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V.19, nº 39, 2021 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


Editorial


NA MINHA TERRA GIRA O SOL, TAMBÉM GIRA A LUA: Ô, QUE TEMPO É ESSE, MEU DEUS?1


Car@s leitor@s


No momento em que este editorial está sendo escrito, quase quinhentos mil brasileiros/as negros/as, indígenas, brancos, quase-brancos (como diria Caetano), quilombolas, ribeirinhos/as, mulheres, de mil e uma cores, com seus sonhos e desejos pulsantes, tiveram suas vidas ameaçadas e ceifadas. Pela covid-19, e também pela impossibilidade de atendimento para inúmeras outras doenças, consequência do descaso com a saúde pública e com o SUS.

Mas se nosso povo adoece e morre por irresponsabilidade dos setores dirigentes, também canta, dança, ri, chora, e luta incessantemente. Por isso, neste editorial resolvemos começar com um título que traz uma grande interrogação de uma cantiga tirada nas kizombas (festas) de louvação e cantorias das tradições das etnias Bantu2.

Essa é uma cantiga que louva esse velho ermitão (o tempo, ou Kitembo), tão antigo e sábio quanto o universo, apresentando-o também como a grande interrogação filosófica que nos acompanha historicamente. E que, com todas as suas (e nossas) artimanhas, nos faz refletir sobre todas as coisas da vida. Que sem linearidade, nos interroga e busca dar um sentido e entender o passado, o presente e o que desejamos para o futuro de nossas vidas e para o planeta que habitamos.


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1 Editorial recebido em 21/05/2021. Aprovado pelos editores em 24/05/2021. Publicado em 27/05/2021. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v19i39.50126.

2 Kitembo ou Tempo é um Nkise (um dos Deuses), na matriz congo-angola. Kitembo é junção do ambiente natural (elementos e fenômenos da natureza) e espaço social (relação social dos homens com a natureza e com outros homens). Desta forma é que podemos pensar na complexidade que há entre Kitembo-Seres Humanos, em uma determinada cosmogonia ou modo de conceber-pensar-fazer- sentir os modos de vida ou os modos de existir.

Nesse sentido, a cantiga nos instiga a buscar resposta para os fenômenos naturais e sociais que nos acompanham em nossa relação homem-natureza-espaço social. Em uma perspectiva histórico-dialética, Kitembo pode ser entendido como as categorias: movimento, reprodução, universalidade, singularidade, pluralidade, contradição e mediação. E com a cantiga nos perguntamos o que precisamos pensar para podermos agir.

Como nos relacionamos com a natureza? Como organizamos o espaço social em suas várias dimensões: tempo histórico, tempo político, tempo de bonança, tempo de madurez, tempo de intempéries, tempo de crises, tempo de saber escutar, tempo de buscar fontes confiáveis, tempo de afeto? O tempo nos constitui, como também, dialeticamente, o constituímos. E como todas as suas dimensões interferem em nossa vida e na vida do planeta Terra, e porque não dizer, no universo em si, o tempo pode nos trazer também a sabedoria necessária para uma intervenção consistente.

Com estas questões em mente, é que trazemos para esse editorial um tom de conversa séria, reafirmando que todas as vidas importam e que não aceitamos mais perdê-las pela irresponsabilidade (genocida) do presidente do país no “enfrentamento”(?) à pandemia; pela violência policial – que acaba de efetuar uma chacina que deixou como saldo 28 mortos na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro; pelos ataques constantes e sistemáticos às pessoas negras, pobres, lgbts – mais uma parlamentar do PSOL acaba de deixar o país por conta de ameaças à sua vida –, não incluídas no grupo de “cidadãos de bem”.

No que se refere à Pandemia da Covid-19, os especialistas já apontam para uma terceira cepa/variante, no ano de 2021. E entre maio e junho, poderemos ter um aumento ainda maior de mortes, considerando o inverno que se avizinha e caso a Vacina para Todos/as não esteja garantida. Muitos estão jogando “à brinca”, sejam os setores dirigentes ou aqueles guiados pelo genocida e seus asseclas, sem uso de máscara ou proteção alguma, fazendo apologia da cloroquina e ivermectina, e participando de aglomerações diversas.

