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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


A REFORMA DO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO: MARCAS DE UM PASSADO PRESENTE1


Sandy Caroline Seabra Coelho2 Cristiane Lopes de Sousa3


Ronaldo Marcos de Lima Araújo, educador brasileiro, formado em Pedagogia, é Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com Pós- Doutoramento no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (PPFH-UERJ). Sua produção bibliográfica é ampla, com foco na área de Trabalho e Educação e, em particular, no Ensino Médio e na Educação Profissional. Atualmente, é professor titular do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará (NEB/UFPA), coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE) e superintendente da Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST/UFPA).

O livro Ensino médio brasileiro: dualidade, diferenciação escolar e reprodução das desigualdades sociais, é um produto de sua tese para professor titular da UFPA, publicado em 2019 e aborda, de forma central, um tema que se encontra em vigência,


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1 Resenha recebida em 29/11/2020. Primeira avaliação em 09/02/2021. Segunda avaliação em 14/02/2021. Aprovada em 16/04/2021. Publicada em: 27/05/2021.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.47383. Obra resenhada: ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima Araujo: Ensino Médio Brasileiro: dualidade, diferenciação escolar e reprodução das desigualdades sociais. Uberlândia: Navegando Publicações, 2019.

2 Mestranda em Educação Básica pelo Programa de Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará (PPEB/NEB/UFPA). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Educação (GEPTE/UFPA). E-mail: sandycoelhoufpa@gmail.com.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9914-4981. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2072891078959885

3 Doutoranda em Educação no Programa de Pós-graduação em Educação na Amazônia - PGEDA - Associação em rede, campus UFPA. Mestra em Educação Básica pelo Programa de Pós-graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica, vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará (PPEB/NEB/UFPA). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Educação (GEPTE/UFPA). E-mail: crixxlopesaf@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5851-7174. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5196186522517286

a Reforma do Ensino Médio em curso no Brasil, à luz dos conceitos de dualidade, diferenciação escolar e desigualdades sociais. O autor faz uma crítica à produção da área no Brasil e sustenta a insuficiência do conceito de dualidade educacional para explicar a reforma em curso. Para abordá-la, recupera em autores clássicos da sociologia da educação o conceito de desigualdade educacional.

Trata-se de um livro que resgata obras clássicas de autores marxistas, nacionais e internacionais da área de trabalho e educação, discutindo e explicando a relação inerente entre educação e sociedade. O livro está assim organizado: uma introdução e dois capítulos, os quais são compostos por seções que ordenam a argumentação do autor, contando com a apresentação de Gaudêncio Frigotto.

Na introdução, o autor apresenta como objeto de estudo a dualidade educacional e as características que esta assumiu no ensino médio brasileiro, apontando como hipótese que o conceito de dualidade é insuficiente para explicar o ensino médio no país, principalmente após a Reforma em curso. Apresenta os conceitos de dualidade, diferenciação escolar e desigualdades sociais, afirmando que a Lei nº 13.415/2017 tende a transformar as escolas públicas estaduais de ensino médio em locais destinados principalmente para jovens pobres, aprofundando as desigualdades educacionais.

Sustenta que os itinerários formativos contidos na Reforma “[...] tendem a produzir maior diferenciação escolar no Ensino Médio e esta pode ser entendida como uma estratégia de manutenção da desqualificação da escola destinada aos filhos da classe trabalhadora [...]. Por outro lado, as escolas são mantidas para “pequenos grupos mais empoderados social, política e economicamente [...]”, que teriam à disposição um “padrão razoável de qualidade” (p. 11).

No primeiro capítulo, o autor realiza um resgate histórico da literatura marxista e da área de trabalho e educação acerca das relações entre escola e sociedade. Apoiando-se principalmente no educador francês Georges Snyders, analisa as categorias dualidade educacional, diferenciação escolar e desigualdade social para o entendimento do ensino médio no Brasil. Utiliza, ainda, as análises de Algebaile (2009), para quem há uma “ampliação para menos” na universalização da escola pública brasileira, ao destacar que ensino fundamental público foi construído para ser a escola dos pobres, precária e insuficiente.

O autor realiza, também, um confronto conceitual entre a dualidade e a desigualdade. Ao tratar da dualidade, demonstra que sua origem está na estrutura

dual da sociedade capitalista, a qual é dividida por classes principais antagônicas entre si e que encontram diferentes esferas da vida social para sua repercussão, principalmente no modo de produzir a vida material. Nesse sentido, a escola enquanto instituição social reflete, em seu interior e em suas práticas, o modelo dual de sociedade: um ensino voltado para as classes trabalhadoras, com uma formação instrumental; e um ensino voltado às elites, com formação de caráter propedêutico.

Acrescenta que o conceito de dualidade, apesar de necessário, não é suficiente para esclarecer o cenário atual da última etapa da educação básica no Brasil. Argumenta que, diante da diferenciação de formas de oferta dessa etapa, gera-se hierarquizações escolares, produto das desigualdades sociais. Diante disso, as diferentes configurações em que o ensino médio é ofertado não revelam apenas diferenciações, mas o aumento das desigualdades escolares, pois no contexto da sociedade capitalista, prevalece a tendência de hierarquização entre as diferentes escolas, reflexo da agudização das desigualdades econômicas e sociais.

