V.20, nº 41, 2022 (jan-abr) ISSN: 1808-799 X


EDUCAÇÃO JURÍDICA NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO INTEGRADA DE JOVENS E ADULTOS DIANTE DA PRECARIZAÇÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS1


Élida Cristina de Oliveira2 Marcos Antônio Andrade da Costa3 Wanderley Azevedo de Brito4

Resumo


Os direitos trabalhistas são frutos de uma luta intensa da classe trabalhadora contra as péssimas condições de trabalho. Entretanto, a história recente mostra uma paulatina mitigação desses direitos, principalmente, em decorrência da reestruturação produtiva. Nesse contexto, este artigo visa analisar como a educação jurídica, especificamente o conhecimento jurídico-trabalhista, pode contribuir para a formação integrada dos sujeitos trabalhadores diante do processo de precarização de direitos trabalhistas.

Palavras-chave: educação jurídica; direitos trabalhistas; educação de jovens e adultos; formação integrada; precarização do trabalho.


LA EDUCACIÓN JURÍDICA EN EL CONTEXTO DE LA FORMACIÓN INTEGRADA DE JÓVENES Y ADULTOS ANTE LA PRECARIZACIÓN DE LOS DERECHOS LABORALES


Resumen


Los derechos laborales son el resultado de una intensa lucha de la clase trabajadora contra las pésimas condiciones de trabajo. Sin embargo, la historia reciente muestra una mitigación gradual de esos derechos debido a la reestructuración productiva. En ese contexto, este artículo pretende analizar cómo la educación jurídica, específicamente el conocimiento jurídico-laboral, puede contribuir a la formación integrada de los trabajadores ante el proceso de precarización de los derechos laborales.

Palabras clave: educación jurídica; derechos laborales; educación de jóvenes y adultos; formación integrada; precarización del trabajo.


1Artigo recebido em 27/11/2021. Primeira avaliação em 22/12/2021. Segunda avaliação em 10/01/2022. Aprovado em 27/01/2022. Publicado em 28/03/2022.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i41.52365.

2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Campus Anápolis – Goiás / Brasil. Bacharel em Direito com pós-graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

E-mail: oliveira.elidacristina@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6292491188142339. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7693-2582.

3 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Campus Anápolis – Goiás / Brasil. Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília.

E-mail: marcos.costa@ifb.edu.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6292491188142339. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6973-5580.

4 Doutor e Mestre em Educação. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Campus Anápolis – Goiás / Brasil. E-mail: wanderley.brito@ifg.edu.br.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6251986801937865. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0007-2496.

LEGAL EDUCATION IN THE CONTEXT OF INTEGRATED YOUTH AND ADULT EDUCATION IN THE FACE OF THE PRECARITY OF LABOR RIGHTS


Abstract


Labor rights result from an intense struggle of the working class against terrible working conditions. However, recent history shows gradual mitigation of these rights due to the restructuring of production. In this context, this article aims to analyze how legal education, specifically labor law knowledge, can contribute to the integrated formation of workers within the framework of the precarity of labor rights.

Keywords: legal education; labor rights; youth and adult education; integrated education; precarity of labor rights.


Introdução


A reestruturação produtiva, a globalização dos mercados e o avanço da revolução tecnológica forçam as empresas a tornarem-se mais competitivas. Para isso, essas organizações buscam permanentemente a redução dos custos de produção, principalmente no que diz respeito aos gastos relativos ao trabalhador. A dinâmica da relação desigual entre capital e trabalho traz profundas transformações nas condições e relações de trabalho e, portanto, redução nos direitos dos trabalhadores, podendo atingir os direitos básicos fundamentais da classe trabalhadora como salário-mínimo, irredutibilidade salarial, limitação da jornada de trabalho, repouso semanal remunerado, entre outros, que se encontram assegurados no artigo 7º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988).

Como exemplo disso, pode-se citar a reforma trabalhista implementada pela Lei nº 13.467/2017 e que trouxe significativas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mudanças essas que debilitaram o arcabouço jurídico de proteção aos trabalhadores, dificultando, inclusive, novos avanços com o enfraquecimento das entidades sindicais.

Sendo assim, o que se vê atualmente é uma afronta à dignidade humana dos trabalhadores imposta pela sistemática do capital vigente, na qual os direitos trabalhistas são cada vez mais minimizados sob o argumento de combate ao desemprego e à crise econômica.

Cabe destacar que a origem da regulamentação estatal dos direitos dos trabalhadores remonta às penúrias impostas aos operários com o advento da Revolução Industrial. Esse período é marcado por jornadas de trabalho extenuantes, inexistência de intervalos para descanso e alimentação, exploração do trabalho de mulheres e crianças, altos índices de acidentes de trabalho e salários ínfimos, ou seja, a ausência de uma legislação trabalhista culminou na exploração dos

trabalhadores que laboravam em condições precárias e viviam em situação de miserabilidade.

