V.20, nº 41, 2022 (jan-abr) ISSN: 1808-799 X
Heraclito Santa Brigida da Silva2
Com base nas discussões acerca da conjuntura e temas contemporâneos, especificamente no que se refere ao atual contexto de crise do capitalismo e de profundas transformações societárias no mundo, com ênfase no Brasil, em especial na Amazônia, é que o presente trabalho se propõe em discutir o avanço do grande capital na região amazônica, por meio do agronegócio. Discorre sobre as diversas ordens de conflitos, e a negação de direitos dos povos do campo.
A partir de discusiones sobre la situación actual y los temas contemporáneos, específicamente en lo que respecta al contexto actual de crisis del capitalismo y profundas transformaciones sociales en el mundo, con énfasis en Brasil, especialmente en la Amazonía, este trabajo propone discutir el avance del gran capital. en la región amazónica, a través de la agroindustria. Discute los diferentes órdenes de conflictos y la negación de derechos de los pueblos rurales.
Based on discussions about the current situation and contemporary issues, specifically with regard to the current context of capitalism's crisis and profound societal transformations in the world, with an emphasis on Brazil, especially in the Amazon, this paper proposes to discuss the advance of big capital in the Amazon region, through agribusiness. It discusses the different orders of conflicts, and the denial of rights of rural peoples.
1 Artigo recebido em 24/11/2021. Primeira avaliação em 08/12/2021. Segunda avaliação em 18/01/2022. Aprovado em 01/02/2022. Publicado em 28/03/2022.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i41.52365
2 Bacharel (2017) e Mestre (2021) em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas “Sociedade, Território e Resistências na Amazônia'' (GESTERRA), da Universidade Federal do Pará. E-mail: heraclito.ufpa@gmail.com.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6409333833533353. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5336-7736.
A atual conjuntura econômica, política, social e cultural da sociedade brasileira, vem sofrendo com os desmontes em todas as esferas indicando fortes ameaças à garantia dos direitos positivados na Constituição Federativa Brasileira que vigora desde 1988. A Amazônia, considerada uma das maiores e mais ricas regiões do continente americano, expressa, em seu processo histórico, econômico e social a contradição entre a riqueza natural e a pobreza social em que o território amazônico, ao longo dos anos, foi sendo formado.
Ao longo dos anos, os recursos previstos para as políticas públicas, as quais garantem a efetivação da dignidade humana, sofreram reajustes que impactaram e impactam principalmente a população que vive no campo, nas comunidades ribeirinhas, quilombolas e tradicionais. Como exemplo desse processo de retirada de financiamento das políticas públicas, no ano de 2018, no governo do Presidente Michel Temer, foram realizados cortes significativos em áreas como saúde, educação, assistência social e saneamento, esta restrição orçamentária compromete a efetivação e continuidade de serviços, programas e projetos sociais. Um dado que chama atenção, foi que o Fundo Nacional de Assistência Social perdeu mais de 90% de seus recursos, prejudicando desta maneira, principalmente as famílias que precisam deste recurso para sobreviver.
Além das políticas de saúde, educação, previdência, assistência, outras políticas e segmentos societários são atingidos cotidianamente com o desmonte da garantia e efetivação dos direitos sociais, provocados pela política econômica pautada na ideologia neoliberal. Um exemplo é a questão dos povos e comunidades tradicionais que estão sendo visivelmente atacados com as ações do atual governo.
O processo de retrocessos que o país vivência tem contribuído diretamente com a desigualdade social entre a população, tal desigualdade está atrelada com a distribuição assimétrica da riqueza socialmente produzida por meio do trabalho humano. Partindo de tais relações, regidas, principalmente, pelo sistema capitalista que transformou as relações sociais e modificou as condições de vida da sociedade,
especialmente, a brasileira, este sistema visa cada vez mais a concentração de renda para aqueles que são donos dos meios de produção.
Neste sentido, elabora-se alguns questionamentos que servem como nortes para entender essa realidade regional, tais como: Que elementos autorizam a degradação do ecossistema amazônico levada a cabo pelas cadeias produtivas do agronegócio? Por que a integração da região Amazônica à nação brasileira, ocorre de forma subordinada ao grande capital nacional e estrangeiro? Por que o Estado brasileiro assume nas relações interiores e exteriores um papel subordinado e dependente ao capital?
