V.20, nº 42, 2022 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
Alfredo Gabriel Buza2 Roberto Leher3 Juliana Lando Canga4
A pesquisa investiga o processo de descontinuação da experiência educacional angolana como uma dimensão do movimento ao socialismo para o atual contexto com a presença do setor privado. Foi uma pesquisa documental e histórica. Por meio de fontes oficiais evidencia a expansão do setor privado, correlacionando aspectos demográficos e territoriais. Conclui que em menos de três décadas ocorreu a substituição do monopólio estatal sobre a educação por medidas em prol da privatização do fornecimento da educação superior, movimento que concorreu para o fim da gratuidade nas instituições públicas.
Si investiga el proceso de interrupción de la experiencia educativa angoleña como una dimensión del movimiento al socialismo para el contexto con la presencia del sector privado. Se utilizó la investigación documental e histórica. De fuentes oficiales se observó la expansión del sector privado, correlacionando aspectos demográficos y territoriales. En menos de tres décadas, se produjo la sustitución del monopolio estatal de la educación por medidas a favor de la privatización de la oferta de educación superior, movimiento que contribuyó al fin de la gratuidad en las instituciones públicas.
Palabras clave: Educación superior; Estado; Independencia; Socialismo; Mercantilización.
Research investigates the process of discontinuation of the Angolan educational experience as a dimension of the movement to socialism for the context with the presence of the private sector. Documentary and historical research was used. From official sources, the expansion of the private sector was observed, correlating demographic and territorial aspects. In less than three decades, there was the replacement of the state monopoly on education by measures in favor of privatization of the provision of higher education, a movement that contributed to the end of gratuity in public institutions.
1 Artigo recebido em 14/03/2022. Primeira Avaliação em 05/05/2022. Segunda Avaliação em 01/02/2022. Aprovado em 01/07/2022. Publicado em 21/07/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i42.53498.
2 Professor Catedrático no Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda (ISCED – Luanda), Doutor em Ciências Agrárias (Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA); Pós-doutorando em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: buzaalfredo@yahoo.com.br;
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1177-2159. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8437279013925778.
3 Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Pesquisador do CNPq e Cientista de Nosso Estado (FAPERJ).
E-mail: leher.roberto@gmail.com; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5063-8753. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6873414697016839.
4 Professora Associada na Universidade de Luanda (UniLuanda); Doutora em Ciências Sociais (Universidade Federal do Pará – UFPa); Especialista em Psicopedagogia; Pós-doutoranda em Serviço Social na UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Brasil; E-mail: jlcanga06@gmail.com;
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1716-3311. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7270713789857289.
A investigação sobre a privatização e mercantilização do ensino superior em Angola objetiva conhecer e problematizar um fenômeno de grande relevância teórica e política, a saber, a dissolução de uma experiência referenciada no socialismo, cujo eixo central foi a Universidade de Angola (1976), posteriormente batizada como Universidade Agostinho Neto (1985). A instituição de ensino público foi concebida como uma das dimensões do movimento ao socialismo, à Independência e à descolonização (Lei nº 4/75, de 9 de dezembro e decreto n.º 26/77, de 15 de março); entretanto, em um intervalo curto de tempo, o monopólio estatal foi revogado, e, com isso, o ensino superior privado em Angola passou a ser permitido, sobressaindo, na presente década, o segmento propriamente mercantil, com fins lucrativos.
A pesquisa propugna que a mercantilização é indissociável da agência do Estado (e, por conseguinte, das classes e frações de classes locais e de seus nexos com as frações hegemônicas do capital), especialmente após a revisão constitucional, os acordos de Bicesse5 em 1991 e o fim do monopólio estatal.
Por intermédio da criação de marcos legais expressos em reformas constitucionais (2010 e 2021) houve a aprovação da lei de Bases do Sistema de Educação (Lei n.º 13/01, de 31 de dezembro), a criação da Estratégia Integrada para a Melhoria do Sistema de Educação (2001-2015) e o advento do Plano de implementação das linhas mestras para a melhoria da gestão do subsistema de ensino superior (2005), que deram início a um novo ambiente institucional referenciado no ajuste estrutural que foi instaurado no país, removendo as concepções e diretrizes do período anterior.
No que tange ao ensino superior, em nome da democratização e da maior qualidade e eficiência, o governo estabeleceu incentivos favoráveis à privatização e à mercantilização da educação a partir do final da década de 2000, como o sistema de bolsas nacionais abrangendo as instituições privadas e, não menos importante, revogando a gratuidade nas instituições públicas. Resultam dessas medidas uma acentuada descentralização, diversificação e diferenciação das instituições de ensino
5 Cidade portuguesa, onde ocorrereu a assinatura do acordo de paz entre o Governo da República Popular de Angola e o Movimento de Libertação UNITA (União Nacional para a Independencia Total de Angola).
superior, alinhadas com as proposições do Banco Mundial, a exemplo do documento O Banco Mundial e a Educação Superior: Lições Derivadas da Experiência publicado originalmente em 19946. De fato, após a criação da Universidade Católica de Angola, em 1999, novas instituições, com fins mercantis, ingressaram no país, como discutido adiante.
Como parte do plano de análise, examina-se o perfil geral da oferta privada, a acentuada desigualdade no acesso e na taxa de conclusão do Ensino Secundário II (correspondente ao Ensino Médio), restringindo, por hora, o chamado mercado de educação superior. A investigação focaliza, especificamente, a oferta privada- mercantil, considerando a qualificação docente, o regime de trabalho e as áreas de conhecimento com maior concentração privada. Ao final, a título de síntese, projeta tendências sobre a educação superior angolana, colocando em relevo a problemática do capitalismo dependente e da heteronomia cultural.
A exposição dos resultados da pesquisa está organizada em quatro focus com abrangência geral na educação, culminando com a educação superior de forma específica. No primeiro momento, analisamos a opção política de libertação nacional do país em 1975, ao tomar a educação como monopólio do Estado, estritamente pública, em um contexto em que, até então, a universidade nacional era interditada no país. No segundo momento, são analisados os novos marcos legais materializados nas reformas constitucionais em decorrência das mudanças conjunturais e globais, e a ressonância dessas ações na educação. No terceiro, examinamos a expansão do ensino superior no período 1992-2020, com destaque para o surgimento das instituições de ensino com fins lucrativos, e, finalmente, no quarto momento, discutimos as tendências e consequências da expansão da educação superior na autonomia científico-cultural e a heteronomia cultural (LEHER, 2012).
6 BANCO MUNDIAL. La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiencia. Washington, DC: BM, 1995. Disponível em: <http://www- wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2005/06/14/000090341_200506141 61209/Rendered/PDF/133500PAPER0Sp1rior0Box2150A1995001.pdf>. Acesso em 10 de março de 2022.
A história de brutalidade dos regimes coloniais permite afirmar que os países colonizadores não estavam interessados no bem-estar dos povos sob o jugo colonial. África e o território que hoje denomina-se Angola eram vistos apenas como uma fonte de obtenção de riquezas.
Com a Conferência de Berlim (1884 – 1885), os povos que habitam hoje Angola sentiram de forma bem mais impactante a ação colonizadora, porquanto a nova estrutura colonial quebrou-lhes os paradigmas de soberania, seus sistemas de ensino e aprendizagem, de transmissão de conhecimentos e não ofereceu em troca outras opções que não fossem a da alienação, dominação, repressão e opressão além de considerá-los bestas de carga (FANON, 1968, p. 8).
