V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X
Philippe Pomier Layrargues2
Abordamos o perfil da Sociedade de Consumo pela perspectiva da Ecologia Política, para, a partir da análise histórica da constituição desse modelo societário, (a) construir um entendimento de quais foram as transformações que passaram a defini-la, (b) compreender a influência dos Anos Dourados do Capitalismo; e a partir daí, (c) pensar a questão das ‘necessidades’ ante o padrão de produção e consumo sustentável. Efetuar tal caracterização ganha relevo no contexto da disputa ideológica da constituição do imaginário sobre qual comportamento de consumo adotar na sociedade orientada pelo American Way of Life.
Abordamos el perfil de la Sociedad de Consumo desde la perspectiva de la Ecología Política, con el fin de, a partir del análisis histórico de la constitución de este modelo de sociedad, (a) construir una comprensión de cuáles fueron las transformaciones que llegaron a definirla, (b) comprender la influencia de los años dorados del capitalismo; ya partir de ahí, (c) pensar el tema de las ‘necesidades’ a la luz del patrón de producción y consumo sostenible. Llevar a cabo tal caracterización cobra importancia en el contexto de la disputa ideológica de la constitución del imaginario acerca de qué comportamiento de consumo adoptar en la sociedad guiada por el American Way of Life.
We approach the profile of the Consumer Society from the perspective of Political Ecology, in order to, from the historical analysis of the constitution of this societal model, (a) build an understanding of what were the transformations that came to define it, (b) understand the influence of the Golden Years of Capitalism; and from there, (c) thinking about the issue of ‘needs’ in light of the pattern of sustainable production and consumption. Carrying out such characterization gains importance in the context of the ideological dispute of the constitution of the imaginary about which consumer behavior to adopt in the society guided by the American Way of Life.
1 Artigo recebido em 25/05/2022. Primeira Avaliação em 17/07/2022. Segunda Avaliação em 21/07/2022. Aprovado em 02/08/2022. Publicado em 10/11/2022.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i43.54650.
2 Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Professor Associado do Programa de Graduação em Gestão Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos da Universidade de Brasília. Pesquisador do Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade da UFRJ.
E-mail: philippe.layrargues@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5998489922535561. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7684-7334.
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“Eu uso o necessário Somente o necessário
O extraordinário é demais Eu digo necessário Somente o necessário
Por isso é que essa vida eu vivo em paz”
Assim como o estímulo à Coleta Seletiva e Reciclagem dos Resíduos Sólidos, as atividades de Educação Ambiental voltadas à promoção do Consumo Sustentável também são bastante frequentes. Esses são dois temas interligados e recorrentes nas práticas educadoras nas escolas, empresas e mídia. Contudo, não é comum encontrar ações de Educação Ambiental, que mesmo que abordem o Consumo Sustentável e a Coleta Seletiva, problematizem a Sociedade de Consumo. É neste contraditório contexto de incompletude temática, que examinaremos esta mediação pedagógica que incentiva comportamentos de consumo ecologicamente orientados, mas que não analisa a própria sociedade que se caracteriza como ‘de consumo’.
Partimos do pressuposto de que existem dois tipos de abordagens da Educação Ambiental no âmbito do Consumo Sustentável: um de natureza moral, que promove novos hábitos de consumo, como mecanismo capaz de minimizar os excessos do ‘consumismo’ ‘descontrolado’ e ‘compulsivo’, tacitamente compreendido como o problema a resolver3; e outro, de natureza política, que adverte à insuficiência do estímulo ao Consumo Sustentável como objetivo único da mediação pedagógica, denunciando haver ali um processo de manipulação ideológica para fins de reprodução da ordem socioeconômica capitalista, camuflado por uma pretensa intencionalidade de mudar a realidade socioambiental. Enquanto uns entendem que a Educação Ambiental é um caminho para difundir o hábito do ‘consumo verde’, outros entendem que é preciso problematizar a premissa de que o caminho da sustentabilidade deva passar necessariamente pelo Mercado.
3 Como exemplo, citamos Silva e Flain (2017), que clamam por campanhas publicitárias com o objetivo de levar ao consumidor informações que propiciem uma postura mais sensata do cidadão no mercado de consumo. Observa-se aí a repetição do discurso da responsabilização individual para que o sujeito ecológico assuma a responsabilidade para moderar o seu consumo exagerado; ignorando-se a determinante e incessante influência da esfera da produção induzindo exatamente o padrão de consumo que se pretende alterar.
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A aceitação tácita da premissa de não haver necessidade de debater pedagogicamente a Sociedade de Consumo no contexto da Educação Ambiental e o Consumo Sustentável, acarreta em profundas implicações políticas, porque o recorrente estímulo ao Consumo Sustentável de forma acrítica contribui com a naturalização da Sociedade de Consumo, reproduzindo no imaginário coletivo uma idealização que a torna inquestionável e não suscetível a sofrer mudanças estruturais. No fluxo da naturalização desse imaginário, molda-se um argumento que aponta os ‘padrões de produção e consumo’ tidos como ‘insustentáveis’, como os elementos que precisam ser modificados em busca da sustentabilidade, ao mesmo tempo em que se mantém a ordem capitalista inalterada; porque numa Sociedade de Consumo, tudo pode ser transformado, exceto o Consumo, jamais refreado; no máximo, adaptado.
Esta premissa pertence ao currículo oculto da sociabilidade capitalista presente no campo da Educação Ambiental, transmissora de um ethos societário que não compromete a essência da Sociedade de Consumo; ao contrário, torna o sujeito ecológico funcional à ordem capitalista, consolidando o Ambientalismo de Mercado no lugar de hegemonia nas relações de poder no campo ambiental. Esse currículo oculto se encarrega da difusão subliminar de duas idealizações combinadas em torno do exercício do Poder: o papel determinante da demanda do consumidor para influenciar um modo de produção comprometido com a sustentabilidade; e a importância da responsabilização individual em que cada um faz obedientemente a sua parte mudando seus comportamentos pessoais, atitude que somada na humanidade, faria toda diferença para resultar na transformação da economia em uma Economia Verde. Nessa perspectiva, a Educação para o Consumo Sustentável não passaria de uma cartilha orientadora para ensinar a cada um fazer a escolha certa nas compras.
Mas o que caracteriza esse padrão insustentável de produção e consumo? Como distinguir objetivamente o padrão de produção e consumo insustentável daquele que carrega a promessa de sustentabilidade? Sobre isso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), diz que é sustentável a “produção e consumo de bens e serviços de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras”.
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Se fala sobre ‘Necessidades’ que precisam ser atendidas, mas não se qualifica o que é essa categoria analítica absolutamente central e estratégica para definir um padrão de produção e consumo. De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, o ‘necessário’ denota a qualidade daquilo que seja absolutamente indispensável; são as exigências fundamentais capazes de satisfazer rotineiramente as condições materiais básicas da vida; deixando de fora do cotidiano, a satisfação ilimitada e insaciável dos desejos e prazeres hedônicos, estes da ordem do extraordinário. A definição aponta para a existência de um limite, não necessariamente rígido e inflexível, mas que demarca uma linha divisória da ‘necessidade’, circunscrita pelo parâmetro do que seja ‘essencial’ e ‘indispensável’, conotação diferente daquilo que seja ‘supérfluo’ e ‘exagerado’. Nem sempre aquilo que queremos é o que precisamos. Assim, nessa fluida fronteira entre o necessário e o desnecessário, qualquer coisa que vá além do básico e torne o que seja dispensável ou extraordinário como rotina cotidiana, excede o sentido original de ‘Necessidade’.
Em tese, um padrão de produção e consumo sustentável é aquele alinhado com a justiça geracional. Mas quais são essas necessidades que precisam ser atendidas hoje e amanhã? As necessidades humanas sempre foram as mesmas ou sofreram mudanças que a transfiguraram ao longo do tempo? Quais critérios caracterizam esse modelo de produção e consumo marcado pela justiça geracional? Sabendo definir o que sejam tais necessidades que precisam ser atendidas tanto agora como no futuro, é possível fundar esse outro modelo que se pretende sustentável sem alterar a Sociedade de Consumo? Ou ao contrário, é preciso superá-la para efetivamente se fundar um novo padrão de produção e consumo de fato sustentável?
Mas na prática, há um acordo implícito na ordem do discurso ambiental acerca da ‘produção e consumo sustentáveis’, que a questão a levantar seja a busca abstrata dos ‘padrões sustentáveis’, partindo do pressuposto de que não é preciso definir o que são essas necessidades que nos referimos quando falamos delas precisarem ser atendidas no consumo, hoje e amanhã.
É neste debate que pretendemos agregar um exame conjuntural da Sociedade de Consumo, especialmente agora, no limiar do Colapso Ambiental; reflexão que faremos pela ótica da Educação Ambiental Crítica e da Ecologia
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Política (LOUREIRO; LAYRARGUES, 2013), a fim de subsidiar novas abordagens da Educação para o Consumo Sustentável.
Partimos da premissa de Foladori (2001) onde a historicidade é central para se compreender as origens da realidade socioambiental e como ela foi socialmente construída ao longo do tempo. A crise ambiental não brotou espontaneamente de um vazio estéril sem que tenha sido gestada por determinações bem específicas:
A análise da crise ambiental contemporânea deve partir das próprias contradições no interior da sociedade humana, contradições que não são biológicas, mas sociais, que não se baseiam na evolução genética, mas na história econômica, que não têm raízes nas contradições ecológicas em geral, mas naquelas que se estabelecem entre classes e setores sociais em particular (FOLADORI, 2001, p. 45, grifo nosso).
É preciso compreender como a sociedade moderna chegou a esse padrão insustentável de produção e consumo, que não por acaso, também demarca o tempo histórico do Colapso Ambiental, para se obter uma real medida da envergadura daquilo que é preciso mudar. Mas é preciso também entender como é contada a história da degradação ambiental global e a proposição de soluções para mitigá-la. Será mesmo que só fazer a ‘escolha certa’ nas compras é o caminho para a sustentabilidade?
De acordo com Glyn et al (1988), Trintin e Rossoni (1999), Mattos (2005), Baruco (2005), Palmieri Júnior (2012), entre outros, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, ao longo de apenas duas décadas, 1950 e 1960, ocorreu uma profunda transformação na estrutura produtiva e no estilo de vida dos países capitalistas - especialmente nos Estados Unidos, que como informa Arrighi (1996), foi o país que ao suplantar o imperialismo britânico, inaugurou o quarto ciclo histórico de acumulação do capital, após os ciclos genovês, holandês e britânico -, como resultado do esforço político para recuperar a economia devastada pela guerra. Foi um período de paz que se testemunhou impressionantes recordes de crescimento econômico e de altas taxas de empregabilidade. Esse acontecimento virtuoso envolveu significativas mudanças de caráter tecnológico, político,
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econômico, social e cultural, que resultaram num período sem precedentes de prosperidade econômica e abundância material entre os países capitalistas.