Com o objetivo de sistematizar os conceitos abordados no constructo do respectivo artigo, Amazônia, capitalismo, povos e comunidades tradicionais, realizou- se um levantamento bibliográfico sobre a temática em questão, o qual permitiu uma compreensão global sobre os temas discutidos, bem como as influências para as populações locais. Outro sim, o respectivo artigo está dividido em quatro seções a contar com uma introdução, realiza-se uma discussão acerca da relação da Amazônia, povos, comunidades tradicionais e os megaprojetos, a terceira seção trata sobre os direitos humanos, conflitos e interesses, e por último traça-se as considerações finais.
O avanço do agronegócio na Amazônia é, claramente, uma consequência de um contexto mundial, no qual mercados externos pressionam e incentivam a produção de determinados produtos. Neste sentido, a Amazônia vem sofrendo diversas mudanças de várias ordens e aspectos, que provocam imensuráveis rupturas e conflitos entre o grande capital e as populações que em sua maioria são os mais atingidos pelos empreendimentos pensados e instalados nas regiões. Além da ruptura com as raízes tradicionais, os megaprojetos desencadeiam o desequilíbrio no espaço territorial acentuando desta maneira as lutas pela garantia ao uso dos bens naturais e ao direito à terra.
Inicia-se esta inflexão com uma afirmativa, quando se pensa em desenvolvimento local, regional, nacional, internacional e continental, é impossível pensar a Amazônia brasileira, fora e ou à parte deste projeto de desenvolvimento, que tem como objetivo transformar esta região em um grande celeiro de portas abertas
para o investimento do capital exterior em troca das riquezas naturais, a partir de uma falsa lógica de desenvolvimento.
Nesta perspectiva, Porto-Gonçalves (2017, p. 53), ressalta que:
Se desde os anos de 1960/1970 podemos falar do início da fase dos megaprojetos sobre a Amazônia, estamos, agora, diante de um megaprojeto que estrutura vários megaprojetos. Um novo padrão geográfico que Paul Little denomina “industrialização da selva” e que trará enormes consequências ecológicas, culturais e políticas não só para a região, mas para todo o planeta.
Um exemplo que caracteriza esta “industrialização da selva” é a UHE de Tucuruí, a chamada “Hidrelétrica da Ditadura” Pinto (2012), construída em 1970/1980, que foi um dos empreendimentos pensados neste período, conhecido como ditadura militar que visava a produção de energia elétrica para manter em funcionamento as grandes empresas de mineração instaladas no respectivo período no Estado do Pará. Por conseguinte, era disseminada a cultura de que os grandes projetos proporcionariam mudanças qualitativas nos moldes e relações sociais, bem como no bem-estar da população que habitavam no entorno dos empreendimentos. Apesar do ínfimo desenvolvimento proporcionado pelos grandes projetos, a literatura nos faz lembrar que os maiores beneficiados com a construção dos megaprojetos, foram e são as grandes empresas que administram os projetos de infraestruturas, nas ordens
de energia, agropecuária, mineração, extrativismo e etc.
Logo, a autora Loureiro (2012, p. 531) entende que:
[...] como que a forma atual e predominante como se estabeleceu nos últimos séculos o contrato social nas sociedades ocidentais, imposto pelo sistema democrático-liberal, visando apenas a reprodução do capital, gerou uma grave crise no sistema-mundo. Essa crise reside no fato de que predominam cada vez mais fortemente os processos de exclusão social sobre os processos de inclusão social. As populações tradicionais são povos atrasados, primitivos, portadores de uma cultura inferior, que obstaculizam o desenvolvimento e só têm a ganhar integrando-se à sociedade urbana e “civilizada”, desocupando suas terras para atividades ditas modernas.
Nesta perspectiva, verifica-se que as estratégias engendradas pelo governo e o capital empresarial para a Amazônia, demonstram um significativo aumento do interesse pela “exploração dos recursos naturais da região para além de suas fronteiras políticas.” Castro (2012, p. 45). Tal afirmativa, reforça a compreensão que se tem sobre o real e obscuro objetivo dos grandes projetos de infraestrutura para a região supracitada.
