V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
Márcia Fornari2 Roberto Antonio Deitos3
Este artigo tem como objetivo discutir alguns aspectos da política de financiamento externo para a implementação da Reforma do Ensino Médio no Brasil no Governo Temer, e as condicionalidades expressas no contrato de empréstimo do Ministério da Educação com o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)/Banco Mundial (BM). Buscamos desenvolver reflexões sobre as políticas educacionais para o Ensino Médio no Brasil, especificamente em relação à Reforma do Ensino Médio, empreendida pela Lei nº 13.415/17 e ancorada em financiamento externo, realizado junto ao Banco Mundial.
Este artículo tiene como objetivo discutir algunos aspectos de la política de financiamiento externo para la implementación de la Reforma de la Escuela Secundaria en Brasil en el Gobierno de Temer, y las condicionalidades expresadas en el contrato de préstamo del Ministerio de Educación con el Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento (BIRF)/Banco Mundial. Buscamos desarrollar reflexiones sobre las políticas educativas para la educación secundaria en Brasil, específicamente en relación con la reforma de la educación secundaria, emprendida por la Ley federalnúmero 13.415/17, y anclada en el financiamiento externo, realizada con el Banco Mundial.
This article discuss some aspects of the external financing policy for the implementation of the High School Reform in Brazil in Temer’s Government, and the conditionalities expressed in the loan contract of the Ministry of Education with the International Bank for Reconstruction and Development (IBRD) / The World Bank. We seek to develop reflections on educational policies for secondary education in Brazil, specifically in relation to the reform of secondary education, undertaken by Federal Law No. 13,415 / 17 and anchored in external financing, carried out with the World Bank.
1Artigo recebido em 26/11/2020. Primeira avaliação em 06/04/2021. Segunda avaliação em 16/04/2021. Aprovado em 30/04/2021.Publicado em 27/05/2021.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47181
2Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste. Pedagoga e professora da Rede Estadual de Educação do Paraná.
E-mail: marciaffornari@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7799-0629. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6591245756701583
3Doutor em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp). Professor do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste.
E-mail: rdeitos@uol.com.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9150-6354. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4743456433918126
A análise parte da problemática representada pela seguinte questão: quais as principais medidas adotadas pelo Estado para implementação da reforma do Ensino Médio no que se refere às políticas de financiamento? Buscamos desenvolver reflexões sobre essa indagação a partir de questões relacionadas às políticas educacionais para o Ensino Médio no Brasil, especificamente, em relação à Reforma do Ensino Médio, aventada pela Lei nº 13.415/17, de 16 de fevereiro de 2017, e ancorada em financiamento externo, realizado junto ao Banco Mundial (BM). 4
Objetivamos descrever a condicionalidade do projeto de obtenção de financiamento externo, celebrado entre a República Federativa do Brasil e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD/BM), cujos recursos serão destinados ao Projeto de Apoio à Implementação do Novo Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017). Em tal situação devemos considerar que “[...] o processo de financiamento externo engendra relações e determinações econômicas, políticas e ideológicas, nacionais e internacionais, alimentando as trocas comerciais e o processo de acumulação de capital” (DEITOS, 2005, p. 207).
Para fazer a análise das políticas de financiamento externo para a implementação da Reforma do Ensino Médio, pela Lei nº 13.415/2017, e as condicionalidades expressas no contrato de empréstimo com o BM para a Reforma do Ensino Médio no Governo Temer, elencamos os documentos “Relatório 120606 REV Avaliação do Sistema de Gestão Socioambiental – Programa de Apoio à implementação do Novo Ensino Médio – Programa por resultados, do Banco Mundial” (2017) e o “Acordo de Empréstimo” firmado entre o Ministério da Educação (MEC) e o BIRD/BM.
Ressaltamos que, ao selecionar as fontes, temos ciência de que os contextos atuais das políticas educacionais brasileiras incorporam a lógica das políticas pensadas globalmente. No entanto, não queremos incorrer em análises equivocadas, pois
[...] considerar as proposições políticas internacionais como determinantes da educação brasileira significaria colocar o país como
4Artigo resultante de parte do estudo contido na dissertação intitulada: A política de financiamento do Banco Mundial para a reforma do ensino médio no governo Temer. 2020. 139f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE) Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Campus de Cascavel/PR.
refém das recomendações internacionais, não reconhecendo os interesses da burguesia interna – e os interesses específicos de suas frações – na implantação de determinado conjunto de políticas. Situaríamos, assim, os governos, os legisladores e os profissionais da educação como meros implementadores de proposições internacionais. (EVANGELISTA, SHIROMA, 2019, p. 114).
Compreendemos que o processo de financiamento externo para políticas nacionais se realiza num processo de recíproco movimento. Ou seja, os interesses internos das forças, organizações, sejam sociais, econômicas e políticas articulam- se com interesses externos, numa dinâmica contraditória e articulada com os interesses mundiais do capital que se move e se reproduz nos interesses do capital nacional. Esse, por sua vez se expressa nas personificações em instituições, classes, frações, grupos, projetos e indivíduos.
Para a ampliação da visão que buscamos, examinamos as condicionalidades financeiras que operacionalizam as prescrições normativas, curriculares e educacionais para o Ensino Médio.
O Banco Mundial, além de engendrar o processo de acumulação de capital com receituários econômicos aos países periféricos, também oferece o financiamento externo, “[...] realizando o ajuste estrutural preconizado pelos organismos financeiros internacionais e pelos governos e classes dominantes nacionais que se materializam, se reproduzem e se beneficiam nesse processo”. (DEITOS, 2005, p. 207).