Essa transformação foi de tal envergadura que culminou no surgimento da Sociedade de Consumo, substituta da Sociedade Industrial, definindo as características fundamentais da sociedade contemporânea nos últimos setenta anos: aquela que se constitui não só em torno do capital, mas especialmente em torno do consumo, posto no lugar de alavanca propulsora do novo ritmo produtivista. É quando o pilar de sustentação do processo de acumulação do capital se funda no consumo de forma tão profunda, que podemos reelaborar a máxima de Descartes, “Penso, logo existo”, para “Consumo, logo existo”. A configuração do capitalismo ali naquele momento histórico passou a ser intimamente dependente da capacidade de consumo instalada na sociedade. A expansão produtiva passou a englobar a esfera do consumo como parte fundamental da engrenagem econômica exponencialmente acelerada, estabelecendo-se uma relação determinada da produção ao consumo, mas dialeticamente estruturada, posto que a capacidade de produção e (rápido) escoamento da mercadoria na fábrica passa a depender da (rápida) capacidade de consumo instalado na sociedade: o consumo, enquanto hábito cultural, haveria de ser transformado.
Esse acontecimento histórico caracterizou o emblemático período dos Anos Dourados do Capitalismo: a Sociedade de Consumo nasce precisamente na época de ouro do capitalismo, não deixando dúvidas o quanto essa sociedade que se orienta pelo consumo está correlacionada com o modelo econômico que se orienta pelo capital. Oliveira e Apóstolos (2020) reconhecem que esse novo estágio de acumulação do capital inaugurou um novo modo de pensar e de viver, em que o consumismo foi a alavanca que recuperou a sofrida economia da Crise de 1929 até o fim da Segunda Guerra Mundial. Isso significa que não é possível compreender a natureza da Sociedade de Consumo sem compreender os mecanismos da reestruturação produtiva que ocorreu nessas duas décadas decisivas para marcar profundamente um novo estilo de vida na modernidade.
O pano de fundo em que ocorreu essa transformação é de natureza ideológica; e se enquadra no contexto geopolítico da Guerra Fria com a bipolaridade capitalismo x socialismo, ante o fantasma da União Soviética que assombrava as combalidas economias capitalistas na Europa e Estados Unidos no pós-guerra. É nessa conjuntura bélica que a ordem capitalista norte-americana altera sua
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orientação tática: deixa de ser uma autêntica economia de livre mercado, passando a combinar-se com a intervenção econômica do Estado para alavancar a prosperidade econômica como meio para assegurar a estabilidade da ordem social capitalista.
Esta onda de prosperidade foi conquistada com o alto crescimento econômico ao longo de duas décadas nos países capitalistas (América do Norte, Europa Ocidental e Japão), com políticas públicas distributivas e de pleno emprego, com a elevação salarial que reduziu significativamente a pobreza permitindo à classe trabalhadora acessar o mercado consumidor (resultante tanto do barateamento dos bens de consumo fruto dos avanços na produtividade, como da política social Keynesiana). A mensagem ideológica anunciada foi de que o capitalismo teria conseguido superar a contradição de classes, oferecendo abundância material para todos, não apenas para as elites acostumadas a viver na afluência (BALANCO; PINTO, 2007). Dessa forma, ao contrário da austeridade que caracterizava a economia soviética, a economia capitalista norte-americana estruturou sua identidade no tabuleiro da Guerra Fria no reino da prosperidade, seduzindo a classe trabalhadora para esse imaginário social tão atraente.
É nesse sentido que Saes e Saes (2013) sublinham que a prosperidade econômica dos Anos Dourados não se deu apenas por razões econômicas, mas também por razões geopolíticas da polarização entre capitalismo e socialismo, onde os Estados Unidos buscaram consagrar a superioridade na ordem mundial na capacidade de promover o Bem Estar da população, para afastar o risco de uma revolução comunista em solo norte-americano ou europeu; o que explica muito acerca da opção por um Estado intervencionista e não liberal para fundamentar a nova ordem capitalista no pós-guerra.
A aplicação do Keynesianismo4 e do Estado de Bem-Estar Social, onde o governo interveio na economia para investir no interesse público garantidor da ampliação dos direitos à classe trabalhadora (seguro desemprego, crédito ao consumidor, salário mínimo digno, aposentadoria; permitindo o planejamento do
4 Martins (2014) esclarece que a formulação teórica do Neoliberalismo surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1944, quando Friedrich Hayek publicou “O Caminho da Servidão”, como uma crítica ao Estado Intervencionista. Contudo, ante o espetacular desempenho do Keynesianismo nas décadas de 1950 e 1960, o Neoliberalismo se tornaria a nova doutrina ideológica do capitalismo somente a partir do início dos anos 1970, com o fim dos Anos Dourados. É importante salientar a distinção que ocorrerá a partir do momento em que o Estado de Bem-Estar Social for substituído pelo Neoliberalismo, porque este ideário elimina toda possibilidade da domesticação do capital, e nunca mais se veria um crescimento econômico sustentado e com pleno emprego como naqueles anos.
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endividamento das famílias que começaram a acessar os bens duráveis de consumo), representou um poderoso estímulo no ritmo do crescimento econômico. O Estado Keynesiano atuou na direção da conciliação de classes, apoiando o fortalecimento dos sindicatos dos trabalhadores e mediando os conflitos entre capital e trabalho, o que resultou num período de notável crescimento econômico com distribuição de renda. Não por acaso, Sousa e Sousa (2013) lembram que o Estado de Bem-Estar Social só foi possível por ter havido uma aliança de classes sustentada pela ampliação dos direitos de cidadania, da seguridade social e do acesso ao mercado consumidor.
Afinal, a ampliação da estrutura produtiva no pós-guerra dependia diretamente do robustecimento da classe trabalhadora para alavancar a produção, e o Estado norte-americano precisou garantir a reprodução de sua força de trabalho (TRINTIN; ROSSONI, 1999; ARDENGUI; SILVA; BURMANN, 2014). Hobsbawm
(1995) inclusive, frisa que os Anos Dourados não teriam acontecido sem a política intervencionista do planejamento estatal da economia, o que foi capaz de democratizar o mercado. O Estado de Bem-Estar Social organizou a economia naqueles anos de modo a evitar que ela fosse dirigida exclusivamente pelas forças de mercado, exatamente para evitar a concentração de renda. Przeworski (1989) enfatiza que a conciliação de classes foi um aspecto central nos Anos Dourados: assim que os trabalhadores tiveram a oportunidade de melhorar suas condições materiais de vida, bastando para isso cooperar com a burguesia; a hegemonia cultural da ordem capitalista na social democracia se estabeleceu firmemente ante o fantasma comunista, o que em última análise corresponde à idealização do fim das ideologias e o triunfo do capitalismo, porque a classe trabalhadora pactuou com a reforma ao invés da revolução. A aliança com o capital se mostrou mais adequada à classe trabalhadora do que a mudança radical de regime, e o tom de conciliação de classe permitiu toda abundância e prosperidade características do período dos Anos Dourados. O capitalismo domina a batalha ideológica quando convence a classe trabalhadora a se manter fiel à sua ordem socioeconômica.
Nesse sentido, na esteira do New Deal, com a Doutrina Truman para bloquear a expansão soviética no continente europeu, com o Plano Marshall para alavancar a recuperação econômica europeia, e junto da inauguração de um novo regime monetário para regular o sistema financeiro internacional - baseado no Acordo de Bretton Woods -, essa foi a fórmula implementada pelos Estados Unidos para
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reerguer a economia dos países europeus e do Japão, ao mesmo tempo assegurando a conquista da hegemonia do poder imperialista norte-americano na nova configuração da ordem mundial emergente no tabuleiro da Guerra Fria, evitando-se a temida adesão da Europa Ocidental ao socialismo (GASPAR, 2015; SAES; SAES, 2013).
Por não ter sido palco da guerra, os Estados Unidos detinham uma vantagem estratégica que lhe garantiu ocupar esse espaço de hegemonia no poder político e econômico do pós-guerra: seu parque industrial e sua infraestrutura logística estavam intactos, ao contrário da Europa e Japão que tiveram seus meios de produção e força de trabalho severamente impactados. Dessa condição desigual se estabeleceu o imperialismo norte-americano.
Em 1965, no bojo do movimento geopolítico dessa época de ouro do capitalismo, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, reforçando a ideologia do progresso que associa desenvolvimento com crescimento econômico, estabilidade social e bem-estar material e disseminando a versão imperialista do American Way of Life para o resto do mundo, notadamente o hemisfério sul, onde predominavam os ‘subdesenvolvidos’.
A teoria econômica do Desenvolvimento, que teve seu auge nos anos 1950 e declinou depois dos anos 1970 com a chegada do Neoliberalismo, já contava com o principal formulador do conceito Ecodesenvolvimento, Ignacy Sachs, um teórico entusiasta da capacidade do Estado desenvolvimentista conduzir adequadamente os rumos da ‘nave espacial Terra’. Segundo Bresser-Pereira (2013), Sachs dizia que o fracasso das economias socialistas na rivalidade da Guerra Fria se deu entre outras coisas, porque falharam em se tornar uma “alternativa viável aos padrões de consumo e ao estilo de vida ocidental”, evidenciando a poderosa força simbólica que representa a riqueza material individual.
As inovações tecnológicas introduzidas no pós-guerra aumentaram incrivelmente a produtividade industrial, e toda uma nova gama de produtos eletrônicos domésticos foi criada; a eficiência gerencial do Fordismo se disseminou amplamente, a formação de grandes corporações e oligopólios deu economia de escala aos negócios globais. Além disso, o petróleo estava com preços baixos tornando a energia fóssil barata, resultando em mercadorias produzidas a baixo custo. Ao mesmo tempo, ocorreu um expressivo aumento na urbanização e no grau
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de escolaridade. A televisão, o rádio e a geladeira se popularizaram, o acesso ao crédito para o consumo foi enormemente facilitado.
