V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
Ana Paula Félix de Carvalho Silva2 Eliza Bartolozzi Ferreira3 Kefren Calegari dos Santos4
O objetivo é analisar a forma de implantação do “novo ensino médio” no Espírito Santo. O estudo é desenvolvido a partir de uma breve revisão bibliográfica e análise dos instrumentos normativos que orientam a organização do “novo ensino médio”. As percepções dos trabalhadores docentes sobre a reforma foram analisadas com base nos dados coletados a partir de uma enquete aplicada com 263 docentes. A forma de implantação da reforma é singular e a maioria dos docentes desconhecem ou conhecem parcialmente a organização do “novo ensino médio”.
El objetivo es analizar cómo implementar la "nueva escuela secundaria" en Espírito Santo. El estudio se desarrolla a partir de una breve revisión bibliográfica y un análisis de los instrumentos normativos que orientan la organización de la "nueva escuela secundaria". Las percepciones de los maestros sobre la reforma se analizaron sobre la base de los datos recogidos en una encuesta aplicada a 263 maestros. La forma en que se aplica la reforma es única y la mayoría de los profesores no conocen o conocen parcialmente la organización de la "nueva escuela secundaria".
The objective is to analyze how to implement the "new high school" in the Espírito Santo. The study is developed from a brief bibliographic review and analysis of the normative instruments that guide the organization of the "new high school". The teachers' perceptions about the reform were analyzed based on data collected from an applied survey of 263 teachers. The way in which the reform is implemented is unique and most teachers are unaware or partially aware of the organisation of the "new high school".
1 Artigo recebido em 15/11/2020. Primeira avaliação em 10/03/2021. Segunda avaliação em 11/03/2021. Aprovado em 29/03/2021. Publicado em 27/05/2021.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47157
2 Graduanda em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Brasil. Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nepe/UFES).
E-mail: anafelix01@gmail.com. Lattes: lattes.cnpq.br/1256196095884213. ORCID: orcid.org/0000-0002-3601-6739.
3 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. Professora Associada da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFES). Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nepe/UFES). E-mail: elizappge@gmail.com. Lattes: lattes.cnpq.br/4414820772031494.
ORCID: orcid.org/0000-0002-4100-9875.
4 Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES) - Brasil. Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal do Espírito Santo - Campus Vitória (IFES/Campus Vitória). Pesquisador no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Nepe/UFES). E-mail: kefren@terra.com.br.
Lattes: lattes.cnpq.br/0893075876273003. ORCID: orcid.org/0000-0001-9782-9496.
O objetivo deste texto é analisar a forma de implantação do “novo ensino médio” na rede estadual do Espírito Santo. Utilizamos a expressão “novo ensino médio” por duas razões: 1) a política estadual do Espírito Santo faz uso dessa expressão; 2) colocamos entre aspas porque entendemos, assim como Silva (2018), que a atual reforma do ensino médio traz apenas uma aparência de novo, pois acoberta velhos discursos e velhos propósitos.
Um conjunto de pressupostos orienta nossas análises. Primeiramente, as reformas penetram de maneira diferente e desigual os sistemas educacionais. É muito difícil evitar que isso aconteça, e as políticas provocam efeitos distintos, de acordo com os diferentes grupos sociais envolvidos (LESSARD; CARPENTIER, 2016). Em segundo, o Estado não é uma entidade monolítica, mas uma instância onde agem diversos atores em concorrência para determinar a pauta política. O jogo político é mais que um processo racional de resolução de problemas. É importante a contribuição da sociologia da ação pública, que concebe as políticas públicas como uma construção social onde emergem as representações que uma sociedade elege para compreender o mundo a sua volta. Portanto, temos estruturas cognitivas e normativas que apresentam uma certa estabilidade ao longo do tempo (MULLER, 2015).
Com base no trabalho de Muller e Surel (2002), entendemos que a construção das políticas públicas não é um processo abstrato. Ela é, ao contrário, indissociável da ação dos indivíduos ou dos grupos envolvidos. Esses indivíduos, ou grupos de indivíduos, envolvidos nesse processo irão contribuir indiretamente e diretamente a partir de seus contextos, realidades, condição social, escolaridade, momento histórico, etc. Portanto, as reformas educacionais estão submetidas a essa complexidade e consideramos importante acompanhar o processo de implantação da política de modo a analisar as instituições, as ações dos atores, as relações de poder assim como as mudanças e permanências. Por se tratar de pesquisa em andamento, ressaltamos que o texto tem um objetivo mais simples que é de registrar a forma de organização do “novo ensino médio” no Espírito Santo, junto com as percepções dos trabalhadores docentes, a partir de dados analisados por meio da aplicação de um questionário nas escolas-piloto e não-piloto.
A escrita deste texto é resultado de pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (NEPE) com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)5. O artigo discute parte dos dados coletados até o momento sobre o processo de execução da reforma do ensino médio instituída pela promulgação da Lei n. 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) e instituiu a política de fomento à implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral no Brasil (MEC, 2017).