Castro (2012, p. 45), contribui inferindo que:
Empresas transnacionais e organismos multilaterais, como atores globais, têm pressionado a esfera política para modificar dispositivos legais e instituições a fim de adequá-los à nova economia. Os estados nacionais continuam a ter papel importante na regulação social, política e econômica, e permanecem protagonistas, mas sob uma lógica liberalizante do capital, tendo inclusive sucumbido a certos acordos de agências reguladoras internacionais e penalizado as relações de trabalho, [...].
É possível identificar por meio da fala da respectiva autora, que o Estado é o ator principal na manutenção das relações e regulamentação social, porém, são obrigados a se estruturarem nesta nova lógica do capital financeiro que enseja um pseudodesenvolvimento para as comunidades locais. Nesta relação, em que o capital nega os acordos nacionais, bem como as legislações locais, o maior prejudicado é o sujeito - classe trabalhadora, que está na ponta da cadeia produtiva, exército reserva de mão de obra, os quais são aniquilados pela negação de direitos.
Não obstante Bourdieu (1989, p. 386-387), explica que:
o número de práticas fenomenalmente muito diferente, organiza-se objetivamente, sem ter sido explicitamente concebidas e postas com relação a este fim, de tal modo que essas práticas contribuem para a reprodução do capital possuído.
Compreende-se que, quando se pensa em megaprojetos para as regiões com a promessa de mudança e desenvolvimento, são ínfimos os benefícios para a comunidade local. A região Amazônica está cerceada nesta lógica, pois, ao serem desenvolvidos, os projetos já chegam todos definidos, não levam em consideração as diversidades, personalidades e individualidades das comunidades que serão atingidas direta ou indiretamente pelos empreendimentos, acarretando desta maneira inúmeros conflitos.
Esses conflitos geralmente são violentos, atingindo principalmente os povos indígenas e as comunidades tradicionais, pois são estes os protagonistas que atuam em defesa do direito da natureza como um bem de todos, porém, mais uma vez esses povos e comunidades estão na mira de ameaça do atual desgoverno do Presidente Bolsonaro que, segundo Rubens Valente (2018, p. 12):
Confirmando temor de indigenistas e indígenas, o presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ), em um de seus primeiros atos na Presidência, esvaziou a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) ao destinar ao Ministério da Agricultura uma das principais atividades executadas
pelo órgão indigenista nos últimos 30 anos: a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas no país. [...] Na prática, as demarcações passam agora às mãos dos ruralistas, adversários dos interesses dos indígenas em diversos Estados.
Este fato reforça a questão da ideologia neoliberal instruída pelo governo atual, que serve como ponte para o grande capital, em que se estrutura a abertura para o mercado externo, entretanto, esta política de mercado desconsidera todas as formas leais de garantia de direitos dos sujeitos e das comunidades e povos tradicionais que estão inseridos nos territórios em que o processo de capitalização se instala.
Neste prisma e tendo como base o decreto n° 6.040 de 07 de fevereiro 2007, em seu Artigo 3º, compreende-se por povos e comunidades tradicionais grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, e que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica utilizando conhecimentos, inovações e políticas geradoras e transmitidas por tradição. Verificou-se que as políticas públicas voltadas para os povos e comunidades tradicionais são recentes no âmbito do Estado brasileiro e tiveram como marco a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada em
1989 e trata dos direitos dos povos indígenas e tribais no mundo.
No Brasil as comunidades tradicionais são classificadas por diferentes formas de organização populacional tais como: quilombolas, ciganos, matriz-africana, seringueiro, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, comunidades de fundo de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, ribeirinhos varjeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, ciganos, açorianos, campeiros, vazanteiros, entre outros.