A operação de crédito externo, representado pelo Acordo de Empréstimo para apoiar a implementação do Novo Ensino Médio entre o Brasil e o BIRD/Banco Mundial, faz parte da política de reformas educacionais articuladas pela correlação de forças nacionais e internacionais, com vistas à agenda de crescimento e produtividade, via formação da força de trabalho, organizada e sistematizada pelos organismos nacionais e internacionais e viabilizada pelo Estado por meio de dispositivos legais e normatizações.
O Brasil, particularmente, tem atendido as condicionalidades operacionais requeridas pelo BM. Essas condicionalidades estão sustentadas em diagnósticos, recomendações e pressupostos que indicam uma agenda de reformas estruturais no
país, das quais a reforma educacional torna-se elemento central para a formação da força de trabalho, com vistas ao desenvolvimento do capital humano e da capacidade produtiva. Nesse sentido, é importante compreendermos que
[...] o trabalho é referido às capacidades produtivas detidas pelos seres humanos a fim de executar atividades, especialmente econômicas. Assim, em muitas ocasiões, o fator de produção trabalho é referenciado como capital humano (Jones, 1996; Romer, 1990; Schultz, 1961). O capital humano é tão relevante na geração de riqueza que Schultz (1961, p. 16) escreveu que “as pessoas são um importante componente da riqueza das nações”. (CHAVES; CORREA SILVA; CARVALHO SILVA, 2019, p. 50).
A formulação da Lei da reforma do Ensino Médio foi justificada a partir da lógica das políticas por resultados em que os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado em 2007, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) foram cruciais para justificá-la:
Essa lei se baseou em um cenário que:
em 2015, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, em nível nacional (3,7), ficou abaixo da meta posta em marcha pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –INEP para aquele ano (4,3) e nenhuma região do país alcançou sua respectiva meta;
a porcentagem de jovens entre 15 e 17 anos que estavam na escola e a frequentavam, em 2015, era de 84,3% dessa população, consideravelmente aquém da universalização traçada na Constituição Federal;
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, 1 em cada 5 jovens entre 15 e 29 anos (20,3%) não frequentava escola no ensino regular e não trabalhava na semana de referência da pesquisa.5 (BRASIL,MSF nº 19, 2018, p. 1).
Tais dados estão expostos na Tabela 1, com dados do Ideb, 2017.
Fonte: INEP, 2020
5Conteúdo extraído do Parecer 11/2017/CGEI/DICEI/SEB/SEB, (2018, p.1). Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg- getter/documento?dm=7718175&ts=1553280307794&disposition=inline Acesso em: 23 nov. 2017.
Com base nos dados apresentados na tabela acima, justificou-se a necessidade de implementar uma reforma no Ensino Médio brasileiro “[...] abrangente, estruturada e inovadora em sua abordagem” (BRASIL, MSF nº 19, 2018, p. 18), que não somente possibilite a superação das lacunas da aprendizagem, mas que capacite os jovens para atenderem às demandas profissionais futuras.
A política de financiamento externo do “Novo Ensino Médio”, homologado pela Lei nº 13.415/2017, em 16 de fevereiro de 2017, define um conjunto de mudanças sobre a oferta dessa etapa da Educação Básica para as redes de ensino. Ela resultou no Acordo de empréstimo do MEC com o BIRD/BM, no valor de 250 milhões de dólares, cujos recursos devem ser destinados ao “Projeto de Apoio à Implementação do Novo Ensino Médio”, a tramitação do acordo de empréstimo no Senado Federal ocorreu por meio da Mensagem nº 19, de 2018 (BRASIL, MSF nº 19, 2018).
O “Acordo de empréstimo” financia parte da reforma do Ensino Médio e está dividido em dois componentes para atender “[...] quatro frentes: (i) a revisão dos currículos; (ii) a flexibilização curricular nas escolas; (iii) o planejamento e a operação logística da oferta dessa flexibilização; e (iv) a ampliação do tempo para escolas em tempo integral”. (BRASIL, 2019, p. 6).
Dessa forma, o componente 1 (8812-BR) “Implantação do novo Ensino Médio”, com US$ 221 milhões, financia, principalmente, a revisão dos currículos e a ampliação do tempo para escolas em tempo integral, sendo a política de fomento às escolas em tempo integral aquela que é destinada a maior parte dos recursos, outrossim utiliza o Programa para Resultados do BIRD/BM. De natureza igual, o componente 2 (8813-BR), de “Assistência Técnica”, com US$ 29 milhões, financia, principalmente, as frentes da flexibilização curricular nas escolas e do planejamento e da operação logística da oferta dessa flexibilização.
De acordo com o Parecer 11/2017 (2018, MEC) – parte integrante do avulso da MSF nº 19 de 2018(BRASIL, 2018) na contextualização do Projeto –, a Lei nº
13.415/2017 tem como objetivo “[...] flexibilizar o currículo do Ensino Médio, visando tornar o ensino mais atrativo, articulado com as atuais necessidades do mundo do trabalho, passando também pela promoção da educação integral para melhoria da qualidade e redução do abandono” (BRASIL, 2018, MSF 19, p. 19).
Sobre a relação de custo-benefício, o Parecer 11/2017 (SEB/MEC), dispõe que o montante total do empréstimo será de US$ 250 milhões, distribuídos no prazo de 5 anos e estruturado em dois componentes:
Componente 1 – Prevê a alocação de US$ 221 milhões para o objetivo dual de apoio à implementação dos novos currículos do Ensino Médio e fomento à implementação da modalidade de ensino em tempo integral; Componente 2 – totaliza a alocação de US$ 29 milhões a serem destinados a assistências técnicas que visam fortalecer a capacidade institucional do MEC e das secretarias e distrital de educação, reforçando sua competência para a execução das atividades abarcadas no novo Ensino Médio. (BRASIL, 2018, MSF 19, p. 108).
