%). Desse modo, o montante de recursos destinados aos 16 (dezesseis) programas restantes corresponderam a 15% do total dos programas temáticos a cargo do Poder Executivo. Ou seja, 15% foram para o Programa de Governança para Resultados, e apenas 5% para o fomento à infraestrutura escolar.

Com base na expressão utilizada por Krawczyk (2009), compreende-se o recurso como um subfinanciamento inadequado não apenas visando ações da elaboração, execução e monitoramento do plano de implementação do ProNem, mas


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9 O Consórcio Desenvolvimento Integral no Pará teve início em 2018, formado pelo CENPEC Educação e pela Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV), visando assessorar a Seduc/PA no aprimoramento e na consolidação das políticas e das práticas de educação integral para o Ensino Médio na rede estadual de ensino, apoiar o redesenho e a reorganização da matriz curricular do Ensino Médio em tempo integral, o projeto promove ações de formação e monitoramento, cria estratégias, conteúdos e materiais de apoio à equipe de gestão e ao corpo pedagógico. O projeto faz parte do Programa de Melhoria da Qualidade e Expansão da Cobertura da Educação Básica no Estado, financiado pelo BID (CENPEC, 2019, p. 18).

às próprias insuficiências estruturais das escolas, haja vista o quadro reduzido de profissionais (seja da docência, seja referente à equipe multiprofissional), entre outras problemáticas ligadas à precariedade do trabalho docente e da estrutura escolar, e que ainda não foram efetivamente superadas no Pará.

Desta feita, ancorado em Araujo (2019), se entende que a Reforma vem promovendo um processo de crescente desqualificação do Ensino Médio e buscando transformar a Educação Básica em mínima, fazendo-a crescer para menos, aprofundando as desigualdades educacionais, hierarquizando as escolas e preconizando ainda mais a formação oferecida pelas escolas públicas das redes estaduais e que a médio prazo, tende a embargar o futuro dos jovens pobres (ARAUJO, 2019, p. 108).

A implementação da Reforma do Ensino Médio, ao não propor formas de atendimento a todas as demandas necessárias à melhoria da qualidade da educação paraense, com vistas a diminuir as desigualdades educacionais, tende a produzir, na mesma medida, a fragilização da rede, por meio da distribuição desigual de recursos, sem de fato produzir um conjunto articulado de ações que, como apontado desde o último Plano Nacional de Educação, extrapola os repasses de recursos parciais destinados à implementação de programas pontuais, sem atender, efetivamente, às demandas complexas e articuladas do sistema.

A implementação das escola-piloto ao Programa de Apoio ao Novo Ensino Médio nas Regionais do Pará revela o quanto este estado vem agindo estrategicamente na aproximação do Ensino Médio ao projeto educacional do empresariado, organizado em rede sob modelos de governança, atuando junto ao governo estadual na introdução da Reforma em curso e da BNCC por meio da relação público-privada.

Na política educacional, a relação público-privada, na perspectiva de Thompson (1981), trata-se da relação em processo e é “parte constitutiva das mudanças sociais e econômicas”. Para Peroni (2016), não é uma questão de determinação, mas de relação e processo.

Na educação do Pará essa relação vem se estabelecendo pela constituição de governanças em rede, a partir das orientações do MEC, CONSED, UNDIME junto a outras organizações de natureza privada. De acordo com Oliveira et al (2020) e com base nos estudos de Ball (2008), as redes sob modelos de governança se

configurarem enquanto capital de risco. Tais redes se apresentam como um investimento potencialmente lucrativo (BALL, 2008, p. 752-753) e necessitam elaborar aquilo que denominam de boas práticas, as quais se tornam produtos de um mercado educacional em disputa.

De acordo como o Documento do Programa Novo Ensino Médio no Estado do Pará (PARÁ, 2019d), para que o foco da flexibilização curricular esteja articulado com a implementação dos itinerários formativos, a governança, prescrita no art. 14 da Portaria nº 1.024/2018 (BRASIL, 2018d), refere-se à definição de papéis a serem assumidos para além do gestor escolar, da coordenação pedagógica, dos coordenadores de áreas e dos professores, por colaboradores da unidade escolar.

De tal forma, as redes que atuam sob os modelos de governança possuem e atribuem papéis e funções distintas, entre os agentes que as compõem, além de atuarem através de métodos e técnicas capazes de fazer avançar o seu projeto educacional, produzindo, na mesma medida, processos de dependência do estado a essas redes. Uma das estratégias que têm sido utilizadas por essas redes, no Brasil, é a produção de plataformas daquilo que denominam de soluções colaborativas, conforme dispõem Oliveira et al (2020).