Além disso, todos os campos das políticas públicas, principalmente as sociais, estão sendo devastados. Entre 2016 (Governo Temer) e 2020 (Governo de Jair Bolsonaro), as contrarreformas – do Trabalho e da Previdência -, mais as Medidas

Provisórias (927 e 936)3 criadas para o “enfrentamento” (?) da pandemia penalizam ainda mais intensamente a classe trabalhadora, que, no cenário atual, pode ser considerada o maior grupo de risco – pelo aumento do desemprego, ou por arriscar- se à contaminação (e morte) em busca de sobrevivência. Estudo do Dieese sobre desligamentos por morte4, no período entre o primeiro trimestre de 2020 e 2021, indica um crescimento de 71,6%. No caso dos profissionais de saúde esse crescimento foi de 204% e na educação, de 106,7%. Isso, para citar apenas dois segmentos da classe trabalhadora brasileira. Como se não bastasse, há ainda a Reforma Administrativa, que ameaça especialmente o serviço e os servidores públicos.

No campo da educação, as Reformas em todos os seus níveis e modalidades5, principalmente a Reforma do Ensino Médio; a BNCC – Base Nacional Curricular Comum e a BNCF – Base Nacional Comum da Formação Docente; a Política Nacional dos Livros Didáticos e a Política Nacional de Alfabetização, que entendem a formação de crianças, dos jovens estudantes e dos trabalhadores da educação como mero executores do projeto do capital, representam um grande retrocesso, pois aquilo que é considerado um bem comum pode ser destruído.

A estupidez é tão grande, que mesmo para o campo da economia, cujos governistas insistem em dizer que não pode parar (afirmando uma absurda oposição entre economia e vida), se não há saúde, formação dos jovens trabalhadores e geração de emprego, nosso país poderá cair para a 21ª colocação no ranking mundial, em 2021, segundo o FMI, ou seja, podemos voltar a ser colônia periférica do capitalismo internacional.

Outro elemento fundamental para o reconhecimento de onde estamos imersos, diz respeito ao tratamento que vem sendo dado às Ciências e Tecnologias no país. As universidades e Institutos de Pesquisa continuam tendo cortes em seu orçamento, que impedem que desenvolvam a função social para a qual foram criadas. Instituições como a UFRJ, a UFF e outras Instituições de Ensino Superior já publicizaram que a partir de julho/2021 não terão condições de funcionar com todas as suas atividades.


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3Sobre as medidas provisórias, ver: https://www2.camara.leg.br/atividade- legislativa/legislacao/mpemdia.

4DIEESE. Boletim Emprego em Pauta. Disponível em: https://www.dieese.org.br/boletimempregoempauta/2021/boletimEmpregoEmPauta18.html

5Ver Nota de Repúdio às Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT - Resolução CNE/CP n° 01/2021), de 20/01/2021, assinada por várias instituições do campo educativo e publicada na aba Notícias da Revista Trabalho Necessário em 2021.

O conhecimento científico entendido como mercadoria, a existência de periódicos predatórios, a utilização de métricas comerciais internacionais para avaliação dos periódicos científicos brasileiros e a relação dos periódicos articulados às avaliações dos PPGs – Programas de Pós-graduação dos diferentes campos do conhecimento vêm sendo atingidos. Sem querer profetizar, é importante dizer que os periódicos das Áreas de Humanidades e das Ciências Sociais podem ter a sua qualidade ameaçada, com uma competitividade e o individualismo (pesquisadores de produtividades) que crescerá mais, se continuarmos trabalhando com os indicadores internacionais6.

