V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X


EXPERIÊNCIAS E APROXIMAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS DE MULHERES QUILOMBOLAS DA AMAZÔNIA PARAENSE COM O ECOFEMINISMO 1


Ellen Rodrigues da Silva Miranda2 Maria Jacqueline Girão Soares de Lima3


Resumo

Expomos neste artigo, a partir de achados de uma pesquisa de mestrado concluída e pesquisas em andamento, a relação entre mulheres quilombolas, natureza e sociedade como processo de aproximação entre teoria e práxis interseccional ecofeminista na Amazônia Paraense. Ancoradas na abordagem qualitativa de enfoque materialista histórico-dialético, analisamos observações, anotações de campo e entrevistas semiestruturadas. As aproximações são apontadas em experiências de luta cotidiana ao realizarem ações contra as investidas de privatizações dos rios, florestas e animais, operadas pelo capitalismo.

Palavras-chave: Mulheres quilombolas; Experiência; Natureza-território; Interseccionalidade; Ecofeminismo.


MUJERES QUILOMBOLA Y ECOFEMINISMO: EXPERIENCIAS Y APROXIMACIONES TEÓRICO-PRÁCTICAS EN LA AMAZONIA PARAENSE


Resumen

Exponemos en este artículo, a partir de hallazgos de una investigación de maestría concluida y de una investigación en curso, la relación mujer quilombola, naturaleza y sociedad como proceso de aproximación entre teoría y praxis interseccional ecofeminista en la Amazonía Paraense. Anclados en el enfoque cualitativo del materialismo histórico-dialéctico, analizamos observaciones, notas de campo y entrevistas semiestructuradas. Las aproximaciones se apuntan en experiencias de lucha cotidiana al realizar acciones contra los embates de privatización de ríos, bosques y animales, operados por el capitalismo.

Palabras-clave: Mujeres quilombolas; Experiencia; Naturaleza-territorio; Interseccionalidad; Ecofeminismo.


QUILOMBOLAS WOMEN, NATURE AND TERRITORY: INTERSECTIONALITY AND THEORETICAL-PRACTICES-SECOFEMINIST APPROACHES IN THE AMAZON OF PARAENSE


Abstract

We expose in this article, based on findings from a completed master's research and research in progress, the relationship between quilombola women, nature and society as a process of approximation between theory and ecofeminist intersectional praxis in the Paraense Amazon. Anchored in the qualitative approach of historical-dialectical materialist approach, we analyzed observations, field notes and semi-structured interviews. The approximations are pointed out in experiences of daily struggle when carrying out actions against the onslaughts of privatization of rivers, forests and animals, operated by capitalism.

Keywords: Quilombola women; Experience; Nature-territory; Intersectionality; Ecofeminism.



1 Artigo recebido em 30/05/2022. Primeira Avaliação em 28/06/2022. Segunda Avaliação em 13/07/2022. Aprovado em 05/09/2022. Publicado em 10/11/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i43.54704.

2 Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação na Amazônia - PGEDA, Universidade Federal do Pará. E-mail: ellensilva@ufpa.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3349356526857497. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2030-463X.

3 Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ), professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (PPG/UFF).

E-mail: giraojac@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5879472477884020. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4419-3468.


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Introdução


“[...] meu pai me ensinou o tempo da piracema, o tempo do florir, o tempo do fruto [...]” Mulher Quilombola 1, 87 anos, Quilombo Tambaí-Açu (2018)


A epígrafe da Mulher Quilombola 1 oferece-nos a instigante reflexão de que há tempo para tudo, inclusive para pensar e escrever sobre a necessária e urgente transformação de nosso mundo, em tempos tão adversos. Assim, convictas de que, embora sejam diversas as investidas do capitalismo, “a boiada não passará”, expomos neste artigo algumas análises, com base em achados de pesquisa de mestrado realizada de 2017 a 2019 (MIRANDA, 2019) e inferências construídas a partir de pesquisas4 em andamento sobre a relação Mulheres Quilombolas – Natureza – Território.

