V.20, nº 42, 2022 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


ESTADO AMPLIADO E O EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA1


Adriana Medeiros Farias2


Resumo

O objetivo central do texto é analisar a força da ação empresarial na educação, em expansão e em constante luta de classes, por meio dos seus Aparelhos Privados de Hegemonia e suas Frentes Móveis de Ação. Assim, a partir dos fundamentos do materialismo histórico-dialético e da pesquisa documental é possível expor o processo articulado de Empresariamento da educação pública no atual estágio de desenvolvimento capitalista. Conclui-se que as estratégias empresariais para a disseminação do seu ideário têm centrado nas políticas educacionais para expansão dos seus negócios.

Palavra-chave: Aparelhos Privados de Hegemonia; Fundação Lemann; Educação.


ESTADO AMPLIADO Y EL EMPRESARIAMENTO DE LA EDUCACIÓN PÚBLICA


Resumen

El texto tiene como objetivo principal analizar la fuerza de la acción empresarial en la educación, en expansión y en constante lucha de clases, a través de sus Aparatos Privados de Hegemonía y sus Frentes Móviles de Acción. Así, desde los fundamentos del materialismo histórico-dialéctico y la investigación documental, es posible exponer el proceso articulado de Empresariamiento de la educación pública, en la etapa actual de desarrollo capitalista. Se concluye que las estrategias empresariales para la difusión de sus ideas se han centrado en políticas educativas para expandir sus negocios.

Palabra clave: Aparatos Privados de Hegemonía Empresariales; Fundación Lemann; Educación.


EXTEND STATE AND EMPRESARIAMENTO PUBLIC EDUCATION


Abstract

This work aims to analyze the increasing power of business action at the education, that faces constant class struggle through their private hegemony apparatus and action fronts. So, using the historical- dialetical materialism foundations and documental research it's possible to show the articulated process of education empresariamento at the current capitalism development stage. The research concludes that the business strategies for ideological dissemination have been centered at public education policies for their business expansion

Keyword: Private Hegemony Apparatus; Lemann Fundation; Education


1 Recebido em 16/03/2022. Primeira avaliação em 17/05/2022. Segunda avaliação em 20/05/2022. Terceira avaliação em 28/05/2022. Aprovado em 22 /06/2022. Publicado em 21/07/2022.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i42.53532.

2Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora Associada do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Paraná/Brasil. E-mail: adrianafarias@uel.br.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0773390467001092. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7911-8711.

Introdução


A análise da sociedade civil a contrapelo dos movimentos dos subalternos não é tarefa fácil, mas é no método de Marx, a partir do materialismo histórico-dialético, cuja análise relacional é requerida, que se encontra caminho sólido, e, em permanente construção, para a aproximação e a interpretação da totalidade da realidade social concreta como um dos complexos em sua historicidade processual, dinâmica e conflitiva (MARX, 2011).

O método citado anteriormente é ponto de partida desse texto para a análise que tem por objeto o estudo dos meios pelos quais as frações das classes burguesas empresariais disseminam o seu modo de ser, sua concepção de mundo, de ser humano e de educação particulares como se fossem gerais da sociedade, convencendo e impondo às classes subalternas seus projetos de classe, tornando-os “senso comum”. Dentre as diversas formas de dominação burguesas, destacam-se as ações oriundas das organizações que reúnem os interesses empresariais. O estudo aprofundado da sua organicidade expõe a sociedade civil como terreno da luta de classes, e, portanto, longe de ser harmonioso, expõe também o tensionamento entre os projetos societários que só podem ser compreendidos em relação com a sociedade política. Nas palavras de Virgínia Fontes, “sem um isolamento entre o terreno do consenso e do convencimento, ou uma sociedade civil idealizada, e o âmbito da coerção e da violência. Ambas encontram-se estreitamente relacionadas” (2010, p.136).

Nesse sentido, o aparato analítico do constructo teórico gramsciano de Estado integral ou Estado Ampliado, aqui tomados como sinônimos, de Aparelhos Privados de Hegemonia (APH), de intelectual orgânico e de hegemonia são fulcrais para a consistência da análise pretendida.

Estado, na construção gramsciana, é uma relação social, é a expressão das relações sociais de produção e da materialização dos projetos pelo bloco no poder, portanto compreendido como condensação de uma relação social que rejeita a matriz liberal de Estado sujeito que paira sob a sociedade, dotado de vontade própria ou do Estado objeto dos grupos dominantes (MENDONÇA, 1998).

A complexa categoria analítica de Estado ampliado, inclui as tensões e as disputas que as classes fundamentais e as frações de classes travam também no

interior dos aparelhos do Estado restrito (sociedade política) ao mesmo tempo em que nos Aparelhos Privados de Hegemonia (APH) (sociedade civil) isto é, sociedade civil e sociedade política como “unidade-distinção”. Por Aparelho Privado de Hegemonia entende-se o “[...] conjunto de organismos designados vulgarmente como ‘privados’” (GRAMSCI, 2001, p. 20) para citar alguns deles, organizações sociais, fundações, institutos, escolas, sindicatos, igrejas, jornais e revistas. Os organismos privados são capazes de expressar as lutas sociais em torno da hegemonização do ideário das classes dominantes pelas ações do Estado em seu papel educador, recorrendo às diferentes formas de convencimento e de coerção, dirigidos e organizados pelos intelectuais orgânicos no exercício de diferentes funções quer sejam de “domínio direto ou de comando” (GRAMSCI, 2001). Do conjunto de APHs, esse estudo concentra a análise dos Aparelhos Privados de Hegemonia Empresariais (APHEs), isto é, das organizações sociais, das fundações e das instituições, derivadas sobretudo do Conglomerado de Aparelhos Privados de Hegemonia Empresarias Lemann e sócios (FARIAS, 2021), representativas dos interesses dos diversos setores empresariais (industrial, agrário, bancário e financeiro).

O acréscimo do termo empresarial ao de APH, derivado do constructo gramsciano, é feito pela historiadora Virgínia Fontes (2010; 2020), para designar o fenômeno de expansão de miríades braços sociais empresariais, no início do século XXI, com atuação intra e inter classes sociais. Os estudos da autora indicam que a educação pública é o principal alvo das formas de dominação burguesas de novo tipo, por meio dos seus aparelhos privados coletivos. A finalidade é invisibilizar as lutas populares, em especial aquelas em defesa da educação pública, para subsumi-las ao ideário empresarial, à forma do capital. A captura das lutas sociais pelas classes dominantes por meios das suas campanhas e ações “mercantil-filantrópicas”, nas palavras de Fontes (2018), corrobora para a difusão da ideia de que não há luta de classes, desse modo, as demandas sociais estão incorporadas às pautas das organizações aparentemente sem fins lucrativos e vínculo político-partidário, defensoras das causas dos subalternos.