Cabe destaque o fato de que os dois componentes indicados no acordo de empréstimo possibilitam parcerias com o setor privado, seja pelas parcerias com Fundações e Institutos para assessorar e implementar currículo, seja na organização e flexibilização da oferta dos itinerários formativos, assim como no percentual correspondente à educação a distância.
O “Custo-Benefício” do Projeto prevê o crescimento de concluintes no Ensino Médio de jovens com 19 anos, aumento das notas do Ideb dos estados na 3ª série do Ensino Médio e ainda acréscimo na capacidade institucional dos estados.
O Parecer 11/2017 CGEI/DICEI/SEB/SEB (BRASIL, MSF nº 19) justifica a escolha do empréstimo junto ao Banco Mundial com base no interesse econômico social da operação, uma vez que consideram que a equipe do Banco Mundial é altamente qualificada e com forte expertise em projetos de alta complexidade, por ter capacidade técnica e de referências internacionais. Isso, segundo o documento, otimiza os processos de contratação de assistência técnica, pois os métodos indicados pelo Banco fortalecerão a execução do projeto com maior eficiência, bem como a vinculação do orçamento a resultados, conforme o Programa por Resultados (PforR), firmado com o Banco (BIRD/BM) com o propósito de que, na transição de governo, não ocorra a descontinuidade da política pública, pois o acordo com o Banco induz à continuidade da reforma durante cinco anos (2018 a 2022).
De acordo com o Projeto de Resolução nº 24/2018, do Senado Federal, aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos, a operação de crédito deve ser realizada, de acordo com dados do Quadro 1, nas seguintes condições:
I – devedor: República Federativa do Brasil; |
II – credor: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD; |
IIII – valor: até US$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de dólares dos Estados Unidos da América); |
IV – modalidade: empréstimo flexível com margem fixa; |
V – prazo de desembolso: o prazo final para os desembolsos encerrar-se-á em 31 de dezembro de 2023, salvo se o credor conceder extensão desse prazo após a anuência do Ministério da Fazenda; |
VI – cronograma estimativo de desembolso:
|
VII – amortização: prestação única vencível em 15 de dezembro de 2037; |
VIII – juros: calculados com base na taxa LIBOR de seis meses mais uma margem fixa de 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) ao ano, a serem pagos em 15 de junho e 15 de dezembro de cada ano; |
IX – conversão: o devedor poderá solicitar conversão de moeda e de taxa de juros em qualquer momento durante a vigência do contrato, conforme disposto contratualmente; |
X – comissão de compromisso: 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento) ao ano sobre o saldo não desembolsado do empréstimo; |
XI – taxa de abertura de crédito: 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento) ao ano sobre o montante total do empréstimo, financiada com recursos da própria operação de crédito. |
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da MSF nº 19 de 2018, do Senado Federal.
As condições financeiras descritas no “Acordo de Empréstimo”, firmado entre o Brasil e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, nº 8812/ 8813-BR, de 24 de maio de 2018, estipulam que,
2.01. O Banco concorda em emprestar ao Mutuário, nos termos e condições estabelecidos ou referidos no Presente Acordo, a quantia de duzentos e cinquenta milhões de dólares (US$ 250 milhões) para auxiliar no financiamento, dos quais: (a) a quantia de duzentos e vinte e um milhões de dólares (US$) alocados ao Programa descrito na Parte 1 do Anexo 2 do presente acordo (Programa), que constitui parte integrante da Operação (Empréstimo do Programa); e (b) a quantia de vinte e nove milhões de dólares (US$ 29 milhões) que serão destinados a Parte 2 do Anexo 2 deste Acordo (Projeto) [...] (BRASIL,MSF nº 19, 2018, p. 59).
Cabe destacar que os recursos do componente 1 serão utilizados para a cobertura de despesas com amortização ou encargos da dívida externa, conforme estabelecido na Lei nº 13.473/2017, Artigo nº 89, da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017 (BRASIL, 2017, p. 114).
Os documentos oficiais do MEC e do BIRD estabelecem as condicionalidades e o cronograma de aplicação dos recursos de acordo com os subcomponentes. Na Tabela 2 estão explicitados os componentes e as atividades que cada um deles abrange, com os respectivos valores estabelecidos para cada um ao longo dos anos de duração do acordo assinado.
Componente | US$ milhões | |||||
Ano I | Ano II | Ano III | Ano IV | Ano V | Total | |
Componente 1 – Implantação do novo Ensino Médio | $ 41,0 | $ 50,0 | $ 50,0 | $ 40,0 | $ 40,0 | $ 221,0 |
Subcomponente 1.1 – Apoio aos novos currículos do Ensino Médio | $ 32,0 | $ 34,0 | $ 34,0 | $ 21,0 | $ 21,0 | $ 142,0 |
Subcomponente 1.2 Fomento à Implementação de escolas de Ensino Médio em tempo integral | $ 9,0 | $ 16,0 | $ 16,0 | $ 19,0 | $ 19,0 | $ 79,0 |
Componente 2 – Assistência Técnica: Fortalecimento da capacidade institucional do MEC e das secretarias estaduais e distrital de educação para implementação do novo Ensino Médio | $ 4,0 | $ 6,0 | $ 6,0 | $ 7,0 | $ 6,0 | $ 29,0 |
Total | $ 45,0 | $ 56,0 | $ 56,0 | $ 47,0 | $ 46,0 | $ 250,0 |
Fonte: Brasil, MSF, nº 19/2018, (2018, p.109).
Quanto à execução financeira, o projeto do Acordo dispõe que serão utilizados recursos próprios do MEC/Governo Federal no valor 1.327 bilhões de
dólares6 e o recurso concedido pelo empréstimo com o BIRD no valor de 250 milhões distribuídos, conforme tabelas abaixo.