Procuramos contribuir com a discussão acerca da experiência de Mulheres Quilombolas na Amazônia Paraense, que lhes permite produzir ações diante das contradições operadas pelo capitalismo, analisando de que forma essas experiências se aproximam, em termos teórico-práticos, das lutas ecofeministas.

Na busca por problematizar essas inquietações, compreendemos que, para abordar qualitativamente um fenômeno, é necessário o entendimento de que partimos de uma realidade social permeada de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes e culturas (MINAYO, 2016).

Com base nesse pressuposto, utilizamos anotações realizadas em atividades em campo, observações livres, conversas informais, oficinas, palestras, seminários, audiências públicas, produção de vídeos, feiras culturais com mulheres quilombolas em 2021 e entrevistas semi estruturadas, previamente esclarecidas e consentidas de forma livre, com três mulheres do Quilombo Tambaí-Açu, em 2018, Mocajuba, Amazônia Paraense5. Para não cairmos nas armadilhas do idealismo e analisarmos

4 “Processos de Formação da Classe Trabalhadora Ampliada: experiências da relação trabalho, cultura e educação em Territórios Quilombolas, na Amazônia Tocantina Paraense” (MIRANDA, 2020-2024) e pesquisas que tratam sobre a relação educação ambiental e ecofeminismo (LIMA, 2022). Registra-se que o encontro das autoras deste artigo se deu durante a disciplina Educação Ambiental Insurgente e Interseccional, ministrada pela Profa. Dra. Jaqueline Girão Lima e pelo Prof. Dr. Celso Sanchez, entre fevereiro e maio de 2021, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF.

5 A Amazônia tratada neste artigo, em termos geográficos, é referente à região do Nordeste Paraense. Em 2016, segundo o IBGE, sua população foi estimada em 1.942.216 habitantes. É formada pela união de 49 municípios, agrupados em cinco microrregiões, a saber: Bragantina ou Caetés, Cametá (Baixo Tocantins), Guamá, Salgado, Tomé-Açu. Fonte: IBGE (2016).


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o concreto vivido, tomamos como enfoque o materialismo histórico-dialético (EVANGELISTA E SHIROMA, 2019).

Nestes termos, faz-se necessário ressaltar que as Mulheres Quilombolas tratadas neste artigo são mulheres que vivem em territórios rurais. Elas são, como nos diz a Mulher Quilombola 1 (87 anos, 2018) “filhas de preto trabalhador”, guardiãs das tradições, da cultura e da educação quilombola, transmitidas de geração em geração, conforme Selma dos Santos Dealdina6 (2020), ou seja, em experiências compreendidas como tudo aquilo que é produzido por mulheres, homens, crianças, jovens e anciães, na práxis e reprodução ampliada da vida (MAGALHÃES e TIRIBA, 2018). As experiências integradas em todas as relações, inclusive com não humanos, são históricas.

Essas mulheres em experiência histórica, de acordo com Loureiro (2018), na relação direta com a Natureza são a própria natureza, e não algo exterior a ela. Conforme a Mulher Quilombola 2 (62 anos, 2018), a natureza é “semente que cuidamos, plantamos, colhemos, entregamos, pois tudo que ela nos dá, temos que devolver”. Igualmente dotada de bio-socio-diversidade, a natureza, parafraseando a filosofia africana Ubuntu é: “o que nós somos”, tanto humanos quanto os não humanos.