É neste território que se hasteou a bandeira do American Way of Life, indicando o caminho da prosperidade e da felicidade, desde que seguido o modelo estadunidense então aplicado em direção ao sonhado progresso e sua riqueza material. A magnificência desse modelo pode ser medida quando, em 1960, Rostow (1978) publica o livro “Etapas do Desenvolvimento Econômico” em que a quinta e última etapa desse processo civilizatório seria nada menos que a própria “Era do Consumo em Massa”, iniciada com o Fordismo e concluída nos Anos Dourados do Capitalismo. Dá para perceber também a importância do estilo de vida norte-americano defendido com unhas e dentes, quando em 1992, no âmbito da Conferência do Rio, George Bush asseverou que “o American Way of Life não é negociável, e ponto”, ao não submeter os Estados Unidos à política global de contenção de emissão de gases de efeito estufa, negando-se a assinar o Protocolo de Kyoto.
A consagração do American Dream, idealizado por James Truslow Adams em 1931 em “The Epic of America”, como um ethos estadunidense de uma sociedade capaz de combinar liberdade, prosperidade, oportunidades iguais e mobilidade social, onde cada um pode gozar de uma vida melhor por meio do próprio trabalho - algo de fato ensaiado com as políticas Keynesianas nos Anos Dourados -, pavimentou solidamente o imaginário da classe trabalhadora, de que ela poderia desfrutar desse fascinante estilo de vida que antes era exclusivo da elite. Com o sonho americano, começou-se a acreditar ser possível tornar-se uma Very Important Person, um termo que não coincidentemente se torna comum exatamente após a Segunda Guerra, para designar a pessoa com alto prestígio na escala social e que goza de privilégios exclusivos.
Contudo, Aziz e Guendouzi (2019) advertem que a obra de Adams se presta a difundir uma ideologia sem história para estabelecer a sociabilidade capitalista como o aspecto mais central da identidade estadunidense. A mensagem ideológica à classe trabalhadora, no contexto da Guerra Fria, era clara: permanecer no capitalismo significava a garantia de usufruto dos privilégios da ‘primeira classe’, porque na prosperidade do capitalismo havia abundância para todos. Implicitamente, significava também que no capitalismo no lugar da exploração do trabalhador havia liberdade de escolha individual. Groppo (2005) sublinha que a construção simbólica
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da identidade nacional suplantou a construção da própria consciência de classe no capitalismo norte-americano; dissolvendo a luta de classes e manipulando os interesses da classe trabalhadora, seduzida por essa idealização de uma Sociedade de Consumo materialista; onde o Fordismo, que combina produtividade com disciplina no trabalho, desempenhou um papel fundamental no hábito do controle da classe trabalhadora no cumprimento de seus deveres.
Fato é que os Anos Dourados inauguraram um novo ciclo de acumulação do capital, pautado pelo fenomenal desenvolvimento das forças produtivas, atingindo um inédito patamar na capacidade de produção de bens duráveis de consumo: a produção industrial simplesmente teria alcançado uma produtividade ilimitada, sem precedentes. Essa é a conjuntura que propiciou às forças produtivas ultrapassarem o limiar de produtividade jamais visto na história do industrialismo. Que fique claro que foi precisamente na conjuntura político-econômica dos anos 1950, com a reestruturação produtiva do capitalismo norte-americano no pós-guerra, que a produção industrial se tornou ilimitada.
Arendt (2007), considerando que enquanto o produto do trabalho se destina a ser usado e o produto do labor se destina a ser consumido; afirma que as coisas modernas após a Revolução Industrial se tornaram produtos do labor; pontuando que:
A interminabilidade da produção só pode ser garantida se os seus produtos perderem o caráter de objetos de uso e se tornarem cada vez mais objetos de consumo ou, em outras palavras, se a taxa de uso for acelerada a tal ponto que a diferença objetiva entre uso e consumo, entre a relativa durabilidade dos objetos de uso e o rápido surgimento e desaparecimento dos bens de consumo, for reduzida até se tornar insignificante. Em nossa necessidade de substituir cada vez mais depressa as coisas mundanas que nos rodeiam, já não podemos nos dar ao luxo de usá-las, de respeitar e preservar sua inerente durabilidade; temos que consumir, devorar, por assim dizer, nossas casas, nossos móveis, nossos carros (...). Os ideais do homo faber fabricante do mundo, que são a permanência, a estabilidade e a durabilidade, foram sacrificados em benefício da abundância, que é o ideal do animal laborans. (ARENDT, 2007, p. 138).
Se por um lado essa mudança resultou na coroação do sistema capitalista e no ‘fim das ideologias’; por outro lado, foi exatamente este mesmo cenário de êxito das forças produtivas que propiciou a emersão de outra contradição do capitalismo, que agora se dá nas relações mercantis. Desatado o nó da contradição das forças produtivas, que opunha em lados antagônicos o Capital e o Trabalho nas relações
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produtivas; agora o nó correu para outro lugar de tensionamento, antagonizando as esferas da Produção e do Consumo.
Alves (2019) e Cruz (2013) assinalam que o motor desse novo regime de acumulação do capital reside exatamente na intensificação da produção em massa de bens duráveis de consumo. A Sociedade de Consumo tem o poder de produzir mais bens de consumo do que existe de humanos para consumir todas essas mercadorias. E nessa condição de hiperprodução de mercadorias, o alto desempenho alcançado com a nova configuração produtiva passou a ficar comprometido com o surgimento de um gargalo nas relações mercantis: não faltou mercadoria para as pessoas, faltou pessoas para consumir tantas mercadorias produzidas5. Foi esse sucesso que se tornou a encruzilhada: essa alta eficiência produtiva se expandiu até alcançar seu limite, quando saturou a demanda do consumidor pela satisfação das suas necessidades básicas, e foi necessário abrir o consumo para toda a sociedade. Esse novo patamar produtivo sem limites foi capaz de gerar um excedente de bens de consumo inimaginável, e evidentemente esse cenário intolerável precisava ser contornado.
O compromisso dos governos com uma política keynesiana de pleno emprego e com o Estado de Bem-Estar, ao criar uma expectativa de manutenção do emprego e alguma distribuição de renda, ampliou o mercado para bens de consumo, principalmente os duráveis, que até então eram vistos como bens de luxo (caso dos automóveis, eletroeletrônicos etc.) (SAES; SAES, 2013, p. 452).
Não foi fácil abrir o moderno mercado de consumo de massa para toda a sociedade, porque algumas classes sociais excluídas do mundo consumerista, não detinham as ‘competências ideais’ para exercitar o consumismo enquanto ideologia: a parcimônia e moderação eram determinantes no comportamento de consumo, que se restringia aos bens materiais básicos. Se num primeiro momento a solução encontrada foi ampliar o consumo às classes populares, inaugurando o Consumo de Massa, não tardou para que essa estratégia também se mostrasse insuficiente para sanar a contradição entre Produção e Consumo desacoplados em ritmos diferentes.
5 E é por essa perspectiva, de que faltou consumidores para mercadorias, que se compreende que neste momento em diante o consumidor passou a fazer parte integrante da mercadoria, como Bauman (2008) assinala em “Vidas para Consumo”, que literalmente quer dizer que as vidas humanas passaram a ser destinadas a seguir um único propósito: o consumo de mercadorias. Evidentemente que esta condição não se resolve com a satisfação das necessidades básicas, aquelas essenciais e indispensáveis; a força determinante das vidas orientadas para o consumo impõe o consumo supérfluo como uma necessidade: uma necessidade fictícia para o consumidor, mas uma necessidade real para a reprodução do capital.
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O Consumismo é um parâmetro ideológico definidor de quando o padrão de consumo de uma sociedade se transforma culturalmente, a ponto de caracterizar a Sociedade de Consumo, que ocorre quando o sistema produtivo é robusto o suficiente para inaugurar o Consumo de Massa: afinal de contas, como afirma Latouche (2015), para uma produção em série, um consumo também em série e operando no ritmo equivalente; para poder escoar ininterruptamente a produção.
Foi preciso remodelar o imaginário social para interferir no estilo de vida, e assim, redefinir o antiquado padrão de consumo, influenciando-o de forma a torná-lo compatível com o novo ritmo da economia produtiva em escala industrial: criou-se então, um padrão de consumo também em escala industrial, que se mantivesse em compasso com o padrão de produção. Não bastava à acumulação do capital produzir mais e mais mercadorias, se elas ficassem estocadas nos depósitos, era preciso engatar o consumo nesse novo ritmo produtivo; e para isso, foi crucial estimular o consumidor a ir às compras enfeitiçado e sem culpa pelos excessos, com prazer, como um ato em busca mais do que da satisfação das necessidades básicas, da conquista da felicidade.
Este engate conecta dialeticamente a produção e o consumo, a partir desse momento passando a ser reciprocamente influenciadas a relação entre oferta e demanda. É a partir daí que se constrói a ideia da demanda de um consumidor que deve ser satisfeita pelo mercado, conferindo uma autonomia que ele não possui. É dessa perspectiva que desponta a percepção distorcida de que a escolha do consumidor-cidadão no mercado possui o poder de influenciar a produção. Essa dialética se completa visceralmente quando o consumo de bens materiais passa a representar o preenchimento do vazio existencial deixado pelo abandono do indivíduo à sua própria sorte na indiferente sociedade de massa (BITTENCOURT, 2011), distante do laço de pertencimento comunitário, a fonte primária de bem-estar e felicidade; e próximo da identificação com objetos de consumo que possam distingui-lo da multidão.
A popularização do ‘fast food’, que ocorreu nos anos 1950, é a representação perfeita da transformação da esfera de consumo que também foi industrializada no mesmo compasso da produção acelerada. Não é só a preparação da refeição que se conformou ao padrão industrial fordista, mas seu próprio consumo que se tornou imediato, para entrar em sintonia com o novo ritmo de produção. Consumir fast food representa o consumo alinhado com a produção de uma mercadoria que deve ser
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rapidamente consumida. Nada mais simbólico também para qualificar uma Sociedade de Consumo, do que o conhecido ‘Mc Lanche Feliz’, que explicitamente associa o consumo de um sanduíche industrializado com felicidade. A Sociedade de Consumo6 parece ser uma sociedade onde até a felicidade precisa ser comprada.
Além dessa ampliação horizontal do consumo na sociedade, o Consumismo é caracterizado também pela ampliação vertical do consumo, que é quando a decisão individual de compra de uma determinada mercadoria não se dá mais apenas por necessidade, mas também por desejo. Essa talvez seja a maior mudança cultural realizada no espírito do American Way of Life, a deformação do significado de necessidade, ampliando sua fronteira para além daquela linha divisória compreendida pela moral, incorporando os insaciáveis desejos e prazeres hedônicos nessa reconfiguração do que sejam as necessidades humanas. Dentro do contexto desta era de prosperidade, foi preciso investir muito trabalho ideológico para ressignificar a própria ideia de ‘necessidade’, justificada em função do novo regime de abundância de mercadorias disponíveis: assim se desfaz a sua característica fundamental, daquilo que é entendido como absolutamente indispensável, para então aceitar-se rotineiramente o extravagante, o supérfluo, até mesmo o descartável, como parte das infinitas necessidades humanas. Eis a liberdade de escolha individual da Sociedade de Consumo.