Por meio da luta da classe operária e com o surgimento dos sindicatos, houve o reconhecimento de direitos trabalhistas mínimos pelo Estado, propiciando condições mais dignas de trabalho (NASCIMENTO, 2012). Percebe-se que os trabalhadores, aqui entendidos como força coletiva, como classe (ANTUNES, 2018), são os protagonistas na construção e formação de seus direitos, sendo capazes de transformar o universo jurídico a fim de atender as suas demandas, pois, como lembra Magda Biavaschi, direito é luta e organização, sendo essa a fonte material das conquistas sociais5, já que o direito é construído na historicidade que permeia as relações sociais e não se encontra pronto e acabado (LYRA FILHO, 1982).

Contudo, nas condições atuais do capitalismo, as conquistas dos trabalhadores são tidas como um empecilho para a plena vigência das leis do mercado e impediriam o desenvolvimento da economia. Sob essa perspectiva, o direito dos trabalhadores deve ser supostamente flexibilizado por não atender aos interesses do capital. Contudo, esse esvaziamento atinge as garantias que possibilitam a proteção da classe trabalhadora.

Nota-se, na atual conjuntura, um avanço de fenômenos como a terceirização, a pejotização6 e a uberização7 que contribuem para o enfraquecimento e, até mesmo, extinção das garantias consagradas aos trabalhadores ao longo do tempo. Essas novas formas de trabalho, impulsionadas pelas mudanças tecnológicas, fragilizam os direitos laborais oriundos das lutas da classe operária.

No entanto, o direito não é estático, encontrando-se em constante disputa em decorrência das transformações sociais que são o resultado da luta de classes. Sendo assim, mostra-se salutar que o trabalhador compreenda a precarização imposta pelo sistema vigente e a existência de um arcabouço jurídico que deve

5 Fala da desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Magda Biavaschi, na reunião pública sobre o Dia da Trabalhadora Doméstica, realizada em 27/04/2021. Disponível em: https://www.recife.pe.leg.br/comunicacao/noticias/2021/04/reuniao-publica-marca-o- dia-da-trabalhadora-domestica.

6 Pode-se entender a pejotização como a situação em que a empresa empregadora exige que o empregado constitua uma pessoa jurídica e, posteriormente, formaliza um contrato com a pessoa jurídica aberta pelo empregado com intuito de mascarar a relação de emprego e diminuir os encargos incidentes sobre esse vínculo.

7 O termo uberização é uma nova forma de organização do trabalho decorrente da economia do compartilhamento em que o desemprego estrutural e a informalidade contam com um contingente de trabalhadores que não possui alternativa para geração de renda, submetendo-se a uma remuneração baixa e a longas jornadas de trabalho sem a garantia da proteção laboral propiciada pelo ordenamento jurídico.

protegê-lo para que, assim, possa colocar-se em contraposição às demandas que buscam reduzir as conquistas históricas da classe operária e lutar para que novos direitos trabalhistas se concretizem.

As mudanças decorrentes do sistema capitalista produzem, portanto, transformações na prática social e no trabalho e, consequentemente, no ordenamento jurídico. Sendo assim, não é possível uma prática educativa distanciada de conceitos fundamentais que dizem respeito aos direitos trabalhistas, especialmente no contexto em que os educandos são, em sua grande maioria, sujeitos trabalhadores, como é o caso da educação de jovens e adultos (EJA).

Dessa forma, torna-se premente a universalização de conhecimentos relativos aos direitos trabalhistas, uma vez que a educação jurídica se mostra como uma alternativa para conscientização e emancipação dos sujeitos que, assim, podem adquirir uma postura crítica na estrutura social e propiciar avanços com a conquistas de novos direitos para a classe trabalhadora. Este artigo busca compreender como a educação jurídica, no que concerne à disseminação dos direitos trabalhistas, pode contribuir para a formação integrada dos sujeitos trabalhadores no âmbito da educação de jovens e adultos (EJA).


Precarização dos direitos trabalhistas: a reestruturação produtiva e a reorganização do trabalho


Com o escopo de desvelar o processo de precarização dos direitos trabalhistas, é importante tratar da reestruturação produtiva e da reorganização do trabalho impostas pelo modo capitalista de produção e pelo neoliberalismo.

O início da década de 1970 é marcado por uma crise do capitalismo. Sendo assim, fez-se necessária a reorganização da produção e reprodução do capital e, do ponto de vista político, a efetivação do ideário neoliberal caracterizado pela “privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal” (ANTUNES, 2009, p. 33). É nesse contexto histórico de intensa crise no regime de acumulação fordista que a vertente neoliberal surge com forte poder de persuasão nos campos político, jurídico, social, econômico e, também, educacional (GENTILI, 1996).

O mercado de trabalho foi fortemente reestruturado em função das necessidades de reorganização produtiva. Este processo foi facilitado, pois

encontrou sindicatos enfraquecidos e um exército de reserva de pessoas disponíveis para o trabalho, impondo a flexibilização dos contratos de trabalho. A mudança organizacional e tecnológica imposta pelo capitalismo implicou na mudança da dinâmica da luta de classes “no domínio dos mercados de trabalho e do controle do trabalho” (HARVEY, 2008, p. 169).