Diante do exposto, o objetivo deste texto é expor o processo de Empresariamento da educação pública, como um complexo social histórico situado nos últimos trinta anos no território brasileiro, como parte da disputa de projetos

antagônicos que se forjam no Estado Ampliado. Parte-se das pesquisas3, concluídas e em andamento, de cunho qualitativo, documental e bibliográfico, que têm circunscrito a construção do Conglomerado de Aparelhos Privados de Hegemonia Empresarias Lemann e sócios, para mapear e expor a articulação dos APHEs coletivos e de suas Frentes Móveis de Ação Empresariais4, assim como da adesão às formas de dominação burguesas de novo tipo que se constituem no interior da sociedade política.

Na primeira seção, o texto delineia os aspectos gerais do campo de pesquisa a respeito da forma organizativa coletiva do empresariado. Em seguida, descreve o modus operandi dos Aparelhos privados empresariais para explicitar a organicidade e a capilaridade entre e dos APHEs e as empresas, assim como a articulação entre os intelectuais orgânicos na hegemonização do modelo empresarial de educação. Tudo isso ocorre ao mesmo tempo em que se produz escala para os produtos e os serviços com participação direta dos prepostos empresariais na gestão pública. No lastro da atuação expressiva do Conglomerado de APHEs, as alianças intra frações empresariais burguesas e entre classes são expostas por meio das Frentes Móveis de Ação Empresariais, para dimensionar a trama de influências na definição das políticas educacionais, por fim, o texto conclui com apontamentos e sínteses provisórias e sugere desdobramentos para pesquisas futuras.


As formas organizativas das frações empresariais das classes dominantes


A história do empresariado brasileiro e suas formas associativas coletivas com vistas para imprimir seus interesses de classe têm sido, ao longo de muitos anos, objeto de estudos. O livro “Dimensões do Empresariado Brasileiro: história,



3As pesquisas são parte do estágio pós-doutoral realizado no Instituto de História, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da pesquisa em andamento intitulada “Estado Ampliado e o Empresariamento da Educação Pública no Brasil”, coordenado pela autora e pesquisadora líder do Grupo de Pesquisa em Educação, Estado Ampliado e Hegemonias (GPEH), da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

4René Dreifuss, historiador uruguaio, construiu ao longo de sua obra, categorias de análise relevantes para a compreensão da atuação empresarial na sociedade civil. Nesse trabalho, o uso livre dos termos Frentes Móveis de Ação tem inspiração nos estudos de Dreifuss (1987a; 1987b) e das categorias por ele utilizadas “elite orgânica, frentes móveis de ação e córtex político”. O autor caracterizou a atuação das frações das classes burguesas empresariais e suas táticas de produção de hegemonia. Frentes Móveis de Ação, nesse texto, expressam organicidade empresarial, e, de seus intelectuais orgânicos, na formação do consenso em torno de pautas centrais e conjunturais que resultem na aprovação de políticas governamentais, dentre elas as educacionais.

organizações e ação política”, organizado por Campos e Brandão, publicado em 2019, é uma importante referência para aprofundar o assunto. Dele é possível extrair o mapa das pesquisas mais recentes em diversos setores e ramos da atuação empresarial, assim como as bases do pensamento científico, a partir da literatura dos clássicos e das obras de referência, tais como do cientista político uruguaio René Armand Dreifuss, aos contemporâneos Álvaro Bianchi (2004) e Sônia Mendonça (1997) no setor agrário e, da historiadora, Virgínia Fontes, acerca das frações de classe e sua atuação em escala internacional. O conteúdo, em síntese, reafirma que a formação das classes dominantes do Brasil não é homogênea, ela é complexa, de diferentes tipos, forjada no movimento da história com diferentes formas associativas.

O empresariado de diversos setores da economia sempre esteve na disputa pela definição das políticas sociais: saúde, habitação, agricultura, na gestão pública e na cultura, isto confirma que eles estavam presentes no Estado restrito antes da ditadura militar, portanto, não se trata de uma novidade. O que faz com que no início do século XXI a atuação empresarial na educação tenha espaço central, tenha ocupado o foco das nossas pesquisas? Virgínia Fontes em sua obra de referência, “Brasil e o Capital imperialismo: teoria e história”, publicado em 2010, assim como em outros escritos, discorre a respeito do avanço do capital e dos capitalistas na disputa pela hegemonia frente à tomada de decisão, dentre muitos outros aspectos da vida social, nas políticas sociais. A historiadora distingue o modo pelo qual o capital opera e age para se manter lucrando, com um novo tipo de extração de mais valor, mantidas as formas de expropriação primárias e secundárias. Nesse processo, a sociabilidade se reorganiza para manter a exploração da classe trabalhadora5 e subtrair dela toda a riqueza produzida.

Como isso é possível? A produção e a reprodução da forma de ser capitalista não se expandem sem mecanismos de violência e de controle dos trabalhadores, mas o convencimento é o cimento necessário para a legitimação do funcionamento e da


5 Classe trabalhadora, também chamada de proletariado, analisada como categoria analítica por Marx em O Capital, expressa a totalidade da realidade concreta e suas múltiplas determinações. A classe trabalhadora, que tem sua vigência como categoria analítica, só pode ser entendida, de acordo com Mattos (2019) “como processo histórico e relação social” (p.146). Permanece o conceito e o desafio analítico para compreender o conceito, no capitalismo contemporâneo. Ricardo Antunes (2018) também aponta para a relevância dos contornos sociológicos e históricos das classes trabalhadoras que não se restringem às formas contratuais, estas assumem formas e identidades particulares, sob as condições cada vez mais desumanas e de destituição total dos direitos civis historicamente conquistados.

perpetuação do capital. Não se pode prescindir do entendimento de como se opera o processo de convencimento das classes subalternas para adesão ao projeto capitalista que está em curso, mas ganha novos contornos jurídicos, econômicos, culturais, educativos, institucionais e organizativos. O processo de hegemonização das pautas educacionais empresariais tem mão dupla: a expansão do mercado educacional público e privado e a hegemonização da ideologia empresarial.

Não é sem intencionalidade que a educação pública é a escolhida por capitalistas de diversos setores (bancário, industrial, financeiro, agronegócio) como principal frente de atuação dos seus braços sociais. Estas organizações são portadoras de projetos distintos, mas conseguem se reunir em torno da ideia de que a empresa é a principal organização social e o modelo deve ser reproduzido em todo o sistema escolar e da gestão pública educacional.

O estudo da atuação empresarial na educação passa fundamentalmente pela análise das formas pelas quais o trabalho está subordinado e dependente do capital internacional e financeiro, amalgamado pelo convencimento dos subalternos de que a sociabilidade capitalista é inevitável. As formas pelas quais as classes dominantes produzem o consenso é marcada pela expansão, na década de 1990, e início do século XXI, pela criação de miríades associações empresariais (FONTES, 2010). As pesquisas-referência, deste período, lastrearam a atuação empresarial na educação, com a incidência nas parcerias público-privadas, na privatização dos serviços e na precarização do trabalho docente, na educação básica e no ensino superior, assim como analisaram os marcos regulatórios internacionais e nacionais e a participação empresarial.

