image

V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


Dissertação de Mestrado1


EVANGELISTA, Anderson Pereira2. A política de Educação em Tempo Integral no ensino médio do Estado do Acre e a atuação de institutos ligados ao setor empresarial. 2020. 142 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, AC, 2020.


Resumo expandido


O constructo dissertativo que aqui é apresentado teve como objetivo analisar em ambiência focalizada, a mais recente reforma do ensino médio e o avanço da relação público-privado na educação. O objeto central da pesquisa é o Programa de Educação Integral e as Escolas Jovens de Ensino Médio em Tempo Integral (Lei nº

3.366 de 27 de dezembro de 2017) que estão sendo implementados no estado do Acre. Assim, o estudo problematizou de que forma têm se dado a atuação de institutos ligados ao setor empresarial no processo de implementação da política de educação em tempo integral no ensino médio do estado do Acre.

O caminho metodológico percorreu pela pesquisa bibliográfica e documental, sendo esta última basilar para o estudo. Desta maneira, buscou-se atingir os seguintes objetivos: a) Caracterizar a política de educação em tempo integral voltada para o ensino médio do estado do Acre por meio dos documentos que a regulamentam; b) Descrever e analisar o avanço da implementação da política de educação em tempo integral ensino médio no estado do Acre; c) Identificar e descrever a atuação do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), do Instituto Natura (IN) e do Instituto Sonho Grande (ISG) no processo de implementação


image

1 Resumo recebido em 05/02/2021. Aprovado pelos editores em 08/04/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/1022409/tn.v19i39.48675

2 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Acre (UFAC); Professor do Quadro Efetivo da rede pública de ensino do Estado do Acre. E-mail: andersonevangelistaczs@gmail.com.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0436-4357. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4713253565461334.

da política; e d) Analisar os fundamentos teórico-metodológicos que embasam os documentos/materiais produzidos pelos institutos.

A reforma do ensino médio foi gestada sob o alarme do mercado, tendo como principais atores envolvidos os representantes da burguesia3, que constituem o empresariado brasileiro. Estes, sustentaram uma argumentação imediatista para o alcance da estratégica reformulação do ensino médio, com a qual se alinhava a formação em nível médio aos interesses do mercado.

O texto da reforma se encaminhou para duas alterações principais, uma no âmbito do currículo, e outra da jornada escolar diária. Com relação a esta última, a nova redação dada ao art. 24 da LDB 9394/1996 prevê a ampliação progressiva da carga horária no ensino médio.

De forma a induzir a ampliação do tempo de permanência do aluno na escola, a lei instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI). Através da Portaria nº 1.145 de 10 de outubro de 2016, o Ministério da Educação (MEC) criou o Programa de Fomento à Implementação, e estabeleceu as normativas para que as Secretarias Estaduais de Educação adotassem o programa.

Na esfera estadual, a referida política se configura como um desdobramento da reforma, sendo aderida por muitos estados que em tempo recorde se adequaram às exigências constantes na portaria de 2016, e iniciaram a implementação no ano letivo de 2017, como é a realidade do estado do Acre.

Desde o início do programa, o governo do estado conta com as parcerias firmadas com institutos ligados ao setor empresarial, conferindo destaque para o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação – ICE, Instituto Natura – IN e o Instituto Sonho Grande – ISG. No contexto da reforma do ensino médio, a relação público-privado se apresenta de forma nuclear, quando diversas propostas de implementação pelos estados se processam neste modelo.

Para Laval (2019) na maioria dos países ocidentais a escola tem sido arrastada pelo viés neoliberal a um amplo processo de “mercadorização”, expresso pela complexa imbricação entre a esfera pública e a esfera privada. A ideia de que a escola


image

3 Entende-se a burguesia a partir da concepção marxiana do termo. No emblemático Manifesto do Partido Comunista, (2015) Marx e Engels entendem a burguesia como “a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores do trabalho assalariado”, em outras palavras o patronato que detém poder sob o modelo de acumulação do capital.

pode ser assemelhada, se não transformada em uma empresa, se naturaliza com a perda conceitual e objetiva do que deveria ser a instituição escolar.

Desta feita, na segunda seção do estudo, intitulada “As políticas educacionais destinadas ao ensino médio no Brasil e a histórica atuação dos representantes da burguesia, procura-se discutir as reformas pelas quais passou o ensino médio brasileiro, colocando em relevo a arena de disputa que se formou em torno deste até os dias atuais.