De acordo com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR, 2018), que considerando os dados do programa das nações unidas para o desenvolvimento (PNUD), concluiu que:
[...] as comunidades tradicionais constituem aproximadamente 5 milhões de brasileiros e ocupam 1 ⁄ 4 do território nacional. Por seus processos históricos e condições especificas de pobreza e desigualdade, acabaram vivendo em isolamento geográfico e/ou cultural, tendo pouco acesso a políticas públicas de cunho universal, o que lhes colocou em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, além de serem alvos de discriminação racial, étnica e religiosa.
Estes dados explanam de maneira quantitativa de aproximadamente 5 milhões de quilombolas e que ocupam uma dimensão espacial de quase ¼ do território brasileiro. Reforçam e ilustram as condições de desigualdades vivenciadas diariamente por esses grupos, que são cotidianamente imbuídos pelas desigualdades sociais que contribuem para o isolamento do seu espaço geográfico e das suas manifestações culturais, pois, não acessam de maneira equânime as políticas públicas, acentuando desta forma as condições de pobreza e marginalização sócio espacial.
Nesta perspectiva o autor Ricardo Gilson da Costa Silva (2014, p. 148) explana
que:
Na agricultura científica globalizada esses mesmos mecanismos encontram-se em mutações, dado o peso da tecnologia e da engenharia genética no processo produtivo, que em função dos progressos científicos tende a reduzir a influência biológica, a influência da natureza, no desenvolvimento da planta, passando certos metabolismos ao controle científico das forças do capital. A paisagem do agronegócio é cada vez mais cientificizada e artificializada pelas técnicas imersas na produção.
A expansão do agronegócio na Amazônia tem sido objeto de debate tanto no campo acadêmico quanto no cenário econômico, de todo modo tem provocado debates pró e contra a esta atividade da indústria mundial. Se por um lado é uma atividade econômica de grande importância para o país, por outro lado pode levar a diversos impactos ambientais e, assim, comprometer o desenvolvimento sustentável da região. No campo das atividades agroindustriais, além da expansão de áreas de pastagens para criação de bois para produção de carne voltada para exportação, outra atividade vem se apresentando como uma nova ameaça à Amazônia: a expansão da soja. Bickel (2004) descreve que “a expansão da soja no Brasil parece desenfreada”.
Nesta perspectiva o desmatamento na Amazônia apresentou acentuado crescimento a partir do início da década de 90, com a principal mudança do uso do solo se dando em razão da enorme expansão da área ocupada por pastagens, as quais correspondiam a cerca de 70% das áreas desmatadas em 1995 (Margulis, 2003). No mesmo sentido, Kaimowitz (2004) afirma que “a avassaladora maioria das áreas desmatadas acaba convertida para pastagens”. Neste sentido, é importante entender que o desenvolvimento não ocorre ao acaso, mas como resultado de uma trajetória construída a partir das decisões e ações tomadas.
Em vista disso, o autor Gilberto de Souza Marques (2019), ressalta que “a luta pela preservação da floresta não pode ser desconectada da percepção de que necessitamos de um novo modelo de sociedade”. O autor acredita que esse novo modelo não deve mais ser assentado na busca do lucro, mas do verdadeiro e integral desenvolvimento humano, na qual os seres humanos tenham a possibilidade de se desenvolverem plenamente e construir relações não contraditórias e/ou degradantes com a natureza.
É possível identificar que ao longo da história as regiões, em especial a amazônica, sofreram diversas mudanças em nível micro e macro no campo social, geográfico, econômico e político por causa do pseudodesenvolvimento disseminado nas populações pobres. Essas mudanças além de acentuarem as desigualdades sociais, provocaram inúmeros conflitos, que vão desde o direito pela terra até o uso dos recursos naturais.
Porto-Gonçalves (2017, p. 51-53), ressalta que:
O acesso à terra, à água ao subsolo e seus minérios, petróleo e gás é disputado por setores com poder desigual, pois os EIDS e seus corredores atraem grandes capitais que se apropriam da renda da terra, impõem sua dinâmica espaço-temporal explorando grandes volumes de produção, e ainda atraem localmente setores ligados ao pequeno comércio e á especulação imobiliária e outras (drogas, prostituição).