Ano | Empréstimo | Contrapartida | Total |
2018 | $ 45.000.000,00 | $ 153.000.000,00 | $ 198.000.000 |
2019 | $ 56.000.000,00 | $ 235.000.000,00 | $ 291.000.000 |
2020 | $ 56.000.000,00 | $ 269.000.000,00 | $ 325.000.000 |
2021 | $ 47.000.000,00 | $ 333.000.000,00 | $ 380.000.000 |
2022 | $ 46.000.000,00 | $ 337.000.000,00 | $ 383.000.000 |
TOTAL | $ 250.000.000,00 | $ 1.327.000.000,00 | $ 1.577.000.000,00 |
Fonte: Brasil, Secretaria do Tesouro Nacional –(MSF nº 19 de 2018, p. 31)
Tais recursos estão dispostos conforme cronograma de execução financeira, segundo seus componentes e subcomponentes, descritos abaixo:
US$ milhões | ||||||
Ano I | Ano II | Ano III | Ano IV | Ano V | Total | |
Componente 1 – Implantação do Novo Ensino Médio | $194,0 ($41,0) | $285,0 ($50,0) | $319,0 ($50,0) | $373,0 ($40,0) | $377,0 ($40,0) | $1.548.000 ($221,0) |
Subcomponente 1.1 – Apoio à implementação dos novos currículos do Ensino Médio | $ 37,0 ($32,0) | $ 51,0 ($34,0) | $ 51,0 ($34,0) | $ 56,0 ($21,0) | $ 60,0 ($21,0) | $ 255,0 ($142,0) |
Subcomponente 1.2 – Fomento à implementação de escolas de Ensino Médio em Tempo Integral | $157,0 ($ 9,0) | $234,0 ($16,0) | $268,0 ($16,0) | $317,0 ($19,0) | $317,0 ($19,0) | $1.293.000.000 ($79,0) |
Componente 2 - Assistência Técnica: Fortalecimento da capacidade institucional do MEC e das Secretarias Estaduais e distrital de educação para implementação do Novo Ensino Médio | $ 4,0 ($4,0) | $ 6,0 $ 6,0 | $ 6,0 $ 6,0 | $ 7,0 ($ 7,0) | $ 6,0 $ 6,0 | $ 29,0 ($29,0) |
Total7 | $198,0 ($45,0) | $291,0 ($56,0) | $325,0 ($56,0) | $380,0 ($47,0) | $383,0 ($46,0) | $1.577.000.000 ($250,0) |
6Com relação à contrapartida do Brasil – constante no acordo de empréstimo no valor de 1.327 bilhões de dólares, em 2018 – destacamos que o empréstimo se referia a R$ 3,29 por dólar, ou seja, o valor corresponde hoje, em 03/07/2020, a mais de 7 bilhões de reais.
7Os valores considerados são estimativas preliminares do total necessário para execução do projeto. Os valores entre parênteses são a parcela que será financiada pelo Banco Mundial.
Fonte: SEB/MEC - (MSF nº 19/2018, p. 168).
Para o financiamento externo, as condições financeiras de operação, acordados entre o governo brasileiro e o Banco Mundial, foram as seguintes:
a) valor do empréstimo: US$ 250.000.000,00; b) valor da contrapartida: US$ 1.327.000.000,00; c) juros: Libor 6m + 1,65%; d) comissão de abertura: 0,25%; e) comissão de compromisso: 0,25%;
f) taxa de administração: não aplicável; g) carência: 5 anos; h) prazo total: 24,5 anos; i) demais custos: não aplicável (BRASIL, STN, 2017, p. 1).
Como podemos verificar, o “Acordo de empréstimo” assume a forma de circulação de capital portador de juros. Isso quer dizer que aprofunda o endividamento público, aumentando a dívida externa do Brasil. Para Harvey (2018,
p. 34), dívidas “[...] são reivindicações sobre a produção futura de valor”.
A “Comissão de Financiamentos Externos” – (COFIEX) estima ainda que o custo efetivo da operação de empréstimo será de 4,36%a.a, com a duração de, aproximadamente, 13,87 anos, considerando a data de referência de 13 de julho de 2017 e as projeções de mercado para Libor 6m. (Nota Técnica nº 27/CODIP/SUDIP/STN/MF - DF).
Para a aprovação da operação de crédito, fez-se necessário constar nos autos do “Acordo de Empréstimo” o “Projeto de apoio à implementação do Novo Ensino Médio”, elaborado e aprovado pelo MEC, do qual elencamos alguns elementos para análise. Ressaltamos que esse documento é parte integrante do “Acordo de Empréstimo”, celebrado entre o Brasil e o BIRD/BM.
O Projeto de apoio à implementação do Novo Ensino Médio apresenta argumentos e justificativas compatíveis com as recomendações descritas nos relatórios do Banco Mundial, expostas no capítulo anterior, como, por exemplo, a análise da situação do Ensino Médio no Brasil em relação aos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), afirmando que o Brasil apresenta um “nível de qualidade muito abaixo”. Essas justificativas dão conta de que os índices baixos do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e do Ideb estão aquém das metas que o Ensino Médio brasileiro deve
alcançar até 2022 em relação aos índices da OCDE, assim como a necessidade de adequar a questão de distorção idade/série de conclusão da Educação Básica.
Do mesmo modo que os relatórios do BM, o MEC declara, em seu projeto, que a qualidade da educação é determinante da produtividade do trabalho, e um dos principais “motores do crescimento econômico”. (MEC, 2017, p. 5).
A análise proposta pelo Projeto do MEC afirma que, por mais que a produtividade possa não ser objetivo único da educação, “[...] não pode ser desvinculada da escolarização. Intuitivamente, espera-se que, frente ao aumento da escolarização, haja um ganho de produtividade”. (MEC, 2018, p.18).