No capítulo 2, o autor apresenta a Reforma do Ensino Médio, iniciada com a Medida Provisória n. 746/2016 e, posteriormente, consolidada na Lei n. 13.415/2017. Pontua o contexto da Reforma, a ideia de educação mínima nela contida e os itinerários formativos propostos, defendendo que ela tende a produzir maior hierarquização escolar e a aumentar a vulnerabilidade dos jovens pobres, bem como dos profissionais da educação básica.

Pontua, ainda, as mudanças geradas pela Reforma, a saber: alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN/n. 9394/96), alteração da Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB/n. 11.494/2007), organização curricular com base em itinerários formativos, a admissibilidade da Educação a Distância (EAD) e do docente de “notório saber” no itinerário formação profissional (o que desqualifica as licenciaturas e a profissionalização docente), a redução da carga horária de acordo com a BNCC, o que desqualifica o ensino médio e, na prática, aligeira a educação básica nacional.

Araújo trata dos cinco diferentes itinerários formativos instituídos com a Reforma, nas áreas de linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. Crítica que os itinerários serão definidos em cada sistema de ensino dos estados e do Distrito Federal, conforme a sua disponibilidade e decisão, não sendo necessariamente “por escolha dos estudantes”, como colocado

pela propaganda do Governo Federal, que tem o claro intuito de induzir os jovens a uma falsa ideia de autonomia e protagonismo.

Com a Reforma, ampliam-se os caminhos para o empresariado envolver-se no ensino público e reger os rumos da educação no país, visto que organizações como o Movimento Todos Pela Educação e organizações internacionais são as principais influenciadoras do texto da Reforma.

Identifica o autor que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco), por exemplo, orienta a proposta de organização do ensino médio em dois ciclos, tendo cada ciclo finalidades diferentes, o que, inclusive, destoa do que aborda a LDB. Conforme esse Organismo, o primeiro ciclo do ensino médio assumiria um caráter público e gratuito de “formação geral”, e o segundo poderia destinar-se à “formação técnico-profissional” ou a outras trajetórias, minimizando a educação básica comum.

O autor analisa a Reforma como uma convergência de interesses de empresários e de Organismos Internacionais amalgamados pelo ideário neoliberal. Para esses, como consta em documento da Unesco (2008) citado no livro, a formação de jovens deve prever o desenvolvimento das “competências genéricas essenciais” de letramento, numerização e a capacidade de resolução de problemas, formando “personalidades produtivas”, em acordo com as demandas do mercado de trabalho. Observa, ainda, que esse projeto materializa uma formação instrumental que agudiza as desigualdades e ignora a possibilidade de uma formação inteira para os jovens pobres.

Também chama atenção para aquilo que a Reforma não considera, isto é, a falta de qualquer referência ao quadro de precariedade que caracteriza a escola pública brasileira. Para o autor, não é um documento que mudará a qualidade da educação de um país, sendo necessárias melhores condições de trabalho, escolas equipadas com biblioteca e recursos indispensáveis para o processo de ensino- aprendizagem, além de água potável, merenda, entre outras essencialidades. Corrobora-se com o autor quanto à defesa por um ensino médio que priorize uma formação integrada com acesso à ciência, cultura e desportos.

Tal situação faz questionar o sentido da oferta de diferentes itinerários, em condições tão adversas e desiguais, o que pode servir como agravante. Concorda-se com o autor sobre a defesa de um currículo capaz de desenvolver, em todos os jovens, a criticidade e a criatividade, bem como garantir o acesso ao conhecimento elaborado

e aos vários campos de conhecimento, o que permite a compreensão do mundo a nossa volta.

Para Araujo, a Reforma em curso reduz o próprio conceito de educação básica ao considerar obrigatórios, durante os três anos do ensino médio, somente os conteúdos de língua portuguesa, matemática e inglês. Ao utilizar as palavras de Ribeiro (2017), o autor identifica como “ensino líquido” a forma “diluída” de oferta dos conteúdos disciplinares em outras matérias, o que tende a limitar uma formação consistente e crítica.

Nesse sentido, a Reforma destina-se, principalmente, aos alunos de escolas públicas estaduais oriundos da classe trabalhadora, não contemplando as demandas e perspectivas dos sujeitos que estão nessa etapa, uma vez que busca oferecer, da maneira como foi posta, uma formação encurtada, instrumental e pragmática. A condição social dos jovens precisa ser considerada como ponto de partida e não como ponto de chegada, pois as desigualdades sociais e educacionais precisam ser enfrentadas e não reificadas.

Conforme o autor, finaliza-se este texto com uma convocatória para que sigamos na luta por uma educação integrada que possa dirimir as desigualdades e oportunizar um destino digno aos jovens oriundos da classe trabalhadora, ampliando os direitos historicamente conquistados.


Referências


ALGEBAILE, EVELINE. Escola Pública e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.


RIBEIRO, MÔNICA. Como fica o Ensino Médio com a reforma – vem aí o Ensino Médio “líquido”. Disponível em:

<http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/como-fica-o-ensino-medio-com-a- reforma-vem-ai-o-ensino-medio-liquido/>. Acesso em 20 de novembro de 2020.


UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Reforma da Educação Secundária. Brasília: UNESCO, 2008.