Em 2016, em meio à heterogeneidade da oferta do ensino médio, o governo Temer encaminhou a Medida Provisória n. 746/2016 ao Congresso Nacional, sancionada como Lei n. 13.415/2017. A partir de 2018, essa lei autoriza uma mudança da estrutura e do currículo do ensino médio para todas as escolas públicas e privadas do país. Em vez de uma organização única para todos, a lei instituiu cinco itinerários formativos independentes6. A reforma propõe ainda o fomento à oferta do ensino médio em tempo integral, garantindo as transferências de recursos da União com a finalidade de prestar apoio financeiro aos estados e Distrito Federal no atendimento a essa demanda. Os recursos para a implementação da referida Lei são buscados por meio de financiamento do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). No início de 2019, os sistemas estaduais de educação receberam recursos financeiros provenientes do MEC para implantação do “novo ensino médio”. No Espírito Santo, por enquanto, 15 escolas foram contempladas com esses recursos e deram início a essa nova organização7.
O texto está organizado em três seções, além da introdução. Na primeira seção, apresentamos uma breve revisão bibliográfica com destaque aos principais aspectos da reforma do ensino médio tratados em artigos científicos, com foco específico na organização e modos de oferta. A segunda seção está voltada para o mapeamento e análise dos instrumentos normativos que orientam o exercício do “novo ensino médio” no Espírito Santo. Na terceira seção, trazemos dados de uma enquete aplicada aos docentes de 22 escolas da Região Metropolitana de Vitória, no
5CNPq Edital Universal Processo n. 423626/2018-3.
6 Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional.
7 Em entrevistas realizadas com diretores das escolas-piloto, no mês de maio/junho de 2020, foi informado que apenas uma parte dos recursos chegou até agora.
Espírito Santo, composta pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. As escolas foram selecionadas por Portaria da Sedu na qual foram definidas as escolas-piloto para implantação do “novo ensino médio” no estado, contabilizando 15 (quinze) escolas. Outras 7 (sete) escolas, referidas como não-pilotos, foram selecionadas através de critérios geográficos (proximidade com as escolas-piloto) e têm a intenção de criar um paralelo de como a implantação do “novo ensino médio” vem ocorrendo em escolas-piloto e não-piloto.
Tendo em vista os limites da extensão do artigo, a revisão bibliográfica aqui apresentada objetiva tratar brevemente dos principais aspectos da reforma do ensino médio publicados em artigos científicos, com foco específico na organização e modos de oferta. Ela é constituída por artigos científicos veiculados em periódicos desde o ano de publicação da Medida Provisória n. 746/2016, convertida posteriormente na Lei n. 13.415, em 16 de fevereiro de 2017, e disponíveis em quatro bases de dados: Portal de Periódicos da Capes, Scielo, Scopus e a coleção principal da Web of Science, as quais consideramos como repositórios científicos amplos e com boa representatividade no campo educacional brasileiro.
Na leitura dos artigos, buscamos identificar os principais temas e aspectos abordados em relação à reforma do ensino médio, com atenção especial para possíveis estudos sobre a sua implantação nos marcos da Lei n. 13.415/2017 e/ou impactos para a oferta e organização do ensino médio. Do total de 96 artigos encontrados, excluímos os duplicados (disponíveis tanto em português quanto em inglês ou encontrados em mais de uma base de dados), assim como aqueles que apenas tangenciam a discussão da reforma do ensino médio, obtendo um corpus documental com 45 artigos.
Embora todos os artigos tratem da reforma do ensino médio, as abordagens temáticas são diversas e publicadas em 29 periódicos diferentes. Algumas publicações vêm de áreas do conhecimento e modalidades de ensino específicas, cujos contextos históricos e teórico-epistemológicos tendem a dificultar a possibilidade de realizar sínteses. Sendo assim, nos limites desse texto, buscaremos realçar somente os aspectos mais gerais tratados nos artigos com foco nas formas de
organização e oferta do ensino médio, retomando duas questões iniciais: como a reforma do ensino médio vem sendo implantada nas escolas ou redes de ensino? E/ou quais os (possíveis) impactos da reforma para a organização e modos de oferta do ensino médio?
Considerando a produção acadêmica mapeada, verificamos que nenhum artigo trata especificamente da implantação ou dos impactos da reforma do ensino médio nos marcos da Lei n. 13.415/2017. Porém, entre o “tempo” da política e o da pesquisa, ressaltamos duas características e, simultaneamente, contribuições dos artigos para ampliar a compreensão desse processo e/ou levantar hipóteses de estudo: uma parte deles retrata os processos de constituição da lei, sobretudo os estudos que deram destaque à imposição da reforma e as disputas ocorridas durante a tramitação da MP
n. 746; outra parte antecipa os impactos da lei como hipóteses, ao considerar, dentre outros aspectos, a própria experiência histórica, sendo que alguns assumem as duas características.
A atual reforma do ensino médio, intitulada pelo governo federal como “novo ensino médio”, em linhas gerais se caracteriza por alterar a organização curricular deste nível de ensino e o seu financiamento público. Por meio dela, o currículo do ensino médio deixa de ter um tronco comum para todos os estudantes desta última etapa da educação básica e, dividido, passa a ser composto por uma “Base Nacional Comum Curricular [BNCC] e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2017). Sem a definição de uma carga horária mínima, está previsto para a BNCC o limite máximo de 1.800 horas destinadas aos conteúdos organizados pelas redes de ensino em quatro áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza), tendo unicamente como disciplinas obrigatórias a Língua Portuguesa e a Matemática. Para os itinerários formativos, são previstas as mesmas quatro áreas do conhecimento, acrescidos da formação técnica e profissional, que comporiam as cinco ênfases, dentre as quais, segundo o governo, os próprios estudantes poderiam escolher para aprofundamento de seus estudos (BRASIL, 2017). Ainda segundo o governo do então presidente Michel Temer (2016-2018), essa flexibilidade da oferta e a autonomia dos estudantes em realizar suas escolhas e construir seu “projeto de
vida” é que tornariam o ensino médio mais atrativo para os jovens e, portanto, capaz de fazer frente aos problemas deste nível de ensino.
