V.20, nº 42, 2022 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


CRISE DO CAPITAL, RECOMPOSIÇÃO BURGUESA E SUA OFENSIVA NO

CAMPO EDUCACIONAL [José dos Santos Souza e Jussara Marques de Macedo(orgs.)]1


Cinthia Cristiane da Silva Marujo2


O presente texto consiste em uma resenha do livro “Crise do capital, recomposição burguesa e sua ofensiva no campo educacional”, publicado em 2021 pela Editora CRV (Curitiba – Paraná) e que foi organizado por José dos Santos Souza e Jussara Marques de Macedo. A obra é uma coletânea constituída por dez textos, cujos autores são membros da linha de pesquisa “Trabalho, Educação e Políticas Públicas” do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGeduc) da Universidade Federal Rural do Rio do Janeiro (UFRRJ).

Em contraposição aos discursos do fim da centralidade do trabalho e da extinção da classe trabalhadora, pressupondo a superação da luta de classes, temos observado nas últimas três décadas a forma como as transformações no mundo do trabalho vêm impactando nas políticas públicas de formação humana e, por conseguinte, nas políticas educacionais direcionadas à classe trabalhadora.

Assim, analisar as novas demandas do mundo do trabalho, decorrentes das mudanças ocorridas a partir dos anos 1990, é condição primordial para uma análise crítica das políticas educacionais da atualidade. Eis aí um dos maiores méritos do livro, pois a obra “Crise do Capital, recomposição burguesa e sua ofensiva no campo educacional” já carrega em seu título o fio condutor presente em todos os textos que


1 Resenha recebida em 12/01/2022. Aprovada pelos editores em 12/04/2022. Publicada em 21/07/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i42.52805.

2 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEDUC - UFRRJ), Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEDUC) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Tem vínculo institucional com a Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2379-4013.

E-mail: cinthiamarujo_bz@yahoo.com.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2769389878728989

a compõem, qual seja a tarefa de explicitar a relação entre a totalidade da produção e reprodução da vida material na sociabilidade do capital e as reformas educacionais dos últimos trinta anos.

A concepção de formação humana como um campo em conflito que tem suas raízes fincadas na luta de classes evidencia-se logo no prefácio, com o seguinte questionamento feito por Hugo Leonardo Fonseca da Silva: “Qual formação para qual trabalho?”

A resposta a essa questão se dá no decorrer da leitura dos textos, nas análises dos diferentes aspectos da política pública de formação humana presentes no livro, que partem do contexto sócio-histórico da crise orgânica do capital, na década de 1970, marcada pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento taylorista-fordista e do modelo de regulação social keynesiano, bem como do modo como a burguesia se articula para enfrentar a crise, cujas estratégias são sintetizadas pelos membros do GTPS – Grupo de Pesquisa Trabalho, Política e Sociedade na categoria intitulada como recomposição burguesa.

Dessa forma, a investigação das novas demandas do capital para a formação do trabalhador ocorre, ao longo dos textos, com base na análise das ações da burguesia para o enfrentamento da crise, seja no âmbito estrutural, com o reordenamento da produção a partir do toyotismo; seja no aspecto superestrutural, com a reconfiguração dos mecanismos de mediação do conflito de classes, como expressão política das mudanças estruturais.

José dos Santos Souza apresenta o primeiro artigo do livro, intitulado “Fundamentos sócio-históricos da recomposição burguesa diante da crise orgânica do capital”, no qual aponta que no cerne da recomposição burguesa está a preocupação em reestruturar o regime de acumulação taylorista-fordista, na busca de flexibilidade do trabalho e da produção e o rompimento com o modelo de regulação keynesiano. Nesse sentido, o novo modelo de gestão vem mobilizando não apenas capacidades humanas de trabalho, mas também a construção de subjetividades.

No segundo artigo, “Trabalho, educação e luta de classes na sociabilidade do capital”, o mesmo autor retoma o olhar atento sobre o aspecto superestrutural - não em detrimento do estrutural, mas numa concepção dialética, ao afirmar que


no campo educacional, a ofensiva do capital tem se materializado em ações e formulações no sentido da reconfigurar o sistema educacional para atender de modo mais eficiente as novas demandas produtivas.

Seja preparando a força de trabalho para ocupar postos de trabalho em condições mais flexíveis, seja conformando um contingente excedente da força de trabalho que deve ser preparado para conformar-se com as condições de precariedade, informalidade ou desemprego” (2021, p. 41).


O artigo “O papel do CLAD na ofensiva do capital na educação”, escrito por Bruno de Oliveira Figueiredo, se propõe a explicar o papel político-ideológico do Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD) na contrarreforma dos Estados latino-americanos. O autor realiza uma análise política das estratégias de mediação do conflito de classes contidas nos documentos do CLAD, destacando que as concepções apresentadas na proposta desse organismo internacional estão afinadas com o projeto neoliberal mediado pela Terceira Via, assumindo papel importante na direção e difusão do gerencialismo como modelo para a gestão dos Estados latino-americanos, tornando-se principal referência da contrarreforma estatal na América Latina.

