V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X


PEDAGOGIA DAS ÁGUAS EM MOVIMENTO: EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE AMBIENTAL1


Alexandre Pessoa Dias2 Maria Amélia Costa3 Leonardo Maggi4


As águas do Brasil estão poluídas, eutrofizadas, assoreadas, soterradas, turbulentas, capturadas em barragens, privatizadas e exportadas na forma de água virtual por meio das commodities agrícolas e minerais.

O Brasil passa por uma crise ecológica derivada da emergência climática, somada à destruição ambiental produzida pelo agro-minero-hidro-fóssil-negócio em seu território. A crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2011), tem ampliado crises ecológica e sanitária que expande espacialmente e intensifica no tempo a exploração do trabalho, a mercantilização da vida e amplia a vulnerabilidade socioambiental e os danos à saúde das populações de baixa renda das cidades, das periferias urbanas, do campo, das florestas e das águas (DIAS; CARNEIRO, 2021).

De acordo com o Painel Internacional das Mudanças Climáticas (IPCC), diversas sociedades já estão vivenciando efeitos da emergência climática por meio da redução da biodiversidade, aumento do nível do mar, processos erosivos nas regiões costeiras e ondas de calor. No Brasil, destacam-se os efeitos dos eventos hidrológicos extremos, marcados pelo prolongamento das secas, pela frequência e intensidade das inundações.


1 Resenha recebida em 02/05/2022. Aprovado pelos editores em 30/05/2022. Publicada em 10/11/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i43.54297.

2 Engenheiro civil sanitarista. Doutor em Medicina Tropical pelo IOC/Fiocruz. Mestre em Engenharia Ambiental pela UERJ. Professor - pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz. E-mail: alexandre.pessoa@fiocruz.br.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6160512059771433. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5594-7221.

3 Geógrafa. Doutora em Ciência pela Clínica Médica/UFRJ. Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ. Tecnologista em Saúde Pública da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/FIOCRUZ). E-mail: maria.costa@fiocruz.br

Lattes: http://lattes.cnpq.br/5498261570436385. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0569-4473.

4 Eng. Agrônomo, Mestre em Desenvolvimento Regional pela UNESP. Membro da Coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). E-mail: leobmaggi@gmail.com.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9822623812208586. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7797-524X.

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Os problemas relacionados ao saneamento ambiental inadequado promovem a degradação das bacias hidrográficas ampliando a insegurança hídrica; portanto, um conjunto de ações precisam ser priorizadas para ampliar a capacidade de adequação das populações diante da agudização dos impactos socioambientais que não podem ser postergados para as futuras gerações. Os conflitos pela água se amplificaram! A atuação dos atingidos pelas barragens, ampliada pela compreensão da determinação social da saúde, está em fortalecer sua capacidade organizativa na luta pelos seus direitos à saúde pública e pela soberania hidroenergética.

O livro em tela, publicado em 2021, pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), em cooperação com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) constituíram, desde o início do projeto, uma coordenação política-pedagógica (CPP). A publicação resulta da sistematização do Curso de Educação Popular em Saúde Ambiental em Comunidades: Pedagogia das Águas em Movimento, realizado em 2019, no município de Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro.

O curso objetivou avançar no estudo e desenvolvimento de práticas teórico-metodológicas e científicas tendo nos princípios da educação popular em saúde (diálogo, amorosidade, construção compartilhada do conhecimento, problematização, emancipação e defesa da democracia participativa) aprofundar a compreensão da realidade capaz de influenciar a organização popular no território, de maneira que os participantes se reconhecessem agentes transformadores da realidade.

A publicação foi estruturada em dois formatos - um livro e cinco fascículos que abordam temas construídos coletivamente pela coordenação política-pedagógica e com os autores, incluindo: (i) território, caminhos das águas e da saúde ambiental;

(ii) disputas socioambientais contemporâneas e os interesses que cercam nosso território (iii) acesso e acessibilidade à água no Leste Metropolitano (iv) recuperação e conservação ambiental: elementos para segurança hídrica no Leste Metropolitano do Rio de Janeiro e (v) agroecologia e agroecoturismo.

O livro é estruturado seguindo os caminhos das águas, tendo como ponto de partida (nascente) o território, sua história de lutas pela terra, os sujeitos pedagógicos, agentes sociais e públicos envolvidos. No capítulo do per-curso do rio, os afluentes são os princípios do curso: filosofia da práxis, estudo enquanto


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construção social, organicidade, troca de experiências, auto-organização, aprendizagem significativa e politécnica (RODRIGUES, 2009).