Quem são os empresários e qual a sua função? Os empresários são intelectuais orgânicos que cumprem funções distintas e agem para a adesão da classe trabalhadora às formas de exploração do capital. Dos organismos da sociedade civil aos postos de comando nos aparelhos do Estado o empresariado dirige e comanda a generalização dos seus interesses. A partir de Gramsci, Fontes ressalta o papel dos intelectuais orgânicos vinculados à classe dominante como organizadores da dominação, da “[...] organização (produção coletiva) de visões de mundo, da consciência social, de ‘formas de ser’ adequadas aos interesses do mundo burguês (a hegemonia)” (FONTES, 2006, p. 21).

A participação empresarial nas organizações ou braços tentaculares sociais para a definição das políticas sociais e, portanto, nas políticas educacionais constituiu- se de diferentes formas na história educacional brasileira. Nos anos 1990, por exemplo, as conferências internacionais, os eventos e os documentos, produzidos pelos “tanques de pensamento”, dentre eles a UNESCO, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tiveram (e continuam tendo) papel importante na definição e nas orientações gerais aos países, no delineamento das políticas para a educação básica e ensino superior.

Várias pesquisas no campo da história, das ciências sociais e da educação têm se dedicado à análise da participação de setores da burguesia empresarial brasileira nas organizações internacionais e nos aparelhos privados coletivos, dentre elas estão o Movimento Brasil Competitivo (MBC), o Instituto Liberal, o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Instituto Von Mises. Cada uma delas tem a sua particularidade, podendo ter ou não vínculo partidário.

No campo da Educação, o Movimento Todos pela Educação e suas Frentes Móveis de Ação corroboram para disseminar, por meio do conjunto das organizações, o conteúdo de que a sociedade civil é terreno neutro, incorruptível e fértil para a filantropia ou como se denomina no Brasil, para o “investimento social privado”6. O entendimento do empresariado é de que o recurso privado está livre das amarras burocráticas dos aparelhos administrativos do Estado, e, portanto, em condições de disseminar o projeto estratégico de educação. No Estado, de outro lado, encontram- se a burocracia, a gestão corrupta e a ineficiência e ineficácia administrativas. A solução liberal apontada pela nova administração pública para dirimir os problemas educacionais do Brasil é a Reforma do Estado.

Importante destacar que a disseminação da pauta empresarial e a viabilização dos projetos se efetivaram sob a égide dos marcos legais específicos para as organizações sociais. Entretanto, o escudo dos marcos regulatórios institucionais e educacionais e a presença expressiva dos representantes empresariais na sociedade



6 O Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), com o apoio Fundação Lemann, Instituto Humanize, Comunitas e Vetor Brasil, publicou o documento: “O que o investimento social privado pode fazer por Gestão Pública”. O documento é parte de uma coletânea que reúne vários temas e é interessante para compreender como os APHEs se organizam entre eles para convencer empresas e seus braços sociais a investirem na denominada agenda pública articulada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030.

política, o que poderia garantir a hegemonia das pautas, não eliminaram os inúmeros instrumentos e mecanismos de coerção e de cerceamento da grande massa de trabalhadores e de trabalhadoras da educação. As constantes manifestações de ojeriza à organização sindical, assim como a criminalização dos movimentos sociais e os constantes assassinatos de trabalhadores sem-terra e indígenas, explicitam o tensionamento entre capital e trabalho, no interior do Estado capitalista. No próximo subitem será possível compreender as formas de organização e a articulação empresariais, nesse contexto.


A articulação dos APHEs na educação pública


Da leitura dos relatórios, documentos, atas e do material disponível nos sites da Fundação Lemann (2001) e do Instituto Lemann (2011), da Fundação Estudar (1991), e do Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (ISMART) (1999), do estudo do funcionamento dos projetos, dos programas, das ações, da movimentação entre e com os APHEs parceiros, desde o início das suas atividades, em 1991, é possível extrair a maneira pela qual funciona a Fundação Lemann e concluir que do ponto de vista organizativo, do poder econômico e de difusão do consenso estamos diante de um Conglomerado de Aparelhos Privados de Hegemonia Empresariais Lemann e Sócios (FARIAS, 2021).

A Fundação Lemann é uma organização familiar suíça originária do conjunto das holdings do capital financeiro de Jorge Paulo Lemann, um dos capitalistas mais ricos do Brasil7. Lemann e os sócios Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira8também são responsáveis pela produção da desigualdade social e econômica nas relações sociais de produção, e sob elas, instituíram braços sociais empresariais, miríades “casamatas do capitalismo” com ação central na educação



7 De acordo com os dados da Forbes, 2021, Jorge Paulo Lemann, ex-Proprietário do Banco Garantia, dono das holdings: 3G Capital, Innova Capital, Gera Venture Capital, Brahma, Americanas AS, Ab Inbev é o segundo no ranking geral dos bilionários do Brasil, com patrimônio estimado em R$ 96,5 bilhões (CASTRO, 2021). O relatório da Oxfam Internacional publicado em 2022, intitulado, A Desigualdade Mata, aponta para o crescimento do número de bilionários e o aumento da riqueza dos dez homens mais ricos do mundo na pandemia, no site da organização, os dados preliminares indicam que “160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza. Nesse meio tempo, estima-se que 17 milhões de pessoas morreram de Covid-19 no mundo” (OXFAM, 2022).

8Sicupira também é o principal apoiador da Fundação Brava e membro Fundador do Instituto Empreender Endeavor Brasil, instituição que atua no setor do empreendedorismo de alto impacto. Herrmann Telles é o criador e mantenedor do ISMART.

pública de crianças e jovens, entre outros campos da cultura, da assistência e do esporte. Em sua página virtual, a Fundação Lemann, difunde o bordão de que a educação pública de qualidade é um direito de todos. Nossa missão é contribuir para o aprimoramento das redes de ensino públicas para que todos os estudantes possam atingir seu máximo potencial” (FUNDAÇÃO LEMANN, 2022)9.

O funcionamento institucional do Conglomerado Lemann e sócios, no Brasil, explica em parte a expansão dos APHEs, no final do século XX e início do Século XXI, como reprodutores dos valores capitalistas em sua forma organizativa e expansionista, na medida em que as organizações Lemann assumem papéis complementares entre si e coletivamente atuam em programas de formação na educação básica de crianças, adolescentes e jovens e na pós-graduação.