Nesse sentido, Território é entendido como direito ao reconhecimento do sentimento de pertencimento e isso “implica o direito a viver de acordo com seus costumes e práticas, que formam seu patrimônio histórico e cultural”, conforme a percepção da quilombola Kalunga Vercilene Francisco Dias7 (2020, p. 83). Importa registrar também, de acordo com a jovem Mulher Quilombola 3 do Tambaí-Açu (21 anos), que território é o lugar em que “[...] a gente é feliz. A gente percebe. A gente é feliz ajudando o outro”, ou seja, o território é, com base em Marin e Castro (2004),



6 Optamos neste artigo por publicar o nome completo das autoras negras-quilombolas, no primeiro momento que forem citadas, em razão do reconhecimento de suas existências e da importância fundamental de suas pesquisas para a ciência. Assim, Selma dos Santos Dealdina é mulher quilombola, de Angelim III, Território do Sapê do Norte, no Espírito Santo. Membra da Coalizão Negra por Direitos, assessora da Coordenação Estadual de Comunidades Quilombolas do Estado do Espírito Santo (Zacimba Gaba) e o Coletivo de Mulheres da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ (DEALDINA, 2020).

7 Mulher Quilombola do Vão do Moleque, Território Kalunga, Cavalcante, Goiás. Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás, é graduada em Estudo Internacional em Litígio Estratégico em Direito Indígena pela Pontifícia Universidade Católica do Peru. Atua como advogada popular na Conaq e na Terra de Direitos (DEALDINA, 2020).


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espaço de direito, a forma estável ao uso e controle dos recursos socioculturais-biodiversos e de sua disponibilidade no tempo.

Desse modo, as falas da Mulher Quilombola 18 (87 anos, 2018), Mulher Quilombola 29 (62 anos, 2018) e Mulher Quilombola 310 (21 anos, 2018), bem como

da Mulher Quilombola 411 (2021) e Mulher Quilombola 512 (2021), todas de Mocajuba/PA, são reveladoras de um contexto de lutas-resistências por seus Territórios13: Tambaí-Açu, Segundo Distrito, São José de Icatu, compostos de forma geral por um número aproximado de 825 famílias e 3.239 habitantes (anotações de campo de 2021). Hoje, esses territórios estão por todos os lados, tal qual ilhas, cercados por empreendimentos do agronegócio: fazendas de gado, monocultivos de pimenta-do-reino, açaí irrigado e dendê, dentre outros.

Essas ações de viés capitalista se intensificaram a partir do cenário político nacional pós 2018 e têm se somado aos conflitos socioculturais-ambientais ocasionados pelos incentivos diretos ao agronegócio, operacionalizados pelo governo federal. Elas têm como alvo direto o uso de grandes áreas que, por necessidade da produção em larga escala visando à exportação, geram desmatamento, queimadas e uso desenfreado das águas dos rios para irrigação. Em consequência, afetam diretamente territórios de povos/comunidades tradicionais, a exemplo dos quilombolas, o que se configura como racismo ambiental, conforme Rita Maria da Silva Passos14 (2021).

Os dados das pesquisas (realizada e em andamento), produzidos por meio das falas de mulheres quilombolas, corroboram a hipótese de que, na Amazônia Paraense, essas mulheres se organizam em defesa de seus territórios diante da interseccionalidade: raça, classe e gênero e constroem experiências distintas de


8 Território Tambaí-Açu, Mocajuba, Pará.

9 Território Tambaí-Açu, Mocajuba, Pará.

10 Território Tambaí-Açu, Mocajuba, Pará.

11 Território Segundo Distrito – Itabatinga, Mocajuba, Pará.

12 Território São José de Icatu.

13 O município de Mocajuba/PA reconhece atualmente 12 (doze) Comunidades de Povos Tradicionais Quilombolas a saber: Vizânia, Santo Antônio do Vizeu, São Benedito do Vizeu, Itabatinga, Uxizal, Mangabeira, Porto Grande, Mojutapera, Tambaí-Açu, São José de Icatu, Bracinho de Icatu e Mazagão. Observação: os dois últimos estão em processo de reconhecimento e titulação territorial (Anotações de campo, 2021).

14 “Mulher preta de axé que acredita na magia e na ciência”, doutoranda em Planejamento Urbano e Regional no IPPUR/UFRJ, mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas e bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.


