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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


MATERIALIZAÇÃO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: É POSSÍVEL?!1


Arthur Rezende da Silva2


Uma questão inquietante na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), ou nos dizeres de Arroyo (2019, pág.5), “interrogações desafiantes e até desestruturantes”, indubitavelmente, é a seguinte: como materializar o Ensino Médio Integrado (EMI)? Historicamente, a EPT é marcada pelo dualismo, que insiste em negar uma formação cidadã para aqueles que seguem o caminho da profissionalização. Eis que todos nós, professores, técnicos-administrativos da educação, gestores, enfim, todos os que lutam por uma EPT, em que trabalho seja o princípio educativo, somos agraciados com a obra organizada pelo Professor Dr. Adriano Larentes da Silva.

No presente texto, apresento uma resenha do livro Oficina de Integração: vivências de sala de aula no Ensino Médio Integrado, do professor Dr. Adriano Larentes da Silva. A obra apresenta a experiência de mais de 10 anos do curso técnico integrado em informática, do Instituto Federal de Santa Catarina, Campus Chapecó, na materialização do Ensino Médio Integrado (EMI) à Educação Profissional e Tecnológica (EPT), a partir da disciplina Oficinas de Integração. O EMI é um desafio para os sujeitos que atuam na EPT e que lutam por uma formação integral da classe trabalhadora.


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1 Resenha recebida em 31/01/2021. Aprovada pelos editores em 09/03/2021. Publicada em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.48587.Obra resenhada: SILVA, Adriano Larentes (Org.). Oficinas de integração: vivências de sala de aula no Ensino Médio Integrado. Curitiba: CRV, 2019.

2 Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Estado do Rio de Janeiro; Técnico em Assuntos Educacionais do Instituto Federal Fluminense (IFF), Campus Santo Antônio de Pádua e Professor da Fundação de Apoio à Escola Técnica do RJ (FAETEC) de Santo Antônio de Pádua. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4888728838765400. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4543- 7842; E-mail: arezende@iff.edu.br ou arthur.42040045@ucp.br

Cabe apresentar o referido professor: Adriano Larentes da Silva é docente efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC), desde 2009, Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e Pós-Doutor em Educação pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Adriano Larentes é precursor, na rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), mais precisamente, de seus Institutos Federais, da discussão e prática sobre um dos maiores desafios desses institutos, qual seja, o EMI à EPT. É também coordenador de um grupo de pesquisa denominado “Grupo de estudos e pesquisa em currículo integrado”, em que professores, técnicos-administrativos e estudantes, constantemente, são desafiados a refletir sobre uma formação crítica, política e integral para os filhos da classe trabalhadora no tão urgente ensino médio brasileiro.

A ideia de resenha dá obra surge a partir, principalmente, da contra reforma do ensino médio (MOTTA, FRIGOTTO, 2017), mediante a lei 13.415/2017. A comunidade escolar do Campus Chapecó, do IFSC, tendo seus professores, estudantes e servidores técnicos-administrativos, desde 2011, interessados na pesquisa sobre o EMI, prontificaram-se no desafio de tentar materializá-lo a partir das ousadas Oficinas de Integração, especificamente no curso técnico em informática integrado ao Ensino Médio daquele campus.

A referida obra é dividida em duas partes, a saber: a primeira, intitulada de “Vivências e experiências de sala de aula”, traz 7 relatos de experiências sobre práticas pedagógicas integradoras, que professores e alunos se dispuseram a efetivar, mesmo diante dos desafios; a segunda parte é intitulada como “Memórias e depoimentos sobre as oficinas de integração” em que há 4 relatos, alguns deles de autoria de alunos egressos do curso do IFSC, Campus Chapecó.

Para instigar os leitores desta resenha, descrevo, brevemente, alguns dos relatos de experiências elencados na obra. A primeira é “Oficina de integração: uma história feita a várias mãos'', do organizador, Adriano Larentes da Silva. O autor ressalta a importância de se registrar o acúmulo de experiências, a sistematização e a teorização das ações vividas nas Oficinas de Integração para que instigue outros sujeitos a aderirem ao EMI à EPT. Adriano faz um panorama histórico, a partir dos documentos como atas de reuniões de curso, cadernos de educadores, portfólios da

OIs, fotografias, notícias publicadas nos canais de comunicação do IFSC e as próprias memórias enquanto partícipe do processo.

Dando continuidade, destaca-se o relato intitulado “Releitura do filme ‘Tempos Modernos’, de Charlie Chaplin, como possibilidade de integração de conhecimentos no EMI”, de Saionara Greggio e Fábio Machado da Silva. Relatam uma proposta de atividade que se baseou nos seguintes tempos: problematização, instrumentalização, experimentação, orientação, sistematização e consolidação. A partir da releitura do filme clássico e atual, Tempos Modernos, alunos e docentes realizaram debates acerca de variados temas como: “relação homem-máquina”, “saúde e segurança do trabalhador”, “gênero e mercado de trabalho”, dentre outros, o que ressignificou o olhar dos professores e estudantes, promovendo a tão sonhada formação integral, contemplando trabalho, ciência, tecnologia e cultura.