No texto “Os organismos internacionais como legitimadores da ofensiva do capital na educação”, Alex Kossak e José dos Santos Souza também trazem para o debate as ações dos organismos internacionais no contexto da contrarreforma do Estado, atuando na formulação e na articulação das ações governamentais. Os autores apresentam a categoria pedagogia política do capital em referência às estratégias burguesas de captura da subjetividade da classe trabalhadora. Tais estratégias visam atender às novas demandas de formação e qualificação do trabalhador de novo tipo, em conformidade com o novo padrão de desenvolvimento enxuto e flexível. O texto explicita o papel atribuído à educação como mediadora do conflito de classes, atuando na construção de um novo consenso.

O autor Thiago de Jesus Esteves traz para a reflexão a reformulação do papel do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A leitura do texto “O caráter estratégico do INEP na ofensiva do capital na educação” nos permite compreender a gênese e a reformulação desse instituto, essa última iniciada durante o governo FHC e aprofundada nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, deixando de ocupar-se por pesquisas educacionais para transformar-se no organismo gestor das reformas gerenciais no campo educacional, encarregado de avaliar, segundo os ditames do capital, o sistema educacional brasileiro.

O objeto de estudo do texto “Aprender a empreender: pilar mais recente da educação profissional e tecnológica”, escrito por Paula Macedo e José dos Santos

Souza, consiste numa análise das implicações políticas e ideológicas da sugestão da UNESCO do quinto pilar para a educação: aprender a empreender. Os autores tomam como referência para a análise a educação profissional e tecnológica brasileira, tendo por intento explicitar as implicações políticas e ideológicas da criação desse pilar e, nessa tarefa, tomam por hipótese o papel do incentivo ao empreendedorismo como medida de conformação ética e moral para a mediação do conflito de classes, diante do contexto de precariedade do trabalho e desemprego estrutural.

No texto “A universidade enxuta e flexível: materialidade da ofensiva do capital na educação superior”, Igor Andrade da Costa e José dos Santos Souza investigam o desenvolvimento dos Cursos Superiores de Tecnologia (CST) no contexto do modelo de desenvolvimento enxuto e flexível do capital, nos anos 1990, para evidenciar de que forma a ampliação do acesso ao ensino superior é acionada não apenas em atendimento às demandas da produção, mas também como estratégia de criação do consenso em torno do padrão de sociabilidade burguês.

Jussara Marques de Macedo apresenta mais um elemento alvo da ofensiva burguesa: a formação docente. Em seu texto “Competências digitais na formação para o trabalho docente: atalhos para a formação enxuta e flexível”, a autora nos adverte que diante da demanda de formação de trabalhador de novo tipo se faz necessária a formação de novo tipo também para quem formará esse novo perfil de trabalhador. Nessa análise, toma como referência empírica resoluções que dispõem sobre a formação docente inicial e continuada e conclui que cada vez mais essa formação docente orientada pelos organismos internacionais nos distancia de uma formação para a emancipação humana.

“Contrarreformas na educação superior e tendências do trabalho docente no Brasil”, de autoria de Rodrigo Coutinho Andrade, dá continuidade ao debate sobre as transformações do trabalho docente, através de uma exposição analítica de parte da agenda educacional dos organismos internacionais, com foco no Banco Mundial, além de expor como essa ofensiva tem impactado na realidade docente. Constata que a formação docente obedece aos ditames pragmáticos da nova pedagogia política do capital para a formação do trabalhador de novo tipo, orientada pelo currículo enxuto e pela expansão da EaD nas licenciaturas.

Por fim, o texto “Reforma do ensino médio e BNCC: ofensiva do capital na Educação Básica”, escrito por Nelma Bernardes Vieira e José dos Santos Souza, fornece elementos que nos ajudam na compreensão das políticas públicas

materializadas no ensino médio brasileiro nos últimos anos, ao trazer para seu texto alguns documentos de organismos internacionais para a educação. Nesse sentido, destaca que o ensino médio é um campo de disputa e alerta que além do controle do conhecimento ofertado aos filhos da classe trabalhadora através de um currículo enxuto e flexível, a reforma do ensino médio também impacta no trabalho docente, seja através da flexibilização ou da precarização do trabalho.

Como é possível constatar, embora abordem distintos aspectos dessa ofensiva burguesa sobre as políticas públicas de formação humana no Brasil, é notória a organicidade das discussões travadas pelos autores desta coletânea. Tomando o rigor teórico e a profundidade analítica como compromissos coletivos, os organizadores e autores se propõem a apreender as relações existentes entre trabalho e educação e, para tanto, partem do trabalho como categoria central, fundante das relações históricas de produção, referenciando-se no materialismo histórico dialético como teoria e método de análise. Logo, os escritos dessa obra devem ser lidos por todos aqueles que defendem uma educação pública, gratuita e de qualidade referenciada nos interesses da classe trabalhadora.


Referências


SOUZA, J. dos S; MACEDO, J. M. de (Orgs.). Crise do Capital, recomposição burguesa e sua ofensiva no campo educacional. Curitiba: Editora CRV, 2021.