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lutas, enquanto identidade étnica, que, conforme Carlídia Pereira de Almeida15 (2020, p.149), “transcende características fenotípicas, como cor da pele. Processo de auto identificação abrange, também, formas de organização política, socioeconômica, linguagem, ancestralidade, aspectos culturais e religiosidade”.

Essas experiências podem, igualmente, ser compreendidas como aproximações com as lutas ecofeministas. De acordo com Givânia Maria da Silva16 (2020, p. 55): “As questões relativas a mulheres quilombolas não estão contempladas pelo feminismo branco, tampouco, em parte, pelo feminismo negro”. E continua,


Se consideramos certas especificidades e suas relações com elementos simbólicos, como por exemplo, os territórios, a cura, a relação com a sociobiodiversidade; a influência dos lugares, das regiões geográficas, dos biomas; a relação com a religião e aspectos culturais de forma mais ampla, vamos perceber que ainda há ausências de abordagens teóricas que aproximem as discussões correntes dos feminismos à realidade das mulheres quilombolas.


É a partir dessas ausências de abordagens, como nos diz Silva (2020), e compreendendo que também precisamos evidenciar essas especificidades como lutas ecossocialistas, que temos procurado pensar as diversas “outras” lutas das mulheres também pela ótica das mulheres quilombolas, que apontam elementos de “outros coletivos femininos”, como nos apresenta Miranda e Rodrigues (2020) e/ou experiências que se aproximam das lutas ecofeministas, conforme Lima (2020).

Isso porque, dentre as diversas batalhas cotidianas em prol da vida, há o enfrentamento, também, das Mulheres Quilombolas aos altos índices de desmatamento. Conforme Tiriba e Souza (2020, p. 173), fora constatado, através do “[...] Observatório do Clima, entre junho e setembro de 2018,que a taxa de desmatamento subiu 36% na Amazônia. Nesses quatro meses, foram 2.414 km² de floresta derrubada”. Logo, territórios quilombolas são vítimas desse processo patriarcal-colonialista-capitalista que tenta aniquilá-los a todo instante, desde quando seus ancestrais foram sequestrados de África.


15 Mulher Quilombola do Quilombo Lagoa de Peixe, em Bom Jesus da Lapa, Bahia. Engenheira Agrônoma formada pela Universidade do Estado da Bahia, com mestrado em Ensino e Relações Étnico-Raciais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (DEALDINA, 2020).

16 Mulher Quilombola de Conceição das Crioulas, Salgueiro, Pernambuco. Membro fundadora da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). (DEALDINA, 2020).


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Além do alvo da exploração da floresta, há também os projetos que visam à privatização da água através de barragens hidroelétricas e hidrovias, a exemplo do já em curso Projeto Hidrovia Araguaia-Tocantins, que visa expandir o agronegócio entre as regiões centro-oeste e norte do Brasil. Assim, com base em estudos já realizados pelo Governo Federal, Universidade Federal do Pará, Universidade do Sul e Sudeste do Pará, dentre outros, é possível afirmar que os modos de vida das populações locais, inclusive povos/comunidades tradicionais, serão afetados de forma irreversível (CUT/Pará, 2019).

Defendemos que tornar explícita a força das mulheres quilombolas diante desse contexto de disputa entre Natureza e Capitalismo é crucial e necessário, já que essas mulheres são guardiãs de seus territórios e é a partir de suas ações diárias que esses espaços-tempos de vida têm resistido para continuar a existir. Nesse sentido, entendemos que as mulheres quilombolas são, conforme Nilma Lino Gomes17: “sinônimo de resistência. Isso significa carregar na identidade, no corpo, no cuidado com a família, na lida no campo ou na agitação do urbano uma história ancestral de dignidade” (2020, p. 11, grifo nosso).