A inserção de um projeto educacional do empresariado organizado em rede, no Pará, vem se intensificando paulatinamente no sistema de ensino público que compõe o território paraense, quando se identificam processos de ampliação da adesão aos programas do Governo Federal que complementam a Reforma em curso, como por exemplo o aumento do número de escolas-piloto ao ProNem e das orientações da Seduc a respeito da Elaboração das PFC’s, o que se mostra efetivo na restrição de possibilidades de autonomia administrativa, pedagógica e mesmo financeira das escolas, favorecendo processos de precarização da oferta da educação pública no Pará.

No Pará, a partir de 2016, intensificou a necessidade de o governo estadual estabelecer laços colaborativos na assessoria da condução das políticas educacionais para Educação Básica, inclusive ao Ensino Médio. Esses laços foram sendo cada vez mais consolidados no Pará em 2019, através do Movimento EDUCA PARÁ, a partir do qual passou-se a reafirmar o estabelecimento de parcerias necessárias para desenvolver a agenda da aprendizagem, que tem como foco principal a garantia do direito de aprender a cada estudante, através da atuação de empresas, cujos

parceiros representam vínculos aos interesses privados na educação, com atenção especial ao Ensino Médio: Instituto Natura, Parceiros da Educação, Instituto Unibanco/Jovem de Futuro, Fundação Lemann, Fundação Itaú Social e mais recentemente através do Consórcio Desenvolvimento Integral no Pará que integra o - Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária CENPEC (CENPEC, 2019).

Assim, após a apresentação de um conjunto de ações governamentais em parceria com o setor privado (Instituto Unibanco, Tuneduc, BIRD), identifica-se que, no estado do Pará, elas se delineiam como estratégias da mudança da perspectiva da gestão democrática para a gestão de resultados própria da lógica empresarial, como uma forma de adequar a rede de ensino à Reforma do Ensino Médio Paraense. Sendo assim, embora não apresente explicitamente os objetivos da lógica neoliberal, o governo do estado assumiu tal perspectiva de forma estratégica, aderindo aos programas federais e, por meio da Seduc, em parceria com o CEE, agindo no movimento de alteração da perspectiva de gestão democrática para a gestão de resultados, solicitando que as URE’s, USE’s e escolas nelas inseridas encaminhassem Planos de Metas e formação por gestão de resultados, de acordo com as orientações de entes privados.

É importante destacar, também, a atuação da empresa privada Falconi, que agiu na implementação da gestão para resultados no Pará, de 2015 a 2018, e que, assim como as demais instituições privadas supracitadas, interferiu no direcionamento das políticas educacionais de Ensino Médio Paraense, estabelecendo comissões internas na escola, a fim de fortalecer, adequar e ampliar a relação público-privada com a Gestão por Resultados, não apenas na assessoria aos programas e projetos, como o ProEMI/Jovem de Futuro e o Mundiar, mas na implementação da Reforma empreendida sobre a última etapa da Educação Básica/Novo Ensino Médio, que desde 2012 é aquela que recebe maior atenção do governo local, justificado em função dos baixos índices educacionais, a partir do que o discurso oficial defende a lógica de que o setor privado é portador das melhores estratégias, com expertise e ações gerenciais no alcance de índices numéricos que são tomados como principal indicativo de qualidade da educação (VALE, 2017).

A regulamentação e as primeiras ações de implementação da Reforma, por meio da relação público-privada, vem interferindo na alteração de documentos oficiais

a esse fim, também na elaboração e promoção de ações de formação, de monitoramento, de estratégias, conteúdos e materiais de apoio à equipe de gestão e ao corpo pedagógico e, mais recentemente, atuando diretamente na orientação do redesenho e da reorganização da matriz curricular do Ensino Médio paraense. Além da interferência já presenta na forma de gestão dos programas de governo (ProEMI, Jovem de Futuro, MUNDIAR), o que muda a perspectiva de gestão democrática para a gestão por resultados e, portanto, passa a incidir sobre os processos organizativos do Ensino Médio no Pará.


Conclusão


Neste artigo, procurou-se evidenciar, de forma articulada, as categorias de gestão, tempo integral, currículo, financiamento e a relação público-privada, as quais vêm materializando o cenário de implementação da Reforma Paraense mediante um movimento articulado entre as categorias, porque a partir dos recursos obtidos pelo governo estadual e da legislação em vigor, o setor privado passa a ditar os rumos da educação pautada em uma perspectiva de mercado, com disputas por distinto projeto de sociedade tendo o Ideb como principal parâmetro de qualidade.

Identificamos que a regulamentação para a Reforma do Ensino Médio no Pará segue tendência ao alinhamento com o que prevê a Lei nº 13.415/2017, reproduzindo as suas implicações e contradições através das limitadas normatizações estabelecidas pela Matriz Curricular do Ensino Médio de Tempo Integral (PARA, 2017a) e pelo Regimento das Escolas Estaduais de Educação Básica do Pará de 2018.