A estruturação e metodologia do curso são apresentadas enquanto construção coletiva em constante transformação, utilizando diversos instrumentos pedagógicos, onde os educadores se colocavam na condição de aprendizes como preconiza a educação ambiental crítica e a educação popular em saúde. Os educandos, por sua vez, exercitando a apresentação, seja com recurso dos mapas falante, da arte e cultura, utilizando filtros de barro como material pedagógico para a discussão sobre as águas e o saneamento domiciliar, ampliando o diálogo com as escolas públicas do município. O próprio território em trabalhos de campo se torna o espaço educador.

No capítulo da foz, a metáfora do encontro das águas representa a riqueza do intercâmbio entre os saberes acadêmicos e populares e sua ampliação na busca da compreensão da realidade, a partir de uma educação territorializada.

Os resultados indicam a importância da formação dos agentes populares em saúde ambiental e as perspectivas de reaplicação dessa metodologia e do material pedagógico em outros territórios a partir de temas geradores (FREIRE, 2005) mobilizadores que expressam as necessidades das localidades.

Os fascículos indicam que a saúde foi abordada não como ausência de doença, no modelo biomédico reducionista, mas a partir da determinação social da saúde; considerando a necessidade de articulação das categorias produção, trabalho, ambiente e saúde que não podem ser compreendidas desprovidas de historicidade (TAMBELINNI, MIRANDA, 2022). Foram temas relacionados à formação sociopolítica, econômica e ecológica e a constituição histórica do território por meio das suas relações de conflitos e de cooperação.

A água foi abordada nas perspectivas multiescalares, e multidimensionais e, a partir daí, foi sendo realizado um processo de territorialização por meio das ações pedagógicas, de pesquisa e de trabalho coletivo.

A pedagogia das águas, constructo elaborado a partir das experiências da EPSJV com os movimentos sociais do campo, da floresta e das águas, não apenas indica a água como tema gerador na acepção da pedagogia freiriana (FREIRE, 2005). A água nos educa, o que possibilita o reconhecimento de sua relação com a terra e a partir dos caminhos das águas uma compreensão espacial e histórica das lutas das comunidades pelos direitos humanos à água, ao território e à saúde.

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O desafio assumido pela EPSJV e o MAB foi de criar uma pedagogia em movimento, capaz de apoiar moradores a reconhecerem a teia de contradições que os cercam e os fundam, a partir de uma metodologia que permitisse todos serem protagonistas pela sua realização, utilizando um arcabouço científico e devolvendo essa nova interpretação da realidade em que vivem na forma de arte e de luta.

Processos de formação, participação e controle social devem ser ampliados no país para o enfrentamento do racismo ambiental e das desigualdades socioambientais a partir da formação de agentes populares de saúde ambiental. Sua formação possibilitará o reconhecimento de conflitos nos territórios, seus atores, interesses de classe e o papel dos grandes empreendimentos e do estado, a exemplo das pesquisas e experiências em educação ambiental crítica, educação popular em saúde. Seguindo os caminhos da educação territorializada (DIAS et al, 2021; CASTRO et al, 2017) já estão ocorrendo outros processos formativos da EPSJV com o MAB em Santa Catarina. A elaboração desses materiais pedagógicos territorializados trazem experiências e lutas locais visando a organização comunitária, necessário para a promoção de territórios sustentáveis e saudáveis. Espera-se que possam ser reaplicados em outros territórios adequando-os a suas realidades, como motivadores ao exercício e elaboração de processos de formação tecnopolítica de outros agentes populares em saúde ambiental.


Referências


CASTRO, G. Curso Técnico em Meio Ambiente, ênfase em saúde ambiental das populações do campo. In: CASTRO, G.; BÚRIGO, A.C. BRAGA, L.Q.V.; BARCELOS, E.A.S. (org.). O curso. Rio de Janeiro: EPSJV, 2017. (Coleção Tramas e Tessituras, 1). Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/series/livros/732. Acesso em 03 de abril de 2022.


DIAS, A.P.; CAETANO, A.P.L.; MAGGI, L.; COSTA, M.A.; BORGES, S.; DINIZ, T.C.

(org.). Pedagogia das águas em movimento: experiência de educação popular em saúde ambiental. Rio de Janeiro: EPSJV, 2021. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/pedagogia-das-aguas-em-movimento. Acesso em 03 de abril de 2022.


DIAS, A.P.; CARNEIRO, F.F. Saúde das populações do campo da floresta e das águas. In: Dicionário de Agroecologia e Educação. DIAS et al (coord). São Paulo: Expressão Popular; Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2021.


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FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 44ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.


MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria de transição. São Paulo: Boitempo, 2011. 1102p.


RODRIGUES, J. Educação Politécnica. In: Dicionário da educação profissional em saúde. Pereira, I.B.; Lima, J.C.F. (org.). 2ed.rev.ampl. Rio de Janeiro: EPSJV, 2009.


TAMBELLINI, A.T.; MIRANDA, A.C. Determinação social da saúde. In: Dicionário de Agroecologia e Educação. Dias et al (coord.). São Paulo: Expressão Popular; Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2021.


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