Além disso, as constantes mudanças na CAPES, como agência de fomento para a formação de novos quadros de pesquisadores e formação continuada para tantos outros, com mudanças constantes na equipe de gestão e os fortes cortes no orçamento, ameaçam a construção do conhecimento científico. Para as Universidades e Institutos de Pesquisa, o governo tem sido mais perigoso que o vírus da Covid.

Na pecha de causadores dos problemas do Estado Brasileiro, os servidores públicos diversos são colocados como culpados do fracasso e nisso, chega a ser um senso comum para os cidadãos. O que é bom é aquilo que só pode ser oferecido pela iniciativa privada, na fala de muitos. Esquecem os cidadãos/ãs que serão poucos os que terão acesso àquilo que faz parte da produção social da existência humana – um bem comum para todos/as.

E diante de todos esses ataques, a quem recorrer para lutar e garantir a esperança, tão necessária, como diria Paulo Freire? O “que fazer”, quando tudo está de “patas arriba” (Galeano, 1998)?7.

A curto prazo, é fundamental que pensemos em ações conjuntas para exterminar o que temos experimentado de violência/exploração/opressão em nossa vida social. Ações que atuem como uma frente ampla, reunindo as forças sociais comprometidas com a justiça, a democracia e a igualdade.


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6 Ver Manifesto do GT 09 - "Trabalho e Educação" Da ANPEd - Por uma avaliação de periódicos pautada nos interesses soberanos da maioria da população brasileira, de 08/12/2020, publicada na aba Notícias da Revista Trabalho Necessário, dezembro/2020.

7 GALEANO, Eduardo. Patas arriba: la escuela del mundo al revés. Buenos Aires – Argentina: Calálogos S.R.L, 1998.

Para qualquer ação ou frente, e suas possíveis alianças, precisamos nos fazer algumas perguntas ou as mesmas, que na época, no início do Século XX, Lênin8 abordava de forma prática, para se alcançar a revolução – o que, de resto, está longe da realidade brasileira atual. São estas as questões: 1) o conteúdo da ação política do movimento; 2) a organização desta ação e 3) a construção de uma organização de combate.

No caso brasileiro, como pensar nessas três formas de ação política? Como construí-las na prática, se não analisamos profundamente as diferenças, as pluralidades, os objetivos e seus princípios?

Só é possível pensar na construção de uma frente ampla, se for pensado que projeto de sociedade queremos construir junto com os brasileiros e brasileiras para transformar as relações perversas que ceifam as vidas. Mas não seremos nós (a universidade e as instituições educativas de diferentes níveis e modalidades de ensino e seus trabalhadores) que sozinhos vamos resolver essa questão, que é histórica. Mas, sem dúvida, podemos contribuir para que continuemos a refletir sobre o poço ou fosso em que estamos imersos, para a ampliação das consciências de brasileiros e brasileiras, uma vez que os fatos estão postos, mas não dados definitivamente, como sinalizou Milton Santos (1997)9.

E como os fatos não estão dados em definitivo, também a discussão não para por aqui. Que as reflexões reunidas na TN 39 – A Reforma do Ensino Médio na contramão da Democracia, possam contribuir para o estabelecimento de uma agenda para a luta necessária.

Se cuidem! Vacinas para todes! Boa leitura e reflexão.

Em memória de Elza Dely (UFF-ADUFF-ANDES/Sind Nacional), Ubiratan D’Ambrósio (UNICAMP), Margarete Martins (SEPE – Niterói-RJ).


17 de Maio (Outono) de 2021. José Luiz Cordeiro Antunes, Maria Cristina Paulo Rodrigues, e Lia Tiriba

Editores da Revista Trabalho Necessário


8 LÊNIN, Vladimir Ilitch. O que fazer?, tradução: Edições Avante!, Paula Vaz de Almeida, São Paulo: Editora Boitempo, 2020; um clássico da teoria política, que mesmo escrito no início do século XX (1901- 1902), a relevância de sua análise, com as devidas proporções, a obra nos faz refletir sobre nossas questões contemporâneas e as respostas que precisam ser dadas.

9 SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Editora Hucitec, 4ª edição, 1997.