Nesse contexto, os empregadores acabaram por exercer um forte controle sobre a força de trabalho que se encontrava debilitada pela recessão e pelo desemprego, sendo esse período caracterizado pela atuação do Estado e da burguesia contra a classe trabalhadora e contra as condições oriundas da fase áurea do fordismo. Como consequência dessa reestruturação produtiva do capital, observa-se a precarização da força de trabalho ou mesmo a exclusão de um contingente de trabalhadores do processo produtivo, bem como a intensificação do desemprego estrutural (ANTUNES, 2009).

A reestruturação produtiva é marcada pelas inovações tecnológicas baseadas na microeletrônica e, com isso, passa-se da produção em massa, oriunda do fordismo, para a produção flexível, que permite adaptações rápidas em decorrência da automação para atender aos anseios do mercado. Esse modelo de produção flexível impõe que os direitos trabalhistas também sejam flexibilizados para que as empresas possam utilizar-se da força de trabalho na medida das demandas do mercado (BUSNELLO, 2013).

Exige-se que o trabalhador possua capacidade de realizar várias tarefas, ou seja, que o operário seja polivalente. Para isso, faz-se necessária a escolarização dos trabalhadores. Porém, o direito à educação é também objeto de disputa na luta de classes, pois não se encontra plenamente garantido aos trabalhadores, uma vez que não contam com políticas que assegurem o acesso e a permanência na escola e a oferta de uma educação de qualidade, fazendo com que a classe trabalhadora não usufrua dos direitos sociais em sua integralidade (ALVARENGA; MACEDO, 2019).

No cenário brasileiro, é possível verificar a adoção de práticas neoliberais no início da década de 1990 e a intensificação do processo de reestruturação produtiva que teve como consequência a precarização do trabalho com a elevação do nível de desemprego, a fragilização dos contratos de trabalho e a expansão da informalidade e da terceirização com o objetivo de reduzir os custos da força de trabalho (ANTUNES, 2009).

Acerca da precarização do trabalho, identifica-se dois fenômenos a ela inerentes: a informalidade e a flexibilização. O trabalho informal caracteriza-se como aquele em que o vínculo empregatício não está ao abrigo da legislação protetora do trabalho e, desse modo, o trabalhador encontra-se desprovido de direitos duramente conquistados ao longo da história. No que diz respeito à flexibilização do trabalho, existe uma relação formal de trabalho em que os direitos deveriam ser assegurados, mas esse instrumento busca afastar a concessão desses direitos garantidos pelo ordenamento juslaboral (ANTUNES, 2018).

As reformas neoliberais implementadas a partir de 1990 inserem o Brasil definitivamente na dinâmica da divisão internacional do trabalho de forma subalterna, submetendo-o à lógica da financeirização estabelecida pelo capitalismo global (ALVES, 2009). A estabilização monetária, oriunda do Plano Real com elevação juros para atrair capital estrangeiro, teve efeitos nefastos na economia e no mercado de trabalho com o crescimento significativo do desemprego.

Sabemos que na era da chamada globalização da economia, os capitais exigem dos governos nacionais a flexibilização (entenda-se precarização) da legislação do trabalho, isto é, o desmonte dos direitos que foram conquistados ao longo de muitas lutas e embates operários. Como a uma lógica capitalista claramente destrutiva, os governos nacionais estão sendo pressionados a adequar sua legislação social às exigências do sistema global do capital, destruindo profundamente os direitos do trabalho (ANTUNES, 2006, p. 86).


Nesse período, a política econômica trouxe propostas de mudança nas relações trabalhistas que objetivavam uma maior liberdade e autonomia na pactuação das condições de trabalho. Essas propostas de flexibilização dos direitos juslaborais possuíam como argumento a rigidez do direito do trabalho brasileiro, marcado pelo intervencionismo estatal, que inviabilizaria a regulamentação do trabalho apta a atender a dinâmica do mercado. Convém ressaltar que as alterações promovidas foram quase sempre feitas por meio de medidas provisórias e, consequentemente, sem um amplo debate com os atores impactados por essas mudanças (BUSNELLO, 2013).

Como exemplo, pode-se citar a Lei nº 8.949/1994 que acrescentou o parágrafo único ao artigo 442 da CLT e trouxe a previsão que não existiria vínculo empregatício entre a sociedade cooperativa de trabalho e os seus associados e nem entre estes e os tomadores de serviços da sociedade cooperativa. Com isso,

emergiram inúmeras sociedades cooperativas de trabalho como forma de burlar os direitos trabalhistas diante da disposição de inexistência de relação laboral (DELGADO, 2018).

Também exemplifica a situação a Lei nº 9.601/1998 que instituiu a contratação por prazo determinado com redução de encargos sociais e do FGTS e a criação do banco de horas, possibilitando que a jornada de trabalho semanal ultrapasse as 44 horas previstas na Constituição Federal. Evidencia-se, desse modo, a desregulamentação da legislação trabalhista com o objetivo de redução dos custos decorrentes das relações laborais no Brasil (DELGADO, 2018).