A partir da necessidade de oferecer formação aos filhos dos chamados colonos que atuavam na administração colonial, no comércio etc., foram criadas as primeiras escolas públicas. Estas eram coabitadas por diferentes núcleos educacionais, especialmente missionários protestantes e os seminários da Igreja Católica Romana, à época considerada a denominação religiosa oficial, sem levar em consideração o mosaico cultural.
O país possui cerca de cem grupos etnolinguísticos de origem bantu, agrupados em nove grandes troncos, a saber: Bakongos, Ambos, Hereros, Lunda- Tchokwé, Nganguelas, Nhanecas-Humbes, Ovimbundos, Quimbundos e Xindongas (MENEZES, 2000). Como resultado desta riqueza, Angola registra mais de vinte línguas nacionais. Hoje a mais falada, depois do português, é o umbundo, predominante na região centro-sul de Angola e em muitos meios urbanos.
Segundo Menezes (2000) o umbundo apresenta-se como a língua materna de 26% dos angolanos, seguida do quimbundo ou kimbundo, com cerca de 20% da população falante com incidência particular na zona centro-norte, no eixo Luanda- Malanje e no Kwanza-Sul. No norte do país temos o quicongo, ou kikongo, com cerca de 15% de falantes, com maior incidência nas províncias de Cabinda, Zaire e Uíge. No leste do país, a língua mais falada é o chokwé (ou tchokwé) nas províncias de Lunda-Norte, Lunda-Sul e Cuando Cubango. O Kuanhama (kwanyama ou oxikwanyama), nhaneca (ou nyaneca), kyombe, nwoio, kissundi, ilinzi, kizolongo e
mbunda também são línguas de origem bantu faladas em Angola. Mas também se fala uma língua da comunidade ou grupo khoisan – línguas faladas pelos san e pelos bosquímanos – no sul de Angola. Toda essa extraordinária diversidade linguística e cultural é transmitida através de gerações entre os diferentes povos que habitavam o território. O aparato educacional do colonialismo buscava, justamente, silenciar a cultura e o conhecimento presentes nos povos que compõem o país.
A violência colonial não tem somente o objectivo de garantir o respeito desses homens subjugados; procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para liquidar as suas tradições, para substituir a língua deles pela nossa, para destruir a sua cultura sem lhes dar a nossa (FANON, 1968, p. 9).
A breve caracterização da educação no período colonial angolano será aqui dividida em cinco fases distintas. A primeira com forte influência jesuíta dirigida unicamente pela Igreja Católica Romana (1575 – 1759); a segunda fase é denominada Educação Pombalina (1759 – 1792); a terceira é chamada de Educação Joanina (1792 – 1845). Neste momento foi criada em 24 de abril de 1789 a aula de medicina e anatomia de Luanda por meio da carta patente de D. Maria I. A quarta fase é nominada educação Falcão e Rebelo da Silva (1845 – 1926);7 A quinta fase foi a educação Salazarista (1926 – 1961),8 fortemente marcada pelas ideias segregacionistas e de superioridade racial.
7 Em 1845 foi instituída em Angola uma estrutura oficial do ensino por meio do Decreto de 14 de agosto de 1845, de Joaquim José Falcão, ministro do Estado, da Marinha e do Ultramar, e assinado pela rainha
D. Maria II. Falcão criou algumas escolas, tal como a Escola Principal de Instrução Primária, e constituiu um Conselho Inspetor de Instrução Pública. Conclui esta fase com a instalação do primeiro Liceu em terras angolanas, o Liceu Central de Luanda (atual Magistério Mutu-Ya-Kevela), em 22 de fevereiro de 1919, somente equiparado ao regime jurídico dos liceus da metrópole em 13 de dezembro de 1923. Importante destacar que, por volta de 1878, as missões protestantes (Metodista, Congregacional, Baptista, Evangélica, Cristã, Sinodal entre outras) passaram a ocupar as áreas do interior do país, diferentemente da igreja oficial, a Católica Romana, que estava nos grandes centros urbanos, e instala as suas escolas que apesar de não serem consideradas oficiais expandem o acesso à educação.
8 Neste período, a escola amplia-se para acomodar um número maior de filhos de portugueses, assim como é perceptível a necessidade de oferecer educação diferenciada aos filhos nascidos de esposas africanas e da população categorizada como “assimilada”. Esta fase de extremas contradições, culmina com as lutas pela Independência. Muitos dos que seguiram para a metrópole em estudos, ganhavam, cada dia mais, a consciência revolucionária e de liberdade e autodeterminação, influenciados pelos acontecimentos que já ocorriam com outros povos que estavam a alcançar as suas independências.
A segunda metade do século XX é um período de levantamentos e de luta pela Independência Nacional. Lutam pela libertação de Angola três movimentos ou grupos de guerrilha: a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), cada um deles com seus programas e alianças internacionais nos marcos da guerra fria.
Nos programas destes três movimentos a questão da educação como um direito humano necessário para a liberdade dos povos e para o desenvolvimento econômico-social da sociedade, possuía diferenciações e pontos de convergência. Do ponto de vista ideológico, a agenda da educação no momento da luta de libertação não se diferenciava muito, apesar de estarem em barricadas diferentes em função do contexto da guerra fria. Do mesmo modo como o MPLA seguia uma tendência socialista apoiada por Cuba e pela União Soviética, a FNLA e, posteriormente, a UNITA também eram apoiadas pela China comunista. Para este entendimento, basta observar que os destinos de formação dos seus guerrilheiros eram estes países. A partir dos anos 1980, com a supremacia do MPLA e a retirada da FNLA do campo militar, a UNITA modifica suas alianças e passa a ser apoiada pelos EUA e África do Sul.
De um modo geral, os programas, as palavras de ordem e as proposições educacionais dos três movimentos podem ser compreendidas por meio do seguinte enquadramento. O MPLA optou por uma construção marxista-leninista (sob influência soviética), uma educação socializada, igualitária a todos os cidadãos, laica, gratuita, sem nenhuma distinção, assumida como nacional e como dever do Estado. Logo após a independência, muitos angolanos filhos de gente simples tiveram a oportunidade de continuar seus estudos em Cuba e outros países do Leste Europeu, a fim de suprir a falta de escolas e de condições de formação adequadas em Angola.
A FNLA e a UNITA, apesar de não terem exercido a governação, também tinham na educação um bem a ser oferecido para toda a população. É ponto assente que todos os movimentos auguravam uma educação para todos. Educação gratuita, democrática e um acérrimo combate ao analfabetismo.
Com a proclamação da Independência e a adoção clara de uma construção socialista de sociedade, o MPLA pontuou na Constituição de 11 de novembro de 1975:
A República Popular de Angola combate energicamente o analfabetismo e o obscurantismo e promove o desenvolvimento de uma educação a serviço do povo e de uma verdadeira cultura nacional, enriquecida pelas conquistas culturais revolucionárias dos outros povos (Artigo 13º).
Percebe-se no texto Constitucional a valoração do papel exercido pela educação para o desenvolvimento das sociedades, e, cientes de se estar diante de um contexto de altíssimo grau de analfabetismo, a alfabetização universal foi assumida como uma meta a atingir e um desafio do Estado. Vale recordar que, no período da Independência do país, os índices de analfabetismo atingiam 85% da população.