Verifica-se, que além do ínfimo desenvolvimento que o capital proporciona, traz consigo um vasto desequilíbrio para as regiões, principalmente nas áreas rurais, onde se instalam, pois, a região é obrigada a se moldar às novas transformações, as quais provocam a sua desigual inserção no mercado global, o qual desencadeia uma reconfiguração territorial e de relações sociais de grande amplitude. Carvalho (2004,
p. 2), ressalta que, “os empreendimentos que estão sendo executados, ou que ainda serão implementados na Amazônia buscam, entre outros objetivos, garantir o acesso de poderosos grupos econômicos àqueles recursos”.
É importante ressaltar que os respectivos projetos acentuam os números de conflitos, pois, só o fato de eles serem anunciados já provocam o deslocamento dos moradores entorno dos empreendimentos, e esse deslocamento para as áreas em
que serão implantados os megaprojetos acarretam a procura pelos serviços e dispositivos sociais que em sua maioria não atendem a população local, ocasionando desta maneira a precarização e o ineficiente atendimento aos atingidos pelos projetos. Embora seja oferecido um ineficiente serviço às populações locais, os movimentos sociais lutam e relutam para garantir o mínimo de direito constitucional aos atingidos pelas atividades do agronegócio, pois os respectivos projetos disseminam uma cultura de conflitos na Amazônia. Neste sentido, Carvalho (2004), explica que os conflitos ocorrem, entre outras pressões, a partir do: aumento da demanda mundial por proteínas e vegetal; aumento da demanda por energia; produção de agro combustíveis; aumento da demanda por minério e pela demanda
por madeira e o esgotamento de estoques na Ásia.
Uma outra forma decorrente desses conflitos é a violência física e armada provocada pela disputa territorial, reforma agrária, e uso dos bens naturais pelas populações locais. Essas violências são expressas e ocasionadas de várias maneiras, tais como: repressão do Estado, extinção de pequenas empresas locais, desmobilização dos movimentos sociais e a desqualificação das lideranças.
Os dados do relatório da Comissão da Pastoral da Terra (2020, p. 26-27) destacam que:
[...] o ano no qual se manifestou maior número de ocorrências de conflitos por terra foi 2020, em seguida 2019, ou seja, os dois anos de governo de Jair Bolsonaro foram os de maior registro de ocorrências de conflitos por terra na série histórica. [...] observa-se que as regiões que mais se destacam em ocorrências de conflitos são Norte e Nordeste. Entre os Estados, em primeiro lugar, está o Maranhão, com 1.772 ocorrências, seguido de Pará, com 1.169; [...]. Em 2020, a Amazônia Legal chama a atenção no tocante às ocorrências de conflitos por terra. Observa-se maior concentração dos conflitos exatamente nessa região, com destaque para o norte Maranhense, sul do Pará, Acre, norte de Mato Grosso e de Tocantins. Entre 2011 e 2016, período de governo de Dilma Rousseff, a média de famílias em conflitos foi de 83.209 famílias – lembrando que Dilma deixou o governo ainda em agosto de 2016. Em 2017 e 2018, governo de Michel Temer, houve queda no número de famílias, em relação a 2016, estabelecendo a mesma dinâmica das ocorrências nesses anos. Já entre 2019 e 2020, período de governo de Jair Bolsonaro, o número de famílias em conflitos elevou-se drasticamente, atingindo a média de 157.432.
Para além dessa abordagem, das causas de conflitos que ocorrem na Amazônia, é imprescindível ressaltar acerca dos direitos humanos que cotidianamente são negados a esses sujeitos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece como parâmetros universais a defesa intransigente do direito da pessoa humana, tendo no bojo da sua elaboração o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis.
Neste sentido, a autora Candau (2008), ressalta que a discussão dos direitos humanos, antes entendida pelo viés do direito exclusivamente individual e fundamentalmente civis e políticos, amplia-se e afirma-se a importância de se pensar nos direitos humanos, ao mesmo tempo em: coletivos, culturais e ambientais.