Estes APHEs, abrigam os intelectuais orgânicos especializados que materializam o projeto estratégico nacional representativo da fração da classe empresarial sob os princípios neoliberais de orientação internacional. Eles são disseminadores da ideia de que a educação pública é negócio rentável para se investir, apesar dos riscos do mercado; que o poder público é o principal cliente que proporciona escala e repetição dos produtos e serviços10 e que as políticas educacionais se efetivam sob o modelo de gestão empresarial. Os sujeitos coletivos servem de laboratório para os prepostos/funcionários eficientes e eficazes formados academicamente pelas universidades públicas e privadas e treinados em seus programas de lideranças e talentos. Motta e Andrade, destacam a mercantilização da educação


como uma das faces características do empresariamento da educação com traços de “novo tipo”, à medida que o protagonismo do empresariado na educação, ao vincular cada vez mais diretamente capacitação e trabalho, exacerba essa tendência histórica da sociedade de classes, qual seja, a subsunção da educação à forma e lógica da mercadoria (MOTTA; ANDRADE, 2020, p. 75).


9 Ver Fundação Lemann Disponível em: Fundação Lemann (fundacaolemann.org.br). Acesso em 18 de junho de 2022.

10 Em uma das cartas da Gera Ventura Capital, Tecnologias e Educação, é possível encontrar a seguinte afirmação “Visto que a maior parte da educação está sob a responsabilidade pública, o governo exerce papel fundamental de fomento e incentivo à adoção de tecnologia. Para que haja uma massificação do impacto e criação de um mercado consumidor atraente, a rede pública deve se tornar o principal cliente dessas novas tecnologias (GERA VENTURE CAPITAL, s/d, p. 01).

A movimentação mercantilista não se dá somente entre empresas e poder público, mas por um mecanismo complexo de articulações entre APHEs, empresas e diversos aparelhos do Estado, no processo de privatização, com a participação direta dos prepostos, terceirizando o papel do poder público na oferta e no atendimento das demandas educacionais e dando centralidade ao de financiador do projeto empresarial.

Em linhas gerais, das organizações-matriz podem surgir, com o financiamento dos conglomerados, as organizações-filiais ou startups sociais. As organizações filiais cumprem o papel importante na execução e na experimentação dos produtos, serviços ou “soluções educacionais” que permitam colocar à prova o potencial para criar padrão e escala nas redes públicas e privadas de ensino. Elas são um tentáculo ou uma extensão tecnológica e especializada das organizações-matriz requisitadas para implementar projetos, programas, plataformas e experimentos, além de assumirem os riscos do fracasso e do ônus jurídico ou bônus político, que levarão à alavancagem do produto para outro patamar de investimento e ou condição de produção de hegemonismo. O Vetor Brasil 11 é uma dessas startups sociais que interessa a análise, assim como o recém-criado, em 2021, Instituto Gesto e o Instituto Reúna, todos investimentos da Fundação Lemann.

No Quadro 1, estas organizações estão concentradas nos Programas do setor da gestão pública com o nicho de mercado voltado ao treinamento12, à atração e à seleção de pessoas, com o Programa Aliança/Vamos, e à formação continuada de gestores, dos professores e dos técnicos das secretarias de educação, nesse último, em diferentes versões do Programa Formar/Instituto Gesto.

Vetor Brasil, apoiada e codirigida pela Fundação Lemann, participou das principais ações de seleção de lideranças em vários estados e municípios, saindo da condição experimental, para ocupar o lugar de referência participando de algumas Frentes importantes na gestão pública, tal como aparece na lista de apoiadores do Movimento Pessoas à Frente, no Quadro 2.


11 Joice Toyota, ex-bolsista da Fundação Estudar e Lemann Fellow, diretora executiva do Vetor Brasil, afirma que o impacto social da sua organização é feito em escala: “Não há barreira entre setor público e setor social, é só uma separação por escala. E, se você quer trabalhar em escala, o caminho é o governo” (FUNDAÇÃO ESTUDAR, 2017).

12 O trabalho de Cariello (2021) apresenta interessante análise da formação dos Lemann Fellow a partir dos estudos acerca da atuação dos intelectuais orgânicos formados pela Fundação Lemann.

A formação de gestores no mercado da gestão educacional e da gestão escolar públicas foi desde o início o foco da Fundação Lemann com as primeiras experiências realizadas a partir do Programa Gestão para o Sucesso Escolar


realizado por meio do Instituto de Gestão Educacional (IGE) de propriedade de Ilona Becskehazy e da parceria com o Protagonismo Jovem de Educação (Instituto Protagonistés) de propriedade de Rose Neubauer, organização apoiada pela Lemann, definidor do conteúdo e da metodologia (FARIAS, 2021, p. 754).

Vinte e um anos depois, a Fundação Lemann reuniu a experiência acumulada da oferta dos Programas citados, em várias cidades do país e, em 2021, criou o Instituto Gesto, uma “associada da Fundação” responsável pela execução do atual Programa Formar. Não há nenhum elemento novo nesse processo considerando que a Fundação terceirizava a execução das ações formativas para empresas de assessoria e APHEs, os tais “parceiros especializados”. O Elos Planejamento e Orientação Educacional, o Mathema e o Sincroniza Educação também assessoraram o Programa Formar, mas são empresas que cresceram e ampliaram a prestação de serviço e a assessoria desde o final dos anos 1990. Elos Educacional, por exemplo, faz consultoria para escolas, empresas, secretarias de educação e organizações do denominado por eles de terceiro setor13. O curso Gestão da Aprendizagem e o Programa Gestão de sala de aula são os dois principais produtos para a empresa e suas sócio-fundadoras, Claudia Zuppini Dalcorso14 e Silvana Tamassia15 .

O Mathema, sob a direção de Katia Smole16, é resultado da parceria com vinte escolas da rede Marista centro sul desde 1996. A empresa cresceu, participou da


13 Para mais informações ver //https://eloseducacional.com/.

14 Claudia Dalcorso é Conselheira Consultiva da Associação Nova Escola, consultora e integrante do Programa Talentos da Educação da Fundação Lemann. Doutora e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Em 2007, conquistou o Prêmio Educador Nota 10, concedido pela Fundação Victor Civita.

15 Silvana Tamassia coordenou e produziu materiais para diversos projetos na área educacional em parceria com a Fundação Lemann, Instituto Unibanco, Itaú BBA, Instituto Natura e Instituto Crescer. Mestre em Educação PUC/SP. Em 2007 conquistou o Prêmio Educador Nota 10.

16Katia Stocco Smole é assessora da Fundação Lemann, Diretora Executiva do Instituto Reúna, Diretora do Mathema, ex-Secretária de Educação Básica do MEC, em 2018, na Gestão do Ministro Rossieli Soares, do governo Michel Temer, ex-membro do Conselho Nacional de Educação, membro do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, associada do Todos pela Educação, membro do Movimento pela Base, membro do Conselho Administrativo da Associação Nova Escola e Coordenadora do subgrupo de estudo de Ensino Médio no Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação (FONCEDE). Participou dos Programas Ensino Médio Inovador, Solução Educacional para o Ensino Médio e Fórmula da Vitória Matemática todos desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com secretarias de educação estaduais e municipais, até abril de 2018. Doutora e mestre em educação com área de concentração em Ensino de Ciências e Matemática e Didática pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Técnica em pesquisa e educação do Centro de Aperfeiçoamento do Ensino de Matemática (CAEM) no Instituto de Matemática e Estatística IME/USP (de 1989 a 1999).

elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e da formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), assessorou a implementação do Novo Ensino Médio das escolas de Tempo Integral da rede pública estadual do Amazonas17 e ampliou seu cardápio de produtos e serviços.