Foram impactantes as palavras do primeiro presidente de Angola, Dr. António Agostinho Neto, no dia 22 de novembro de 1976, na cerimônia que marcou o início das campanhas de alfabetização.
E quando o Comité Central disse que aprender é um dever revolucionário, é exactamente assim, é que nós não fazemos a revolução sem concretizar a cada passo, as ideias que nós temos para o desenvolvimento da nossa revolução, temos de concretizar neste capítulo também, o capítulo da formação de quadros. Sim, nós aprendemos a manejar uma máquina, nós aprendemos a manejar uma charrua, aprendemos a manejar um tractor mas não passamos daí se não estudarmos, se não aumentarmos o nosso nível intelectual, e temos de começar pela base, aprender a ler e a escrever (AGOSTINHO NETO, 19769).
A educação foi encarada como uma obrigação do Estado. A lei n. 4/75, de 9 de dezembro, que nacionalizou o ensino, estabelecia nos seus apenas sete artigos a política governamental sobre a educação:
Artigo 1º – É declarado público o ensino e gratuito a sua prestação. Cabe ao Estado exercer o ensino, usando, para isso, dos organismos
9 Disponível em: <https://www.novacultura.info/post/2022/03/11/lancamento-da-campanha-de- alfabetizacao>. Acesso em 15 de maio de 2022.
existentes ou criar para o efeito tendo em consideração as disposições legais vigentes.
Artigo 2º – Determina-se a nacionalização e por conseguinte a adjudicação a favor do estado, de todos os centros de ensino que na data da promulgação desta Lei sejam operados por pessoas naturais ou jurídicas, assim como a totalidade dos bens, direitos e acções que integram os patrimónios dos citados centros.
Artigo 3º – A nacionalização e adjudicação a favor do Estado Angolano, dos centros de ensino que se ordena no artigo anterior, levar-se-á a efeito através do Ministério da Educação e Cultura. Todos os outros Ministérios poderão eventualmente vir a ser chamados ao processo da nacionalização dos referidos centros de ensino, a fim de incorporar os mesmos no sistema educacional da Nação e em geral para que se possa dar cumprimentos às disposições da presente Lei. Artigo 4º – O Conselho da Revolução, sob proposta do Ministro da Educação e Cultura, indicará quais os proprietários, operadores ou professores, abrangidos por esta Lei, que não actuaram contra os interesses da Revolução e da Pátria, os quais serão indemnizados pelo Estado. O montante da indemnização, a forma como será paga e o prazo de pagamento serão fixados, não de um modo geral, mas por análise individual dos diferentes centros de ensino.
Artigo 5º – O Ministério da Educação e Cultura determinará quais os centros de educação, caracterizadamente os religiosos oficiais, subvencionados pelas respectivas igrejas, que não serão abrangidos pela presente Lei.
Artigo 6º – O ensino a todos os níveis e em todas as instituições fica dependente da formulação geral do Estado para a educação em Angola.
Artigo 7º – Este diploma entra imediatamente em vigor (ANGOLA, 1975).
Foi este impulso legal, ao assumir a necessidade de um estado de emergência, que fez catapultar dos 608.607 alunos registados em 1973 – últimos anos da gestão colonial da educação – para 1.032.854 alunos do ensino fundamental (excluindo-se o ensino médio e superior) no ano letivo 1976/77. Um aumento na ordem dos 69,71% logo no primeiro ano da gestão da educação por uma Angola independente.
Daí para diante, os números foram apenas crescendo a cada ano letivo no período que vai de 1976 até 1980, em consequência de o ensino ter se tornado gratuito, com acesso democratizado e estabelecido em nível nacional. O Quadro 1 confirma que ao menos no quesito acesso, a democratização, a independência e a opção política assumidas favoreceram e trouxeram ganhos para a educação.
Ano Letivo | Ensino Fundamental (excluindo-se o Ensino Médio e Superior) | Total | |||
Iniciação | I.º Nível | II.º Nível | III.º Nível | ||
1976/1977 | 361.446 | 592.450 | 70.933 | 8.025 | 1.032.854 |
1977/1978 | 416.937 | 958.676 | 94.317 | 19.010 | 1.488.940 |
1978/1979 | 746.328 | 1.420.739 | 113.884 | 24.663 | 2.305.614 |
1979/1980 | 664.500 | 1.713.817 | 176.687 | 40.272 | 2.596.276 |
1980/1981 | 404.255 | 1.332.297 | 150.204 | 36.433 | 1.923.189 |
Porém, no ano letivo de 1980/1981, em todos os níveis foram registrados decréscimos. Isso significa que 673.087 alunos que já estavam inseridos no sistema educacional deixaram de comparecer às aulas. A explicação se dá em função da realidade mais pesada e difícil que a retomada da guerra civil10 no país acarretou. Na década 1980 a situação militar alcança sua fase mais aguda.
A guerra civil pós Independência podem ser dividida e abordada em duas fases. A primeira de 1975 até 1990, e a segunda de 1992 até 2002. Em ambos os períodos as consequências para a educação foram sistêmicas: destruição de escolas e infraestruturas escolares, deslocamento de jovens para atuarem como soldados, custo econômico da guerra comprometendo as verbas educacionais, entre muitos outros de imensa complexidade, a exemplo das consequências psicossociais de um conflito armado interno.
A primeira fase, que se estendeu de 1975 até 1990, teve seu fim com os Acordos de Paz de Bicesse e deu lugar à primeira grande reforma educacional, permitindo a adoção da atividade privada segundo o novo texto Constitucional (Lei de Revisão Constitucional n. 12/91, de 6 de maio), que estabeleceu no artigo 36º o seguinte:
O Estado promove o acesso de todos os cidadãos à instrução, à cultura e ao desporto, garantindo a participação dos diversos agentes particulares na sua efetivação, nos termos da lei. A iniciativa particular e cooperativa nos domínios do ensino, exerce-se nas condições previstas na lei (ANGOLA, 1991).
10 A guerra civil angolana é resultado da disputa de poder entre dois ex-movimentos de guerrilha anticolonial, o comunista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), convertida ao anticomunismo após 1975. Teve uma duração de 27 anos que podem ser divididos em dois períodos de grandes combates – de 1975 a 1991 e 1992 a 2002.
A segunda fase do conflito armado abarcou o período de 1992 até 2002. Somente no culminar da segunda fase, em 2001, foi aprovada a primeira Lei de Base do Sistema de Educação (LBSE), a Lei n. 13/01, de 31 de dezembro, discutida adiante. Entre 1992 e 2002, a autoridade educacional foi exercida pelo governo liderado pelo Comitê Central do MPLA. Segundo Buza (2020, p. 3), “era o MPLA, o partido no poder, que decidia sobre os processos normativos de ensino, cabendo ao departamento ministerial que tutelava a educação a execução das decisões”. Silva (2016) denominou o período como a última fase revolucionária, uma vez que o peso político estava alinhado para a construção de uma sociedade socialista.
Considerando a carência geral de técnicos de nível médio e superior, para além dos esforços na formação local, foram enviados como bolsistas vários jovens para estudar nos países então alinhados com os ideais socialistas, nomeadamente, União Soviética, Checoslováquia, Romênia, Polônia, Iugoslávia, Bulgária, Hungria, Alemanha Democrática e Cuba, sendo que para este último foram enviadas inclusive crianças.