Do consumo liberto de sua restrição cultural e orientado pelo desejo, nasce o consumo compulsivo, o vício consumista desenfreado, ou em termos técnicos, a ‘Oniomania’, caracterizada por um consumo patológico, encarado pelo senso comum como situação crônica de desvio comportamental de um sujeito que precisa de tratamento psiquiátrico para esse ‘transtorno de compra compulsiva’; como se não fosse uma condição derivada da abusiva influência da indústria da publicidade para estimular exatamente essa reação compulsiva, exacerbada, descontrolada. Por isso é desejável compreender as políticas públicas de restrição da publicidade como uma questão de saúde pública e mental. Não basta ‘tratar’ os pacientes
6 Aqui é adequado chamar atenção à importante sinalização que Zacharias (2009) fez, de que a Sociedade de Consumo no Neoliberalismo é mais uma ilusão ideológica do que uma realidade palpável, pois esse padrão de consumo atualmente só é acessível a cerca de 30% da população mundial. A sociedade moderna seria na verdade, uma sociedade ideologizada pelo consumo e tremenda injusta, porque mal consegue atender significativa parcela da população com bens de consumo de primeira necessidade; imagina-se então, o custo de se comprar felicidade nessa realidade de desigualdade social. Entendemos, porém, que no esforço da conciliação de classes que se deu com o Keynesianismo nos Anos Dourados, era coerente haver uma narrativa ideológica que diluísse as fronteiras de classe, moldando o imaginário de uma sociedade de classe indistinta, amalgamada numa identidade unificada em torno do consumidor.
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individualmente, sem ao mesmo tempo sanar a própria sociedade forçada a conviver com o incessante bombardeio publicitário, que tem como propósito confundir consumo com felicidade como engrenagem do sistema produtivo que visa produzir para acumular capital. A exposição ao estresse permanecerá presente na vida dos portadores da Oniomania, como ‘efeito colateral’ do necessário bombardeio publicitário.
Assim, foi exatamente nos Anos Dourados do Capitalismo, que essa extraordinária força produtiva do modo de produção (ilimitado) encontrou sua fronteira. Segundo Cruz (2013), esse novo padrão de produção se chocou com o antigo e limitado padrão de consumo. Um padrão pautado pela moral da sobriedade e parcimônia na satisfação do ego pessoal, onde não tinha lugar a possibilidade do consumo impulsivo por desejo sobrepujar o consumo por necessidades. Como o ethos das relações mercantis herdado das décadas anteriores de penúria econômica condenava o exagero, seria preciso estimular as pessoas a ir às compras para movimentar a economia segundo o novo ritmo imprimido pelas forças produtivas. Cohen (2004) sublinha que nos anos do pós-guerra, foi necessário empreender um enorme esforço político-ideológico de ressignificação para convencer a sociedade norte-americana a cooperar com o crescimento econômico baseado numa economia de consumo em massa. O tabu de um consumo perdulário e portanto condenável, precisou ser derrubado, e isso aconteceu quando esse novo regime de abundância material passou a garantir as necessidades básicas da classe trabalhadora. A partir daí foi possível fundar uma nova ‘necessidade’, agora livre de freios, e a existência humana finalmente poderia ser dedicada à busca da felicidade. A Sociedade de Consumo produziu um novo sujeito, com amor próprio, dono de si, narcísico, liberto de tabus restritivos de uma moral austera e comedida que cerceou sua plena felicidade, que passou a ser associada a sentidos identitários distantes da simplicidade. O hedonismo se torna o valor cultural por excelência da Sociedade de Consumo. E o consumo, enfim, se modernizou inaugurando o prazer como estilo de vida.
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Na mesma medida que o capitalismo e seu processo de acumulação se define pela expropriação da natureza e do trabalho humano, esse modo de produção também se define pela expropriação da cultura da parcimônia no inconsciente coletivo dos novos consumidores na classe trabalhadora. Esse modo de produção, no âmbito da extração dos recursos naturais, na transformação da matéria-prima e na comercialização da mercadoria, é um modo de produção pautado pela expropriação. No compasso da acumulação do capital, consumidores se transformaram em acumuladores, muitos, compulsivos; porque foram ideologicamente influenciados a compreender de forma distorcida o que são as necessidades que devem ser satisfeitas no consumo.
É nesse contexto que se insere a indústria da propaganda, que se acoplou como uma engrenagem da máquina produtiva, atuando na produção ideológica conformadora de uma nova identidade consumerista no imaginário social (BRONSZTEIN; MARGOLIS, 2013). A propaganda é uma ramificação da máquina produtiva que inseriu um novo componente na mercadoria, sua embalagem simbólica: a indústria da propaganda surge da necessidade da reconfiguração cultural do consumo ajustada à nova fase de expansão do capital. Forjando a ideia da imprescindibilidade da mercadoria para a vida do consumidor, sua função na Sociedade de Consumo é distorcer a noção de necessidade e naturalizar o consumismo hedônico.
Acompanhando as mudanças nos Anos Dourados, a propaganda mudou radicalmente nos anos 1950, com a criação de um novo olhar que viria a se tornar o paradigma, superando a mera descrição das características intrínsecas da mercadoria e convertendo a mensagem em algo mais conceitual e subjetivo. Uma campanha publicitária da empresa alemã Volkswagen marcou a época com sua inovadora forma para vender o Fusca no mercado norte-americano, um desafio para uma empresa de uma nação inimiga na Segunda Guerra, mas que soube explorar os signos do momento de uma classe trabalhadora que sonhava com o American Way of Life, lançando-o como a opção econômica aos faustuosos automóveis das marcas norte-americanas.
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A propaganda passou a representar a voz da mercadoria, que se apresenta agora pelas suas qualidades sutis para além da sua função essencial. Não se adquire mais uma geladeira apenas pela sua qualidade enquanto Valor de Uso, como um eletrodoméstico capaz de preservar alimentos em um ambiente refrigerado; adquire-se pelo seu Valor de Troca, a representação do estilo de vida do consumidor. Se inaugura a era dos ‘modelos’ da mercadoria em suas infinitas representações alinhadas às subjetividades do consumidor, mas constante e interminavelmente renovadas e descartadas.
A mensagem ideológica da indústria da propaganda consistia em negar a racionalidade da razoabilidade da parcimônia, e convencer a classe trabalhadora que o consumismo não era algo indecoroso; ao contrário, era um ato altruísta derivada de uma racionalidade patriótica de responsabilidade civil7; porque sob o capitalismo no pós-guerra, teria ocorrido um giro completo entre a penúria e opulência, entre escassez e abundância material. Comprar passou a significar contribuir com o progresso, crescimento e prosperidade econômica.
A questão era de que não fazia sentido um padrão de consumo austero no novo mundo da prosperidade; abrindo caminho para o discurso implícito que enaltece o moderno em detrimento do passado, na distinção entre os novos e ‘melhores’ produtos em relação aos produtos velhos e ‘ultrapassados’, para essa nova era que começa a se organizar em torno da dialética entre abundância e desperdício, com a progressiva aceitação social da ideia da descartabilidade. Essa idealização da jovialidade estabelece uma nova fronteira definidora para a satisfação das necessidades, cujo limiar agora se define pela dicotomia entre o velho e o novo e sua contínua renovação. A Sociedade de Consumo valoriza o novo e despreza o velho, como efeito do discurso ideológico da vinculação da modernidade como signo de inovação tecnológica, que significaria ‘melhoria’ implícita. O resultado dessa artimanha retórica é a naturalização do abandono da mercadoria em plena condição de uso, pelo consumidor que não vê mais interesse naquilo que comprou muito como um espelho de sua identidade, porque o que importa é que ele vê em outra
7 A respeito do consumo como ato patriótico, Oliveira e Bomfim (2020) inclusive fazem alusão a um “Consumismo Estrutural”, ao analisar o discurso do então Presidente Lula rebatendo uma fala de um trabalhador que afirmava que não se sentia seguro em fazer uma compra por medo de perder o emprego, ao que Lula retruca exatamente o contrário; que se esse trabalhador não comprar, aí sim é que ele corre o risco de perder o emprego. A ênfase na importância do trabalhador consumir bens duráveis, porque assim ele assegura que a economia floresça, é um traço distintivo da relação visceral de dependência que a produção em massa deposita no consumo de massa, e por isso, o Consumismo “Estrutural”.
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mercadoria uma representação mais fiel às suas expectativas de satisfação da felicidade.
É nesse contexto simultaneamente para movimentar a produção em massa e para manter o interesse da classe trabalhadora ao espírito capitalista, que foi preciso ensinar à classe trabalhadora buscar felicidade no consumo. É na fabricação de uma massa de consumidores que floresce a indústria da propaganda, que ganha a decisiva contribuição da psicologia do consumidor, para entender cientificamente os instintos primários, os desejos inconscientes e os anseios do consumidor, para desvendar as melhores formas de seduzi-lo e influenciá-lo (JUSTO; MASSIMI, 2017). Essa ferramenta fabricou imaginários e ensinou de forma subliminar os trabalhadores recém ingressos na classe média, os novos valores e comportamentos desejáveis nas relações de consumo orientadas pelo prazer. A psicologia do consumidor subsidiou a indústria da propaganda a criar o consumo ‘desnecessário’, que não se pauta mais exclusivamente pelas necessidades básicas, mas também pelas supérfluas.
Antes de 1950, havia uma clara demarcação que separava o consumo por necessidades básicas, do consumo supérfluo; e era o corte de classe social que distinguia a rotina entre os dois padrões de consumo. A classe trabalhadora, por razões óbvias derivadas da relação Capital e Trabalho, se restringia ao consumo por necessidade, enquanto a elite se via em condições de também consumir por prazer, ostentação e diferenciação na hierarquia social. Enquanto a classe trabalhadora comprava mercadorias pelo seu Valor de Uso, a elite podia comprar mercadorias também pelo seu Valor de Troca, caracterizando o consumo de luxo. E a partir de então, a fronteira de classe no âmbito do consumo que separava os trabalhadores da elite, o limiar que separava ideologicamente o consumo por necessidades do consumo por desejo, foi desfeito.