Em 2008, emerge uma nova crise do capital que contribuiu significativamente para a ampliação do processo de precarização estrutural do trabalho com a flexibilização das relações trabalhistas, ampliando as desigualdades socioeconômicas. Esse cenário propiciou uma diminuição da pactuação de contratos formais de trabalho e expandiu fenômenos como a terceirização e a informalidade, que incrementam a extração do sobretrabalho (ANTUNES, 2018).

O processo de flexibilização dos direitos trabalhistas também pode ser constatado nos períodos subsequentes. Como exemplo, pode-se citar a Lei nº 13.134/2015 que promoveu mudanças nas regras para que o trabalhador tivesse acesso ao seguro-desemprego, aumentando o tempo de carência para a primeira solicitação do benefício (VALENTIM, 2018).

A partir de 2017, foram adotadas medidas que aprofundaram ainda mais a exploração do trabalho e mitigaram as políticas sociais, tais como a reforma trabalhista e a reforma previdenciária. Essas alterações legislativas impactaram diretamente a classe trabalhadora, pois, com o desemprego crescente, a informalidade e as formas de contratação precárias mostraram-se como alternativas para a sobrevivência dos trabalhadores (VALENTIM, 2018).

Nesse sentido, Antunes (2018) relata que o governo nesse período trouxe como propostas a imposição do negociado sobre o legislado nas relações laborais, ou seja, prevalece o acordo firmado entre trabalhadores e patrões em relação às garantias asseguradas pelo ordenamento jurídico-trabalhista, a flexibilização total do pacto trabalhista com a aprovação da terceirização em todas as atividades da empresa como forma de redução dos custos e a eliminação do contrato de trabalho regulamentado, cumprindo, assim, com a imposição imposta pelo empresariado.

A reforma trabalhista afrontou a “lógica civilizatória, democrática e inclusiva do Direito do Trabalho, por meio da desregulamentação ou flexibilização de suas regras imperativas incidentes sobre o contrato trabalhista” (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 41). O patamar civilizatório mínimo de cidadania social do trabalhador foi reduzido em decorrência da Lei nº 13.467/2017 e as mudanças consagraram a prevalência do poder econômico em face da relação de emprego, desprezando o postulado constitucional de centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida social (DELGADO; DELGADO, 2017).

A reforma trabalhista culminou na alteração de vários dispositivos da CLT, como a terceirização irrestrita e exclusão de direitos como horas in itinere8 e intervalo intrajornada de uma hora. Além disso, a alteração legislativa consagrou a livre negociação entre empregadores e empregados e introduziu a modalidade de trabalho intermitente (VALENTIM, 2018). Essas mudanças deturpam os direitos inseridos na CLT, pois a prevalência do negociado sobre o legislado subtrai o patamar civilizatório mínimo de direitos trabalhistas (ANTUNES, 2018).

Como exemplo, pode-se citar o caso do trabalho intermitente, que vai de encontro ao princípio da continuidade da relação empregatícia consagrado na CLT, pois flexibiliza a jornada de trabalho e o contrato individual de trabalho, já que a jornada é móvel e variável com alternância entre períodos de prestação de serviço e períodos de inatividade (D’OLIVEIRA, 2019). Percebe-se que o trabalhador fica sujeito ao arbítrio do empregador no cumprimento da jornada de trabalho e, consequentemente, no recebimento da remuneração, prejudicando o convívio familiar e social ante a incerteza dos horários de trabalho e da percepção do salário.

É importante destacar ainda o enfraquecimento dos sindicatos promovido pela reforma trabalhista. Isso pode ser demonstrado pela supressão da contribuição sindical sem a adoção de qualquer medida de transição temporal, impactando fortemente a questão financeira das entidades sindicais (DELGADO, 2018). O desmantelamento da representatividade sindical também é fruto da precarização do trabalho, uma vez que a falta de identidade coletiva impossibilita que os trabalhadores se reconheçam como força coletiva, como classe (ANTUNES, 2018).


8 As horas in itinere consistiam no tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho de difícil acesso ou não servido por transporte público em transporte fornecido pelo empregador que eram computadas na jornada de trabalho e, portanto, remuneradas. Após a reforma trabalhista, esse tempo despendido pelo empregado não é mais computado na jornada de trabalho ao argumento de não ser tempo à disposição do empregador.

Como reflexo da reestruturação produtiva do capital, da consolidação do Estado neoliberal e da inovação tecnológica, ocorreu mais recentemente o surgimento das plataformas digitais de intermediação/contratação de trabalho e da economia compartilhada9 (SILVA, 2018). Observa-se que a era digital está deteriorando o trabalho em condições dignas, pois são crescentes os fenômenos como a terceirização nos mais diversos setores da economia, inclusive, na atividade- fim das empresas; a precarização e o desemprego estrutural, em clara afronta aos direitos oriundos da luta da classe trabalhadora (ANTUNES, 2018).

O que se verifica nas relações de trabalho inseridas no contexto do capitalismo de plataforma é que não se enquadram no conceito típico de relação de emprego delineada nos artigos 2º e 3º da CLT, que considera como empregador aquele que assume os riscos da atividade econômica e dirige a prestação pessoal de serviço e como empregado a pessoa física que presta serviço de natureza não eventual sob a dependência do empregador e mediante o pagamento de salário (BRASIL, 1943).