Com a aprovação da BNCC, as demandas da Fundação Lemann aumentaram e a empresária Katia Smole foi convidada pela Lemann para administrar o recém- criado Instituto Reúna. É uma das organizações com maior incidência nos projetos e nos programas da Fundação e das suas Frentes Móveis na implementação da BNCC e do Novo Ensino Médio. O cardápio de produtos oferecido pelo Instituto é vasto:


zelamos pela qualidade da implementação da BNCC, criando referências nacionais para a construção de um sistema educacional coerente em quatro frentes - currículo, material didático, avaliação e formação. Ao lado de uma ampla rede de parceiros, fortalecemos o cenário educacional e buscamos avanços na aprendizagem de todos os estudantes brasileiros (INSTITUTO REÚNA).


A ampla rede de parceiros a que se refere o Instituto Reúna encontra-se no Quadro 1. Observam-se vários APHEs e empresas que se revezam e se repetem no financiamento, na execução e no apoio técnico das ações do Conglomerado.

Quadro 1

Principais linhas de ação, programas e projetos empresariais do Conglomerado de APHEs Lemann e sócios


Programa/ Projeto

Direção

Ações

Patrocinadores/Apoiadores

Programa Gestão para o Sucesso Escolar (2002) Programa Formar


Programa Formar/Instituto Gesto (2021)

Direção:

Fundação Lemann. Execução:

Instituto de Gestão Escolar (IGE) e Protagonismo Jovem de Educação (Instituto Protagonistés) e Instituto Gesto:

Formação de Gestores, Técnicos e Professores. Curso Gestão para a Aprendizagem.

Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), Associação Nova Escola, Capes, Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), Centro de Excelência e Inovação em Política (CEIPE), Comunidade Educativa (CEDAC), Conhecimento Social, Fundação Abrinq, Fundação Lemann, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Itaú Social, Mais Diferenças, Sociedade Brasisleira para o Progresso da Ciência (SBPC), UNESCO, UNICEF, União

Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e Conselho Nacional

de Secretários de Estado da Administração (CONSED).


17 Para saber mais, consultar a página eletrônica do Mathema: Disponível em: https://mathema.com.br/categoria-produto/formacao-online/. Acesso em 18 de junho de 2022.

Secretaria do Movimento pela Base (MPB)18

TPE

Fundação Lemann e Associação Nova Escola

Observatório da implementação da BNCC e do Novo Ensino Médio.

Mantenedores: Fundação Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Itaú Educação e Trabalho, Instituto Natura e Unibanco. Apoio Institucional: BAVE, CENPEC, CEDAC, CONSED, Fundação

Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Itaú Educação e Trabalho, Instituto Natura e Unibanco, Instituto Aryrton Senna,

Todos pela Educação, Uncme, Fundação Roberto Marinho.

Instituto Reúna (2019)19

Fundação Lemann

Atua na implementação da BNCC a partir do currículo, formação docente, material didático e avaliação.

Parceiros: Imaginable Futures, Itaú Social, Instituto iungo, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e Fundação Roberto Marinho.

Programa Aliança Líderes de Impacto no Setor Público e no

Terceiro Setor (2017)/

Vamos Transformar Lideranças no Setor Público e Terceiro Setor

(2020)

Fundação Lemann, Instituto Humanize, Fundação BRAVA e Republica.org.

Atração, seleção e acompanhamento de pessoas para a gestão pública e terceiro setor. Seleção de pessoas para cargos comissionados na administação pública.

Apoio do Vetor Brasil, Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Centro de Liderança Pública (CLP), CONSAD, CONSED, UNDIME e o GIFE,

das empresas Elo Group, Instituto Publix e Instituto Gesto.

Conectividade


BNDES Educação Conectada

BNDES

Fundação Lemann, Itaú Social e Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB)20


Mantenedores: Instituto Natura, Fundação Lemann, Instituto Península, Itaú Social, Fundação Telefônica Vivo, Instituto General Motors, Cisco, Brasil Digital Inclusivo. BCG The Boston Consulting Group, CONSED, Digital Promise, FINEP, Porvir e UNESCO.

Fonte: Elaborado pela autora com base em fontes21 diversas em meio eletrônico.



18 Conselho Consultivo do Movimento pela Base: Beatriz Ferraz fundadora e diretora-executiva da Escola de Educadores; Claudia Costin diretora do CEIPE/FGV; Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann; Diogo Jamra, gerente de articulação do Itaú Educação e Trabalho; Eduardo Deschamps, professor da Universidade Regional de Blumenau (FURB) e membro do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina; Katia Smole, diretora do Instituto Reúna; Katia Schweickardt, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM); Lina Katia Mesquita, diretora-executiva da Fundação CAEd; Mariza Abreu e Pilar Lacerda consultoras em educação.

19 Katia Stocco Smole é Diretora Executiva do Instituto Reúna. O Conselho Administrativo é composto por Camila Pereira e Nathalie Zogbi e o Conselho Consultivo por Camila Pereira Cardoso, Marisa de Santana da Costa, Priscila Fonseca da Cruz e Wilson Martins Poit (INSTITUTO REÚNA, 2020).

20 Centro de Inovação para a Educação Brasileira é uma associação sem fins lucrativos, criado em 2016, que atua na formulação de políticas públicas com centralidade no uso de tecnologias educacionais. O Conselho de administração é composto pelo presidente Pedro Cruz Villares do Instituto Natura e demais integrantes: Américo Teixeira Mattar Junior, Fundação Telefônica; Heloisa Morel, Instituto Península; Camila C. Pereira, Fundação Lemann; Davi Saad, Instituto Natura; Ana Maria Diniz, Instituto Península; Alexandre Barbosa, CETIC.br - NIC.br; Anna Penido Monteiro, Instituto Inspirare; Luiz Miguel Martins Garcia, UNDIME; Eduardo Deschamps, Ex-secretário de Educação; Ivan Siqueira, Conselho Nacional de Educação; Thiago Camargo, Movimento Brasil Digital; Maria Cecilia Amendola da Motta, CONSED e Angela Dannemann, Fundação Itaú Social.

21 As fontes utilizadas para a sistematização dos dados reunidos nos Quadros 1 e 2 são oriundas dos relatórios, dos documentos e das páginas eletrônicas das organizações, das empresas e de aparelhos do Estado. As informações dos diretores e das equipes foram extraídas de diversas fontes, dentre elas, o currículo lattes, o LinkedIn e o quadro de sócios das empresas. Todas as informações foram comparadas antes de compor a síntese final. Registra-se a dificuldade na coleta de dados em parte pela ausência de transparência das organizações no fornecimento de dados.