No geral, acontecia a expansão da matrícula em todo o território, assim como crescente aumento do número de vagas para a formação no exterior, através de bolsas de estudos. As áreas de formação eram as mais variadas em função de um plano nacional de geração de quadros, porém não tardaram a surgir as dificuldades advindas da falta de acompanhamento dos aspectos vocacionais, pois os estudantes eram encaminhados para as vagas que existiam e não muito em função de uma orientação profissional ou aptidão. É preciso realçar que o segundo período foi de recrudescimento da guerra civil que provocou êxodo rural e instabilidade no interior do país, aumentando a população nas áreas mais seguras. Com isso, muitas crianças foram excluídas do sistema educacional ou tiveram de estudar em condições precárias pela superlotação das salas de aula e pela insegurança.
Os efeitos da Perestroika, a queda do muro de Berlim, o redimensionamento da geopolítica mundial em consequência do fim da URSS provocaram o término dos apoios para a formação no exterior. Diante deste quadro, agudizado pela pouca oferta de matrícula no país, fortaleceram as teses de que se devia dar espaço para a iniciativa privada na educação como forma de parceria.
Ao lado do discurso de que o setor privado poderia democratizar o acesso à educação, a ideia de que a formação pública não assegurava a qualidade desejada
assumiu considerável alcance ideológico, especialmente em virtude do fato de que compunham as posições dos organismos internacionais e das fundações privadas interessadas na remoção de todos os traços de socialismo. Em meio a estas discussões, ocorreu a revisão da Constituição e se estabeleceram os novos marcos legais que refletiram as mudanças geopolíticas e geoeconômicas.
A década de 1990 ficou marcada não apenas pelas mudanças geopolíticas ocorridas no mundo todo, mas como o momento de resgatar e implementar uma nova visão sobre a política econômica e as perspectivas de mercado. Com os ventos da concepção neoliberal, a tendência mundial era reduzir os gastos sociais do Estado, repassando, inclusive, para a esfera privada áreas que até então eram monopólio deste.
Com Angola não foi diferente. O país havia perdido o apoio econômico de seus parceiros tradicionais e encontrava-se em um contexto de profunda mudança política por meio das condicionalidades do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial e do contexto de agudização da guerra civil. A educação era parte deste processo de mudanças radicais: do objetivo de uma educação voltada para a constituição de uma sociedade socialista, as metas voltaram-se para uma educação que atendesse às necessidades do mercado (CURIMENHA, 2020).
Formar para o mercado, no tempo do mercado, conforme a necessidade do mercado. A par desta exigência, a educação, em si, também passa a ser um produto do mercado por meio do fornecimento privado-mercantil. A ideologia propugna que somente a educação privada é capaz de se harmonizar com os desejos do consumidor ou, melhor, com o poder aquisitivo do consumidor.
Não podendo o Estado oferecer a todos a educação, ainda mais em decorrência das reformas neoliberais, é “obrigado” a dar espaço para que outros o façam, comercializando os seus serviços. A revisão da Constituição concede essa possibilidade aos agentes privados na educação (artigo 36º da Lei de Revisão Constitucional n. 12/91, de 6 de maio).
Considerando que em 2001 foi aprovada a LBSE e que o conflito armado teve reinício em 1992 e somente veio a termo em 2002, é possível afirmar que foi neste período de guerra e de destruição de quase dez anos que o ambiente para a livre mercantilização da educação foi criado, em virtude do estrangulamento orçamentário, da dificuldade de fiscalização e de planejamento de uma política nacional de educação, visto que parte relevante do território estava conflagrado pela guerra. Foi nesse cenário que se deu o crescimento do segmento com fins lucrativos na educação e a expansão de instituições privadas.
Postulamos que não é possível compreender as condições que acarretaram a rápida e vertiginosa mercantilização da educação superior sem analisar o efeito da Guerra Civil na educação.
O teatro de operações da segunda fase da guerra (1992 – 2002) abarcou especialmente os grandes centros urbanos, capitais de províncias e alguns municípios importantes. Segundo identificou Liberato (2014, p. 1021), a educação teve de enfrentar os efeitos da limitação de verbas no Orçamento Geral do Estado (OGE) reduzido em virtude da economia de guerra. A acentuada perda de vidas, o custo exorbitante da guerra e a destruição de relevantes infraestruturas foram fatores de imensa repercussão em Angola. Entre estas, as infraestruturas das instituições educacionais e, como assinalado, as populações rurais, extremamente relevantes no país, se viram forçadas a se deslocar para as cidades. Um grande contingente de pessoal qualificado deixou o país. As resultantes dessa combinação desastrosa de fatores foram o decréscimo da qualidade da oferta educativa e a baixa taxa de aproveitamento escolar.
Como corolário destes fatores, as frações burguesas interessadas na venda de “serviços” educacionais que se associaram às políticas neoliberais, ignorando as consequências da economia de guerra, sustentaram a ideologia de que os problemas da educação pública eram a má gestão da educação e das instituições educacionais, a corrupção, o aumento da criminalidade e a desqualificação da atividade docente.
Em virtude da grande participação das despesas militares no OGE, Angola, um país com uma vasta população jovem e pouco escolarizada, não alocou mais de 2% do PIB nacional em educação, diante dos 6 – 7% recomendados pela Unesco. Com os salários precários, as pessoas procuraram atividades mais bem-remuneradas; outros transformaram a docência em uma atividade complementar, para aumento de
renda. Uns, ainda, deixaram-se envolver na corrupção para aumentar o ganho financeiro. Assim, o sistema público colapsou, abrindo novas vias para os negócios educacionais.
Foi nesse contexto que foram criadas as condições para o empresariamento na educação. Diante de um sistema implodido, o setor privado se apresentou com um discurso salvacionista de que as escolas privadas-mercantis generosamente estariam contribuindo para uma alternativa melhor para a educação do país. Evidentemente, os empresários miraram inicialmente os estudantes com poder aquisitivo para adquirir o serviço educacional. Mas logo passaram a mirar o fundo público, por meio do sistema de bolsas de estudos custeadas pelo Estado.
a ideologia neoliberal provocou o silenciamento de um fato incontestável: as verbas educacionais são absolutamente insuficientes para manter e desenvolver um sistema público de educação que contemple adequadamente a educação básica e a educação superior públicas (LEHER, 2007, p.13).
Pode-se dizer que, no contexto angolano, como resultado, houve a eclosão da oferta formativa privada ao logo de uma década. Um traço distintivo e crucial: a expansão mercantil se deu sem qualquer norma estatal específica para regular o segmento privado-mercantil. Entende-se que o “vazio legal” favoreceu a expansão massiva da iniciativa privada na educação.
Mesmo com a aprovação da LBSE, de 31 de dezembro de 2001, o quadro não foi alterado, pois os interesses econômicos do setor privado já haviam ganho influência na sociedade e no âmbito do Estado. Examinando o processo de expansão sem controle social estatal é forçoso identificar que os serviços de gestão da educação não conseguiram realizar a regulação com o rigor necessário. A educação privada- mercantil nunca resulta da mão invisível do mercado: o Estado liberalizou, desregulamentou, reduziu as bases materiais da educação pública e, não menos importante, abriu espaços para que parte dos grupos empresariais lograsse influência sobre os gestores do sistema educacional, de altos funcionários do aparelho do Estado e dos órgãos de defesa e segurança.