De modo geral, os artigos não desconsideram os problemas e desafios aludidos na exposição de motivos do governo ao justificar a medida provisória para essa última etapa da educação. Aliás, há o reconhecimento do ensino médio como a etapa mais problemática da escolarização no cumprimento de suas atribuições e garantia do direito à educação básica para todos os brasileiros, como previsto na Constituição Federal (CORRÊA; GARCIA, 2018, p. 606). Contudo, eles advertem que os reformadores desconsideraram o acúmulo de pesquisas realizadas nas universidades e o conjunto das condições necessárias para o adequado funcionamento das escolas, quanto à sua infraestrutura, a formação dos professores, sua remuneração e carreira, a gestão democrática das escolas e dos sistemas de ensino, dentre outras, limitando- se apenas à alteração da organização curricular do ensino médio.
Do mesmo modo, aspectos problemáticos de experiências anteriores no próprio Brasil, similares à reforma atual, também não são levados em consideração. Leão (2018) relata duas tentativas frustradas do governo de Minas Gerais ao implantar algo semelhante à atual reforma: em meados dos anos 2009, com a organização por áreas nas duas últimas séries do ensino médio; e, em 2012, o programa “Reinventando o Ensino Médio”, que foi experimentado como projeto-piloto em condições ideais, mas com sua implantação sem intervenção nas condições de funcionamento das escolas e mobilização das redes, não gerou melhorias para as escolas. Outra experiência, o Programa de Educação Integral (PEI), desenvolvida em Pernambuco desde 2008 e ainda em vigor, citada pelos reformadores como caso de sucesso e modelo para o "novo ensino médio", é calcada em modelos administrativos de organizações privadas, com excessiva mensuração e processo seletivo, que aprofunda as desigualdades entre os estudantes (FERREIRA, 2017), além das grandes desigualdades nas condições de trabalho e salariais dos professores, em função da política de responsabilização e bonificação de docentes e gestores relacionadas às metas a serem alcançadas nas avaliações (LEÃO, 2018).
Quanto à organização curricular, os artigos têm apontado também que a lei é bem clara de que a prerrogativa da oferta dos itinerários formativos pertence aos sistemas de ensino, por conseguinte, não há garantia de que todos eles serão realmente ofertados. E, a depender das atuais condições dos sistemas de ensino e
das crescentes restrições orçamentárias impostas pelos governos, certamente a oferta não será ampla e, no limite, a escola que ofertar apenas um itinerário formativo não estará incorrendo em um ato ilegal. Porém, mesmo que haja a oferta de todos os itinerários formativos propostos, continuam as preocupações com a possibilidade de redução, esvaziamento ou empobrecimento da formação humana dos estudantes das escolas públicas e a ampliação das desigualdades entre escolas, sistemas de ensino e regiões por conta do acesso diferenciado ao conhecimento produzido pela humanidade e distribuído nas escolas (HERNANDES, 2019, 2020; LIMA; MACIEL, 2018).
Para a maioria dos autores deste corpus documental, o itinerário técnico e profissional apartado da formação geral ou propedêutica (representada na lei pela BNCC), retoma com maior intensidade a histórica dualidade entre a formação propedêutica e profissional, além de reconhecerem, não sem identificar incoerências, insuficiências e contradições, diversas iniciativas e esforços de sua superação encetadas durante o governo Lula-Dilma por meio de políticas e programas que permitiram a sua oferta conjunta e uma concepção teórica e ético-política de formação profissional integrada ao ensino médio. Nesse sentido, Costa e Coutinho (2018) observam que, embora a Lei n. 13.415/2017 não impeça o acesso aos cursos superiores como ocorrido na Reforma Capanema da década de 1940, a formação fragmentada em itinerários formativos se apresenta como um retrocesso e poderá dificultar a verticalização daqueles que optarem pela formação profissional, considerando que os conhecimentos necessários a ascensão aos cursos de graduação possam ser insuficientes para a aprovação em vestibulares. Concordando com eles, Henrique (2018, p. 300) relembra a Reforma Capanema e acredita que “na melhor das hipóteses, para os egressos da Formação Técnica e Profissional restarão os cursos tecnológicos, mais curtos e específicos”. Ademais, Ferreti (2018) faz um balanço de outras legislações da educação profissional, reconhecendo em particular que, apesar da radicalidade do Decreto n. 2.208/1997 no aprofundamento daquela dualidade, a reforma instituída pela Lei n. 13.415/2017, além de subverter completamente a proposta de integração entre a formação geral do ensino médio e a formação profissional, conseguiu ainda piorar o quadro oferecido pelo Decreto 2.208/1997, pois, ao contrário da possibilidade prevista neste decreto, da formação do jovem ocorrer de modo concomitante à formação geral do ensino médio até à sua
conclusão, ela se torna apenas um itinerário e, com a formação geral, reduzida em carga horária e restrita ao início do ensino médio por meio da BNCC.