E dessa forma, o ato do consumo é imaginariamente convertido em um instrumento de lazer contínuo e para todos: os novos consumidores deveriam aprender que lugar de ‘passear’ é no shopping center, o lugar tão comum da convivialidade em qualquer cidade, que na língua inglesa significa literalmente ‘compras’, porque os trabalhadores merecem usufruir dos bens materiais por eles próprios produzidos. Os novos consumidores devem aprender também a celebrar a segunda data mais importante para o comércio, o Dia das Mães, mas não exatamente como idealizava Anna Jarvis em 1914, a criadora da data comemorativa
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para valorizar as mães trabalhadoras (que de tão amargurada com o desvirtuamento da comemoração da data, passou a lutar pela remoção do feriado do calendário norte-americano). A Sociedade de Consumo é aquela que desenvolveu, por influência da indústria da propaganda, um novo modo de vida que associa lazer com consumo, consumo com felicidade. Que melhor fórmula para induzir docilmente as pessoas a viver para consumir, e não mais consumir para viver?
Enfim, a solução da contradição entre as esferas da produção e do consumo advinda dessa reconfiguração produtiva, foi adicionar a indústria cultural no circuito produtivo, cuja produção agora é a de um novo imaginário social, para que o consumo deixasse de ser orientado pela necessidade para ser orientado pelo desejo; a ética da parcimônia fosse substituída pelo hedonismo; a cultura da durabilidade desse lugar à descartabilidade; o Valor de Uso ficasse desfocado em segundo plano em detrimento do Valor de Troca. Foi criada a demanda artificializada – porque induzida pela indústria cultural e da propaganda – para sintonizar com a oferta. Afinal, era imperativo equiparar o ritmo do consumo ao ritmo da produção.
A satisfação das necessidades unicamente pelo Valor de Uso da mercadoria, ou seja, pelo seu valor inerente relacionado à utilidade material do produto, se tornou impeditiva à expansão da força produtiva. A influência da indústria da propaganda foi precisamente no deslocamento do consumo de bens de primeira necessidade para os bens considerados como supérfluos e banalmente descartáveis: mais importante do que o próprio bem de consumo, aquilo que ele passa a representar na subjetividade identitária do consumidor. Assim, ao comprar uma certa modelo de mercadoria, não se está apenas adquirindo um bem de consumo material, está se adquirindo também um símbolo de identificação com um determinado estilo de vida enunciado pela propaganda, do qual o consumidor se reconhece por representação. Aquela mercadoria representa a sua identidade ante seu círculo de pertencimento social. As forças produtivas alavancaram uma dinâmica cultural que maximizou o Valor de Troca em desfavor ao Valor de Uso, onde o simbólico dissolve a materialidade da mercadoria; constituindo uma transmutação das relações mercantis que passam a ser relações de consumo.
Assim age a indústria da propaganda: a produção da mercadoria se completa com a produção dos signos subjetivos que embalam a mercadoria nas relações de consumo. Brito (2012), lembrando que o mercado de uma economia industrial altamente desenvolvida depende da propaganda, sinaliza que publicidade e
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ideologia andam juntas, posto que a publicidade produz ideologia que serve à ordem capitalista. Amparada pela psicologia do consumidor, a publicidade normatiza valores, define uma ordem social, conforma estilos de vida, molda comportamentos, influencia a sociabilidade.
Esse modo de produção contemporâneo não criou só a mercadoria, criou também o desejo livre de qualquer restrição moral pautada pela sobriedade característica da classe trabalhadora. A psicologia do consumidor esteve a serviço do capital, e a indústria da propaganda efetuou uma educação para o consumo desregrado, liberta dos freios culturais da parcimônia. Com esta perversão moral, o capitalismo resolveu de uma forma singularmente radical essa contradição entre a produção que se tornou ilimitada e o consumo incapaz de absorver toda a quantidade de mercadorias que não poderiam ficar estocadas.
O modo de produção ultrapassa a esfera produtiva propriamente dita da linha de montagem industrial, e alcança a dimensão sociocultural que começa a fazer parte constituinte da engrenagem produtiva. É quando se estabelece definitivamente a determinação da produção sobre o consumo: não existiria um consumo qualificado como ‘desmesurado’, se não houvesse, antes, uma produção massificada que precisa escoar rapidamente para maximizar a rentabilidade do capital. Esse padrão de consumo que se expressa pela Oniomania é resultado da alienação ideológica proporcionada pelos meios de produção cujo propósito residia no falseamento da ideia de felicidade que passou a ser associada ao falseamento da ideia de necessidade. O atual padrão de consumo é diretamente determinado pelo padrão de produção; então, inclusive a própria ideia de um consumidor ‘descontrolado’ e por sua própria culpa, representa o falseamento ideológico da realidade que passa a ser apresentada de forma invertida. Isso significa que a escolha do consumidor não é tão livre como se imagina no American Dream.
Há outro aspecto importante a sinalizar. A propaganda ideológica do consumo inocula um estilo de vida que se baseia na aspiração de um alto padrão de consumo, onde impera a premissa de que felicidade se compra em detrimento da aspiração por serviços públicos de qualidade para atender aos direitos humanos de saúde, educação, segurança, etc. Esse é um imaginário corrompido pela mercantilização da vida, único de um sistema econômico que se orienta pelo capital e pelo interesse privado e que se realiza no âmbito do mercado. Tudo se torna mercadoria, tudo se resolve nas relações de consumo. Nos tornamos uma
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Sociedade de Consumo quando preferimos ir às compras ao invés de lutar por direitos assegurados no Estado de Bem-Estar Social. É quando o interesse privado se sobrepõe ao interesse público, que se dá na esfera do consumo. O consumidor-cidadão que diz querer ‘qualidade’, passa a preferir comprar educação privada, saúde privada, transporte privado, segurança privada; ao invés de cobrar o direito a ter educação, saúde, transporte, segurança pública e de qualidade. O interesse público desaparece do cotidiano de uma Sociedade de Consumo mercantilizada, criando o solo fértil para vingar o Neoliberalismo.
Foi precisamente quando a capacidade ilimitada das forças produtivas encontrou limites ‘naturais’ no consumo, que tudo mudou nas relações mercantis. Foi dessa encruzilhada que a sociedade se transformou, moldada pela sociabilidade capitalista. Por isso a Sociedade de Consumo se constitui no exato momento em que se tornou mais difícil vender do que produzir mercadorias e bens de consumo. E frente a essa contradição entre as esferas da produção e do consumo limitadora da acumulação do capital, que se fundou essas duas mudanças essenciais que foram capazes de reestabelecer o equilíbrio entre os ritmos de produção e de consumo, para que a velocidade do consumo entrasse em compasso sincronizado com o novo e acelerado ritmo de produção: a indústria da propaganda e a Obsolescência Planejada.
Mesmo com o ingresso da classe trabalhadora na esfera do consumo, o ritmo do consumo ainda era lento para o novo padrão acelerado de produção. A acumulação do capital ainda estaria condenada caso essa contradição não fosse resolvida: os bens materiais ‘duráveis’ duravam tempo demais para essa forma apressada demais de produzir mercadorias. Nesse novo regime, eles necessariamente precisavam ser substituídos, contribuindo assim com a desconcertante ideia de que no reino da abundância, as coisas ‘ultrapassadas’ pela modernidade, precisam ser descartadas, condenando a ideia da durabilidade de um produto como equivalente de qualidade. A percepção da abundância material do American Way of Life, como uma visão ideológica distorcida da realidade, perverteu um imaginário social que passou a banalizar o desperdício, algo que foi
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especialmente desafiador para a cultura europeia do pós-guerra, por ter vivenciado a escassez. Deixar de se incomodar com o desperdício, foi um esforço cultural descomunal que precisou ser realizado pela indústria da propaganda para colocar em marcha essa reestruturação produtiva.
E assim, a necessidade imperativa da descartabilidade do bem ‘durável’, para que a esfera do consumo mantenha o passo com o ritmo incessante de compras na proporção equivalente à produção em massa; encontrou materialidade na prática da Obsolescência Planejada, com o encurtamento intencional da vida útil de uma mercadoria, como engrenagem essencial de um plano de negócios empresariais idealizado para acelerar a circulação da produção de bens de consumo. A essa altura dos Anos Dourados, a sociedade norte-americana já estava se acostumando com as mercadorias descartáveis. Foi nos anos 1950 que a produção de isopor e de materiais plásticos – baratos, leves, versáteis e descartáveis -, começou a se popularizar.
Na medida que as mercadorias são planejadas para ter um tempo de vida útil reduzido, essa estratégia cria o padrão do consumo repetitivo, como outra característica definidora da Sociedade de Consumo. Aqui também a indústria da propaganda precisou atuar com seu currículo oculto, valorizando o novo e condenando o antiquado, naturalizando o desperdício.
O significado da Obsolescência Planejada deixa claro que a intenção de produzir bens de consumo definitivamente não é a satisfação das necessidades do consumidor, mas sim da acumulação do capital. Para Mészáros (2011), o novo ciclo de acumulação inaugurou a era da ‘Produção Destrutiva’ do capitalismo, agora baseado na redução programada da taxa de uso de qualquer mercadoria, para diminuir a sua vida útil permitindo assim sua rápida substituição para acoplar definitivamente o ritmo do consumo ao da produção. Diz o autor:
Além de um certo ponto, entretanto, as mercadorias destinadas ao ‘alto consumo de massa’ deixam de ser suficientes para manter longe da porta os lobos da crise de expansão da produção (devido à ausência de canais adequados à acumulação de capital). Torna-se, desse modo, vital divisar meios que possam reduzir a taxa pela qual qualquer tipo particular de mercadoria é usada, encurtando deliberadamente sua vida útil, a fim de tornar possível o lançamento de um contínuo suprimento de mercadorias superproduzidas no vórtice da circulação que se acelera. A notória ‘obsolescência planejada’ em relação aos ‘bens duráveis’ produzidos em massa (...) para compelir os clientes a comprar dispendiosos produtos ou
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componentes novos, quando os objetos descartados poderiam facilmente ser consertados (...). Tudo isso pertence a essa categoria, dominada pelos imperativos e determinações subjacentes para perdulariamente diminuir as taxas de utilização praticáveis (MÉSZÁROS, 2011, p. 670).
Mészáros (1996, p. 31) afirma ainda que:
É pois, extremamente problemático o fato de que a ‘sociedade descartável’ encontre o equilíbrio entre produção e consumo, necessário para sua contínua reprodução, somente se ela puder artificialmente ‘consumir’ em grande velocidade (isto é, descartar prematuramente) grandes quantidades de mercadorias, que anteriormente pertenciam à categoria de bens relativamente duráveis. Desse modo, ela se mantém como sistema produtivo manipulando até mesmo a aquisição dos chamados ‘bens de consumo duráveis’, de tal sorte que esses necessariamente tenham que ser lançados ao lixo (...) muito antes de esgotada sua vida útil.