O caso de Angola, nesse sentido, é muito peculiar. Um país que buscou uma alternativa socialista, estabelecendo o monopólio estatal sobre a educação por mais de quinze anos, em menos de uma década após a crise do socialismo já possuía uma ampla maioria de instituições privadas de ensino superior. De fato, neste nível, das 91
instituições, 70% representam instituições privadas e apenas 30% são públicas. Diferente de muitos países que viveram situações coloniais em que as igrejas eram majoritárias no segmento privado, em Angola, das 64 instituições privadas, cerca de 89%, isto é 57 delas, pertencem a grupos empresariais e apenas sete, representando 11%, pertencem a grupos confessionais, nomeadamente a Católica, com três instituições, a Metodista, a Sinodal, a associação Evangélica e a Tocoísta.
A reforma da educação angolana esperada a partir da LBSE de 2001 não foi considerada suficientemente pró-mercado. Quinze anos depois foi uma nova Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino – LBSEE (Lei n.º 17/16, de 7 de outubro) foi aprovada. Por opção política, o governo recém-eleito em 2017, liderado por João Manuel Gonçalves Lourenço, sustentado pelo MPLA, decidiu reduzir ainda mais a responsabilidade do Estado no financiamento da educação, restringindo a gratuidade e aumentando e reafirmando a coparticipação financeira das famílias na educação. Entre estes e outros reajustes, a Lei foi alterada em 2020, pela Lei n. 32/20, de 12 de agosto, abrindo caminho para cobrança de mensalidades escolares nas instituições públicas do ensino secundário e do ensino superior, uma novidade ao longo dos 45 anos do país.
É no cenário deste marco legal que algumas leis têm sido aprovadas, ainda que incipientes, com destaque para as que institucionalizaram as taxas e emolumentos das mensalidades escolares nas instituições públicas.
Existem isenções tributárias para a aquisição de material didático pedagógico por parte das instituições privadas de ensino. Elas, assim como as públicas agora não mais gratuitas, se beneficiam de recursos atribuídos aos estudantes bolsistas admitidos pelo Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudos (INAGBE). Um programa de financiamento estudantil que realiza processo seletivo todos os anos para a admissão de bolsistas internos em cursos de graduação e pós-graduação, assim como há um programa para trezentos bolsistas anuais frequentarem as melhores universidades do mundo em cursos de pós-graduação.
O número de bolsas internas atribuídas aos estudantes, conforme o INAGBE no ano de 2016 contemplava 8.896 bolsistas, todas de graduação, sendo 6.784 (76,3%) em instituições públicas. No ano letivo 2020/2021, a instituição financiava
23.231 bolsistas de graduação, um aumento de 161% em 5 anos, e 693 bolsistas de pós-graduação. No que se relaciona com as bolsas externas, no ano de 2014, mantinha 271 bolsistas no exterior do país (ANGOLA, 2022a).
Em retrospecto, é possível assinalar que, no rastro do conflito militar e de economia de guerra, a crise da educação pública foi percebida como uma oportunidade para a expansão do setor privado-mercantil que se impôs como uma alternativa indispensável para a educação superior do país. Como apontado, a expansão se deu sem regulação estatal efetiva. A institucionalização das políticas neoliberais ganhou nova escala com o fim da gratuidade do ensino secundário e da educação superior.
O Estado promoveu ajustes na legislação a exemplo das mudanças na Lei de Bases fortalecendo, desse modo, o fim da concepção socialista que inaugurou a constituição da educação do país após a Independência. É importante colocar em relevo a imbricação entre conflito militar, redução de gastos públicos do Estado e, no contexto da dissolução da URSS, do estabelecimento de medidas radicais em favor da privatização da educação.
No âmbito do ensino superior, como apontado, o processo de expansão privada começou a ganhar corpo ainda na década de 1990. As condições do conflito armado fizeram circunscrever o espaço em que as instituições foram instaladas, basicamente nas cidades de Luanda e Lubango. A unidade que se situava em Huambo se viu forçada a fechar as portas.
A primeira, criada em 1992, foi a Universidade Católica de Angola (Ucan), ligada a um segmento confessional (Decreto n. 38-A/92 de 7 de agosto), acabando com a exclusividade de instituição pública no Estado no ensino superior. A Ucan tinha as suas atividades restringidas à província de Luanda. A Universidade Agostinho Neto (UAN), estatal, abriu Núcleos e Centros Universitários (campi no interior) principalmente nas cidades sede de províncias do litoral nas quais os efeitos da guerra eram menos sentidos e oferecia alguma segurança de mobilidade. Surgem assim os Centros Universitários de Benguela, Cabinda, Huila, tendo sido consolidada a
presença da UAN com o fim do conflito armado em 2002 nas províncias do Cuanza Sul, Namibe, Uíge, Lunda Norte e o retorno a província do Huambo.
Importa destacar que o ambiente pré e pós-aprovação da primeira LBSE fundamentou condições favoráveis para o surgimento, quase dez anos depois, da primeira instituição privada, católica, seguida de mais três instituições vinculadas estritamente a grupos empresariais, a saber, Universidade Jean Piaget, em 2001; Universidade Lusíada de Angola, em 2002; e Universidade Independente de Angola, em 2005.
Em 2007, ocorreu novo impulso de surgimento de instituições privadas, um total de sete, todas elas em Luanda. Universidade de Belas; Universidade Gregório Semedo; Universidade Óscar Ribas; Universidade Técnica de Angola; Instituto Privado de Angola (depois passou para Universidade Privada de Angola); Instituto Superior de Ciências Sociais e Relações Internacionais; e o Instituto Superior Técnico de Angola.
Por diversas injunções, como a presença do Estado nas províncias, mediações com os poderes locais, demandas sociais, o governo de José Eduardo dos Santos redimensionou a única instituição pública até então para favorecer a gestão e criou, em 2009, mais quinze, passando a somar no total dezesseis instituições públicas, contra oito privadas no final do ano de 2009. Todo país ficou coberto com a presença do ensino superior.
Havia chegado a paz mediante o Acordo de Luena.11 O país passava por um momento econômico favorável impulsionado pelo alto preço do barril de petróleo. As possibilidades de ganho financeiro eram mais facilitadas e a procura por formação em todos os níveis cresceu, incluindo para o ensino superior. A despeito da maior arrecadação tributária potencial, em virtude da valorização das commodities, a demanda crescente não foi atendida pelas instituições públicas, mesmo com a abertura dos cursos em período pós-laboral (oferecidos no período noturno, das 18h até as 22h). Desse modo, os agentes das instituições privadas e os grupos empresariais, mais uma vez, identificaram um nicho de mercado favorável, e ocorreu uma verdadeira explosão de instituições privadas.
11 Acordo de Luena, uma cidade no Leste de Angola, foi um tratado celebrado entre as forças militares da UNITA e o Governo de Angola para pôr fim à guerra civil que durava mais de 27 anos.
Pode-se denominar este momento como a segunda grande onda de surgimento de instituições privadas, ocorrida em 2011 com a criação de mais dez, todas de grupos empresariais, e pela primeira vez, 60% delas são instaladas fora de Luanda (Benguela, Huíla e Huambo são as províncias escolhidas). Mas é necessário considerar que, nesse momento, algumas dessas instituições mantinham em algumas províncias seus núcleos. Desde então, o segmento privado passou a ser maior, acima de 60%, em relação às instituições públicas, conforme se observa no Quadro 2.