Grosso modo, essa síntese da revisão bibliográfica traz os apontamentos dos artigos sobre as possíveis implicações da reforma do ensino médio para a garantia do direito à educação dos jovens brasileiros. Ou seja, ampliam-se as dificuldades e os desafios para garantir a todos e todas as próprias finalidades do ensino médio, conforme previsto no Art. 35 da LDB (BRASIL, 1996), especialmente a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental para o devido prosseguimento de estudos, se assim os jovens desejarem; a preparação básica para o trabalho; e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. A distinção entre base comum e itinerários formativos, assim como a fragmentação desses últimos, rompe com a ideia de unidade da educação básica, descaracterizando o ensino médio em relação às etapas anteriores, com profundas implicações para a formação humana dos jovens. No entanto, felizmente, também os artigos indicam a difícil, mas necessária resistência dos jovens, trabalhadores da educação e movimentos sociais; alguns autores até apontam brechas no bojo das contradições da legislação para ações contra-hegemônicas; e nós ressaltamos, ainda, a importância dos pesquisadores e pesquisadoras do ensino médio continuarem comprometidos com pesquisas e reflexões críticas no contexto das lutas por uma educação pública, laica, gratuita e com qualidade socialmente referenciada.
Partimos do pressuposto de que as políticas educacionais podem ser implantadas de diversas formas, de acordo com cada cultura escolar e conforme as capacidades técnicas, financeiras e políticas de cada ente da federação. Dessa maneira, a Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo (Sedu) adotou um modelo de aplicação da lei bastante singular. Primeiramente, instituiu um grupo de trabalho (GT) para coordenar a ação de implantação do “novo ensino médio” e elaborar o Plano de Implementação do “novo ensino médio” – PLI pela Portaria n. 176- S, de 08 de fevereiro de 2019 (SEDU, 2019c). O grupo de trabalho foi constituído por 9 (nove) profissionais, sendo 8 (oito) vinculados a cargos na própria Sedu e um da
Superintendência Regional de Educação (SRE) – supervisores pedagógicos das SREs de Carapina, Cariacica e Vila Velha. As atribuições estipuladas para o GT são extensas e vão desde fazer reuniões com coordenadores e professores das escolas- piloto para dirimir dúvidas sobre a implantação do "novo ensino médio”, até fazer levantamento sobre as disciplinas eletivas e projetos pedagógicos ofertados por professores da rede.
Mas no início de 2020, uma nova portaria foi publicada pela Sedu para instituir o Comitê Operacional do Novo Ensino Médio para coordenar e acompanhar as ações de Implementação do Novo Ensino Médio Capixaba, no âmbito da educação básica no Estado do Espírito Santo (Portaria n. 271-S, de 13 de março de 2020) (SEDU, 2020d). Nessa portaria, as atribuições da Comissão são resumidas assim:
Art. 4º Compete ao Comitê Operacional executar, monitorar e avaliar o desenvolvimento das ações contidas no plano de implementação do Novo Ensino Médio com vistas a discutir, encaminhar propostas, propor estudos, produzir diagnósticos, entre outras ações, que possam subsidiar a implementação do Novo Ensino Médio da rede pública estadual do Espírito Santo (SEDU, 2020d, s/p).
Esse Comitê passa a ser composto por 18 (dezoito) profissionais, todos com cargo de gerência na Sedu e não tendo mais qualquer profissional da SRE. Além dessas portarias com caráter de planejamento para implantação do “novo ensino médio”, até o momento, a Sedu instituiu apenas um instrumento normativo de orientação da organização curricular – a Portaria n. 145-R, de 19 de dezembro de 2019, que dispõe sobre as Diretrizes para as Organizações Curriculares na Rede Pública Estadual de Ensino para o Ano Letivo de 2020 (SEDU, 2019b). Ou seja, as orientações da Sedu estão no limite da organização curricular das escolas do ensino médio.
A Sedu planejou a implantação do “novo ensino médio” em 15 (quinze) escolas selecionadas com base nas condições adequadas de infraestrutura e que já ofertavam o tempo integral, de acordo com a Portaria Sedu n. 015-R, de 06 de fevereiro de 2019, que institui e organiza a implantação de escolas-piloto do "novo ensino médio” na rede pública estadual do Espírito Santo (SEDU, 2019,d). Os gestores dessas escolas- pilotos participaram de alguns encontros formativos ao longo do ano de 2019, junto com outros gestores das escolas de tempo integral, técnicos da Superintendência Regional de Educação (SRE), supervisores administrativos e supervisores escolares.
Em tais encontros foram apresentados os documentos orientadores para as escolas organizarem a oferta do que se intitula “novo ensino médio”. De acordo com análise dos documentos divulgados nesses encontros, a centralidade das formações estava na organização curricular e, sobretudo, na introdução de 3 (três) atividades diversificadas, quais sejam: o projeto de vida, as eletivas e o estudo orientado.
