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V.19, nº 40, 2021 (set-dez) ISSN: 1808-799X


A CATEGORIA DA PRÁTICA E A CRÍTICA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

[Elza Margarida de Mendonça Peixoto]1


Pedro Leão da Costa Neto2


O livro em tela é resultado do estágio de pós-doutorado realizado por Elza Margarida de Mendonça Peixoto na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da UFRGS (2019-2020), sob a supervisão do professor Alberto Reinaldo Reppold Filho. Esse estágio permitiu a sistematização de pesquisas que estavam sendo desenvolvidas há alguns anos, em particular a do seu primeiro pós-doutorado em Filosofia da Educação, realizado na Universidade de Lisboa (2014-2015), sob a tutoria do destacado marxista português José Barata-Moura, e dedicado à categoria da prática e da crítica às diferentes concepções idealistas desta categoria – os “idealismos da prática”. A continuidade da sua investigação permitiu estendê-la e aprofundá-la, agora voltada a uma problematização da categoria da prática no pensamento crítico educacional brasileiro, em geral, e na formação de professores, em particular.

Essa trajetória de investigação se expressa, também, na estrutura da obra resenhada, que inicia com um conjunto de textos, a saber: “Nótula em jeito de Apresentação”, de José Barata-Moura (p. 13-16); “Prefácio”, de Alberto Reinaldo Reppold Filho (p. 17-19); “Apresentação” (p. 21-25) e “Introdução” da autora (p. 26- 51). Na introdução, além de informar os objetivos gerais de suas pesquisas no período em destaque, a autora ressalta aspectos relevantes de sua trajetória intelectual.

Nos dois primeiros capítulos, intitulados, respectivamente, “Investigações sobre o tema da Prática: contribuições de José Barata-Moura” (p. 52-87) e “Notas de estudo


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1 Resenha recebida em 09/09/2021. Aprovada pelos editores em 13/09/2021. Publicada em 11/11/2021. DOI: Doi.org/10.22409/tn.v19i40.51575 Obra resenhada: PEIXOTO, Elza Margarida de Mendonça. Para a crítica dos fundamentos da formação de professores no Brasil: o problema da prática. Goiânia: Edições Gárgula; Kelps, 2021, 251 p.

2 Doutor em Ciências Humanas na área da Filosofia pela Universidade de Varsóvia. Professor do PPGEd-UTP e do Curso de História da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: Pedro.costa@utp.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/8913925209981626 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5377-6468.

da análise de José Barata-Moura acerca da Tese 3 ad Feuerbach” (p. 88-109), é esboçado o núcleo teórico do livro, fundado em uma apropriação teórica de distintos aspectos, da vasta obra do marxista português, acerca da categoria da práxis. No capítulo seguinte, “O problema da formação pré-profissional das condições subjetivas dos professores para a prática profissional – Contribuições de José Barata-Moura” (p. 110-129) é estabelecida uma articulação entre este núcleo teórico e o tema da formação dos professores e do reconhecimento do problema fundamental da formação pré-profissional das condições subjetivas dos professores para a prática profissional. Encontramos, ainda, no quarto, quinto e sexto capítulos – “O tema da Prática na Pedagogia Histórico-Crítica” (p. 130-155); “A Prática na Crítica da organização do trabalho pedagógico e da Didática” (p. 156-187); “O tema da Prática na Metodologia do Ensino de Educação Física” (p. 188-207) –, a referida aplicação dos resultados teóricos, obtidos à luz do pensamento crítico educacional brasileiro e da formação de professores. Por fim, no sétimo e último capítulo, “Considerações provisórias para o delineamento de um projeto de abordagem do problema da prática na Formação de Professores à luz da Categoria Materialista de Prática desenvolvida por José Barata-Moura” (p. 208-235), são articuladas as análises apresentadas ao longo dos capítulos da obra.

Cabe destacar que, como a própria autora esclarece, o livro não é apenas resultados dos dois estágios de pós-doutoramento, uma vez que ele está, por um lado, estreitamente articulado às atividades de ensino e pesquisa desenvolvidas na Faculdade de Educação da UFBA, e dedicadas à categoria da prática e às principais referências bibliográficas trabalhadas no curso de formação de professores de Educação Física da FACED. Além disso, por outro lado, está intimamente relacionado com “as necessidades objetivas” que levaram a autora a uma “incursão teórica” na “Concepção Materialista e Dialética da História”, em 1998 – uma preocupação presente desde os anos de sua graduação –, quando iniciou o seu trabalho como docente no curso de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina (p. 21). Nesse sentido, a apresentação da autora é, particularmente, esclarecedora para a compreensão da unidade dessa caminhada.