1990 | 1995 | 2000 | 2005 | 2010 | 2020 | 2021 | ||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
IES | 1 | 2 | 2 | 5 | 28 | 85 | 93 | |||||||
Inst. Públicas | 1 | 100 | 1 | 50 | 1 | 50 | 1 | 20 | 16 | 57,1 | 27 | 31,8 | 29 | 31,2 |
Inst. Privadas | 0 | 0 | 1 | 50 | 1 | 50 | 4 | 80 | 12 | 42,9 | 58 | 68,2 | 64 | 68,8 |
N – Número de instituições;
Como se observa, o crescimento do segmento privado encontra motivação, ao mesmo tempo, no fato do Estado não oferecer vagas que possam atender à demanda e a outras formas de indução estatal, na forma de isenções tributárias, repasses diretos, subsídios a bolsas de estudos. Anualmente, as instituições públicas possuem maior procura, mas oferecem menos vagas em relação às privadas, cujas vagas não têm sido todas integralizadas.
Analisando os dados presentes no Quadro 3, sobre o número de vagas, observa-se que, no ano de 2018 com 154.023 vagas, houve um aumento na ordem dos 14% em relação às 134.418 vagas ofertadas no ano de 2017, ampliação que se deu fundamentalmente nas instituições privadas que aumentaram a oferta em 12,5% (13.335 vagas), muito acima das públicas, cujo aumento foi de 0,97% (268 vagas). Urge então identificar quais critérios as instituições privadas usam para definir as vagas. Do ponto de vista de política pública, é evidente que as vagas do Estado estão em viés de baixa, em nível inferior à taxa de natalidade de 36,12 por cada mil habitantes/ano, combinando-a com a taxa de crescimento natural, calculada em 2,7%.
2017 | 2018 | |||||
Total | Públicas | Privadas | Total | Públicas | Privadas | |
Vagas | 13.4418 | 27.567 | 106.851 | 154.023 | 27.835 | 126.186 |
Candidatos | 234.369 | 167.167 | 65.202 | 254.754 | 155.701 | 99.053 |
Admitidos | 87.198 | 29.191 | 58.007 | 106.749 | 20.512 | 86.237 |
Matriculados | 78.574 | 92.824 |
Em virtude da maior qualificação do corpo docente e do perfil acadêmico, a pressão por vagas sobre as instituições públicas é maior do que em relação as privadas. Enquanto a procura pelas instituições públicas regista uma média de seis candidatos por vaga, nas instituições privadas a procura foi de menos de um candidato por vaga. Ou seja, o número de vagas foi maior que o de candidatos, apesar de se considerar que é comum os candidatos nas instituições públicas inscreverem-se em mais de um curso.
A pressão por vagas é justificada pelo fato de a população angolana ser bastante jovem, por estar em curso uma ampliação do acesso ao ensino secundário (médio no Brasil) e, por isto, a busca da formação superior é crescente. O último censo realizado em 2014 revelou que, dos 25.789.024 habitantes, 65% estão na faixa de 0 – 24 anos de idade.
Se considerarmos apenas a faixa etária compatível com o acesso ao ensino superior, ou seja, dos 18 aos 35 anos de idade, os indicadores apontam para cerca de 26,43% da população.
Ano Letivo | Alunos | Total | Incremento anual | Incremento % |
2015 | Concluídos | 86 772 | ||
2016 | Concluídos | 106 880 | 20 108 | 23,2 |
2017 | Concluídos | 129 784 | 22 904 | 21,4 |
2018 | Concluídos | 124 040 | -5 744 | -4,4 |
2019 | Concluídos | 133 981 | 9 941 | 8,0 |
2020/2021 | Concluídos | 185 149 | 51 168 | 38,2 |
766 606 | 19675,4 | 22,7 |
O aspecto da pressão com o aumento anual da procura, também é justificável pelo número de concluintes do ensino médio. Tomando os dados do período de 2015 até 2020/2021, este número cresceu até atingir 766.606 concluintes (Quadro 4). A tendência é crescente, com uma média anual de 19 675 estudantes, cerca de 22,7% a mais em relação ao ano anterior.
Quando comparadas as vagas oferecidas nos anos de 2017 e 2018 nas instituições públicas de ensino superior em relação ao total dos alunos que concluíram o ensino médio nos anos subsequentes (2016 e 2017), percebesse o fosso que é ocupado pelas instituições do segmento privado. Para o ano de 2017, são 76 313 e para 2018 constatou-se 101 949 de déficit de vagas. Isto corresponde à 287% e 366%
respectivamente (Quadro 5).
vagas | alunos | Diferença | % | ||
Ingresso no Ensino Superior nas Instituições Públicas em 2017 | 27.567 | Concluintes do Ensino Médio em 2016 | 106.880 | 76313 | 287 |
Ingresso no Ensino Superior nas Instituições Públicas em 2018 | 27.835 | Concluintes do Ensino Médio em 2017 | 129.784 | 101949 | 366 |
Uma tendência identificada é que existem maior número de instituições privadas de ensino superior nas províncias mais populosas, especialmente naquelas com mais de um milhão de habitantes.
Luanda possui 6.945.386 habitantes, correspondente a cerca de 27% da população, cuja densidade é de 368,9 pessoas por km2, é a sede de três instituições públicas e de trinta privadas, cerca de 35% das instituições do ensino superior, totalizando 47% das instituições privadas (Quadro 6).
Existem dois pontos fora da curva: da província da Huíla, que possui o segundo maior número de habitantes (9,6%) e conta com quatro instituições privadas e a província de Benguela, que, sendo a terceira província mais populosa (8,7% da população), possui cinco instituições privadas. A menor presença relativa de
instituições privadas provavelmente decorre do baixo poder aquisitivo da população jovem local e das famílias.
As províncias do Huambo, Cuanza Sul, Uíge e Bié seguem, grosso modo, a mesma tendência. Uíge, a sexta província mais populosa, com 5,7% da população, possui apenas uma instituição privada de ensino superior, contra duas localizadas no Bié, a sétima província mais populosa (Quadro 6).
Províncias | População | % | Densidade | IES | Públicas | Privadas |
Luanda | 6.945.386 | 26,9 | 368,9 | 33 | 3 | 30 |
Huíla | 2.497.422 | 9,6 | 33,8 | 6 | 2 | 4 |
Benguela | 2.231.385 | 8,7 | 70,9 | 7 | 2 | 5 |
Huambo | 2.019.555 | 7,8 | 63,3 | 5 | 2 | 3 |
Cuanza Sul | 1.881.873 | 7,3 | 34,3 | 4 | 2 | 2 |
Uige | 1.483.118 | 5,7 | 25,7 | 3 | 2 | 1 |
Bie | 1.455.255 | 5,6 | 20,7 | 4 | 2 | 2 |
Cabinda | 716.076 | 2,8 | 99,3 | 4 | 2 | 2 |
Outro elemento de destaque, observada na província de Cabinda, é a influência da densidade populacional em relação ao número de instituições privadas. Considerando este fator, Cabinda, com a maior densidade populacional (99,3), atrás apenas de Luanda, possui duas instituições privadas de ensino superior, o mesmo nível de Cuanza Sul e Bié.