A forma como as tecnologias de informação e comunicação (TICs) estão sendo utilizadas pelo sistema capitalista transforma trabalhadores em escravos digitais, uma vez que estão sempre disponíveis para o labor sob demanda, que se caracteriza pela precariedade e pela ausência de direitos trabalhistas (ANTUNES, 2018). Nota-se o desmonte dos direitos trabalhistas conquistados ao longo do tempo sob o argumento de modernização. Além disso, o Estado Social esvazia-se com o objetivo de beneficiar o mercado e o capital e, desse modo, o ser humano é tratado como mercadoria em clara afronta ao princípio da dignidade humana (D’OLIVEIRA, 2019).

Percebe-se, portanto, uma necessidade de transformação da legislação trabalhista para albergar essas novas relações. Nesse sentido, Cassar (2014, p. 31) ressalta que o Direito deve se adaptar às “realidades econômicas e sociais da época, sem esquecer a figura do trabalhador, que deve ser protegida”. Faz-se necessário resistir ao processo de desmantelamento dos direitos trabalhistas, uma vez que a redução das proteções e garantias juslaborais possui dois efeitos deletérios, quais sejam: o robustecimento do discurso em defesa da necessidade de


9 A economia compartilhada decorre dos avanços tecnológicos que possibilitou novos modelos de negócios como as plataformas de compartilhamento (ex: Uber, AirBnB).

redução do patamar de direitos trabalhistas em vigor e a imposição de óbices para que melhores condições de trabalho se estabeleçam (TEIXEIRA, 2018).

Nesse contexto, a inserção de conteúdos juslaborais no âmbito de uma formação integrada pode revelar, sobretudo aos sujeitos trabalhadores que compõem a EJA, uma forma de oposição ao processo de desconstrução do arcabouço jurídico que protege os hipossuficientes no âmbito da relação de trabalho e a necessidade de luta para que novos direitos se estabeleçam e possibilitem a emancipação da classe trabalhadora.


A educação jurídica como direito constitucional para exercício da cidadania


A educação é um direito social assegurado pelos artigos 6º e 205 da Constituição Federal. Este último dispositivo destaca que se trata de direito garantido a todos os indivíduos. Além disso, é dever do Estado e da família promover o efetivo exercício deste direito em colaboração com a sociedade, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

O ordenamento jurídico brasileiro assegura uma educação emancipatória, contrapondo-se à concepção de que a transmissão de saberes ocorre pela mera assimilação. A educação emancipatória pressupõe o desenvolvimento da consciência crítica dos educandos (SIQUEIRA, 2016) e constitui-se como um direito em si mesmo e como um mecanismo imprescindível para o acesso aos demais direitos fundamentais (FERNANDES; PALUDETO, 2010).

É preciso lembrar que o conhecimento decorre das relações sociais de trabalho e produção e, desse modo, não existe um saber neutro, uma vez que este se produz nas relações sociais, fazendo com que predomine os interesses das classes dominantes (FRIGOTTO, 2012). Nesse sentido, revela-se a importância da educação emancipatória:

[...] a educação representa o instrumento profícuo para provocar o rompimento da situação alienadora na qual se encontra o sujeito. É preciso investir, através de um processo formativo crítico, na conscientização do indivíduo em situação de exclusão e opressão social, para que este possa tomar consciência da posição subalterna que ocupa dentro da perversa estrutura capitalista-excludente, além de receber a devida orientação acerca dos institutos profícuos para pleitear sua emancipação social. (ROTONDANO, 2015, p. 100).


O direito à educação que se busca apresentar neste artigo diz respeito à possibilidade de desenvolvimento dos indivíduos para pensar criticamente, refletindo sobre “as estruturas de poder que revestem a sociedade” (ROTONDANO, 2015, p. 105) em contraposição à educação bancária (FREIRE, 1979). Sendo assim, o processo educativo possibilita a inserção do indivíduo no processo de tomada de decisões políticas no âmbito da sociedade brasileira por meio da reivindicação de direitos e a emancipação dos mais vulneráveis (ROTONDANO, 2015).

Desse modo, a disseminação do conhecimento jurídico mostra-se como uma alternativa que viabiliza a compreensão pelos sujeitos dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal e nas demais legislações que compõem o ordenamento jurídico brasileiro, contribuindo para a concretização da justiça e para o exercício pleno da cidadania (DIAS; OLIVEIRA, 2015). E que são decorrentes de uma educação de qualidade, que forma cidadãos capazes de desempenhar seus direitos políticos, que são conscientes de seus direitos civis e garantem e/ou reivindicam os seus direitos sociais (LEONARDO, 2016).

O termo ‘educação jurídica’ não é utilizado, neste artigo, como sinônimo da educação fornecida ao longo do bacharelado em Direito, mas como o conhecimento necessário acerca dos direitos fundamentais que possibilitam uma vida digna e o exercício pleno da cidadania pelos indivíduos. Nessa mesma acepção, Rotondano (2015) utiliza a expressão ‘educação jurídica popular’ e defende que o conhecimento do direito não deve estar restrito aos muros das universidades, devendo romper com “o paradigma de que somente as elites se apropriam de tais informações” (ROTONDANO, 2015, p. 94).