Portanto, pensar na relação mulher quilombola – natureza – território é compreender que essas mulheres são seus próprios territórios, já que, como nos disse Dealdina (2020, p. 37): “Toda mulher negra é um quilombo”. Quilombos, que por vezes transcendem através desses corpos seus territórios, para além da delimitação geográfica, por exemplo, ao ocupar espaços fundamentais para dar visibilidade às suas lutas, como as lideranças de movimentos sociais, associações quilombolas, redes de mulheres quilombolas, cargos de chefia, cursos na universidade, dentre outros espaços. Quando a Mulher Quilombola ocupa espaços historicamente negados, seu corpo, sua vida expandem o quilombo. De tal modo, o quilombo se amplia que se torna cada vez mais o povo que a ela pertence e vice-versa.

Nesse sentido, os corpos das Mulheres Quilombolas são a expressão da luta de seus territórios, as evidências de um processo histórico que conduziu e ainda conduz, de acordo com Dealdina (2020, p.31), a resistência dos quilombos



17 Mulher Preta, Profa. Dra. Titular da Faculdade de Educação da UFMG. Pesquisadora, militante das causas em prol dos direitos humanos, publicou vários livros e artigos, dentre eles: “O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por emancipação” (2017).


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[...] há muitos séculos, à violência do Estado brasileiro e de agentes privados detentores do poder. A luta negra quilombola está representada nos quilombos que até hoje lutam por igualdade social, racial e de gênero. Acesso à terra, à água, à moradia, à educação, valorização da agricultura tradicional, proteção de defensoras e defensores de direito humanos e salvaguarda das sementes e do meio ambiente são algumas das pautas de luta dos quilombos.


Lutar exige força e coragem, pois a violência do racismo, patriarcalismo e colonialismo é diária. Daí que tornar evidente as lutas das Mulheres Quilombolas por seus territórios de existência é demonstrar que o capitalismo não é a totalidade, que toda realidade é passível de transformação.

Diante desse contexto, optamos neste artigo por considerar, em termos de embasamento teórico, somente trabalhos de autoria de mulheres, por entendermos que há lutas no campo científico referentes às hierarquias da produção do conhecimento acadêmico que também precisam ser combatidas e transformadas, de forma a tornar visível as produções científicas das mulheres que, mesmo diante de suas várias tarefas cotidianas, também produzem ciência.

Organizado em duas seções que se integram, este artigo procura problematizar as mediações construídas pelas mulheres quilombolas na relação entre Natureza e Capitalismo, que, ao tentar submeter os ecossistemas à unidade contraditória entre capital e natureza, constroem o sofrimento de todos os seres do planeta Terra (TIRIBA, SOUZA, 2021). E, para continuarmos pensando e produzindo outras pesquisas, a exposição encerra com algumas considerações.


Mulheres quilombolas – natureza – território e as aproximações com fundamentos teóricos interseccionais ecofeministas


Aprende-se com as Mulheres Quilombolas na Amazônia que a água dança, que as trovoadas indicam mudança, que os animais têm muito a dizer, que os ventos ditam o tempo, que as flores, os cheiros da mata e da floresta dão sinais de vida e de morte. As e os encantados(as), mesmos invisíveis, exercem poder sobre nossos comportamentos. Se vai chover, seja temporal ou brisa, o céu com nuvens e cores anuncia suas previsões. O sentir de viver sobre as águas ou em terra firme; do


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caminhar a pé ou em barcos; os rios, os igarapés, os furos são estradas, ruas como diz o carimbó18, música da Amazônia.

Embaladas pelo mexer da cintura quando dançam ritmos ancestrais e/ou dos braços firmes que seguram a enxada no roçado, nos mutirões, quando os homens resolvem sair “para trabalhar pro outro” como nos diz a Mulher Quilombola 1 - principalmente durante o período da colheita da pimenta-do-reino, nas propriedades dos grandes pimentalistas, os homens são atraídos pela perspectiva do trabalho assalariado e complementação de renda, devido à falta de investimento pelo poder público na agricultura familiar, conforme pode ser verificado na pesquisa de Miranda (2019). Contudo, com os sorrisos das mulheres pretas trabalhadoras, segue viva a história dos Quilombos na Amazônia.