A particularidade é explicável pela pressão da procura, considerando que a maioria da população habita o espaço urbano e, como visto no Quadro 4, houve relevante ampliação do ensino médio.
Considerando a tendência de crescimento das instituições do segmento privado, a participação das mesmas no número total de matrículas foi crescendo, representando nos anos de 2018 e 2019, do total dos matriculados, 53,1% e 59,5% respectivamente, contra 46,9% e 40,5% matriculados nas instituições públicas (Quadro 7). Este aspecto anima o setor privado-mercantil: das 57 instituições privadas, 89% pertencem a grupos empresariais. Destes grupos, podem-se destacar as instituições promotoras conectadas com às universidades Jean Piaget, Lusíadas, Independente e Gregório Semedo.
2018 | 2019 | |||
Estudantes | % | Estudantes | % | |
Matrícula Total | 261. 214 | 100 | 308. 309 | 100 |
Instituições Públicas | 122. 614 | 46,9 | 124. 742 | 40,5 |
Instituições Privadas | 138 .600 | 53,1 | 183. 567 | 59,5 |
Porém, quando analisado sobre a qualificação do corpo docente e o vínculo do mesmo nas instituições, constata-se que as instituições públicas possuem docentes com maior titulação, a saber, com mestrado e doutorado, assim como em regime de tempo integral.
Título | 2018 | 2019 | ||
Docentes | % | Docentes | % | |
Docentes Doutores | 1.040 | 1.244 | ||
Doutores nas Públicas | 682 | 16,8 | 814 | 17,6 |
Doutores nas Privadas | 358 | 5,6 | 430 | 6,3 |
Docentes Mestres | 3.541 | 4.096 | ||
Mestres nas Públicas | 1.836 | 45,3 | 2.129 | 46,2 |
Mestres nas Privadas | 1.705 | 26,7 | 1.967 | 28,8 |
Docentes Licenciados | 5.860 | 6.084 | ||
Licenciados nas Públicas | 1.531 | 37,8 | 1.670 | 36,2 |
Licenciados nas Privadas | 4.329 | 67,7 | 4.423 | 64,9 |
No total, as instituições públicas no ano de 2018 apresentavam entre os docentes 16,8% de doutores, 45,3% de mestres e 37,8% de licenciados. Já as instituições privadas possuíam entre os docentes 5,6% de doutores, 26,7% de mestres e 67,7% de licenciados. Apesar de perceber-se uma evolução no ano seguinte, 2019, chegando as instituições privadas a ter entre os docentes 6,3% de doutores, 28,8% de mestres e reduzido os licenciados em 64,9%, não alcançaram as instituições públicas que progrediram em 17,6% de doutores, 46,2% de mestres reduzindo os licenciados em 36,2% (Quadro 8).
Esta evidência é consequência da estratégia das instituições para reduzir os custos com a remuneração de docentes com maior qualificação e de categorias docentes mais altas.
Essa estratégia contrasta com ao menos um dos indicadores para avaliação externa consignada no artigo 31º do Decreto Presidencial n. 203/18 de 30 de agosto, estabelecido na alínea b) do número 2, do artigo 20º do Regulamento do processo de avaliação externa e acreditação das instituições de ensino superior, aprovado pelo Decreto Executivo n. 109/20 de 10 de março.
No processo de avaliação externa são considerados indicadores obrigatórios, os seguintes: (…) Corpo docente, sendo 50% dos docentes em regime de tempo integral com grau de doutor para Universidades e Academias e 50% dos docentes em regime de tempo integral com grau de Mestre para as outras IES (ANGOLA, Decreto Executivo nº 109/20 de 10 de março).
Deste modo, fica evidente que, do ponto de vista da qualificação, tomando os dados do Quadro 8 como referência, nem mesmo as instituições públicas têm condições de atender às exigências estabelecidas para as Universidades e Academias, estando próximas das exigidas para os Institutos e Escolas Superiores. Quanto às instituições privadas, estão, neste quesito, muito aquém do exigido.
Outro indicador de imensa relevância que reforça a ideia mercantil é o regime de trabalho. As instituições privadas tendem a manter os vínculos com regime de prestação na forma de colaboradores, um modo que permite remunerar professores com valores muito abaixo do atribuído aos docentes efetivos, reduzindo os custos com o pessoal, por via da precarização salarial.
2018 | ||
Docentes | % | |
Docentes no Total | ||
Públicas | 4.049 | |
Privadas | 6.392 | |
Docentes Efetivos | ||
Efetivos nas Públicas | 2.817 | 69,6 |
Efetivos nas Privadas | 1.174 | 18,4 |
Docentes Colaboradores | ||
Colaboradores Públicas | 1.232 | 30,4 |
Colaboradores Privadas | 5.218 | 81,6 |
Enquanto as instituições públicas apresentavam no ano de 2018 cerca de 69,6% dos docentes como efetivos e 30,4% como colaboradores, as instituições privadas apresentaram 18,4% de docentes efetivos e 81,6% como colaboradores (Quadro 9).
A qualificação e o tipo de regime de trabalho, se em tempo completo e com dedicação exclusiva, ou se por meio de contratos por tempo determinado, são indicadores muito fortes para caracterizar as instituições de ensino superior. Baixa qualificação média e regime de tempo parcial e por tempo determinado significam instituições não engajadas na pesquisa e na pós-graduação; inversamente, elevada qualificação média e regime de tempo completo denotam instituições com potencial de pesquisa e produção de conhecimento original.
O exame das tendências da educação superior em Angola das três últimas décadas permite identificar linhas de força que repercutem de modo muito forte no porvir da nação: o setor público foi descentralizado por meio da criação de novas instituições estatais, a interiorização foi aperfeiçoada, mas o acesso foi modificado com o fim da gratuidade, tema ainda a ser mais bem conhecido. Entretanto, são as instituições públicas as que possuem potencial de pesquisa e pós-graduação, tema crucial em qualquer país, mas que assume ainda maior relevância em um país em que o aparato estatal de ciência, tecnologia e inovação ainda é incipiente; as privadas confessionais, em busca de seus propósitos formativos, não têm investido de modo acentuado na infraestrutura de pesquisa, situação evidenciada pelo fato de que sequer apresentam indicadores de produção acadêmica nos anuários oficiais das universidades do país (NIEMBO e VALENTIN, 2019), ofertando cursos que, em geral, são reconhecidos como organizados e supostamente preocupados com a qualidade. O segmento privado-mercantil, contudo, desenvolveu estratégias de expansão agressivas e, pelos indicadores coligidos, não possui qualquer engajamento com a pesquisa e nem um passado de qualidade a ser continuado. É certo que o segmento privado-mercantil expressa um novo contexto para a educação do país e para as possibilidades de complexificação da força de trabalho das cadeias produtivas em Angola.
O estudo aqui exposto preconiza que a diferenciação das instituições de ensino superior não se deu pelas relações do livre mercado, pois decorre de diversos acontecimentos econômicos, militares e políticos registados na década de 1990 em Angola que criaram as condições para a ampliação de um setor de prestação de serviços educacionais como segmento mercantil lucrativo.