O ponto de partida dessa longa pesquisa que se materializou em livro consistiu na referida “necessidade objetiva” – própria do trabalho com a prática de ensino nos Cursos de Formação de Professores de Educação Física – de um trabalho de

esclarecimento, que se efetivou através de um estudo teórico aprofundado, a partir do marxismo clássico, sobre o sentido da “prática como critério de verdade” e de uma análise crítica da multiplicidade de sentido do uso da categoria da “prática” e da reincidência de leituras idealistas, empiristas e “pragmáticas” da prática. Para tanto, a autora realizou um détour, apropriando-se do pensamento de José Barata-Moura, autor de uma importante obra teórica que contribui para a possibilidade de se pensar a categoria de prática e os diversos “idealismos da práxis”. Para mostrar como algumas dessas análises são construídas, mesmo correndo o risco de repetições, vale destacar alguns importantes aspectos desenvolvidos ao longo dos capítulos.

No primeiro capítulo, a autora retoma os estudos realizados por Barata-Moura acerca da “categoria materialista de prática” e das críticas endereçadas a diferentes leituras que recaem em distintas formas de idealismo, destacando “o sentido forte” da categoria materialista “prática” enquanto “atividade materialmente transformadora.” Igualmente importantes são as observações à crítica desenvolvida por Barata-Moura ao pragmatismo e aos desafios que esta crítica anuncia ao debate das proposições para a formação de professores.

No segundo capítulo é apresentado um conjunto de notas de estudos sobre a “análise de José Barata-Moura acerca da Tese 3 Ad Feuerbach” – a tese de Marx mais diretamente ligada ao debate educacional. É importante, aqui, lembrar que o marxista português dedicou às Teses de Marx um imenso volume, com mais de 650 páginas (As Teses das “Teses”: Para um exercício de leitura, publicado em 2018 pelas Edições Avante). Peixoto observa que essas investigações sobre o materialismo de Marx terão uma particular importância para a recusa da categoria de prática concebida como experiência e para estabelecer sua relação com a noção relevante de experimento. Essas análises, como já informado, possibilitam avançar, no terceiro capítulo, para a identificação do problema fundamental “da formação pré-profissional das condições subjetivas dos professores para a prática profissional”, como um problema de processos de formação e da sua relação entre a realidade do trabalho pedagógico e as condições subjetivas dos professores para compreendê-las como realidades pré-existentes, cujo entendimento exige desenvolvimento de determinadas condições subjetivas para apreendê-las (p. 110-129).

Os três capítulos seguintes apresentam uma incursão nos clássicos do debate educacional brasileiro e da área de Educação Física que, reivindicando o marxismo,

configuram proposições para o problema da prática. Assim, no quarto capítulo, é desenvolvida uma análise da apropriação da categoria de prática por Dermeval Saviani e da sua Pedagogia Histórico-Crítica, dos seus fundamentos ontológicos, gnosiológicos, axiológicos e teleológicos e do seu potencial transformador. Em Saviani, essa análise está relacionada à produção de uma teoria pedagógica, assentada na tradição marxista, que tem como objetivo a inserção da educação – entendida como uma prática realizada no interior das relações de produção capitalistas e marcada pelas próprias contradições deste modo de produção determinado – no processo de transformação da realidade brasileira no sentido de uma sociedade socialista. No quinto capítulo são investigadas as contribuições do professor Luiz Carlos de Freitas na obra Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática, mostrando como nesta obra a categoria de prática está associada ao seu entendimento como experiência de uma realidade objetiva. Em oposição a essa concepção, Peixoto retoma observações, anteriormente desenvolvidas sobre as análises de Barata-Moura, referentes à diferença entre experiência e experimento. Ainda em sua incursão nos clássicos, no sexto capítulo, a autora aprofunda o objetivo de suas análises, a categoria de prática, que se tornou referência para todo o campo crítico da Educação Física no Brasil por meio do livro Metodologia do Ensino de Educação Física, do Coletivo de Autores. Aqui, a categoria de prática é entendida como experimento e experiência, e, em que pese a defesa da luta de classes como categoria determinante da formação e do trabalho dos professores, no processo de desenvolvimento da obra “perde-se a ligação do experimento com o trabalho e a política” (p. 197).

Por fim, no último capítulo, Peixoto recupera elementos da sua trajetória e das análises anteriormente desenvolvidas e indica a necessidade de “um vasto projeto de investigação e intervenção que [...] inclua a perspectiva da prática materialista e dialética na direção da formação de professores” (p. 233, grifos da autora), e conclui apontando para um amplo projeto que se abre aos investigadores que reivindicam a tradição marxista; projeto que, como a pesquisadora anuncia, obviamente, não poderá ser desenvolvido por um só pesquisador.

Assim, como resultado da leitura do livro de Elza Margarida de Mendonça Peixoto, podemos afirmar que estamos à frente de um projeto de investigação ambicioso, que acompanha a autora há anos e, com certeza, continuará a

acompanhá-la, dada a extensão e a importância do conjunto de questões envolvidas e, até agora, apenas vislumbradas. Neste momento de ofensiva teórica contra o pensamento crítico, a volatilidade dos interesses e o esquecimento do patrimônio teórico alcançado pelo pensamento crítico, consideramos indispensável a retomada dos fundamentos da tradição marxista.