Ao final, o Quadro 1, registra a expansão dos interesses do capital no setor público, em destaque na educação pública. A educação básica pública é responsável pelo maior número de matrículas e unidades escolares, o que permite a reprodução e a escala para produtos e serviços que podem ser fornecidos pelos conglomerados educacionais. O fornecimento de sistemas de ensino ao poder público, prática estudada com profundidade por várias pesquisadoras demonstrando a relação entre o público e o privado, toma outras proporções. A expansão do processo de vendas precedido por “experimental gratuito” ultrapassa o fornecimento de um produto (em geral o apostilamento nas redes municipais) para um pacote completo de produtos e serviços, ou como os empresários preferem definir: “soluções educacionais” “inovadoras e integradas”.

O pacote de serviços encontra-se no sítio eletrônico do Sincroniza Educação anunciado com o slogan: “Nossas soluções vão da formação à operação, de acordo com a sua necessidade” (SINCRONIZA EDUCAÇÃO, 2021a). Além dos produtos oferecidos, a empresa


é responsável por inserir o produto no mercado. Implementamos produtos educacionais de parceiros em escolas ou redes de ensino, realizando a formação da equipe escolar responsável e fazendo uso de estratégias de engajamento e comunicação para impulsionar o seu uso. Podemos realizar a prospecção de redes mais adequadas para testagem ou utilização do produto, bem como criar painéis de acompanhamento de usabilidade e indicadores de gestão. Conte conosco para implementar seu produto nos mais diversos contextos escolares (SINCRONIZA EDUCAÇÃO, 2021b).


A oferta dos produtos é acompanhada do controle do seu uso. Nesse sentido, a empresa anuncia a implementação dos Planos de Aulas da Revista Nova Escola por meio do “Programa de Desenvolvimento Colaborativo”, projeto para as escolas públicas que tem por objetivo fazer com que os professores utilizem e avaliem os Planos de Aula oferecidos pela Revista. A empresa também participou do plano de formação do Educação Conectada, 2019-2020, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto conta com a parceria do Itaú Social e da Fundação Lemann, além de suporte técnico do Centro para Inovação da Educação Brasileira (CIEB), por fim, do Programa Conectividade da Fundação Lemann e do CIEB.

De forma articulada o pacote de produtos educacionais inclui desde a elaboração do Referencial Curricular22 ao sistema de avaliação dos estudantes para elevação das metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), também as orientações legais para implementar as contrarreformas aprovadas e normatizadas pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação (BNCC, Novo Ensino Médio23, Novo Exame Nacional do Ensino Médio e Novas Diretrizes Operacionais da Educação de Jovens e Adultos) além das plataformas de controle de resultados, dos modelos de seleção e atração de gestores, dos aplicativos e da formação docente. Essa organicidade entre empresas, APHEs e políticas educacionais estão reunidas nas Frentes Móveis de Ação Empresariais que serão destacadas e analisadas em seguida.


As Frentes Móveis de Ação Empresariais


As organizações mantenedoras, investidoras ou apoiadoras, dentre elas a Fundação Lemann, são aquelas que captam, injetam recursos e dirigem a pauta empresarial principal (linhas, programas e projetos), assim como organizam e mobilizam as Frentes Móveis de ação que estão mapeadas, em linhas gerais, no Quadro 2.

As Frentes Móveis de Ação Empresariais são ações coletivas táticas de articulação e de aliança política organizadas e dirigidas pelos APHEs intra e entre- classes e frações de classes, para unificar as pautas conjunturais de grande relevância e, por fim, para viabilizar o projeto estratégico empresarial na educação.

Entende-se por Frentes Móveis de Ação o processo político-ideológico de viabilização tática de unificação e de organização coletiva para disseminação dos valores, das concepções e dos projetos particulares das frações empresariais de



22 O Instituto Reúna foi responsável pela assessoria na elaboração do Referencial Curricular do estado do Paraná, o primeiro estado a implementar a BNCC (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, s/d).

23 A Agência de Notícias da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed-PR) anunciou que fechou uma parceria “para ofertar os cursos técnicos integrados de Administração, Agronegócio e Desenvolvimento de Sistemas. Com o objetivo de expandir as vagas do ensino técnico profissional e considerando que o conteúdo desses cursos é muito específico, as aulas serão ministradas por professores da Unicesumar, especializados nas áreas. Esse formato de ensino foi permitido pela legislação referente ao Novo Ensino Médio (Lei 13.415/17)” (PARANÁ, 2021). O contrato firmado com a empresa foi motivo de várias manifestações contrárias de estudantes e docentes, além de questionamento feito pelo Ministério Público do Paraná.

diversos setores, para as classes subalternas, isto é, tornar o conteúdo ideológico e moral empresarial senso comum, no sentido gramsciano.

As Frentes Móveis de Ação Empresariais foram agrupadas, neste estudo, em seis grandes pautas de hegemonia. Sugere-se que o Movimento Todos pela Educação, na função de intelectual orgânico coletivo, cumpre a função de concentrar as pautas educacionais dirigidas pela Fundação Lemann. As principais Frentes são: o Observatório do Plano Nacional de Educação; o Movimento Nacional pela Base; o Movimento Colabora Educação; Educação Já: agenda para o Brasil e Educação Já: para os municípios; o Movimento Pessoas à Frente e o Movimento Profissão Docente. As Frentes são criadas conforme o contexto e a necessidade de ampliação e adesão às pautas educacionais. O “Novo” Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), por exemplo, foi uma das pautas incorporadas pelo TPE ao Educação Já. O Projeto de Lei foi amplamente divulgado pelo TPE que organizou a campanha para a aprovação do Projeto e contou com a proposição e a relatoria da Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) e do Deputado Felipe Rigoni (PSB-ES).


Quadro 2

Frentes Móveis de Ação Empresariais


Frente

Direção

Ações/Normativas e Documentos

Patrocinadores/Apoiadores

Observatório do

Diretora Executiva

O Plano Nacional de

Associação de Jornalistas de Educação,

Plano Nacional

Priscila Cruz25

Educação,

Jeduca, Associação Nova Escola,

de Educação

Movimento Todos

Acompanhe o PNE,

CAPES, CENPEC, CEIPE, CEDAC,

(2013)24

pela Educação

Educação em números e

Conhecimento Social, CONSED,



O Observatório

Fundação Abrinq, Fundação Lemann,



Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Fundação Roberto Marinho / Canal Futura, Fundação Santillana, Fundação

Telefônica Vivo, Fundação Victor Civita,

Plano Nacional de Educação Lei nº 13.005, de junho de 2014.