A decisão da Sedu em organizar o “novo ensino médio” com base nessas três atividades diversificadas vem de sua experiência do programa Escola Viva (Programa de Escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio em Turno Único, conhecido como Programa Escola Viva), implantado pelo governo anterior de Paulo Hartung (governo atual é de oposição), no ano de 2015. O programa Escola Viva veio para o Espírito Santo "pelas mãos" dos gestores da ONG empresarial Espírito Santo em Ação, parceira do governo na elaboração do Programa de Governo ES - 2030. A administração do projeto nas escolas ficou para uma entidade de caráter privado – o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), que, entre outras funções, era o responsável por coordenar a seleção de gestores e professores, retirando, desse modo, a autonomia do poder público nas decisões que envolvem a educação. Entre 2015 e 2018, 38 (trinta e oito) escolas de ensino médio passaram a adotar o projeto Escola Viva, algumas em prédios próprios e outras em prédios alugados pelo estado. De acordo com dados de Alcântara, Matos e Costa (2020), o governo estadual priorizou um alto investimento no Programa em detrimento das demais escolas da rede regular de ensino. É possível evidenciar tal fato quando se compara o investimento realizado em três escolas que aderiram ao Programa com três da rede regular. Três escolas do Programa Escola Viva, com 1.194 alunos matriculados, receberam R$ 383.900,00, tendo um custo de R$ 321,52 por aluno, enquanto nas escolas regulares, com 3.468 alunos matriculados, o repasse total foi de R$ 210.200,00, tendo um custo por aluno de R$ 60,618.
O governo atual de Renato Casagrande (PSB - 2019) herdou o programa que havia instalado uma jornada escolar de até 9h30min de permanência na escola, sendo 7h30min em atividades pedagogicamente orientadas. Considerando ser um governo de oposição ao anterior, a Sedu mudou o nome do Programa para Escola de Tempo Integral e, com base na Lei n. 13.415/2017, decidiu iniciar sua implantação
8 Importante destacar que o Programa Escola Viva foi muito contestado pela comunidade escolar do Espírito Santo que acusou o governo de não permitir o diálogo.
dando sequência, sobretudo, ao Projeto de Vida que, segundo a Subsecretária Pedagógica da Sedu, trata-se de uma atividade muito bem avaliada pela Secretaria. Mas, de acordo com estudiosos, essa atividade tem um caráter neoliberal.
O ICE parte do princípio de que cada estudante deve ter um projeto de vida que consiste na elaboração de metas acadêmicas e no desenvolvimento de habilidades socioemocionais (resiliência, resolução de problemas, estímulo à curiosidade), que, por sua vez, estão alinhadas às competências e recomendações dos organismos internacionais. Para os idealizadores, o projeto de vida é condição propulsora para que o estudante tenha êxito na vida acadêmica e no mundo do trabalho (ALCÂNTARA; MATOS; COSTA, 2020, p. 7).
Estudos realizados sobre o programa Escola Viva (ALCÂNTARA; MATOS; COSTA 2020; OLIVEIRA; LIRIO, 2017; PETERLE, 2016) denunciam que esse
programa representou efetivamente a concepção de gerenciamento do Estado pautada pela lógica neoliberal, na qual os princípios de qualidade total e eficiência passaram a exercer um poder central sobre os rumos políticos e econômicos do Estado do Espírito Santo em termos de política educacional (OLIVEIRA; LIRIO, 2017). A organização do “novo ensino médio” na rede estadual do ES reafirma a lógica neoliberal que deu origem à Lei n. 13.415/2017 dentro de um governo do Partido Socialista Brasileiro. Para essa gestão, as diretrizes do ICE continuam valendo como orientações para a execução da atividade Projeto de Vida. Segundo o documento
“Diretrizes curriculares e operacionais para projeto de vida 2020”,
Nesta unidade curricular, deve-se considerar a formação integral do estudante, contemplando seu Projeto de Vida e sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais, além de ser uma estratégia pedagógica de reflexão sobre sua trajetória escolar na construção das dimensões pessoal, cidadã e profissional do estudante (SEDU, 2019c, s/p).
Na perspectiva dessa atividade curricular, os professores responsáveis são incorporados no trabalho pedagógico como “parceiros” que devem acreditar que o estudante é capaz de concretizar todas as etapas necessárias para realizar o seu projeto de vida. Não é à toa que esse projeto de escola, que foi ampliado para uma parte do país, seja reconhecido como escola da escolha, onde estudantes escolhem o seu projeto de vida e os trabalhadores docentes escolhem trabalhar nesse projeto e, caso um docente não seja bem avaliado, o gestor pode fazer sua transferência. Esse cenário transforma a identidade do profissional, que se afasta de uma ética do
serviço público, caminhando para uma ética de empresa, onde impera uma nova linguagem, uma outra organização dos ambientes pedagógicos e de mediação. A autonomia é controlada, a coerção é flexível e o autocontrole é a conduta aceitável. Os processos formativos – dos estudantes e docentes – ficam reduzidos no ato de mobilizar as aspirações à realização pessoal a serviço da escola-empresa, transferindo exclusivamente para o indivíduo a responsabilidade pelo cumprimento dos objetivos.