Criados no bojo do American Way of Life, o Consumismo e a Obsolescência Planejada se completam e são efeito direto da indústria da propaganda, que inculca incessantemente intermináveis necessidades fictícias, além da indecente cultura da descartabilidade, rompendo o freio cultural da parcimônia e moderação dos impulsos humanos. Inegavelmente, esse é um modo de produção fundado na percepção da abundância material e calcado na lógica do desperdício dos recursos naturais.
Bernard London8 e Victor Lebow são dois dos fundadores da Sociedade de Consumo, por serem autores da formulação teórica da Obsolescência Planejada e da indústria da propaganda (LAYRARGUES, 2018). Em ambos se verificam as ideias centrais que vão definir o perfil da Sociedade de Consumo, e as engrenagens da reestruturação produtiva dos Anos Dourados: a indústria da propaganda e a Obsolescência Planejada, como os fatores indutores da aceleração do consumo, que se torna desmedido e repetitivo.
Isso quer dizer que a raiz do desperdício de recursos naturais está na lógica do modo de produção baseado na aceleração produtiva, na transfiguração das necessidades e na descartabilidade da mercadoria, invenções adotadas nessa fase de acumulação do capital. Entre outros fatores, deve-se muito à lógica do desperdício, elemento impregnado na Sociedade de Consumo, a relação causal com a atual aceleração da geração de resíduos de modo desproporcional em relação ao
8 Bernard London ensaiou a teoria da Obsolescência Planejada ainda em 1932, no contexto da Crise de 1929, como uma estratégia para recuperar a economia da Grande Depressão, elevando os níveis de consumo, muito embora a sociedade norte-americana ainda não estava psicologicamente preparada para tamanha desmesura no hábito de consumo.
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crescimento populacional: a taxa de geração de lixo per capita tem se mostrado crescente ao longo do tempo.
Enfim, o que resulta como padrão de produção e consumo insustentável, foi criado como modelo societário nos Anos Dourados do Capitalismo, encarnado no espírito do American Way of Life, característico da Sociedade de Consumo. Um modo de produção muito específico, baseado na ideia da abundância material, desenhado para atender ao processo de acumulação do capital no momento histórico de uma reestruturação produtiva, fundamentada na aceleração exponencial da produção industrial como exercício de poder geopolítico imperialista, que resultou na disseminação de um plano de negócios empresariais essencialmente orientados pela redução da vida útil da mercadoria; característica que demandou o desenvolvimento de uma nova engrenagem produtiva – agora na esfera do consumo – a indústria ideológica da propaganda indutora da desejabilidade de fruição hedônica no ato do consumo. Tudo isso para manter o compasso acelerado entre demanda e oferta de bens de consumo.
O início dos anos 1970, momento que demarcou o fim dos gloriosos Anos Dourados9, coincidiu com duas novas mudanças de dimensões societárias, curiosamente contraditórias: a reorientação do Estado Mínimo, quando a doutrina
9 A Era de Ouro do Capitalismo termina com a desaceleração do crescimento econômico, a falência do acordo de Bretton Woods, a crise do petróleo e a quebra da bolsa de valores norte-americana, acarretando numa recessão econômica. Ante o acirramento da competitividade entre os EUA imperialista e Japão e Europa Ocidental que conquistaram mais espaço no mercado global, esgotou-se a capacidade financeira do Estado capitalista continuar sustentando políticas distributivas; dando lugar, então, ao Neoliberalismo. Barros (2020) sustenta também que as altas taxas de emprego por tanto tempo acabaram sendo desfavoráveis aos capitalistas, que passaram a pressionar pelo fim da política de pleno emprego como meio de enfraquecer a classe trabalhadora e poder voltar a extrair o máximo de valor sobre o trabalho; sustentando então que o conflito distributivo esteve na base do colapso dos Anos Dourados. Havia chegado a hora de interromper o pacto entre capital e trabalho da reforma capitalista. Oliveira e Apóstolos (2020) explicam que a acumulação do capital implica inexoravelmente na diminuição da força de trabalho; e foi exatamente nisso que o Estado de Bem-Estar Social atuou, tentando artificialmente evitar que o ciclo econômico do pós-guerra resultasse naturalmente no aumento do desemprego e na decorrente criação do exército de mão-de-obra reserva, que é uma regra geral da acumulação do capital: a política de pleno emprego foi uma exceção à regra da economia capitalista, que só floresceu nessa conjuntura geopolítica muito particular e abreviada na história do capitalismo. O novo ciclo de acumulação do capital a partir de 1970, regido pelo Neoliberalismo, retirou parte da classe trabalhadora do circuito produtivo, e o desenvolvimento tecnológico da robótica foi um dos principais fatores da onda de desemprego estrutural, acompanhada das políticas de ‘austeridade’ e precarização do trabalho. Inclusive, é nesse contexto das ‘sobras do sistema’, que se dá o encontro entre os ‘resíduos sólidos’ da sociedade de consumo e os catadores de materiais recicláveis.
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neoliberal passa a determinar a política econômica mundial; e o surgimento do ambientalismo moderno, quando a ecologia se torna um assunto político e se desenham os primeiros contornos das políticas ambientais públicas.
A origem do ambientalismo moderno está em função da crítica ecologista aos impactos ambientais advindos do desenvolvimentismo-economicista desde os Anos Dourados, que pleiteava a adoção de políticas regulatórias da economia em nome da prudência ecológica. Um marco significativo dessa época foi a realização da Conferência de Estocolmo, em 1972, precedida pela publicação do emblemático relatório intitulado “Limites do Crescimento”, fundando a disputa por uma nova ordem mundial, pautada pela prudência ecológica ante o Colapso Ambiental derivado de uma economia crescimentista. A mensagem ecologista era muito clara: aquela ordem de acontecimentos que vieram a definir uma civilização, não poderia continuar mais por muito tempo, porque cedo ou tarde a sociedade da abundância e do desperdício não seria mais sustentável. Assim, as forças ambientais conseguem se impor numa relação de poder exatamente no momento histórico em que o Estado regulador é substituído pelo ideário neoliberal. A regulação ambiental pública nasce e se afirma a partir do momento que se inicia o Estado Mínimo e a desregulação estatal, mas que contraditoriamente não chega a influenciar as políticas ambientais nos países capitalistas. Desde então, se erige todo um universo de política e gestão ambiental pública, com a manutenção do Estado regulando a economia.
Ao mesmo tempo que se celebrava o reino da abundância nos países centrais do capitalismo globalizado, enquanto os trabalhadores no hemisfério norte se tornavam classe média desfrutando dos privilégios do consumo moderno, testemunhou-se um debate que viria a renovar a preocupação malthusiana com o perigo do crescimento populacional desenfreado, especialmente no hemisfério sul. Os Anos Dourados foram marcados também pelo período que abrangeu a descolonização, e a extrema pobreza acrescida da explosão populacional em muitos países do Terceiro Mundo se tornou uma questão de grande proporção a mobilizar acalorados debates sobre o desenvolvimentismo (SAES; SAES, 2013).
Em sintonia com o momento e afinado com a ideologia mainstream, Paul Ehrlich publicou em 1968 “The Population Bomb”, correlacionando o ritmo exponencial do crescimento populacional a uma bomba relógio prestes a detonar, caso não fosse desarmada. Com a revisão ecologista do postulado malthusiano, o efeito explosivo da bomba populacional afetaria não só a segurança alimentar
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global, mas comprometeria também outras dimensões da existência humana no planeta: não faltaria apenas alimento, mas também água, energia, recursos naturais renováveis e não renováveis. A natureza teria sua capacidade de suporte ultrapassada, e não seria mais capaz também de absorver o lixo e diluir toda ordem de poluentes e contaminantes antrópicos. Contudo, e coerente ao espírito imperialista, a fórmula apresentada para conter a explosão populacional, repousou justamente na disseminação do desenvolvimentismo nos países do hemisfério sul: a compreensão era de que à medida que o país se desenvolvesse e propiciasse progresso e crescimento econômico, a taxa de natalidade cairia e a pressão humana sobre os recursos naturais diminuiria.
E foi nesse contexto histórico girando em torno do progresso e florescimento da ideologia desenvolvimentista, da expansão do industrialismo, e da preocupação neomalthusiana - mas também da própria Guerra Fria com o investimento espacial na disputa entre Estados Unidos e União Soviética -; que entra em cena o planeta Terra, com seus recursos naturais agora percebidos como finitos, desafiando o otimismo cornucopiano10 com o cenário da escassez dos recursos naturais.
A partir do momento que a humanidade foi confrontada com a realidade de que o mundo era um pequeno planeta no universo, ocorreu uma decisiva mudança no imaginário social capaz de alterar o paradigma vigente da abundância e infinitude dos recursos naturais. Um ‘pálido ponto azul’ vagando no Cosmos – como anos mais tarde, sabiamente denominou Carl Sagan (1996), com a visão da Terra obtida pela sonda Voyager 1 já na borda do sistema solar, a seis bilhões de quilômetros de distância daqui. Foi em 1966 que foram feitas as primeiras imagens da Terra inteira a partir do espaço (captadas antes pelo satélite soviético Molnia a 40.000 km de altitude; e três meses depois, pela sonda norte-americana Lunar Orbiter, enquanto
10 Diz a mitologia greco-romana que a cabra Amaltheia amamentou Zeus quando era bebê. Sua representação é a de um cifre repleto de frutos, simbolizando abundância e riquezas sem fim. Remete à ideia do Paraíso, onde a natureza seria dadivosa e providente, fonte gratuita e eterna de recursos ilimitados para os humanos. Os Cornucopianos são aqueles que carregam uma visão extremamente otimista quanto ao crescimento econômico ilimitado e sem apresentar quaisquer consequências negativas ao meio ambiente. O que os faz carregar essa confiança, se contrapondo frontalmente com os profetas do apocalipse e suas previsões catastrofistas do colapso ambiental, seria a capacidade da tecnologia superar certeira e continuamente todos os desafios e contradições que o crescimentismo da economia pudesse acarretar. Para eles, naturalmente a evolução tecnológica caminha na direção da eficiência produtiva e redução da degradação ambiental. Acreditando que a pobreza é responsável pela degradação ambiental, os Cornucopianos carregam o mito da infalibilidade tecnológica para resolver qualquer situação de escassez de recursos naturais, confiam na força reguladora do mercado e rechaçam veementemente as propostas de limitar o crescimento econômico (CHANG, 2001).