As análises evidenciam contradições entre o projeto de Ensino Médio referenciado pela perspectiva de formação integral e a fragmentação presente na regulamentação e implementação inicial da Lei nº 13.415/2017 no Pará, mediante a perspectiva de luta de interesses e projetos distintos de educação, que perpassam por lutas de classes, pela diminuição do papel do Estado, e pela consolidação dos ditames do capital à restrição da formação das juventudes por determinações estruturantes da Reforma em curso.

O conteúdo da regulamentação presente nas orientações normativas de âmbito curricular volta-se às determinações restritivas e regressivas à democratização do Ensino Médio público paraense, pois, de frágil proposta de educação integral com

ênfase à ampliação da jornada escolar retomando o ensino por competências expressando a correlação antagônica entre os fundamentos da educação integral e os esforços e interesses à manutenção da estrutura social à serviço do mercado.

Entende-se, que mesmo diante de um conjunto de ações, o Pará não conseguiu configurar e nem realizar alterações normativas representadas em uma profunda reforma do Ensino Médio Estadual pautada na qualidade social da educação para todos, ou mesmo alterações efetivas nas 236 escolas-piloto, sendo 210 do ProNem e

26 do Programa EMTI. De tal forma, também não se conseguiu elaborar e regulamentar uma proposta curricular ao Ensino Médio voltada às especificidades do seu território, comprometendo a autonomia das instituições educacionais e valendo- se de estruturações jurídicas contrárias aos interesses sociais.

O Regimento (PARÁ, 2018) expressou a concepção fragmentada de educação que está presente na Lei nº 13.415/2017, a qual pode ocasionar impactos negativos na vida dos jovens paraenses, principalmente os mais afetados pelas desigualdades sociais. Apesar de ter sido o documento que mais se aproximou da regulação da Lei nº 13.415/2017, no Pará, até 2019, ao apresentar orientações da carga horária referente ao cumprimento da BNCC, deixou lacunas quanto à normatização da ampliação de 2,4 mil para 3 mil horas, ainda não claramente regulamentadas no estado, o que não é materializado nos processos organizativos do Ensino Médio das 210 escolas-piloto do ProNem. No entanto, o referido Regimento regulamentou, a possibilidade de os sistemas de ensino reconhecerem competências e firmarem convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento, como prescrito na Lei nº 13.415/2017.

As PFC’s, que representam instrumentos-meio da Seduc para orientar as escola-piloto, visam dar celeridade à definição de itinerários formativos, induzindo a organização das escolas na constituição não de quatro, mas de duas grandes áreas, com a seguinte fusão: Linguagens e Humanas, e Matemática e Ciências da Natureza, além de itinerários formativos alinhados ao empreendedorismo e de um projeto de vida associado ao protagonismo juvenil da concepção privada, prescritos em documentos oficiais destinados às escolas-piloto em 2019.

Entre 2016 e 2019, de acordo com os documentos analisados neste estudo, a prioridade das primeiras ações mais pontuais voltaram-se à perpetuação dos moldes dos programas e projetos implantados na Educação Básica, assentados nas parcerias

público-privadas, o que acaba por se tornar o modelo das políticas educacionais, ditando que rumos deve seguir o Ensino Médio Público.

Verificou-se, aqui, a atuação do Estado alinhada à lógica do mercado, concatenado com suas necessidades e utilizando-se de suas orientações para regular os serviços prestados à sociedade e subjugação de uma classe sobre a outra, de modo que as políticas públicas desenvolvidas sejam organizadas na lógica de produção do capital, direcionadas, portanto, a atenuar as exigências dos cidadãos e a atender satisfatoriamente as demandas exigidas pelo mercado, tendo a parceria com o privado como estratégia relevante na condução das políticas, pois assim se exige o fortalecimento do capital.

Percebeu-se, ainda, que a condução do Ensino Médio no Pará enquadra-se em uma perspectiva orientada pela descentralização, forjada na ideia de políticas sociais consideradas distintas de serviços exclusivos do Estado, a partir do que se explicita a transferência de suas responsabilidades sociais para o âmbito privado, o que ocasiona um reordenamento na transferência de responsabilidade da ação de oferta dos serviços sociais, deslocando-a do órgão estadual para a esfera privada, instaurando, assim, uma forma de regulação com o realinhamento do Estado, vinculado à lógica de mercado.

Assim, denota-se que no período histórico de 2016 a 2019, a regulamentação e as primeiras ações de implementação da Reforma no estado, se configuram enquanto instrumentos – meio de uma experiência pautada pelo incentivo do Estado em fortalecer a ação da iniciativa privada em realizar a oferta do serviço educacional sobre a esfera pública, no âmbito da execução dos serviços sociais como fim, em que a atuação propugna-se a ser vista como a ampliação da qualidade do serviço e de potencialidade para fortalecimento dessa prática, aspecto em que subjazem fortes elementos de estratégia do capital quanto ao atendimento das necessidades das demandas sociais.


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