Assim, as tendências identificadas foram a massificação (no sentido de oferta orientada para a captação de grande número de clientes), a alteração das fontes de financiamento da educação com a exoneração do Estado e o repasse para as famílias, o repasse do fundo público para as instituições de ensino privadas, por meio de isenções tributárias e subsídios ao programa de bolsas de estudo, e a adoção de metodologias que valorizam a educação à distância, apesar de não existirem ainda cursos inteiramente a distância.
Quanto à massificação, percebe-se o crescimento de instituições privadas de forma acentuada, em taxa muito superior às das instituições públicas, com destaque nas áreas urbanas. A tendência de expansão privada é reforçada pelas profundas alterações realizadas pela Assembleia Nacional no texto da LBSEE, através da Lei n. 32/20 de 12 de agosto, que reduziu a plena gratuidade ao ensino primário. Com esta aprovação, reducionista do princípio da gratuidade, abriu-se caminho para se repassar os custos da educação às famílias. Foi aprovado o Decreto Presidencial n. 124/20 de 4 de maio, que passou a regular a cobrança de taxas e emolumentos nas instituições públicas do ensino superior, mas também passou a permitir a cobrança de mensalidades escolares nestas instituições, algo que somente acontecia para os cursos do período pós-laboral.12
Importa destacar que este repasse às famílias, também alcançou o ensino secundário, com o Despacho Presidencial n. 129/20 de 16 de setembro, que deu lugar ao Decreto Executivo n. 40/21 de 24 de fevereiro, que aprovou as taxas e os emolumentos dos serviços prestados pelas instituições públicas do ensino secundário, algo que ocorreu pela primeira vez, após 46 anos da Independência de Angola.
A terceira tendência identificada relaciona-se com a busca do ensino híbrido, alterando o ensino tradicional presencial, por meio da adoção de metodologias que
12 Cursos do período pós-laboral são aqueles que são ministrados no período noturno, cuja criação estava relacionado em dar aos trabalhadores a oportunidade de estudar após a jornada laboral. Para estes é cobrada uma comparticipação financeira integral (mensalidade).
valorizam a educação à distância. Tal tendência traz consigo consequências que impactam a expansão da educação superior.
Entre elas, observa-se o descumprimento das normas e o foco empresarial voltado para o lucro; uma expansão sem qualidade, traduzindo-se não apenas na ausência da autonomia científico-cultural, exacerbando, por conseguinte, a heteronomia cultural, mas no quase total desligamento das atividades de pesquisa, formação vinculada à ambientes de investigação e extensão nas instituições de ensino superior, situação que reduz o diálogo das universidades com os problemas nacionais e com a comunidade científica por meio de artigos académicos. Resulta da formação orientada para o lucro, crescente oferta formativa de cursos considerados “quadro e giz”, nas áreas de Ciências Sociais, Comércio e Direito e Ciências de Educação.
Chegados aqui, pode-se entender que a educação em Angola, um direito inalienável, foi tornado um produto do mercado. Deste modo, grupos com fins lucrativos passaram a ocupar o espaço que ativamente o Estado propiciou: a despeito das dificuldades do período especial advindo do conflito militar, o foco na defesa da educação como dever do Estado e direito dos cidadãos deixou de ser observado quando foi permitido que grupos educacionais com fins lucrativos ocupasse o que foi concebido como um mercado educacional sem controle social estatal efetivo.
Como apontado, tal tendência foi mais ampla, pois envolveu a incorporação crescente de agendas económicas neoliberais que propugnavam corte nos gastos sociais e cobrança de taxas. Dificilmente, a expansão privada-mercantil pode ser compreendida de modo desvinculado do intento de ‘destruir’ a herança do período revolucionário da Independência que, com todas as contradições, estabeleceu o princípio da educação universal, organizada em âmbito nacional, pública, gratuita, comprometida com os problemas nacionais e a soberania do país.
Agindo com as regras do mercado em um país capitalista dependente, o empresariado da educação opta por docentes de menor qualificação, estabelece contratos precários, valoriza o regime de tempo parcial em detrimento do tempo integral e aproveita-se da fragilidade da fiscalização, ofertando um ensino esvaziado
de pertinência com os problemas da Nação. É sumamente grave para o futuro de Angola que os novos graduados não estejam preparados académica e eticamente para enfrentar os desafios da construção do bem-viver em um país que viveu os horrores da guerra e que segue com inadmissíveis desigualdades sociais e regionais. Como o objetivo é o retorno econômico do que é concebido como um negócio,
a oferta formativa está concentrada nas áreas das Ciências Sociais, Comércio e Direito, pensadas como domínios em que é possível formar estudantes sem pesquisa sistemática. Desse modo, uma dupla combinação afasta a formação dos estudantes das necessidades do país: oferta cursos de ciências sociais como se fosse possível formar pessoal sem assegurar vivacidade a tais áreas, apenas como cursos baseados em livros e manuais, e abandona as demais áreas do conhecimento que, como a pandemia de Covid-19 demonstra, são indispensáveis ao futuro da humanidade.
Não se trata de voltar ao passado. Entretanto, é preciso reatar o fio da história construído com as lutas das gerações pretéritas, a exemplo da geração dos sujeitos que lutaram em prol da libertação nacional. O país necessita ser construído com a inteligência, a cultura, a arte e a sensibilidade da polissêmica cultura que pulsa no país. E, por isso, as universidades não podem deixar de assumir um lugar estratégico de formação, pesquisa e extensão comprometidos ética e teoricamente com os desafios de forjar uma democracia que harmonize as dimensões políticas e econômicas que lastreiam a felicidade de toda gente. Balanços rigorosos sobre as tendências da educação superior devem seguir sendo feitos para que seja possível reunir forças sociais que atuem em prol da reorientação profunda dos rumos da educação superior.
O ensino mercantilizado aprisiona o país no mais perverso presentismo, pois não assegura a formação de jovens com imaginação criadora, condição básica para associar de modo indissolúvel as universidades com os mais generosos anseios do povo. As universidades públicas somente podem ter futuro com a retomada do dever do Estado, a exemplo das esperanças de 1975, período da Independência, assumindo lugar de supremacia na educação superior nacional. A participação privada, suplementar, obrigatoriamente deve obedecer às normas nacionais e não possuir teor mercantil, ter a sua atividade fiscalizada em conformidade com os objetivos gerais da educação nacional e, por isso, não podem assumir a função de empresas em busca de lucros às custas da formação das novas gerações.
ANGOLA. Decreto nº 26/77, de 15 de março. Aprova o diploma orgánico do Ministério da Educação. Diário da República, I Série, n. 61. Luanda: Conselho de Ministros, p. 133 – 137.
. Decreto Executivo nº 109/20, de 10 de maio. Aprova o regulamento que estabelece o processo de avaliação externa e acreditação das instituições de ensino superior e dos respectivos cursos. Diário da República, I Série, n. 27. Luanda: Ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação, p. 2.054 – 2.062.
. Decreto Executivo Conjunto nº 40/21, de 24 de fevereiro. Aprova as taxas e os emolumentos a cobrar pelos serviços prestados pelas instituições públicas do ensino secundário. Diário da República, I Série, n. 34. Luanda: Ministérios das Finanças e da Educação. p. 1.983 – 1.985.
. Decreto Presidencial nº 124/20, de 4 de maio. Aprova o regulamento sobre propinas, taxas e emolumentos nas instituições públicas do ensino superior. Diário da República, I Série, n. 60. Luanda: Presidente da República, p. 2.861 – 2.865.
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