Assim, de forma um tanto poética, compreendendo, pois, conforme Caldas (2021, p. 1), que o poético lenteia no próprio viver dessas mulheres, nos seus modos de vida, no cotidiano vivido, no coração da mata amazônica, iniciamos as análises sobre as Mulheres Quilombolas na Amazônia, sejam elas das águas, da floresta ou de terra firme, como elas costumam nos dizer.

São experiências vividas das Mulheres Quilombolas não ausentes de história, economia e cultura, como nos afirmam Magalhães e Tiriba (2018), que conduzem as linhas deste texto. As anotações de campo de algumas atividades de pesquisas atuais e entrevistas realizadas em 2018 nos permitem apresentá-las dessa forma, pois é com essa cadência entre poesia e produção de si que demonstram viver, fazer, lutar e pensar as Mulheres Quilombolas da Amazônia Paraense.

Se já são inúmeros os desafios enfrentados pelas mulheres no Brasil, quando se trata de mulheres pretas quilombolas esses desafios são potencializados, pois, de acordo com Djamila Ribeiro19 (2019, p. 22): [...], sobre a mulher negra incide a opressão de classe, de gênero e de raça, tornando o processo mais complexo”. O racismo e suas diversas faces também resiste e


18 Trata-se de música com ritmos ancestrais africanos inter relacionados à cultura indígena amazônica. Compreendido como patrimônio cultural paraense, o carimbó é canto, dança e encanto, pois suas letras descrevem o cotidiano amazônico (Anotações de campo, 2018).

19 Mulher Negra, membro do Movimento Negro Nacional Feminista, nasceu em Santos, em 1980. Mestre em Filosofia é ativista dos Direitos Humanos. Escritora, coordena a coleção Feminismos Plurais, da editora Pólen e é autora dentre vários livros: O que é lugar de fala? (2007) e Quem tem medo do feminismo negro? (2017) – Companhia das Letras (RIBEIRO, 2019).


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[...] se materializa em violência e criminalização contra quilombolas. Segundo o relatório ‘Racismo e violência contra os quilombos no Brasil’20, elaborado pela Conaq e Terra de Direitos em 2018, de 2016 a 2017 houve um aumento de 350% nos assassinatos de quilombolas que lutam por direitos (DEALDINA, 2020, p. 32).


O mais impressionante é que, ainda que as pesquisas revelem o aumento exponencial da violência aos quilombolas, o Estado em sua gestão atual se mantém inerte. A partir de falas do presidente da República, como “em meu governo não haverá mais nenhum centímetro de terra para indígenas e quilombolas”, a violência tem alcançado esses números alarmantes, pois, de fato, a promessa do governo se mantém na prática. Como se pode constatar, a configuração do racismo institucional é operada flagrantemente desde que o atual governo assumiu seu posto.


Em seu primeiro dia de mandato, por meio da medida provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro transferiu, no organograma institucional do Poder Executivo, o Incra da Casa Civil da Presidência da República para o Ministério da Agricultura (Mapa). Por sua vez, a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, alocada no mesmo Ministério passou a coordenar os trabalhos do Incra, sob comando do presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e notório opositor da política pública de titulação quilombola, Nabhan García. É fundamental ressaltar que essa mudança administrativa se deu sem a realização de consulta livre, prévia e informada à população quilombola, diretamente implicada e afetada pelas mudanças, violando o Artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dessa forma, o que vemos hoje, depois dessa reorganização administrativa, é a vinculação da política pública de titulação de territórios quilombolas a um ministério cuja política hegemônica é pautada por setores do agronegócio historicamente contrários à efetivação da política de titulação de territórios quilombolas (Idem, p. 33).