Em comparação com outros países, “[...] seja da América Latina ou do resto do mundo, a grande evolução da escolaridade média no Brasil não apresentou correlação positiva com a produtividade média do trabalho”. (MEC, 2018, p. 18).
O Projeto de apoio à Implementação do Novo Ensino Médio indica que um desafio para a superação da baixa qualidade e da baixa escolarização no Brasil, possivelmente, seja o descolamento entre a produtividade média do trabalho e a escolarização “[...] essa situação é preocupante, ameaça o desenvolvimento do país e a sustentabilidade dos investimentos públicos na educação”. (MEC, 2017, p. 18).
Nessa perspectiva, o documento apresenta a necessidade de superação desses desafios com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “deixando de ter 13 disciplinas mandatárias e passa a contar com apenas 3”, (Português, Matemática e Inglês) que, por sua vez, deverão guiar a implementação dos currículos e dos objetivos de aprendizagem.
Também se expressa nesse documento à flexibilização da estrutura do Ensino Médio, incluindo o formato dos itinerários formativos por áreas do conhecimento ou pelo da educação profissional e técnica, além disso, com ampliação da carga horária de 4 para 5 horas aula por dia e para 7 horas no formato do Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) (MEC, 2018).
Desse modo, o projeto apresenta o engodo de que o os jovens serão protagonistas e terão autonomia para escolher o itinerário conforme seus “sonhos e vocações”. No entanto, há que se considerar a dificuldade dos estados e das escolas em reorganizarem os sistemas de ensino para atender esse formato, sendo que a Lei nº 13.415/2017 prevê a possibilidade para que as escolas possam ofertar apenas dois e, em alguns casos, apenas um dos itinerários em cada escola, levando
em conta o número de estudantes e a infraestrutura. Da mesma forma, a ampliação da carga horária interfere diretamente nas questões de sobrevivência dos jovens trabalhadores. Resta-nos a questão: como o Novo Ensino Médio irá estimular o protagonismo e a autonomia, dos jovens nessas condições?
As justificativas do MEC indicam que essas medidas terão como consequência a redução das taxas de abandono e evasão escolar. “Com isso, o EM pode se aproximar mais da realidade dos estudantes à luz das novas demandas profissionais do mercado de trabalho”. (MEC, 2017, p. 19).
A Gestão do MEC descreve que o Projeto estabeleceu diretrizes gerais, como forma de responder ao que supõem ser melhorias de aprendizagem, o que corresponde: “(i) o aumento da produtividade para crescimento sustentável; e (ii) a sustentabilidade financeira do investimento público na educação”. (MEC, 2017, p. 21). O governo identificou como diretrizes para esse contexto os seguintes aspectos:
universalizar o atendimento no Ensino Médio; 2. elevar a aprendizagem e a permanência no Ensino Médio; 3. expandir as matrículas em tempo integral no Ensino Médio; 4. reduzir as desigualdades regionais e sociais nos resultados educacionais; 5. criar e aprimorar mecanismos de responsabilização, pactuação de resultados e cooperação entre os entes federados, de forma a elevar a eficiência dos investimentos públicos em educação. (MEC, 2017, p. 21).
Tais diretrizes indicam que o Projeto está alinhado às recomendações do Banco Mundial, tendo-o como agente financeiro e salvaguarda da competência técnica, equipe altamente qualificada para consultorias, estudos e avaliações por meio de assistência técnica e da expertise do BM em projetos de alta complexidade. O Banco Mundial também faz referência aos termos explícitos nos documentos do MEC, no que diz respeito ao aumento da sustentabilidade das ações e eficiência dos gastos.
Após a aprovação do “Acordo de empréstimo”, o Banco Mundial publicou, em 2017, o relatório “Avaliação do Sistema de Gestão Socioambiental – Programa de Apoio à implementação do Novo Ensino Médio – Programa por resultados, do Banco Mundial”, tendo em vista a abordagem de gerenciamento de riscos e o “Programa por Resultados”, juntamente à assistência técnica com o objetivo de fortalecer e capacitar as Secretarias Estaduais de Educação do Brasil para implementar o “Novo
Ensino Médio” e aumentar o Ideb das escolas em tempo integral. Frente à cooperação estabelecida, o órgão expressa:
‘Temos orgulho de apoiar essa reforma educacional histórica no Brasil’, disse Martin Raiser, diretor do Banco Mundial para o Brasil. A reforma ajudará a reduzir as desigualdades existentes nos resultados educacionais e a construir o capital humano necessário para o crescimento inclusivo.8 (BM, 2018, s/n, grifo do autor).
Para o BM, a reforma do Ensino Médio ajudará a reduzir as desigualdades dos resultados educacionais, aumentando a centralidade que assumiu a questão da avaliação aferida por meio do resultado das avaliações em larga escala enquanto sinônimo de qualidade da educação. Desta forma, para além das questões indicadas pelo BM sobre a necessidade de “construir o capital humano necessário para o crescimento inclusivo” (BM, 2018), precisamos questionar: O mercado de trabalho terá vagas de trabalho, empregos, para atender a esse exército de reserva de capital humano?
O Programa de Implementação do BM, via financiamento do “Projeto de Investimento”, compreende duas áreas de resultados: na primeira se estabelece a reforma curricular - BNCC e os “itinerários formativos”, conforme relatado no fragmento destacado a seguir:
O Programa contribuirá para a concepção e implementação dos itinerários formativos flexíveis dentro da base curricular. Em segundo lugar, o Programa contribuirá para uma mudança nas práticas pedagógicas em relação às competências, melhor uso do tempo e habilidades socioemocionais, que inclui a capacitação de professores. Além disso, o Programa apoiará a reorganização dos espaços escolares. Finalmente, o Programa apoiará melhorias na capacidade do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais de Educação para o planejamento, a implementação e o monitoramento do Novo Ensino Médio. (BM, 2017, p. 52).