Há também o relato “Fotografia: diálogos entre a arte, química e física no ensino integrado”, de Alencar Migliavacca, Fábio Machado da Silva e Gerson Witte, em que há um exemplo da potência que é a interdisciplinaridade. Com o foco na temática “fotografia”, os professores e estudantes dialogaram sobre o núcleo temático “Ciência, Cultura e Sociedade” e diversos conteúdos, dentre eles “A fotografia como linguagem artística e sua história”; “Princípios da óptica geométrica”, “Fontes de luz e propagação”, “reações fotoquímicas”, “número de oxidação”, dentre outros. Para validarem a experiência, os docentes aplicaram um questionário aos estudantes, enquanto um instrumento de autoavaliação, alertando-nos para a necessidade de sistematizarmos e registrarmos as práticas pedagógicas cotidianas.

Da segunda parte, destaco o relato “De estudante do curso normal à professora de oficinas de integração: memórias dos (des)caminhos percorridos.” A autora e professora Roberta Pasqualli narra sua emocionante trajetória até chegar ao IFSC e se deparar com a proposta pedagógica do EMI. A autora-professora realiza uma reflexão sobre a paixão pela educação e como “se educou” nas discussões do grupo de pesquisa e estudos sobre o EMI do Campus Chapecó. A partir desses relatos, todos os que acreditam no EMI, têm-nos como um “sopro de esperança” e de “ânimo” para a difícil e gratificante atuação no EMI.

Por fim, ainda na segunda parte, o texto intitulado “Formação Acadêmica e cidadã nas oficinas de integração”, de Emílio Juane Bruski, ex-aluno do IFSC, Campus Chapecó, indica a importância de a classe trabalhadora ter acesso a uma educação

integral. O autor destaca como o contato com a pesquisa científica, no Ensino Médio, possibilitou novos horizontes, preparando-o, em suas palavras, para o mundo do trabalho.

Assim, a obra em tela é uma grande oportunidade para reflexões entre os que atuam no EMI Brasil afora. Demonstra que, a partir do comprometimento de educadores com a causa da classe trabalhadora, pode-se materializar o projeto de EMI, tão necessário em tempos de avanços dos retrocessos, como a contrarreforma do ensino médio, já pontuada anteriormente. Por meio da práxis, os autores realizaram, no “chão da escola”, as mais diversas experiências rumo à materialização do EMI.

Portanto, recomendo a leitura e análise da obra do professor Adriano da Silva Larentes para todos aqueles que, diariamente, lutam pela formação integral nas muitas turmas de EMI à EPT, e que acreditam que esta formação omnilateral é essencial para que as juventudes da classe trabalhadora não tenham uma “vida provisória e em suspenso” (FRIGOTTO, 2009), e que tenham o EMI como local onde possam “aterrar” (LATOUR, 2020), uma vez que “a nova universalidade consiste em sentir que o solo está em vias de ceder.” (idem, 2020, pág. 18).

Não podemos desistir, mesmo diante das adversidades, do projeto de EMI, visto que representa um projeto comprometido com a formação integral dos trabalhadores em oposição ao modelo capitalista vigente. A obra de Adriano Larentes da Silva nos traz a esperança de que por meio da força da coletividade dos educadores poderemos encampar a travessia para uma “nova escola média em que haja um equilíbrio entre o atuar praticamente e o de trabalhar intelectualmente (KUENZER, 2009), rompendo, logo, com o modelo hegemônico que forma os filhos dos trabalhadores para uma perversa morfologia do trabalho (ALVES, 2011).

Ciavatta (2014), em seu clássico texto, desestruturou-nos com a questão “Ensino integrado, politecnia e a educação omnilateral: por que lutamos?” Eis que as Oficinas de Integração, retratadas na obra resenhada, tornam-se uma possível resposta a essa luta que nos move pelo direito de a classe trabalhadora ter acesso a uma educação transformadora.

Referências


ALVES, Giovanni. Trabalho, subjetividade e capitalismo manipulatório - O novo metabolismo social do trabalho e a precarização do homem que trabalha. In: Estudos do Trabalho - Revista Eletrônica da RET, n. 9, p. 01-31, 2011. Disponível em: http://www.estudosdotrabalho.org/4_8%20Artigo%20ALVES.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2020.


ARROYO, Miguel Gonzalez. A Educação Profissional e Tecnológica nos interroga. Que interrogações? Educação Profissional e Tecnológica em Revista, v. 3, n. 1, 2019. Disponível em: https://ojs2.ifes.edu.br/index.php/ept/article/view/1321. Acesso em 04 de janeiro de 2021.


CIAVATTA, Maria. O Ensino integrado, politecnia e a educação omnilateral: por que lutamos? Trabalho e Educação, [S. l.], v. 23, n. 1, p. 187–205, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9303. Acesso em 05 de janeiro de 2021.


FRIGOTTO, Gaudêncio. Juventude com vida provisória e em suspenso. Rio de Janeiro, UERJ/FAPERJ e CNPq, Documentário, 2009. Disponível em 3 partes: https://www.youtube.com/watch?v=yXj6pTXn7zs; https://www.youtube.com/watch?v=eUCShbnNPRQ; https://www.youtube.com/watch?v=-Iz8m2mgNLY. Acesso em 05 de janeiro de 2020.


KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Cortez Editora, 2000.


LATOUR, Bruno. Onde Aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.


MOTTA, Vânia Cardoso; FRIGOTTO, Gaudêncio. Por que a urgência da reforma do ensino médio? Medida Provisória nº 746/2016 (Lei nº 13.415/2017). Educação & Sociedade, v. 38, n. 139, p. 355-372, 2017.