Como mostra o livro de Dardot e Laval (2016), o neoliberalismo não é tão somente uma teoria econômica, mas uma nova sociabilidade que se forma na sociedade contemporânea, pois trata-se de uma teoria com forte sustentação moral, em que o mercado é concebido como um processo de autoformação, um processo subjetivo autoeducador e autodisciplinador, pelo qual o indivíduo aprende a se conduzir. A formação desse novo indivíduo vai demandar da escola um papel determinante, que aponta para a constituição da responsabilidade individual e o autocontrole. A responsabilidade é uma qualidade adquirida pela interiorização de coerções, o que significa “ser empreendedor de si mesmo”. Para isso, a instauração de técnicas de auditoria, vigilância e avaliação visa aumentar a exigência de controle de si mesmo e o bom desempenho individual (DARDOT; LAVAL, 2016).
Podemos afirmar que a atividade curricular Projeto de Vida busca desenvolver uma espécie de engajamento moral dos estudantes na sociedade com base nos valores do mercado, os quais podem ser interiorizados pelo discurso característico do empreendedorismo. Parece que estamos presenciando uma mudança no sentido de capital humano tal como o conhecemos no século XX, cuja noção tinha uma dimensão externa, isto é, a qualificação dos trabalhadores fazia parte de um projeto das instituições de ensino. Já a noção de capital humano no século XXI remete a uma conduta pessoal construída internamente com base em valores. O projeto educativo em curso não tem mais a centralidade na qualificação do trabalhador como no passado recente, mas em orientar os jovens para fazer escolhas racionais e sem colocar em risco a dominação capitalista. Formar indivíduos, governar suas condutas é, portanto, mais importante do que, efetivamente, resolver o problema do desemprego. Problema que, em todo caso, pode ser gerido convencendo as pessoas de que elas são as únicas responsáveis por seu sucesso profissional; e que, para ter sucesso, é preciso, especialmente, mudar seu comportamento.
As outras duas atividades da parte diversificada do currículo da rede estadual do ES – eletivas e estudo orientado – completam o projeto do “novo ensino médio”. A orientação da Sedu é que os estudantes escolham as eletivas de forma articulada ao seu projeto de vida e, cabe aos professores, ter criatividade e “comprometer-se em desafiar e estimular os estudantes” (SEDU, 2020a, s/p).
As aulas das Eletivas têm como objetivo possibilitar a ampliação, o aprofundamento e o enriquecimento do repertório de conhecimentos dos estudantes a partir de conteúdos e temas relacionados à Base Nacional Comum Curricular – BNCC, expandindo, dessa forma, suas capacidades de ler o mundo de maneira crítica e propositiva e, mais ainda, de sua própria atuação como estudante, como protagonista e como agente de transformação da sociedade (SEDU, 2020a, s/p).
A citação acima remete a uma pergunta sobre se será possível alcançar o objetivo de ampliar as capacidades dos estudantes de ler o mundo de maneira crítica e propositiva se o currículo se limitar à Base Nacional Comum Curricular. Pois a BNCC do ensino médio recupera o discurso dos anos 1990, quando implantados os Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais, conforme apresentado por Silva (2018).
Nos dispositivos que orientam as proposições curriculares com base em competências, prepondera, assim, uma concepção de formação humana marcada pela intenção de adequação à lógica do mercado e à adaptação à sociedade por meio de uma abstrata noção de cidadania. Esse discurso é marcado, também, pelo não reconhecimento da dimensão da cultura como elemento que produz, ao mesmo tempo, a identidade e a diferença. A noção de competências, ora como resultado de uma abordagem biologista e/ou inatista da formação, ora em virtude de seu caráter instrumentalizador e eficienticista, consolida uma perspectiva de educação escolar que, contraditoriamente, promete e restringe a formação para a autonomia (SILVA, 2018, s/p).
A atividade Orientação de Estudo (OE), por sua vez, objetiva criar hábitos de estudo. Para a Sedu, essa ação é
uma prioridade e uma necessidade, pois o estudante precisa saber o que, quando e como estudar. É necessário que ele tenha clareza desses procedimentos, para que possa dedicar, de forma eficiente, tempo e esforço no ato de estudar. Quando o estudante vê sentido e significado em sua relação com o saber, o ato de estudar passa a ter novo sentido para seu Projeto de Vida (PV) e as aulas de OE passam a ter um papel importante em sua vida estudantil (SEDU, 2020b, s/p, grifos do autor).
Mais uma vez o material produzido pelo ICE é indicado para subsidiar as aulas dos professores.
As informações coletadas por meio de entrevistas realizadas com gestores das escolas-piloto indicam que a discussão sobre os itinerários formativos ainda não foi realizada pela Sedu, que ficou de fazer isso no ano de 2020, todavia tudo foi interrompido em razão da pandemia causada pelo Covid-19. Mas, de acordo com o Quadro 1, o itinerário formativo tem a previsão de uma carga horária de 1.200 horas, cumprida por meio da realização das 3 (três) atividades: projeto de vida, eletiva e estudo orientado.
Fonte: SEDU (2020e).
No primeiro semestre do ano de 2019, realizamos uma enquete com os docentes de 22 escolas da Região Metropolitana de Vitória, no Espírito Santo, composta pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. As escolas foram selecionadas por Portaria da Sedu na qual foram definidas
as escolas-piloto para implantação do "novo ensino médio" no estado, contabilizando 15 (quinze) escolas. As outras 7 (sete) escolas, referidas como não-pilotos, foram selecionadas através de critérios geográficos (proximidade com as escolas-piloto), sob a intenção de criar um paralelo sobre a percepção dos docentes acerca do "novo ensino médio”.