Destarte, os conflitos que ocorrem nas suas diversas ordens, provocados pelos megaprojetos no campo de agronegócio, minério-metalúrgico e, agroindústria negam a construção social e aniquilam os direitos humanos. Santos (2006, p. 441), “[...] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais em abstrato, os Direitos Humanos tenderão a operar como um localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica [...]”. Tal afirmativa, ratifica a concepção de que uns, possuem direitos garantidos, dentro de um processo globalizado – mundo capitalista – em detrimento de outros que têm seus direitos sucumbidos, restando- lhes “acostumar-se” à exploração dos bens coletivos, pelo mundo do trabalho, que é alienante, alienado e alienador.
Carvalho (2004, p. 2), ressalta que, “os empreendimentos que estão sendo executados, ou que ainda serão implementados na Amazônia buscam, entre outros objetivos, garantir o acesso de poderosos grupos econômicos àqueles recursos”. Outro sim, o autor Milton Santos (1996, p. 189-190) afirma que o território é: “O Estado-Nação [...] essencialmente formado de três elementos: 1) o território; 2) um povo; 3) a soberania. A utilização do território pelo povo cria o espaço”.
Neste sentido o teórico Haesbaert (2006a p. 75 -76) considera não ser tarefa fácil “agrupar” todos esses territórios em um único,
[...] dificilmente encontramos hoje um espaço capaz de “integrar” de forma coesa as múltiplas dimensões ou lógicas econômicas, política, cultural, natural. [...] Sobrariam então duas possibilidades: ou admitir vários tipos de territórios que coexistiriam no mundo contemporâneo, [...] ou trabalhar com a ideia de uma nova forma articulada/conectada, ou seja, integrada.
Nesta lógica compreende-se claramente que a visão integradora do território parte do pressuposto de uma imbricação de múltiplas relações de poder entre
sociedade, natureza, política, economia, cultura, materialidade e idealidade, todas numa interação espaço-tempo. Tais relações são desenvolvidas pelos sujeitos, os quais são diariamente descaracterizados, pois não são considerados, pelos grandes empreendimentos, partes integrantes do território.
O modelo agropecuário brasileiro, historicamente sustentou-se e expandiu-se mediante a apropriação extensiva de novas áreas territoriais que foram sendo, ao longo dos anos, apropriadas de maneira irregular e transformadas em expressos celeiros de atividades no campo da produção de commodities. Trata-se de um modelo dependente da oferta elástica de terras, que exige a manutenção de um estoque de terras ociosas e não exploradas sem qualquer restrição de uso.
O processo de modernização da agricultura, ao invés de atenuar e ou diminuir as contradições entre o desenvolvimento econômico e as condições de vida dos sujeitos que vivem no campo, agravou esse traço estrutural, acentuando desta maneira a disparidade entre econômico e social. Além disso, nas últimas décadas, esse modelo foi reforçado pelo crescimento das atividades agroindustriais controlada por grandes corporações.
Compreende-se que os projetos no campo do agronegócio, tensionados pelo grande capital e pela lógica neoliberal, desencadeiam diversas expressões da “questão social”. Nesta lógica, as populações diretamente afetadas, são os povos e comunidades tradicionais que são solapados pelos tentáculos do capital estrangeiro que ganhou nos últimos anos extensa flexibilização por parte do Estado, este fato ganha neste atual governo um incentivo a mais, pelo fato de terem como ideologia econômica o neoliberalismo de extrema direita.
Por fim, compreende-se que o agronegócio, os projetos de desenvolvimento econômico, produção de commodities, agroindústria, e projetos na área minério metalúrgico, pensados para a Amazônia, sucumbem e descaracterizam a história, cultura e, relações sociais construídas pelos povos do campo. Logo, faz-se necessário que se instale outra relação entre sociedade e natureza e que se construa uma nova relação entre os seres humanos, desta vez pautada na equidade social, compreendendo desta maneira, a nossa forma de atuação em defesa dos direitos sociais resistindo de forma otimista os conflitos gerados pelo capital.
Nesta perspectiva, é necessário construirmos caminhos mais democráticos e justos para esses sujeitos, articulando com movimentos sociais e populares, entidades e organizações, estratégias de intervenção que ultrapassem a ação imediatista, focalizada e fragmentada das políticas públicas e sociais, que visem à integralidade entres elas, objetivando a concretização da proteção integral dos povos e comunidades do campo.
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