Na sequência, tem-se a terceira seção de cunho documental intitulada “A política de Educação em Tempo Integral no Ensino Médio do Estado do Acre: regulamentação e implementação”, onde se analisa os documentos normativos que dão sustentação à política, além das matrizes curriculares que têm orientado os currículos das Escolas Jovens. Ainda nesta seção, se descreve como está o processo de implementação da política, evidenciando seu alcance estadual e as escolas que adotaram a modalidade. A análise é feita com base na seção anterior que traz a discussão teórica.

A quarta seção, também de caráter documental, intitulada “O modus empresarial operando: atuação dos institutos do terceiro setor no ensino médio em tempo integral do Acre”, aprofunda o estudo e problematiza criticamente a relação público-privado entre o Governo do estado do Acre e as organizações da sociedade civil oriundas do empresariado. Tal relação tem se materializado na atuação dessas ONGs no processo de implementação da política discutida na seção 3.

Os resultados da pesquisa apontam que, no tocante à regulamentação da política, o estado segue de forma bem prescritiva as recomendações do Governo Federal; seja quanto à organização e gestão, seja nas orientações de um currículo voltado para as avaliações padronizadas e a inserção no estratificado mercado de trabalho.

No que se refere à implementação, o estado tem avançado de maneira tímida, por certo que é uma política que demanda um alto investimento, tendo em vista a permanência do aluno na escola por tempo integral. As 13 Escolas Jovens distribuídas em apenas 6 dos 22 municípios que integram o território do estado do Acre, comprovam que é uma política recente, ainda em fase inicial.

Ademais, mediante análise crítica, depreendeu-se que a relação público- privado entre o estado do Acre e os institutos ligados ao setor empresarial, no

processo de implementação da política de educação em tempo integral no ensino médio se materializa de algumas formas.

Por um lado, o ICE (Instituto de Corresponsabilidade pela Educação) atua implementando o modelo de escola pensado pela organização. O referido modelo, denominado Escola da Escolha, que alinha uma perspectiva de gestão, conteúdo e avaliação, está organizado em 12 Cadernos que servem de base para formação de equipes gestoras, professores e demais profissionais que atuam nas Escolas Jovens. Os principais temas presentes nos cadernos do instituto são aqueles que foram advogados pelo empresariado no contexto de discussão da reforma, e são eles: Projeto de vida, que se constitui a espinha dorsal do modelo, bem como o protagonismo juvenil e as competências socioemocionais.

Por outro lado, somam-se à atuação do ICE, os Institutos Sonho Grande (ISG) e Natura (IN), denominados parceiros estratégicos. Essas organizações vinculadas a grandes empresários brasileiros, de início estiveram subsidiando financeiramente as ações do ICE, que precisou formar a equipe da Secretaria Estadual de Educação que estaria à frente da implementação da política. Em um segundo momento, o trabalho voltou-se para produção de evidências, no intento de comprovar o sucesso do modelo, usando-se de seus métodos próprios baseados em estudos quantitativos.

O que ficou perceptível foi que a relação público-privado é marcada por dois estágios privatizantes pontuais. O primeiro se dá por meio da definição curricular, gestão, formação e inserção das organizações. Já o segundo, avança para a atuação de um membro do terceiro setor na equipe responsável por implementar a referida política, sendo o mesmo responsável por acompanhar os indicadores e produzir evidências. E isso é visto com uma imensa naturalidade. Assim, toda razão é dada à Ball (2014) quando o autor afirma que o processo de neoliberalização da educação é intenso, projetado e altamente financiado.


Referências


BALL, Stephen J. Educação Global S.A: novas redes políticas e o imaginário neoliberal. Tradução de Janete Bridon. Ponta Grossa: UEPG, 2014.


FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva 30 anos depois: regressão social e hegemonia às avessas. Revista Trabalho Necessário, v. 13, n. 20, p. 206-233, 2015.


KRAWCZYK, Nora; FERRETTI, Celso João. Flexibilizar para quê? Meias verdades da “reforma”. Retratos da Escola, v. 11, n. 20, p. 33-44, 2017.


KUENZER, Acácia Zeneida. Trabalho e escola: a flexibilização do ensino médio no contexto do regime de acumulação flexível. Educação & Sociedade, v. 38, n. 139, p. 331-354, 2017.


LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: neoliberalismo em ataque ao ensino público; Tradução de Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2019.


MÉSZÁROS, István, 1930. A Educação para além do Capital. Tradução: Isa Tavares 2.ed, São Paulo: Boitempo, 2008.


SILVA, Monica Ribeiro da. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso. Educação em revista, v. 34, p. 01-15, 2018.