A inserção de conteúdos jurídicos no âmbito escolar pode servir como um mecanismo de emancipação e desenvolvimento integral dos alunos, uma vez que possibilita que eles se reconheçam como sujeitos de direitos e deveres e, desse modo, participem criticamente na esfera social (LAMAS, 2019). Percebe-se, portanto, que a disseminação do conhecimento jurídico pode contribuir para o desenvolvimento de uma postura crítica capaz de fazer os indivíduos compreenderem a historicidade dos direitos atuais e a necessidade de luta para a manutenção e ampliação desses direitos.

O objetivo primordial do Direito é prevenir e dirimir conflitos e, dentro de uma sociedade de classes, o principal embate sobre o qual o Direito deve atuar é na luta

de classes que decorre das contradições inerentes ao modo de produção. Em decorrência da hegemonia ideológica da classe dominante, o jogo jurídico que deveria concretizar as demandas sociais é utilizado como instrumento de validação do consenso (SILVA, 2008).

A ausência de uma política pedagógica de inclusão de conteúdos jurídicos nas práticas escolares inviabiliza o exercício da cidadania plena (BROCHADO, 2010). Contudo, não se observa a inserção de uma disciplina de ensino jurídico no âmbito da formação básica e fundamental (SILVA, 2008). A inclusão da educação jurídica no currículo da educação formal traz uma perspectiva menos elitista do Direito, possibilitando a “[...] construção de um novo senso comum sobre o papel social do Direito e a sua efetiva utilização como instrumento de luta, não só pela classe dominante, mas também pela dominada” (SILVA, 2008, p. 83).

Rotondano (2015, p. 130) utiliza a expressão "desencastelando o saber jurídico" para defender a socialização desses conhecimentos e destaca a inclusão de disciplinas pedagógicas de direitos básicos na escola como um mecanismo para atingir esse objetivo que pode contribuir para a emancipação social das massas oprimidas.

Desse modo, a educação jurídica pode constituir-se como um meio para viabilizar a compreensão sobre o acesso à justiça, o exercício da cidadania plena e a concretização da justiça social. No que diz respeito especificamente aos educandos da EJA, que é composta, em grande parcela, por pessoas trabalhadoras, a disseminação dos direitos trabalhistas possibilita a contraposição diante das narrativas e das medidas de esvaziamento das conquistas da classe operária.


Os sujeitos trabalhadores na EJA e a formação integrada


A concepção burguesa de trabalho é, segundo Frigotto (2012), um processo que está em construção ao longo do tempo, no qual o trabalho é reduzido a um objeto, a uma mercadoria e, nesse sentido, o trabalho é sinônimo de emprego ou de ocupação dentro de um mercado. Com isso, o entendimento acerca do trabalho como relação social que define o modo de existência dos homens e fonte de produção do conhecimento é abandonado, restringindo essa categoria vital como atividade produtiva.

Moura (2014, p. 40) afirma que “a categoria trabalho está posta para o sujeito adulto”, mas que existe uma discriminação contra aqueles sujeitos que possuem um baixo nível de escolarização na fase adulta. O autor, contudo, alerta sobre a importância desse sujeito na produção material da sociedade:

O sujeito adulto, que não tem uma elevada escolarização, não é um sujeito menor e nem menos importante na sociedade por causa disso. Ele é o sujeito que está produzindo. A produção material da sociedade é realizada por esse sujeito adulto, independentemente do nível de escolaridade que ele tenha. Olha-se mais para a escolaridade que ele não tem do que para o seu conhecimento material da sociedade deixando-se de ver o que ele possui e que potencialmente pode ser utilizado pela escola. (MOURA, 2014, p. 41).


Atualmente, o desemprego estrutural faz com que predomine as formas precárias de trabalho em que a classe trabalhadora é tomada como descartável e obsoleta (ANTUNES, 2018). Contudo, os trabalhadores são ainda hoje o centro da transformação social, em que pese a lógica destrutiva advinda do capitalismo contemporâneo, sendo essa categoria composta pela “totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho e que são despossuídos dos meios de produção” (ANTUNES, 2018, p. 101), abrangendo aqueles que laboram na informalidade e os desempregados.

É indiscutível a necessidade de resistir às investidas contra o mundo do trabalho ante a precarização sofrida nos últimos tempos. Reconquistar o sentido de pertencimento de classe é preciso para que seja possível uma emancipação humana e social e isso somente será possível por meio da contraposição exercida pelos trabalhadores (ANTUNES, 2018).

De acordo com Saviani (1994), a questão educacional e o papel da escola trazem a marca da divisão da sociedade de classes e, com isso, existe uma discrepância entre as escolas destinadas às pessoas que compõem a elite, em que predomina uma formação intelectual, e as escolas para as massas, em que a instrução escolar se destina a atender os anseios do mercado de trabalho e a inserção no processo produtivo da sociedade capitalista. O conhecimento é força produtiva que possibilita que o trabalho intelectual seja materializado. Todavia, a classe dominante precisa deter de forma exclusiva os meios de produção e, dessa forma, o próprio saber, fazendo com que o trabalhador possua apenas a sua força de trabalho para colocá-la a serviço do capital (SAVIANI, 1994).