A segunda área corresponde à expansão do número de escolas em tempo integral, com o objetivo de ampliar para 25% dos estudantes do Brasil até 2024, ou seja, o “Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral – PFEMTI”, prevê a adição de 1088 escolas ao Ensino Médio em tempo integral. Essas mudanças visam a promover a diversificação do currículo, o desenvolvimento de competências-chave e, consequentemente, a diminuição das taxas de abandono e
8Comunicado à imprensa nº 2018/090/LAC - Disponível em: http://www.worldbank.org/pt/news/press- release/2017/12/14/brazil-program-for-results-supports-upper-secondary-education-reform. Acesso em 7 de setembro de 2018.
repetência, tornando o Ensino Médio mais relevante e atraente para os jovens brasileiros, isso fica expresso no trecho abaixo destacado do documento:
Entre os resultados esperados pelo programa, estão a implementação do Novo Ensino Médio, com equidade regional e socioeconômica; melhorias na qualidade e relevância do aprendizado no Ensino Médio; o aumento das taxas de conclusão escolar; e maior produtividade em prol do crescimento sustentável.9 (BM, 2018, s/n).
Quanto aos repasses e monitoramento do uso de recursos do “Programa de Fomento à Expansão do Ensino Médio”, o BM determina que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) será o responsável e o fará por meio do Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação (SIMEC).
O Projeto demonstra a preocupação do Banco com o alinhamento às demandas do mercado de trabalho, evidenciando que a Secretaria de Educação Básica (SEB) do SEB/MEC convocou reuniões com entidades representativas interessadas em apoiar e tratar do aperfeiçoamento dos resultados da avaliação do Programa. Essa reunião contou
[...] com a presença e participação de representantes das diretorias de programas educacionais e ambientais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Serviço Social da Indústria (SESI), e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Os participantes concordaram com os principais pontos apresentados na Avaliação e propuseram a realização de um mapeamento da rede disponível de oferta dos itinerários formativos e alinhamento da oferta com a demanda do mercado de trabalho local e foram informados de que o Programa prevê a realização das seguintes atividades de assistência técnica: (i) estudo sobre potenciais parcerias para oferta dos itinerários formativos; (ii) mapeamento dos modelos de oferta do ensino técnico para cada estado; e (iii) apoio para o desenvolvimento de currículo técnico alinhado à oferta do mercado de trabalho. (BM, 2017, p. 15).
Atualmente, as parcerias público-privado têm sido um tema recorrente quando se pensa em medidas para alavancar o desenvolvimento do país e o aumento da produtividade pelo setor educacional convergindo com as prescrições sugeridas pelo Banco Mundial. O BM, por sua vez, tem reconhecido nos seus relatórios as parcerias público-privado como sinônimo de qualidade no campo educacional, argumentando que essas parcerias têm aumentado a eficiência do gasto público.
9Comunicado à imprensa nº 2018/090/LAC. Disponível em: http://www.worldbank.org/pt/news/press- release/2017/12/14/brazil-program-for-results-supports-upper-secondary-education-reform. Acesso em 7 de setembro de 2018.
Peroni e Caetano (2015) destacam que com a redefinição das políticas educacionais cada vez mais globais, em vez de locais ou nacionais,
[...] as recentes orientações do Banco Mundial e com a ampliação do acesso à educação pública pelo Estado, a importância do setor privado passa a ser primordial na execução das políticas educacionais. Dito de outra maneira, as virtudes do setor privado podem chegar aonde o Estado não chega. Portanto, a redefinição do papel do Estado ocorre especialmente na execução e na condução das políticas educacionais à medida que o Estado, ao ofertar a educação básica, repassa a execução e consecução da educação para o setor privado mercantil. (PERONI, 2015, p. 92).
Para assegurar a operacionalização do “Programa de apoio ao Novo Ensino Médio”, o “Acordo de empréstimo” permite a utilização do componente 2 como possibilidade de parcerias com o setor privado para a oferta da assistência técnica. A própria Lei nº 13.415/2017 permite tais parcerias para a oferta do ensino técnico e profissional, consolidando a relação público e privado, ao considerar que parte da carga horária do itinerário formativo técnico e profissional estabeleça parcerias com empresas privadas, em forma de estágios, cursos de complementação de carga horária, cursos com notório reconhecimento; assim como em ambientes simulados formações experimentais, aprendizagem profissional, qualificação profissional e programa de aprendizagem.
As questões assinaladas compreendem a organização de arranjos e combinações de cursos articulados à fase prática em ambiente real de trabalho no setor produtivo ou em ambientes simulados, considerando as vivências práticas de trabalho, constante de carga horária específica, no setor produtivo ou em ambientes de simulação (DCNEMs 2018)
Sobre a questão das parecerias público-privado, Sandri e Silva (2019, p. 36) apontam que,
[...] no Brasil, as diversas instituições que representam o empresariado brasileiro atuam na direção de legitimarem, por meio de políticas públicas, projetos considerados essenciais para os ganhos de produtividade empresarial. Portanto, o empresariado, ao transferir seus projetos às políticas públicas, transformam-nas em ações estatais de perspectiva e com resultados restritos ao grupo de interesse, isto é, resultados privados, portanto, negam o sentido público de ser para todos.
Nesse contexto, para Peroni e Caetano (2015, p. 15),
As ações empresariais no campo da educação desenvolvem práticas que promovem a síntese entre interesse individual e interesse geral. Essas ações não interferem nos interesses econômicos nem se opõe ao Estado, ao contrário, atua através e com o Estado, modificando a cultura organizacional, visando que o Estado aprenda com as “qualidades” do setor privado: a flexibilidade, inovação, eficiência e eficácia, ou seja, os valores do mercado.