Instituto Avisa Lá, Instituto Ayrton Senna




Instituto Natura, Instituto Paulo




Montenegro, Instituto Rodrigo Mendes




Instituto Unibanco, Ipea, Itaú Social, Mais




Diferenças, SBPC, UNESCO,




Undime,UNICEF e Universia.


Todos pela Educação

BNCC e Novo Ensino

Mantenedores: Fundação Lemann,

Secretaria Fundação

Médio

Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal,

Lemann

Observatório da

Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú


implementação da BNCC

Educação e Trabalho. Apoio Institucional:


e Novo Ensino Médio.

Associação Brasileira de Avaliação



24 Ver o PNE. Disponível em: OPNE − O Observatório (observatoriodopne.org.br). Acesso em 18 de junho de 2022.

25 Ver Todos pela Educação. Disponível em: Governança - Todos Pela Educação (todospelaeducacao.org.br). Acesso em 18 de junho de 2022.

Movimento pela Base (2013)26


BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018

Educacional (ABAVE), CENPEC, CEDAC, CONSED, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Roberto Marinho,

Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú Educação e Trabalho, Todos Pela Educação, UNCME, UNDIME, Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (FONCEDE).

Movimento Colabora Educação (2016)27

Todos pela Educação

Regime de Colaboração Regulamentação do Sistema Nacional de Educação

Produção e disseminação de conhecimento e advocacy junto à comunidade do campo educacional.

Guia: Colabora Educação guia de regime de colaboração

estados-municípios Documento: “Sistema Nacional de Educação e o regime de colaboração entre os entes federados” Apoio à

institucionalização da Rede de Colaboração Intermunicipal28 e

Publicação da Revista Colaboração.

Itaú Cultural, Fundação Roberto Marinho, Movimento Todos pela Educação, Fundação SM, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura, Fundação Victor Civita, Instituto Votorontim, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Porticus. Mantenedores: Fundação Lemann, Movimento Todos pela Educação, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Fundação Itaú Social, Instituto Positivo, Instituto Ayrton Senna, Instituto Conceição Moura e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Educação Já (2018)29

Movimento Todos pela Educação Priscila Cruz Presidente-Executiva, João Marcelo Borges Diretor de Estratégia Política,

Olavo Nogueira Filho Diretor de Políticas Educacionais, Comunicação e Mobilização,

Gabriel Barreto Corrêa,

Líder de Políticas Educacionais.

Educação Já uma Agenda para o Brasil

Fundação Itaú para Educação e Cultura, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Roberto Marinho, Fundação Telefônica Vivo, Instituto Natura, Instituto Península, Instituto Sonho Grande, Instituto Unibanco, Movimento Colabora Educação, Movimento Pela Base, Movimento Profissão Docente.

Educação Já municípios Painel Educação Já Municípios

Novo Fundeb


26 Ver Movimento Pela Base. Disponível em: Quem Somos | Movimento Pela Base. Acesso em 18 de junho de 2022.

27 Ver Movimento Colabora Disponível em: https://movimentocolabora.org.br/publicacoes/. Acesso em 18 de junho de 2022.

28 A Rede de Colaboração Intermunicipal reúne quatro consórcios intermunicipais (Consórcio Intermunicipal do Alto Vale do Paranapanema (AMVAPA), Consórcio Intermunicipal do Vale do Paranapanema (CIVAP), Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira e do Litoral Sul (CODIVAR) e Consórcio Intermunicipal de Gestão Pública Integrada nos Municípios do Baixo Rio Paraíba (COGIVA).

29 Ver: Educação Já: Uma Agenda para o Brasil - Todos Pela Educação (todospelaeducacao.org.br)

Movimento Pessoas à Frente (2021)30

Fundação Lemann Programa Aliança/Vamos Transformar Pessoas no Setor Público e Terceiro Setor Fundação Lemann, República.org., Instituto Humanize.

Grupos de Trabalho: Gestão de Desempenho, Modelos de Carreiras, Matriz de Vínculos e Segurança Jurídica e Política de Lideranças.

Direção Executiva: Amanda Moreira e Clarissa Malinverni Fundação Lemann; Diogo Lima – República.org; Rafaella Lopes; Instituto Humanize. Governança: Ana Paula Pellegrino, Adriano Amorim, Carlos Ari Sundfeld, Cibele Franzese, Diogo Godinho Ramos Costa, Fabricio Marques Santos, Francisco Gaetani, Gláucia Macedo, Haroldo Rocha, Humberto Martins Falcão, Joice Toyota, Leonardo José Mattos Sultani, Renata Vilhena, Pedro Pontual, Professor Israel Baptista, Tatiana Ribeiro, Tiago Mitraud,

Vera Monteiro e Weber Sutti.

Programa Aliança Vamos Transformar pessoas para o Setor

Movimento Profissão Docente (2017)

Haroldo Corrêa Rocha31,coordenador geral.

Produção do Documento Referenciais Profissionais Docentes para a Formação Continuada.

Mantenedores: Fundação Lemann, Fundação Itaú Social, Instituto Natura, Instituto Península e Instituto Unibanco. Organizações apoiadoras do Documento:

CONSED, UNDIME, MEC e Fundação Carlos Chagas.

Fonte: Elaborado pela autora com base em fontes diversas em meio eletrônico


O Movimento Todos pela Educação, criado em 2006, como sujeito coletivo, amplamente estudado por Lamosa (2000) e Martins; Krawczyk (2018) representa o alinhamento das frações empresariais na formação de consenso em torno das pautas que devem ser direcionadas e organizadas pelos prepostos empresariais que integram postos (no legislativo, no executivo e no judiciário) assim como nas organizações empresariais e nos organismos internacionais. O TPE, como partido do empresariado, partido no sentido gramsciano, agrega à análise a condição aglutinadora das forças empresariais originárias do Movimento Brasil Competitivo, em sua pauta mais ampla e na educação (SILVA; LAMOSA, 2021). Na lista dos fundadores e fundadoras do TPE constam parlamentares, ex-ministros da educação, professores universitários, membros do Conselho Nacional de Educação (CNE)32, jornalistas, empresários, um espectro amplo de intelectuais orgânicos de partidos33 e


30 Ver: Home - Movimento Pessoas à Frente (movimentopessoasafrente.org.br).

31 Haroldo Rocha é professor da Universidade Federal do Espírito Santo.

32 Entre outros são associados do TPE: Maria Helena Guimarães de Castro (presidente do CNE e da ABAVE), Mozart Neves Ramos (CNE), Francisco Aparecido Cordão (conselheiro e ex-presidente), Reynaldo Fernandes, Fernando Haddad (ex-Ministro da Educação/ex-Prefeito de SP/PT), José Henrique Paim Fernandes (FNDE), Jorge Paulo Lemann, Denis Mizne (Fundação Lemann), Joice Toyota (Vetor Brasil), Cleuza Repulho (Undime e Fundação Lemann), Kátia Smole (Mathema, Instituto Reúna), Jorge Gerdau Johannpeter, Maria Alice Setúbal, Luiza Helena Trajano. Informações extraídas do sítio do TPE. Disponível em: Governança - Todos Pela Educação (todospelaeducacao.org.br). Acesso em 18 de junho de 2022.

