V.20, nº 42, 2022 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


Tese de Doutorado1


CORDEIRO, Tássia Gabriele Balbi de Figueiredo e2. A hegemonia do agronegócio do campo à educação: coerção e consenso na ofensiva contra a luta por terra e por Educação do Campo. 2022. 421f. Tese (Doutorado) Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, Centro de Educação e Humanidades, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.


Resumo expandido3


A presente tese tem como tema central a investida do agronegócio na educação, considerando o contexto da questão agrária e a luta ampliada pela terra como componente da luta de classes no Brasil. Em face disso, procuramos compreender a consolidação do agronegócio no país, especificamente, sua inserção na educação e os impactos de sua expansão para a oferta escolar em espaços rurais e para o movimento por uma Educação do Campo (CALDART, 2016).

De forma a expandir o horizonte de compreensão para além da área educacional, investigamos a atuação ampliada do agronegócio em duas frentes: a econômica e a político-ideológica. Em síntese, nosso objetivo geral diz respeito a análise da expansão do agronegócio na esfera educativa. Tal fenômeno ocorre, fundamentalmente, por duas vertentes: o fechamento de escolas rurais e a inserção nas escolas por diferentes formatos de “parcerias” público-privadas em educação (PPPEs).


1 Resumo expandido recebido em 17/04/2022. Aprovado pelos editores em 27/04/2022. Publicado em 21/07/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i42.54091.

2 Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ) - Brasil. Docente do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF). E-mail: tassia.cordeiro@gmail.com.

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2972-9797. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7242021042865818.

3 Tese defendida no dia 16 de fevereiro de 2022, no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob orientação da Profa. Dra. Eveline Bertino Algebaile.

Como objetivos específicos, procuramos: i) pesquisar a expansão do agronegócio nas frentes econômica e político-ideológica; ii) compreender a Educação do Campo como um movimento que se contrapõe à hegemonia do agronegócio; iii) analisar o campo ampliado da política educacional, investigando as diferentes linhas de ação do agronegócio; iv) realizar um inventário de ações educativas do agronegócio; v) realizar um levantamento de dados sobre a oferta educacional no campo brasileiro, a partir de informações das Sinopses Estatísticas da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), analisando e cruzando esses resultados com dados populacionais, agrícolas, políticos e de conflitos no campo; e vi) mapear os dados coletados, de forma a compreender a espacialidade dos fenômenos estudados.

A pesquisa é um estudo com abordagem qualitativa, que tem por base uma perspectiva de análise que articula aspectos quantitativos e qualitativos, devido à densidade de tratamento de dados estatísticos, tendo por marco temporal o período entre 1997 e 2019. O método materialista histórico e dialético orienta e organiza a investigação e a análise, envolvendo os seguintes procedimentos metodológicos: revisão de literatura e pesquisa documental; levantamentos e tratamentos de dados estatísticos; e o mapeamento dos dados coletados. Os conceitos gramscianos de Estado integral, hegemonia, aparelhos privados de hegemonia, intelectual, ideologia, entre outros, são eixos estruturais e ferramentas metodológicas do percurso investigativo, ancorados ainda pelas formulações da escola marxista da dependência.

A tese está organizada em seis capítulos com questões próprias, articuladas em seu conjunto de modo a expressar a complexidade do nosso objeto em sua multiplicidade e multidimensionalidade. No primeiro capítulo, desenvolvemos uma breve análise do processo histórico de formação e complexificação do Estado. Partimos das teorias marxistas clássicas de Estado, com base em Marx e Engels (1988) e Lênin (2007), que empreendem uma interpretação do Estado em sua configuração até então hegemônica e majoritária de aparelho coercitivo. A partir das análises de Gramsci (2014) e Poulantzas (2000), demonstramos o processo de mudança desse Estado estrito por meio de uma superação dialética (COUTINHO, 1996), na qual o fator consenso é “incorporado” ao aparato de coerção. Em continuidade, objetivamos demarcar a especificidade de formação, desenvolvimento e complexificação do Estado brasileiro na periferia do sistema capitalista. Essa análise

tem por fundamento a teoria marxista da dependência (TMD), tomando por base especialmente Marini (2011) e Santos (2021) - somando-se contribuições de Fernandes (2020). Também contamos com as formulações de Fontes (2010) na caracterização do Estado brasileiro como um Estado ampliado e seletivo.