Foram 263 respostas de 263 docentes das escolas selecionadas para a aplicação dos questionários. O procedimento para definição estatística da pesquisa foi realizado por meio do cálculo do tamanho de uma amostra proposto por Soares e Santos (2019), uma vez que se trata de um método eficiente, porém simples de estabelecer o tamanho da população. No intuito de obter um espaço amostral capaz de gerar resultados confiáveis e, simultaneamente, otimizar ao máximo o tempo e os recursos disponíveis para a aplicação dos questionários, foi adotado um erro amostral igual a 5%, o que configura, portanto, uma confiabilidade de 95%. Por fim, a amostragem foi estratificada entre as instituições de ensino selecionadas de forma proporcional à sua quantidade de professores, assim, se há mais docentes em determinada escola, ela contribuirá mais para o espaço amostral que uma outra cujo número de professores é menor, conforme o método de amostragem aleatória estratificada. Os resultados desses cálculos podem ser verificados na tabela 1.
Segundo a tabela 1, a maior parte das escolas estão sob administração da Superintendência de Carapina, que contempla os municípios de Vitória, Serra, Santa Teresa e Fundão, sendo a superintendência com maior número de escolas-piloto, enquanto Serra é o maior município. Segundo Censo do IBGE de 2010, Serra é o município com maior população entre 15 e 19 anos, faixa etária esperada para o ensino médio, e, junto a Fundão, com maior taxa de crescimento geométrica média anual, enquanto Vitória ocupa a posição de maior número de matrículas. Esses também são os maiores dados do estado do Espírito Santo, o que talvez justifique as escolhas feitas pela Sedu em relação à seleção das escolas-piloto. Ainda acerca da tabela 1, é possível observar que boa parte das escolas não tiveram número de participantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) suficiente para que os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica fossem divulgados, mas as outras formulam uma média de 4,47 no IDEB, sendo a maioria escolas-piloto, as quais também concentram as maiores notas no índice.
SER | Município | Escola | Docentes | Situação | IDEB |
Carapina | Fundão | CEEFMTI Nair Miranda | 19 | Piloto | 4.5 |
Carapina | Serra | EEEFM Profª. Hilda Miranda Nascimento | 48 | Não-piloto | * |
Carapina | Serra | EEEFM Jacaraípe | 56 | Piloto | 3.7 |
Carapina | Serra | EEEFM Aristóbulo Barbosa Leão | 46 | Não-piloto | * |
Carapina | Serra | CEEFMTI Dr. Getunildo Pimentel | 24 | Piloto | ** |
Carapina | Serra | EEEFM Francisco Nascimento | 20 | Piloto | 5.6 |
Carapina | Serra | CEEFMTI Joaquim Beato | 24 | Piloto | 3.3 |
Carapina | Vitória | EEEM Colég. Estadual do Espírito Santo | 63 | Não-piloto | 4 |
Carapina | Vitória | EEEM Irmã Maria Horta | 44 | Piloto | 5.1 |
Carapina | Vitória | CEEMTI Profº. Fernando Duarte Rabelo | 27 | Piloto | 5.2 |
Carapina | Vitória | EEEM Arnulpho Mattos | 87 | Não-piloto | 4.5 |
Carapina | Vitória | CEEMTI Dr. Agesandro da Costa Pereira | 25 | Piloto | 4.9 |
Cariacica | Cariacica | EEEFM José Vitor Filho | 19 | Piloto | * |
Cariacica | Cariacica | CEEMTI Profª. Maria Penedo | 25 | Piloto | 3.5 |
Cariacica | Cariacica | EEEFM Hunney Everest Piovesan | 57 | Não-piloto | * |
Cariacica | Cariacica | EEEFM Rosa Maria Reis | 17 | Piloto | * |
Cariacica | Viana | EEEM Irmã Dulce Lopes Ponte | 39 | Não-piloto | * |
Cariacica | Viana | CEEFMTI Ewerton M. Guimarães | 32 | Piloto | * |
Vila Velha | Vila Velha | EEEFM Adolfina Zamprogno | 22 | Piloto | * |
Vila Velha | Vila Velha | EEEFM Dr. Francisco Freitas Lima | 27 | Não-piloto | 4.8 |
Vila Velha | Vila Velha | CEEFMTI Assisolina Assis Andrade | 26 | Piloto | * |
Vila Velha | Vila Velha | CEEMTI Profª. Maura Abaurre | 23 | Piloto | 4.6 |
*Número de participantes no SAEB insuficiente para que os resultados fossem divulgados.