33 A administração do TPE é feita pela Presidente Executiva Priscila Cruz. Conselho Deliberativo: Binho Marques, Edu Lyra, Claudia Maria Costin, Eduardo Mazzilli de Vassimon, Nina Beatriz Stocco Ranieri, Paulo Sergio Kakinoff, Ricardo, Ubiraci Sennes, Priscila Cruz. Conselho Consultivo: Ana Maria S. Diniz D’Avila, Ana Amélia Inoue, Antônio Jacinto Matias, Fernando Luiz Abrucio, Jair Ribeiro da Silva Neto, Maria Lucia Meirelles Reis, Mozart Neves Ramos, Rodolfo Villela Marino.

dirigentes dos APHEs. O TPE é o interlocutor privilegiado dos órgãos governamentais e as pautas recentes das políticas educacionais são demonstrativos da influência que tem junto às Frentes Parlamentares (KRAWCZYK, 2014).

O Observatório do Plano Nacional de Educação, por exemplo, cumpriu o papel de divulgação de dados, com base na “tese das evidências”, da precariedade da educação pública e da urgência do cumprimento das metas e das estratégias do Plano Nacional de Educação (PNE). Por meio do Observatório, os estados e os municípios foram “ranqueados” de acordo com a evolução das metas alcançadas, com base nos dados extraídos dos aparelhos do Estado tais como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) e o Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), além dos organismos internacionais.

Com a aprovação da BNCC, em parte pelas disputas promovidas pelo Movimento pela Base, o Educação Já acelera a implementação da Base Nacional nas redes públicas municipal e estadual, a partir do Plano estratégico mais amplo, com as seguintes diretrizes indicadas:


I. Reestruturação das regras de governança e melhoria da gestão. II. Financiamento mais redistributivo e indutor de qualidade. III. Efetivação da Base Nacional Comum Curricular nas redes de ensino.

IV. Profissionalização da carreira e formação docente. V. Primeira Infância como agenda intersetorial. VI. Alfabetização em regime de colaboração. VII. Nova proposta de escola no Ensino Médio (TODOS PELA EDUCAÇÂO, 2020, p. 05-07).


A Fundação Lemann teve papel central na direção do MPB e a aprovação da BNCC só ampliou as linhas e os programas que os APHEs já desenvolviam, sobretudo com a criação específica de Institutos e das empresas, comentadas anteriormente. A elas coube a tarefa de implementar ações junto às escolas e às administrações públicas. Tal tarefa foi realizada com o apoio dos APHEs e a adesão das organizações representativas dos gestores municipais, estaduais da educação e da administração pública, além dos conselhos municipais e estaduais de educação. Os dirigentes, ao lado de suas entidades representativas (CONSED, UNDIME, CONSAD) assumiram vários papéis e dentre eles o de disseminar os produtos e os serviços proporcionando a adesão do poder público aos programas e aos projetos oferecidos pelos APHES, em todo o território nacional.

A administração das políticas públicas e o gasto dos recursos do Fundo Público são a pauta central do Movimento Colabora. Apoiado nos marcos regulatórios do Regime de Colaboração, as ações desta Frente estão concentradas nas formas utilizadas pelos entes federados para administrar os recursos públicos, com apoio e orientação aos entes federados de experiências variadas de arranjos locais e consorciamento intermunicipal.

Pesquisas anteriormente realizadas demonstraram que o Consorciamento na educação pública é tática para a privatização, viabilizada por meio de vários tipos de contrato. Amplamente utilizado na saúde, o consorciamento é caminho para acelerar a compra das tais soluções pedagógicas dos APHEs e empresas (FARIAS, 2022). Por fim, o Movimento Colabora tem assumido a defesa, com o apoio das Frentes Parlamentares, dos Projetos de Lei do Sistema Nacional de Educação e dos Arranjos de Desenvolvimento Educacionais (ADEs)34. No campo da seleção de pessoas e da gestão pública, o Movimento Pessoas à Frente, organizado pela Fundação Lemann, corrobora com as outras Frentes, com a pauta da reforma do Estado, sobretudo da gestão pública, com destaque para a aprovação dos marcos regulatórios para delinear o perfil dos gestores, as formas de contratação, o desempenho e o controle dos resultados. Trata-se de antecipar a adesão dos candidatos, eleitos em 2022, ao modelo de Reforma Administrativa a ser implementado pelos APHEs na gestão pública. As Frentes Móveis de Ação expressam o alargamento da hegemonia do modelo educacional empresarial, assim como as lutas que estão em curso e aquelas que precisam ser intensificadas.


Considerações finais


Os estudos acerca do Empresariamento da Educação Pública realizados pela lente do materialismo histórico-dialético e da luta de classes explicitam as formas pelas quais as classes dominantes dirigem e impõem orgânica e articuladamente seu projeto estratégico de educação particular aos subalternos.

O viés mercantilista que orienta a organização da educação pública é parte do processo de produção do hegemonismo, isto é a direção de um projeto estratégico e do convencimento para adesão dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação


34 Para aprofundar o assunto ler os estudos de Silva; Motta (2021).

ao tipo de educação escolar que tem na empresa o modelo de administração gerencialista e de implementação das políticas educacionais, do conteúdo e da forma a serem ensinados às crianças, aos jovens e aos adultos.

A participação dos empresários na sociedade civil não é fenômeno recente. A presença de prepostos empresariais nos aparelhos do Estado não é desconhecida, o que os estudos têm indicado é a configuração de um novo tipo de tensionamento e de disputa, por meio da ação articulada e capilarizada dos Aparelhos Privados de Hegemonia Empresariais. O estudo do Conglomerado de APHEs Lemann e Sócios corrobora para a análise da expansão das formas de dominação burguesas sobretudo pela sua particularidade e força de articulação e capilarização em vários campos da educação e das políticas educacionais.

Os capitalistas têm expandido as Frentes Móveis de Ação para, a partir delas e dos Programas e Projetos, no interior do Estado restrito, lograr a expansão dos interesses do capital, no modelamento de um certo tipo de trabalhador e de relação social de produção que estejam adequados à expansão internacional e à reorganização do capital para extração de mais valor. Nas palavras de Gramsci trata- se da “necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão da própria classe” (2001, p. 15).

Estamos diante da expansão seletiva do Estado e de ampla hegemonia da cultura empresarial. A oportunidade de negócios se ampliou com a pandemia e com a inserção de prepostos, de funcionários das frações empresariais que dirigem o projeto estratégico da classe no Estado no sentido ampliado. Compreender o modo pelo qual o Empresariamento de novo tipo avança sobre a educação pública é parte do que propõe o método marxista: estudar para transformar a realidade sob as perspectivas da emancipação humana.


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