No segundo capítulo, traçamos o movimento por uma Educação do Campo. Iniciamos com uma síntese da discussão acerca da condição de classe do campesinato. Em sequência, realizamos um breve resgate da gênese da Educação do Campo articulada à emergência de um novo tipo de luta, que acaba por significar um ponto de virada no tratamento da questão agrária pelos movimentos sociais. Observa-se uma complexificação que culmina na articulação de lutas outras, resultando em um alargamento da luta pela terra.

No terceiro e quarto capítulos, considerando autores de referência como Alentejano (2020) e Delgado (2012), tratamos do agronegócio, apresentando a teoria de expansão e hegemonização do setor no Brasil. Para isso, realizamos uma breve historicização e caracterização do desenvolvimento do agronegócio no país, que resulta na conquista da hegemonia. A expansão do agronegócio será abordada em duas esferas analíticas complementares: a frente econômica, tratando da linha de ação e difusão que envolve principalmente a expansão da produção, da fronteira agrícola e a financeirização do setor, no capítulo três; e a frente político-ideológica, que compreende a ampliação dessa atuação nos campos cultural e educacional, como forma de estabelecimento da hegemonia por meio do consenso, no capítulo quatro.

Munidos das análises empreendidas, no quinto capítulo realizamos uma investigação acerca da educação ofertada no campo nas últimas décadas, procurando evidências de uma correlação entre a oferta escolar e a expansão do agronegócio. De forma a alcançar esses objetivos, realizamos levantamentos de dados estatísticos, cruzando os dados coletados e rastreando possíveis conexões. Como complemento às análises, elaboramos um levantamento de dados demográficos e um estudo acerca do avanço do neoliberalismo na educação, destacando discussões sobre o financiamento da educação e as avaliações externas.

No sexto e último capítulo, apresentamos um mapeamento como resultado das análises dos levantamentos de dados. Nesse sentido, buscamos compreender a espacialidade do fenômeno de reorganização da oferta escolar no campo, resultante

de uma retração da oferta de escolas e matrículas em áreas rurais, em contraposição à ampliação da oferta em áreas urbanas. A partir do mapeamento, realizamos estudos sobre o caráter territorial do fenômeno, buscando a correspondência com a dimensão espacial da educação e da questão agrária.

As análises empreendidas sustentam a constatação da materialidade de uma ampla investida do agronegócio sobre a educação, resultado de sua ação na frente político-ideológica, mas que tem como vetor seu poderio econômico. Tal fenômeno transcorre tanto de forma indireta, pela política de fechamento e nucleação de escolas rurais, quanto de forma direta, por meio de programas pretensamente educacionais na educação básica. Esse projeto, resultado da reconfiguração da classe dominante do campo e do empresariamento da educação, pretende interditar a luta pela terra no país, forjando um consenso inconteste em torno da economia do agronegócio. Consequentemente, visa consolidar sua hegemonia por meio de variadas estratégias que dão corpo a uma “pedagogia do agronegócio”, que ao mesmo tempo em que impulsiona elementos de consenso, não deixa de mobilizar os históricos mecanismos de coerção utilizados para interditar as lutas no campo brasileiro.


Referências


ALENTEJANO, P. R. R. A hegemonia do agronegócio e a reconfiguração da luta pela terra e reforma agraria no país. Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, n. 42, v. 4, p. 251-285, dez. 2020. (Dossiê Conjuntura no Brasil: retrocessos sociais e ações de resistência).


CALDART, R. S. Sobre a especificidade da Educação do Campo e os desafios do momento atual. In: FRIGOTTO, G; CIAVATTA, M. (org.) Teoria e educação no labirinto do capital. 4ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2016. p. 317-363.


COUTINHO, C. N. Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 1996.


DELGADO, G. C. Do “capital financeiro na agricultura” à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012.


FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 6ª ed. Curitiba: Kotter Editorial; São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.


FONTES, V. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. 3 ed. Rio de Janeiro: EPSJV/Editora UFRJ, 2010.

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. vol. 3. Maquiavel - notas sobre o Estado e a política. 6ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.


LÊNIN, V. Estado e revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2007.


MARINI, R. M. Dialética da dependência, 1973. In: TRASPADINI, R; STÉDILE, J. P. (Orgs.) Ruy Mauro Marini: vida e obra. 2ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

p. 131-172.


MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1988.


POULANTZAS, N. O Estado, o poder e o socialismo. 4 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000.


SANTOS, T. Evolução histórica do Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2021.