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orbitava a Lua para fazer as primeiras imagens de sua superfície, a 350 mil km de distância da Terra).
Essa é uma tomada de distância considerável para provocar a mudança de perspectiva da abundância e prosperidade do American Way of Life, que se tinha construído sobre um mundo que subitamente se converte em planeta. Até então não se tinha clara a percepção de que ele seria tão pequeno. Tendo como palco a vastidão do Cosmos, a Terra foi percebida como equivalente a um inexpressivo grão de areia. Com essa nova e desconcertante percepção, ante o fantasma neomalthusiano a assombrar o desenvolvimentismo, ecologistas tomam consciência da existência de limites planetários, fazendo despertar a noção de escassez e finitude dos recursos naturais. Entra em cena uma inquietante realidade, a dúvida da capacidade do planeta suprir os recursos naturais necessários para a população em rápido crescimento demográfico, e sobretudo, se desenvolvendo de acordo com o ideário da Sociedade de Consumo e seu modo acelerado de produção-destrutiva.
Nesse imaginário modificado sobre o mundo, foi inevitável surgir a analogia comparativa entre a Terra e uma nave espacial. A essa altura da história, a Guerra Fria estava no seu auge, com as demonstrações do poderio tecnológico e militar norte-americano e soviético. Esse ‘pálido ponto azul’ no espaço foi correlacionado de imediato a uma nave espacial vagando pelo Cosmos, sem qualquer possibilidade de parada em algum ponto do Universo para se abastecer de recursos necessários para seguir adiante a viagem.
A concepção do planeta como equivalente a uma nave espacial já havia sido formulada anteriormente, mas nada comparável com a poderosa influência da visualização das primeiras imagens da Terra vista a partir do espaço. Spaceship Earth de Barbara Ward, em 1966; The economics of coming spaceship Earth de Kenneth Boulding11, também em 1966; Operating manual for spaceship Earth, de Buckminster Fuller em 1969; How to be a survivor: a plan to save spaceship Earth de Paul Ehrilch, em 1971, são algumas das produções literárias de cunho ecologista que tiveram origem a partir do despertar da noção de finitude de recursos naturais que se confrontou com a lógica do desperdício. O paradigma cornucopiano da inesgotabilidade ruiu ante os alertas catastrofistas dos ‘profetas do apocalipse’, com a percepção de que o planeta Terra equivale a uma nave espacial vagando pelo espaço, despertando a preocupação ecologista com o uso racional e parcimonioso
11 O autor já havia publicado um pequeno paper um ano antes, intitulado “Earth as a space ship”.
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dos recursos naturais, para que eles tenham sua vida útil estendida por toda a viagem indefinidamente; ou seja, para que a viagem ao futuro seja ‘sustentável’, ou como dizem os ecologistas franceses, ‘durável’. Foi um distanciamento astrofísico que proporcionou a ruptura paradigmática que inaugurou toda ordem ambiental vinculada à questão da finitude dos recursos naturais ante o signo do desperdício.
Foi essa primeira imagem da Terra que produziu um efeito simbólico sem proporções para o momento histórico de constituição do ambientalismo moderno, fazendo aflorar a ideia de finitude de recursos naturais, organizando a pauta estrutural do movimento de defesa da natureza em torno do uso racional dos recursos naturais. O signo da abundância material, erigido em cima da prosperidade econômica dos Anos Dourados viria a ser ressignificado pelo ambientalismo, caracterizado agora com uma conotação negativa. No contexto da preocupação com o uso racional dos recursos naturais, emergiu a intolerância ecologista com relação ao desperdício e o enaltecimento da simplicidade.
A percepção da finitude dos recursos naturais é uma ideia central do movimento ambientalista, porque ela se ancora no princípio da sustentabilidade considerando o direito das gerações futuras seguirem a viagem terráquea pelo Cosmos sem risco de esgotamento dos recursos; não por acaso, aspecto que passou a orientar o desenvolvimentismo a partir do relatório Brundtland ‘Nosso Futuro Comum’, quando faz alusão ao direito geracional ser a pedra fundamental do Desenvolvimento Sustentável.
Os ecologistas foram os estraga-prazeres que fizeram ruir a doce ilusão de que seria possível viver usufruindo dos intermináveis privilégios de um mundo de abundância material e prosperidade econômica da Sociedade de Consumo. A mensagem ecologista, na época entendida e rejeitada como um estapafúrdio convite ao passado, aludia ao retorno do sentido original da necessidade básica, regida pela ética da parcimônia, caso realmente haja algum compromisso da geração presente com as gerações futuras. A ecologia da nave espacial Terra havia ensinado parcimônia ante a escassez, como contrapeso à economia que esbanja desperdício ante a abundância; e que por duas décadas, os anos 1970 e 1980, conseguiu domesticar a economia capitalista, impedindo que a doutrina neoliberal exercesse sua influência contra a regulação ambiental pública.
Até que tudo muda em 1992, no contexto da Conferência do Rio, quando desponta o Ambientalismo de Mercado e sua promessa da Economia Verde de
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proteger os direitos das gerações futuras herdarem um planeta sustentável. Dali em diante, assiste-se a um franco processo de desregulamentação ambiental pública nas economias capitalistas, onde se substituíram os mecanismos de comando e controle por mecanismos de mercado na gestão ambiental, marcando um tempo histórico de retrocessos nas institucionalidades de defesa ambiental pública no capitalismo. Tardou mas não falhou: finalmente a doutrina neoliberal se impôs na agenda ambiental da Sustentabilidade.
Pensar a questão ambiental nos anos 1970, era pensar no controle da poluição industrial e do esgotamento dos recursos naturais, especialmente os não renováveis. Era pensar em combater o desperdício do voraz metabolismo do sistema industrial moderno. O lixo foi o elemento denunciador de um modelo produtivo que explicitava o grau de desperdício da Sociedade de Consumo; e assim, não tardou para que o combate ao desperdício se voltasse na direção da reciclagem, como uma tentativa de recuperar a vida da mercadoria abreviada. O volume de lixo que começou a ser produzido era de tal envergadura, que se tornou o testemunho ‘morto’ do impacto mais imediato da dialética entre produção acelerada e consumo desenfreado. Quando a retórica da reciclagem ganhou vigor, o lixo se tornou ‘resíduo sólido’, e essa conversão nomenclatural se deu em função da factibilidade do caminho a seguir, na conversão do lixo em nova matéria-prima, na perspectiva de se ‘poupar’ a extração de mais recursos naturais para a fabricação de novos produtos, em função da reinserção dos resíduos sólidos no metabolismo industrial como uma ‘matéria-segunda’: a ideia era oportunizar o reaproveitamento dos materiais descartados como ‘inservíveis’ na produção industrial. A essência do uso racional dos recursos naturais passa, antes de tudo, pelo combate ao desperdício; mas isto, na lógica da economia de mercado, passa pela reciclagem. A fórmula ideal do Ambientalismo de Mercado como sua compreensão do ‘uso racional dos recursos naturais’ repousa na ideia do ciclo de vida da mercadoria dentro do sistema industrial, passando a pavimentar o caminho da Economia Circular.
A noção de finitude dos recursos naturais poderia ter sido um fator limitador da prática da Obsolescência Planejada. Ocorre que essa constatação encontrou um ambiente industrial já viciado na Produção-Destrutiva com o encurtamento programado da vida útil da mercadoria. O retorno da durabilidade da mercadoria não era mais uma questão. Assim, a solução apresentada pelo Ambientalismo de Mercado ante o desperdício dos recursos naturais não foi na direção da
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regulamentação política da Obsolescência Planejada para limitar essa prática de encurtamento intencional da vida útil da mercadoria; e sim na direção da recuperação das mercadorias descartadas precocemente como inservíveis. É nessa direção que se cria a proposta do mercado da indústria da reciclagem e se estrutura a lógica da Economia Circular, um certo malabarismo conveniente para não se interferir no acelerado ritmo de produção em massa.
Sim, em tese a reciclagem e a Economia Circular apontam o caminho correto, apesar de incompleto e portanto, inócuo. Além disso, quanto falta para o modelo produtivo atual se converter de fato no ecossistema produtivo prometido pela Economia Circular? Porque mais de 40 anos depois que se começou a praticar a reciclagem, apenas 2% do lixo brasileiro ainda é reciclado?
A nova ordem estabelecida nos Anos Dourados fomentou a prosperidade econômica e alguma equidade social dentro desse regime socioeconômico, mas em detrimento da qualidade ambiental – que ainda não havia se mostrado claramente como um problema fulcral derivado daquela época de desmesura e desperdício. Contudo, quatro décadas depois dessa reconversão produtiva do capitalismo, o impacto antrópico planetário já era tão evidente, que chegou a ganhar um marco geo-histórico representativo dessa ruptura, em que a espécie humana se tornou uma força geológica em escala planetária interferindo exponencialmente nos sistemas geoecológicos: o Antropoceno, para definir uma nova época que veio interromper bruscamente um período de estabilidade climática, o abreviado Holoceno com seus parcos dez mil anos de duração.
Entretanto, Colacios e Andrade (2021) advertem que o sentido ideológico do termo oficial ‘Antropoceno’ está alinhado ao projeto de manutenção da ordem capitalista, onde a narrativa dominante inclui versões que imputam genericamente à espécie humana o ônus dessa ruptura sociometabólica, até visões triunfalistas da capacidade de controle humano sobre o planeta. No limite, todas subtraem a responsabilidade direta do capitalismo, e o Antropoceno aparece como uma estratégia ideológica de ocultação das contradições do capitalismo. E o repertório das soluções oferecidas por tal perspectiva conservadora vai da introdução da geoengenharia até a desgastada, mas resistente fórmula ideológica da reorientação
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moral dos comportamentos individuais de consumo direcionadas agora a um consumo ‘Eco-Friendly’ rotulado como ‘sustentável’ como efeito da modernização do antigo ‘consumo patriótico’ dos anos 1950. Para os autores, contudo, o Antropoceno nada mais é do que a manifestação histórica dos imperativos da reprodução social capitalista atingindo proporções bíblicas. Advertem ainda, que o próprio momento em que se funda o termo Antropoceno é revelador do caráter ideológico; quando finalmente pessoas ‘civilizadas’ começaram a perceber aquilo que povos e classes subjugadas pelo desenvolvimentismo já sentiam há tempos.