A formação integrada no âmbito da EJA é uma alternativa que se opõe à subserviência da classe operária e possibilita “ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política” (CIAVATTA, 2005, p. 2), sendo de fundamental importância a posição crítica do trabalhador frente à lógica imposta pelo capital.

No âmbito do sistema capitalista, a educação tornou-se um mecanismo que reproduz as desigualdades concernentes ao sistema de classes (FERNANDES; PALUDETO, 2010). Contudo, a formação integrada busca combater o dualismo estrutural da sociedade e da educação brasileira, a divisão de classes sociais, a divisão entre formação para o trabalho manual ou para o trabalho intelectual (CIAVATTA, 2014). Portanto, a EJA, no contexto da formação integrada, pode constituir-se em mecanismo de contraposição ao desmantelamento do ordenamento juslaboral, instigando nos educandos a consciência coletiva de classe trabalhadora.

O ordenamento jurídico brasileiro assegura a educação de jovens e adultos (EJA) como modalidade de ensino em alguns dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Dentre eles, o artigo 4º, inciso VII, afirma que o Estado deve garantir no âmbito da educação escolar pública a oferta de educação escolar para jovens e adultos com as devidas adequações a esse público, garantindo-se aos trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola (BRASIL, 1996).

Sendo assim, a legislação reconhece que a EJA é composta por sujeitos trabalhadores e, desse modo, faz-se necessário que o acesso e a permanência da classe trabalhadora na escola sejam resguardados, devendo primar pelo sujeito concreto que é uma pessoa adulta e dialogar com as experiências e historicidade desse sujeito trabalhador (MOURA, 2014).

É preciso lembrar que a desigualdade socioeconômica obriga a classe trabalhadora a inserir-se precocemente no mundo do trabalho, fazendo com que esses indivíduos com baixa escolaridade e qualificação contribuam para a valorização do capital. Contudo, a formação integrada colabora para que os sujeitos trabalhadores possam construir uma nova realidade, rompendo com a dualidade educacional (MOURA, 2013)

Acerca da educação de jovens e adultos (EJA), Moura (2014) destaca que essa modalidade de educação não pode ser tratada como uma ação educativa

remanescente por meio de programas e projetos pontuais. No mesmo sentido, o documento base do Programa Nacional de Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) afirma que

a educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil [...] é marcada pela descontinuidade e por tênues políticas públicas, insuficientes para dar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito, nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. (BRASIL, 2007).


Dessa forma, faz-se necessário que as políticas destinadas ao público da EJA possuam um caráter perene a fim de que esses sujeitos trabalhadores possam usufruir de melhores condições de trabalho e renda propiciada pela elevação do nível de escolaridade.

O segmento Educação da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua (PNAD Contínua) 2019 traçou o cenário da educação no Brasil e apontou que mais da metade (51,2% ou 69,5 milhões) dos adultos não havia concluído o ensino médio. Os resultados mostraram ainda que 10,1 milhões de pessoas com idade entre 14 a 29 anos não haviam completado alguma das etapas da educação básica e que o principal motivo para a evasão entre os jovens é a necessidade de trabalhar10. Esses dados revelam a importância da EJA no contexto educacional do país, uma vez que existe um número significativo de pessoas que não concluíram todas as etapas da educação básica.

Apesar disso, os recursos do orçamento federal destinados à EJA estão cada vez mais escassos. De 2018 a 2021, houve uma redução dos recursos na ordem de 94%, tendo passado de R$ 76 milhões para apenas R$ 4 milhões11. Essa drástica redução de investimentos na EJA é apenas uma faceta dos vários ataques que essa modalidade de educação vem sofrendo nos últimos tempos. É preciso lembrar que:

O crescente esvaziamento das políticas educativas para jovens, adultos e idosos a partir de 2016 e a total invisibilidade da modalidade na agenda governamental fazem parte de um grande projeto, que é manter a subordinação política, econômica e social das camadas populares e destituir a potencialidade da educação


10Dados disponíveis em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013- agencia-de-noticias/releases/28285-pnad-educacao-2019-mais-da-metade-das-pessoas-de-25-anos- ou-mais-nao-completaram-o-ensino-medio. Acesso em 14 de dezembro de 2021.

11Dados disponíveis em https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/da-creche-ao-ensino-superior- gastos-do-ministerio-da-educacao-caem-em-todas-as-modalidades-25331484. Acesso em 27 de dezembro de 2021.

para a autonomia e a emancipação humana (BARBOSA; SILVA, 2020, p. 151).


Ao discutir o papel da ação educativa, Moura (2014) destaca a existência de um projeto político prevalente que possui como enfoque o aspecto econômico. Dentro desta perspectiva, a educação possui a função de formar o sujeito para o mercado de trabalho, atendendo aos interesses do capital. Dessa forma, a atribuição da educação profissional e da educação de jovens e adultos “é formar pessoas com a maior competência técnica possível para fazer esse mercado de trabalho funcionar da maneira mais ‘aceitável’ possível na perspectiva de manter a centralidade na dimensão econômica” (MOURA, 2014, p. 32).