**Não existem resultados para o ensino médio. Fonte: SEDU (2019a) e INEP (2019).
As escolas-piloto tiveram 147 questionários respondidos, sendo que, desses, 3 (três) foram devolvidos em branco, enquanto as escolas não-piloto contabilizaram
116. Nas escolas-piloto, 95 professores/as, aproximadamente 64,6%, afirmaram que havia, naquele momento, mudanças curriculares sendo propostas em suas instituições de ensino. Ao mesmo tempo, apenas 33,2% dos docentes das escolas não-piloto declararam “sim” à mesma questão. Essa diferença entre escolas-piloto e não-piloto se repete acerca da participação dos docentes em ações sobre o "novo ensino médio". Dos docentes das escolas-piloto, 60,6% responderam que participaram de alguma ação, ao passo que, nas escolas não-piloto, 41,4% dos docentes afirmaram a mesma coisa. As principais ações realizadas foram semelhantes em ambos os cenários: encontros de formação pedagógica, reuniões com alguns docentes e reuniões com todos os profissionais da educação da escola. Chama atenção os dados referentes ao conhecimento dos respondentes acerca de ações existentes voltadas para o “novo ensino médio” nas escolas não-piloto, mesmo que em número inferior às escolas-piloto. E não se trata, como pode-se pensar à primeira vista, que podem ser docentes que atuam nas mesmas escolas. Essa hipótese não é segura porque a pergunta do questionário diz respeito à experiência do respondente na escola onde respondeu ao questionário. A hipótese comprovada pela pesquisa é de que a atividade curricular “projeto de vida” foi implantada também nas escolas não-piloto.
Por outro lado, quanto à participação sobre a discussão em relação aos itinerários formativos, ambos os cenários tiveram apurações semelhantes: mais de 50% dos docentes afirmaram não participar de debates sobre a organização dos itinerários, o que leva a crer sobre a ausência desse debate e que a centralidade posta pela Lei n. 13.415/2017 não é apropriada, pelo menos até o momento, pela rede estadual do ES.
Em relação à ciência da implementação do "novo ensino médio” no Espírito Santo, 90,9% de todos os docentes responderam que sim, tinham ciência, mas quando questionados sobre quais seriam as mudanças previstas, apenas 25,5% afirmaram saber, enquanto a maioria (59,31%) se deteve a responder que sabiam parcialmente e 12,9% disseram não saber. Considerando que essas mudanças no ensino médio impactam diretamente na vida dos profissionais da educação, esses
dados revelam que as informações e, sobretudo, a participação do corpo docente na organização escolar não atendem ao princípio constitucional da gestão democrática. Paralelamente, 41,8% dos docentes questionados demonstraram impressões/opiniões negativas sobre as propostas de mudança do ensino médio; 27% demonstraram impressões/opiniões positivas e 25,8% não tinham opinião. Ressaltamos que a maior parte dos docentes com opinião negativa ou sem opinião encontram-se nas escolas não-piloto e a maior parte com opinião positiva nas escolas- piloto. Mas chama atenção a pequena diferença entre as impressões positivas (48 respondentes) e negativas (35 respondentes) dos respondentes das escolas-piloto e,
24 docentes responderam que possuem uma péssima impressão. Vale destacar também que a maioria dos docentes que demonstrou positividade em relação às mudanças, participou de ações sobre o "novo ensino médio” e o maior número de professores que tiveram as primeiras impressões negativas não participaram dessas ações em suas instituições.
Em relação ao sentimento sobre o "novo ensino médio”, os docentes das escolas não-piloto (50 respondentes) afirmaram um sentimento pessimista, enquanto nas escolas-piloto foram 51 respondentes que declararam pessimismo em face a 48 que apresentaram um sentimento otimista. 18 docentes das escolas não-piloto expressaram um sentimento otimista em relação ao "novo ensino médio”. Quando questionados sobre a existência, em sua escola, de resistências à implantação do “novo ensino médio”, 49% dos docentes das escolas-piloto e, 52% das escolas não- piloto afirmaram haver resistências. Enquanto 43% dos respondentes das escolas- piloto afirmaram não existir resistência em sua escola, nas escolas não-piloto o quantitativo foi de 27% dos respondentes. Os demais não responderam a essa questão: 8% e 21% respectivamente.
Parece haver, aí, uma certa ligação com a histórica desconfiança adquirida pelos docentes em relação às políticas educacionais adotadas pelos governos de turno que, em face a tantas incertezas, a ação de resistência passa a ser a reação mais comum no ambiente escolar. Por sua vez, a ausência de diálogo horizontal com a comunidade escolar, comprovada pelos documentos analisados assim como pela posição da maioria dos respondentes – que desconhecem ou apenas conhecem parcialmente as medidas para implantação do “novo ensino médio”, pode produzir ações de cumprimento de tarefas desconectadas de uma política, assim como o
fortalecimento da burocratização do ensino. Geralmente, para uma reforma obter êxito, ela não pode ameaçar substancialmente a "gramática básica da escola" (LESSARD; CARPENTIER, 2016).
De todo modo, a reforma do ensino médio representa um retrocesso na formação dos jovens e a forma de sua implantação no Espírito Santo, até o momento, representa um projeto político-pedagógico de controle das mentes e dos corpos de nossos estudantes para adaptá-los à sociedade sem empregos. Nossa aposta está na resistência dos trabalhadores docentes que tendem, constantemente, a se defrontar com expectativas contraditórias e, às vezes, distantes de sua realidade. Nossa aposta também está na compreensão de que a implementação de uma política é bastante complexa e que remete às estruturas normativas e cognitivas que se estendem ao longo do tempo com certa estabilidade. Essas estruturas se articulam aos sentidos construídos no cotidiano do trabalho docente em face às diferentes culturas estudantis e institucionais. O resultado somente pode ser compreendido no processo, nada linear, onde esta pesquisa segue investigando.
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