Ademais, os mesmos autores ainda observam que
[...] o setor privado mercantil está cada vez mais organizado para dar direção às políticas públicas, sendo parte de uma ofensiva histórica do capital, com especificidades neste período particular do capitalismo. (PERONI, CAETANO, 2015, p. 348b).
Ao levarmos em conta os diversos pontos destacados, uma hipótese a ser considerada é que a proposta de Ensino Médio, desenhada pela Lei nº 13.415/2017 e pelo Acordo de Empréstimo, está se materializando no cenário da lógica da circulação do capital, pela criação de endividamento. Desse modo, não podemos esquecer que
[...] a dívida nos aprisiona em certas estruturas de produção futura de valor. A dívida é o meio predileto do capital de impor sua forma particular de escravidão. Isso se torna duplamente perigoso quando o poder dos credores subverte e tenta aprisionar a soberania do Estado. (HARVEY, 2018, p. 201).
É nesse sentido que o processo de endividamento engloba todas as áreas setoriais e estruturais de um determinado país. Isso significa que tanto os processos econômicos e produtivos quanto os processos estatais – tais como definição de políticas fiscais, econômicas e financeiras e o financiamento e endividamento que envolve as políticas sociais – entram e fazem parte de um mesmo processo socioeconômico, financeiro e de endividamento como mecanismo privilegiado de especulação e acumulação.
As políticas sociais – em especial, nesse caso, as políticas educacionais – são tratadas como “mercadorias-reformas”, ou seja, as reformas educacionais acabam sendo negociadas como mercadorias e sustentam os mecanismos crescentes de endividamento e do perverso ajuste social. É aqui que entra o financiamento do “Novo Ensino Médio”, delineado a partir da implementação da Lei nº 13.415/2017, nesse contexto pela política educacional do PFEMTI – Programa de
Fomento às Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral – articulado a partir de propostas educacionais expressas no “Programa de Apoio à Implementação do Novo Ensino Médio – Programas por Resultados” (BM, 2017) BID/BIRD –, efetivadas pelo Ministério da Educação.
Notamos que as orientações do Banco Mundial e a política de financiamento do Novo Ensino Médio se incorporam e estão mutuamente entrelaçadas. O Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral desempenha papel fundamental na articulação do financiamento externo. Isso ocorre pelo acordo de empréstimo com o BIRD para apoiar a implementação do “Novo Ensino Médio”.
Entendemos que a incorporação das recomendações e orientações de organismos multilaterais nas políticas educacionais têm tornado a educação um componente chave para o processo de controle social e ideológico e funcional aos interesses hegemônicos do capital, sustentando e reproduzindo os interesses socioeconômicos internos articulados com os interesses externos.
Observamos que a implementação do “Novo Ensino Médio” e as propostas oriundas da Lei apontam que o Estado e o BM se coadunam sob o discurso de que o sistema educacional brasileiro é ineficiente, e que a educação demonstra baixa qualidade ao considerarem os resultados das avaliações em larga escala, com outros países da OCDE, justificando as reformas das políticas educacionais instituídas no Governo Temer, de mesmo modo, reproduz o discurso falacioso da necessidade de busca por qualidade e gastos eficientes na educação.
Do ponto de vista do financiamento, a hipótese levantada é de que a “Reforma do Ensino Médio” se justifica na “reforma – mercadoria”. O acordo de empréstimo torna a reforma uma mercadoria, ao passo que o valor emprestado para implantação da reforma entra num processo de financeirização em que, além do pagamento do principal, há o pagamento de juros e encargos da dívida, ou seja, a dívida torna-se, por meio pagamento de juros, um movimento que amplia o volume da dívida e a especulação financeira, intensificando a reforma como mercadoria- dinheiro (HARVEY, 2018; FATTORELLI, 2013) e o valor do empréstimo realizado ao Brasil e a ser pago ao BIRD poderá corresponder em até três vezes o valor total inicial recebido.
Do ponto de vista dos ajustes estruturais e das condicionalidades do financiamento (ou endividamento externo) pelo BIRD, a execução dos valores correspondentes ao valor do empréstimo para a “Reforma do Ensino Médio” também indicamos a mesma hipótese, a “reforma - mercadoria” revela-se ao passo que a reforma perpassa pelos interesses hegemônicos representados pela sociedade civil (organizações de interesse público e de interesse privado, que disputam espaços no contexto das políticas públicas representado por Institutos, Organizações, e Associações). Esses são representados na comercialização dos Livros Didáticos para o “Novo Ensino Médio”, na contratação de assessoria técnica para capacitações e para a flexibilização do currículo, na contratação de empresas para ofertar a educação a distância – EaD, assim como pela via dos arranjos curriculares dos itinerários formativos e, sobretudo, pelas parcerias com o setor privado.
Contudo, a análise dos documentos normativos, com vistas a acompanhar o processo de implementação da reforma e o processo indicado pelos documentos oficiais publicados, permitem-nos compreender que a principal indicação da política de financiamento, estabelecido pelo “Acordo de empréstimo” do Brasil com o BIRD, está relacionada a três possíveis elementos centrais que sustentam a reforma. Esses seriam: a avaliação, o financiamento e a formação, quer dizer atender a lógica das políticas de avaliação por resultados em larga escala que visam à melhoria do resultado do Ideb e do Pisa, enquanto medida de qualidade da educação; atender a lógica da política de financiamento externo (financiamento externo e parcerias público-privado); assim como pela via do endividamento púbico; igualmente pela lógica da formação da força de trabalho (itinerários formativos e BNCC), com vistas ao desenvolvimento do capital humano e o aumento da produtividade, correspondendo aos interesses econômicos dos grupos hegemônicos, tanto internos como externos.