O marco histórico estabelecido por Crutzen [a Revolução Industrial] tem um apelo maior que das demais propostas, pois é abrangente, apresenta justificativas para humanistas e cientistas naturais, aborda o problema da produção e das suas emissões de poluentes. Porém não aponta o sistema do capital como responsável, não o historiciza e, portanto, não atribui ao mesmo a sua devida centralidade na conformação do problema do Antropoceno; ao contrário, encerra a culpa em uma humanidade indeterminada e geral, protegendo-se assim, de eventuais críticas liberais e progressistas (COLACIOS; ANDRADE, 2021, p. 47, grifo nosso).
Na era do Antropoceno, a mensagem ideológica diz que a ‘humanidade’ teria se tornado uma força de expressão geológica equivalente aos processos geomorfológicos planetários. Mas quando começou o Antropoceno, onde está a fronteira definitiva que demarca a mudança de época geológica? Essa periodização pode ter vários pontos de partida, e cada um deles disputa uma determinada visão ideológica da realidade12. Alguns atestam que no Paleolítico com a domesticação do fogo já teríamos o início do Antropoceno, outros pontuam que o Antropoceno teve início no Neolítico, com a agricultura. Outros creem que foi a partir da Revolução Industrial com o industrialismo13 baseado na energia fóssil; outros, entretanto, apontam que foi quando começaram os primeiros testes nucleares que deixou uma
12 Acreditamos que seja um processo em curso, sem que seja possível reconhecer a exata fronteira entre um ‘antes’ e um ‘depois’. Assim como não anoitece verão e amanhece inverno, porque há um intervalo de três meses chamado outono; o Antropoceno pode ser entendido como um processo pontuado por várias etapas, partindo da dinâmica de instauração do paradigma Antropocêntrico até a constituição moderna da Sociedade de Consumo.
13 O industrialismo capitalista não é o mesmo do socialista. Resistimos ao argumento a-histórico de que o socialismo, se fosse hegemônico, também teria as mesmas implicações causais que o capitalismo na origem do Colapso Ambiental, porque a Obsolescência Planejada e o Consumismo foram invenções do Capitalismo e na sociedade norte-americana. A idealização da abundância como sintoma de felicidade, a cultura do desperdício foram invenções do Capitalismo. A manobra cultural para criar uma Sociedade de Consumo foi feita pelo Capitalismo. Afinal, estamos falando do American Way of Life, e não do Soviet Way of Life.
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assinatura radioativa no planeta, e outros ainda, afirmam que foi quando ocorreu a chamada 'Grande Aceleração’.
Görg et al (2020) advertem para a necessidade de se esclarecer o conteúdo ideológico do termo Antropoceno, e reconhecem que o estudo histórico do desenvolvimento do capitalismo ajuda bastante nessa tarefa, porque permite entender os acontecimentos da Grande Aceleração14 que aconteceu no modo de produção e consumo e seu respectivo impacto com as mudanças no estado e funcionamento do sistema ambiental planetário.
Santos (2009) adverte que as mudanças dramáticas e exponenciais ocorridas no período da Grande Aceleração levaram o planeta ao esgotamento ambiental, enquanto Syvitski et al (2020) enfatizam que a correlação entre os acontecimentos sócio históricos a partir de 1950, é muito consistente com a resposta biofísica, ambiental e climática do planeta; para com base nisso, estabelecer o marco temporal da nova época. No próprio título do artigo assinado por dezesseis pesquisadores de diversas partes do mundo (HEAD et al, 2021), os autores afirmam que ‘a Grande Aceleração é real, e fornece a base quantitativa necessária para a proposta do Antropoceno’.
Figueiredo, Marquesan e Imas (2020) reconhecendo o marco da Grande Aceleração como momento de ruptura com o Holoceno, enfatizam que ela compreende o surgimento e difusão da ideologia desenvolvimentista, e se perguntam se, pela perspectiva decolonial, não seria mais apropriado nomear a nova época geológica como ‘Desenvolvimentoceno’, porque esse termo se correlacionaria melhor com o neo-desenvolvimentismo predatório que ocorreu a partir do início do século 21 no hemisfério sul, para atender o estilo de vida consumista erigido nos países centrais do capitalismo globalizado.
Pessis, Topçu e Bonneuil (2013), sem remeter a Grande Aceleração à questão do Antropoceno, já advertiam que há um lado pouco visível quando se enaltece os gloriosos Anos Dourados: na contramão do progresso da modernidade e da consolidação do capitalismo que trouxeram a notável melhoria nas condições de vida dos países avançados, ocorreu um enorme custo socioambiental, embora ignorado.
14 Head et al (2021) destacam que o termo “A Grande Aceleração” representa uma homenagem a Karl Polanyi e sua magistral obra que decifra o capitalismo durante a Revolução Industrial, intitulada “A Grande Transformação”.
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Silva e Arbilla (2018) afirmam que o termo a Grande Aceleração foi criado pelo grupo de trabalho da Comissão Internacional de Estratigrafia encarregado de definir o período geo-histórico do surgimento do Antropoceno (STEFFEN, et al, 2015; McNEILL; ENGELKE, 2016). O grupo escolheu esse termo para definir o que de fato ocorreu a partir dos Anos Dourados: uma grande aceleração exatamente desde 1950, quanto à produtividade industrial, crescimento econômico e populacional, adensamento urbano, uso de energia, extração de petróleo, produção de plástico e de cimento, uso de fertilizantes químicos, construção de barragens, edificação de infraestrutura de comunicação e de transporte, entre outros fatores. E ao mesmo tempo, constata-se uma mudança drástica em vários indicadores da qualidade ambiental planetária subsequente a esse fenômeno da modernidade desenvolvimentista.
De todas as propostas de datar o início do Antropoceno, Steffen et al (2015) e Görg et al (2020), embora rejeitem o termo Capitaloceno, assinalam que a Grande Aceleração é a marca que apresenta a melhor correlação dos acontecimentos que culminaram naquilo que a ciência do sistema Terra pontua como as evidências da mudança de época geológica: a Grande Aceleração estaria diretamente vinculada ao surgimento do modo de produção e consumo em massa e do American Way of Life. Pádua (2015), que trata o assunto de forma desideologizada, sem correlacionar a Grande Aceleração ao Capitalismo, também reconhece a brutal mudança de escala ocorrida exatamente a partir dessa data, entendendo-a como um dos aspectos mais importantes para se estabelecer esse marco referencial do Antropoceno na escala geológica.
Na medida que a Grande Aceleração surge nos anos 1950, ela corresponde aos acontecimentos dos Anos Dourados do Capitalismo. É precisamente no contexto da fundação da Sociedade de Consumo, que o grupo pretende datar o início do Antropoceno, não como domínio humano da modernidade sobre a natureza, mas como um fracasso retumbante em conduzir a espaçonave Terra. Se as digitais da luta de classes (MOORE, 2022) ou do capitalismo estão presentes nas evidências da mudança de época geológica, então estamos falando pelo menos implicitamente de um Capitaloceno, como entendem Altvater (2014), Moore (2016), Barcelos (2019), Riechmann (2019), Colacios e Andrade (2021); quando empreendem a leitura pela perspectiva marxista para analisar o Antropoceno; entre
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outros que também aceitam o termo Capitaloceno mas com algumas ressalvas, como Carvalho (2015).
Se a Grande Aceleração nos leva ao Antropoceno, este nos traz aos indicadores ambientais para mensurar o estado de saúde planetária e o nível de suprimentos de suporte à vida na espaçonave Terra. Assim é que o caráter expansionista da acumulação do capital parece finalmente ter encontrado seus limites mais desafiadores a lidar, as “fronteiras planetárias”, a contradição definitiva do capital que compromete a capacidade suporte ecossistêmica e a vida na biosfera (ROCKSTROM, 2009). Aí está a resposta à dúvida de como seria possível haver uma economia crescimentista num planeta finito.
Resta agora, lembrar que esse projeto civilizatório foi criado a partir de uma conjuntura historicamente determinada por uma conjunção de fatores manejados a partir da social democracia Keynesiana aplicada a um Estado de Bem-Estar Social dentro de uma reconversão estrutural do modo de acumulação do capital no pós-guerra nos anos 1950; um Estado interventor da economia a título de garantidor de uma inédita conciliação de classe, distribuindo a riqueza para a classe trabalhadora, enquanto era conveniente mostrar que o capitalismo era o território da prosperidade material. Essa mesma Sociedade de Consumo, fundada na lógica do desperdício e que inventou a Produção-Destrutiva conduzindo a espaçonave Terra velozmente na direção do Antropoceno, que agora tenta encontrar os padrões de produção e consumo sustentáveis, mas que ainda não parece ter muita clareza de como pactuar a conciliação da ordem capitalista com a natureza; com o neoliberalismo que nos deixa reféns das forças fundamentalistas de mercado – e que desde a Rio 92 não cumpriu a promessa de ter mudado o rumo da insustentabilidade.
Ainda dentro dos Anos Dourados, já era possível encontrar críticas à Sociedade de Consumo, como por exemplo, a canção “Somente o Necessário”, escrita por Terry Gilkyson para a animação cinematográfica de 1967 de Walt Disney, “Mogli, o Menino Lobo”. Já se notava descontentamentos com o consumismo. A letra é explícita e inequívoca de seus sentidos: “Procure as necessidades básicas / As necessidades básicas simples / Esqueça suas preocupações e seus conflitos / Quero dizer as necessidades básicas / Receitas da velha Mãe Natureza / Que traz as necessidades básicas da vida”, na tradução literal da versão original em
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inglês15que possui algumas diferenças em relação à versão brasileira, e que destacadamente menciona a Natureza como o lugar de encontro com as reais necessidades humanas. Uma poderosa mensagem de prudência e parcimônia para aquela sociedade que segue uma arriscada viagem terráquea em direção ao centro da ‘antropofilia’.
Schmidheiny (1992), autor de uma clássica publicação ecocapitalista, “Mudando o Rumo”, uma clara alusão ao universo produtivo ter desenvolvido o Ambientalismo Empresarial, inicia a sua obra com uma citação de Theodore Roosevelt, em discurso proferido ao Congresso norte-americano em 1907: “Desperdiçar e destruir os nossos recursos naturais, despojar e exaurir a terra, ao invés de usá-la de modo a aumentar a sua utilidade, arruinará a única prosperidade que temos o dever e o direito de legar ampliada e desenvolvida a nossos filhos”. Não resta dúvida a preocupação moral com o desperdício dos recursos naturais, e o que isso poderia significar como direito das gerações futuras, passageiras da espaçonave Terra, terem suas necessidades atendidas.
No final das contas, talvez o maior desafio da Sociedade de Consumo seja aprender a lição de Mogli, o menino-educador, de viver com “somente o necessário” dentro da espaçonave Terra. Mas quem vai ensinar isso, se essa não é só uma questão moral, mas sobretudo política?
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