Contudo, é possível uma formação que possua como foco a dimensão humana. Isso não significa que o aspecto econômico não seja importante, mas é necessário ir além. É preciso que a formação dos indivíduos não se limite à capacitação técnica, mas que os educandos compreendam as relações de poder que permeiam a sociedade (MOURA, 2014).

Dessa forma, a formação integrada busca despertar nos indivíduos a consciência acerca do dualismo estrutural presente na sociedade, que se reflete na educação brasileira, e a necessidade de suplantar essa situação. Para tanto, faz-se necessário que o processo formativo abranja as várias dimensões da vida como o trabalho, a ciência e a cultura (CIAVATTA, 2014).

A partir desse entendimento, afirma Ciavatta (2005, p. 2) que a “emancipação humana se faz na totalidade das relações sociais onde a vida é produzida” e, nesse contexto, a educação articulada ao trabalho é um mecanismo que contribui para essa emancipação dentro do contexto do sistema capitalista, pois esse processo formativo visa a formação integral dos trabalhadores, possibilitando a descoberta de potencialidades dentro de um paradigma humanista e emancipatório. Com isso, os trabalhadores serão capazes de pensar de acordo com as próprias concepções, podendo superar assim os processos de alienação inerentes ao sistema capitalista (RAMOS, 2014).

Para que a formação integrada se concretize, é necessário um projeto social em que a educação não se limite à formação para o mercado de trabalho, mas deve levar em conta que os indivíduos necessitam de meios para prover o próprio sustento, sendo parte do processo formativo a identificação das oportunidades de trabalho. É preciso também que exista um comprometimento dos educadores e dos

gestores com a formação geral e específica e uma garantia de investimento na educação (CIAVATTA, 2005).

Portanto, a emancipação da classe trabalhadora por meio de uma formação integrada possui como objetivo que os alunos se reconheçam como sujeitos autônomos e exerçam uma cidadania ativa (FRIGOTTO, 2001). Dessa forma, a formação integrada no âmbito da EJA pode proporcionar àqueles que se encontram excluídos ou marginalizados da maioria das benesses sociais as condições para o desenvolvimento do pensamento crítico, da apropriação dos seus direitos e da tomada de consciência dos embates sobre estes.

Nesse sentido, a educação jurídica pode servir como instrumento de oposição ao processo de desconstrução dos direitos trabalhistas, instigando a consciência coletiva da classe trabalhadora e contribuindo para a formação integral dos sujeitos trabalhadores que compõem a EJA.


Considerações finais


Este artigo buscou apresentar o potencial transformador da disseminação de conhecimentos juslaborais no âmbito da educação de jovens e adultos trabalhadores (EJA). Tendo em vista os objetivos propostos, realizou-se uma revisão de literatura que articulou as temáticas da precarização dos direitos trabalhistas e da educação jurídica com os sujeitos trabalhadores da EJA no contexto da formação integrada.

Constatou-se que a precarização das condições de trabalho propicia uma maior exploração da força produtiva com a negação de direitos trabalhistas, atingindo mais fortemente a classe trabalhadora, como é o caso dos estudantes da educação de jovens e adultos (EJA). Assim, aproximar esses sujeitos do conhecimento jurídico-trabalhista potencializa o despertar do pensamento crítico diante do processo de esvaziamento dos direitos trabalhistas que a informalidade e a ausência do reconhecimento formal do vínculo trabalhista ocasionam.

Faz-se necessário que a classe trabalhadora assuma uma postura crítica em relação às alterações legislativas que buscam uma suposta flexibilização dos direitos assegurados aos trabalhadores que culminam na mitigação dessas garantias. Essa resistência pode contribuir para frear políticas públicas que se baseiam em discursos que defendem que a rigidez das normas trabalhistas impede a geração de trabalho e

renda e que a flexibilização é a solução para o desemprego e a informalidade, uma vez que as mudanças implementadas ao longo dos anos mostraram-se inócuas.

Diante disso, compreender aspectos fundamentais dos direitos trabalhistas pode ampliar a compreensão dos sujeitos trabalhadores de que existe uma disputa entre capital e trabalho no sistema vigente e que se faz necessário resguardar as garantias estabelecidas no ordenamento jurídico por meio de um posicionamento de contraposição da classe trabalhadora ao processo de desconstrução das normas que protegem a relação de trabalho e lutar para a concretização de novos direitos.

Por fim, propõe-se a realização de pesquisas futuras para examinar de que maneira a educação de jovens e adultos (EJA) no contexto da formação integrada aborda a questão dos direitos trabalhistas dentro do processo formativo dos sujeitos trabalhadores, bem como se os educandos possuem a percepção de que esses conhecimentos possibilitam o desenvolvimento de uma visão crítica sobre o processo de precarização do trabalho e a necessidade de novas conquistas para a classe trabalhadora.


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