Dessa forma, o “Estado determina a educação compulsória para garantir uma força de trabalho letrada e prontamente adaptável às necessidades cambiantes dos processos de trabalho em evolução do capital”. (HARVEY, 2018, p. 121).
Constatamos, no decorrer da pesquisa, que a reforma do ensino médio atende à lógica do sistema capitalista, mas não às expectativas da classe trabalhadora no que diz respeito à melhoria da qualidade da oferta da educação aos estudantes. Frente a isso, Ciavatta (2020) esclarece que
[...] as condições de vida são adversas, as relações de trabalho são dominadas pelo poder hegemônico do capital, a educação não está universalizada em acesso e em qualidade para toda a população; a ideologização crescente da educação subsumida ao consumo e ao mercado de trabalho torna ambíguo o conceito de qualidade da educação, e é incipiente a participação da população na reivindicação de um sistema educacional público, gratuito e de qualidade para todos. (CIAVATTA, 2020, p.27).
É importante notar que essa constatação ocorre ao analisarmos as orientações estratégicas presentes nas diretrizes gerais do projeto de implantação do “Novo Ensino Médio”. O contexto histórico das reformas educacionais indica que a preocupação do Estado não é específica deste governo. A historicidade das reformas demonstra que esses elementos são tidos como basilares nas políticas educacionais para o Ensino Médio, porém nos defrontamos com vários fatores políticos, econômicos, ideológicos e o contexto socioeconômico dos estudantes das escolas públicas, que interferem e influenciam na efetivação das estratégias propostas pelo “acordo de empréstimo” para a reforma do ensino médio, tornando o dualismo da educação brasileira cada vez mais antagônico e perverso.
Compreendemos que o movimento reformista é palco de disputas políticas, econômicas e sociais, as quais, com base nos documentos oficiais indicados nesta pesquisa, defendem a formação da força de trabalho para atender ao mercado de trabalho, elemento chave para manutenção do capital, no espaço político.
Pretendemos evidenciar que as recomendações e orientações dos relatórios do BM estão sendo atendidas na estrutura dos documentos oficiais elaborados pelo MEC, enquanto indutoras da reforma, mais especificamente pela política de financiamento externo.
Constatamos nas justificativas dos documentos que a formação dos jovens, com base na Teoria do Capital Humano, é um fator apresentado como decisivo para o aumento da produtividade e desenvolvimento econômico do Brasil. Nessa perspectiva, o problema estaria na escola, na qualidade da educação pública e, principalmente, na formação de competências necessárias para atender a lógica do mercado de trabalho.
As condicionalidades expressas no “acordo de empréstimo” para implementação do “Novo Ensino Médio” implicam em várias adequações que direcionam mudanças estruturais para a sua operacionalização como, por exemplo,
a possibilidade de ofertar parte do currículo em EaD, adequações dos currículos à BNCC, a oferta dos itinerários formativos que incide na formação dos professores e na sua lotação nos estabelecimentos de ensino. Isso incide, também, no direcionamento da formação dos estudantes, uma vez que os sistemas estaduais e as Secretarias Estaduais de Educação poderão ofertar um único itinerário formativo conforme as demandas do contexto local e as possibilidades dos sistemas de ensino, assim como a ampliação do Tempo Integral, responsável pela maior fatia do financiamento externo.
Diante dessas considerações, podemos afirmar que a reestruturação do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/2017, retrata uma política de Estado alinhada às transformações do mercado de trabalho e da atual fase do modo de produção capitalista, atrelando as demandas do setor produtivo à formação da força de trabalho, submetendo a educação pública aos pressupostos financeiros da política de financiamento externo, por organismos multilaterais e criando as condições funcionais e ideológicas para a base formativa dos jovens inseridos ensino médio.
Tornando a educação
[...] uma peça do processo de acumulação de capital e de estabelecimento de consenso que torna possível a reprodução do injusto sistema de classes. Em lugar de instrumento de emancipação humana, agora é mecanismo de perpetuação e reprodução desse sistema. (MÉSZÁROS, 2008, p. 15).
Tendo em conta que as análises partem de uma política em movimento, consideramos que a “[...] história do presente é sempre obscurecida pelo sentido de sua transformação que, como costuma acontecer, somente nos é dado depois que o futuro/presente se realiza. Mas isso não pode nos levar à imobilidade” (CIAVATTA, 2020, p. 15).
Contudo, a análise indica que as principais medidas adotadas pelo Estado para implementação da reforma do Ensino Médio, no que se refere às políticas de financiamento para a sua implantação, perpassam as questões financeiras, aumentando o endividamento público, e fomentam as condições funcionais e ideológicas para o processo educacional almejado. Elas também fazem parte do ajustamento da educação às demandas da produção e do trabalho, utilizando-se de pressupostos ideológicos, econômicos e financeiros que implicam em adequações da educação para fomentar a perspectiva da flexibilização, do desenvolvimento
econômico, do aumento da produtividade, da adequação das relações de trabalho com as demandas do mercado de trabalho, desconsiderando a questão da subsistência e da humanização dos sujeitos.
Desse modo, esperamos que os dados aqui apresentados e as suas análises, com as conclusões a que chegamos, possam servir de apoio aos estudos sobre a reforma do ensino médio no governo Temer e em vigor no governo atual. Do mesmo modo, esperamos que outros pesquisadores, diante dos fatos apresentados e da situação ainda em curso, possam se interessar em dar seguimento aos estudos aqui propostos, cuja etapa que realizamos pode servir de base para novas empreitadas nesse campo de estudos.
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