Em que pese tudo isso, ainda precisamos adicionar a nomeação contraditória de um negro que trabalhou como “capitão do mato” na Fundação Palmares, instituição responsável pelas certificações nacionais dos Territórios Quilombolas e que, por razões ideológicas racistas, procura a todo custo manter as/os quilombolas atrelados ao “escravismo” – assim como ocorrera “em 1888, com a falsa abolição, ao implantar no Brasil um regime excludente, seguido por uma legislação cruel de



20 Conaq e Terra de Direitos. Racismo e violência contra quilombolas no Brasil. Curitiba: Terra de Direitos, 2018. Disponível em: https://terradedireitos.org.bra/uploads/arquivos/(final)-Racismo-e-Violência-Quilombola_CONAQ-Terra

-de-direitos_FN_WEB.pdf


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acesso à terra, fortalecera a concentração fundiária, a subjugação da população negra à condição de não sujeitos de direito” (Idem, p. 26).

Nesse sentido, de certo modo tenta-se reescravizar o povo negro ao paralisar os processos de reconhecimento, mantendo os títulos aprisionados, impossibilitando que sejam “alforriados” inúmeros Territórios Quilombolas brasileiros, em prol da conservação do status quo. Ao desconsiderar, além das terras indígenas, a existência de mais de 6 mil quilombos no Brasil – isto é, territórios de reserva de água, flora, fauna –, põe em evidência que consumo, acúmulo, lucro, individualismo e exploração são mais importantes do que a vida.

Por isso, os objetivos do capitalismo são compreendidos como perigosos tanto para humanos como aos não humanos, ou seja, são perigosos para o planeta como um todo. De acordo com Tiriba e Souza (2021, p. 173):


[...] as mudanças climáticas, a poluição ambiental e a devastação do planeta, decorrem tanto do saque das riquezas minerais e naturais consideradas na sua biodiversidade, quanto do próprio aquecimento global. E, como afirmou Philip Martin Fearnside (2018), a Amazônia “não é apenas uma vítima do aquecimento global, é também uma fonte de emissões antropogênicas por desmatamento, degradação florestal por exploração madeireira e incêndios, emissões de represas hidrelétricas”. Assim, não por acaso a floresta amazônica entrou em chamas, em agosto de 2019, tornando a Pacha Mama, manchete na imprensa internacional.


Essa, dentre outras ações, é a demonstração de que estamos diante da destruição da natureza e da nossa própria decadência enquanto natureza humana, pois, se entendemos que ao transformar a natureza em prol de nossas necessidades, transformamos a nós mesmos, é evidente que se nessa transformação afetamos a Pacha Mama21 forma irreversível, a nossa própria humanidade está ameaçada. E, para não cairmos nas armadilhas do antropocentrismo, faz-se necessário compreender que os não humanos também estão submetidos ao mesmo processo necro-socioeconômico-ambiental pensado e realizado com fins de dominação.



21 Além de sua representação como a divindade ligada à terra e à fertilidade da mesma, Pacha Mama representa o sentido da vida, o nascimento, a maternidade e a proteção da Terra e de seus filhos que nela habitam. Outra explicação também muita difundida cerca o termo de origem quéchua, que deu nome à divindade, onde mama refere-se à figura da maternidade e pacha abrange conceitos como o tempo e o espaço, a terra, o divino e o sagrado. Disponível em: https://olma.org.br/2019/08/01/pachamama-a-mae-terra-da-cultura-andina/


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Logo, a relação mulher-natureza com o capitalismo-colonialista deve ser pensada como relação que envolve patriarcalismo e, no que se refere a mulheres negras-quilombolas, precisamos acrescentar outras intersecções: classe, raça e etnicidade, conforme Lélia Gonzalez22 (1979). Por isso, compreendemos que na sociedade capitalista-colonialista a dominação tanto da mulher como da natureza é uma necessidade para a manutenção do status quo, pois quanto mais empobrecidas estiverem as mulheres e a natureza, – e para isso vale toda a violência –, mais fácil se torna explorá-las, conquistá-las. Essa lógica é operada de diversas formas, através do moralismo, machismo, sexismo e misoginia, que se materializam no feminicídio em todas suas dimensões.

A relação mulher-natureza tem sido produzida pelo capitalismo-colonialista como expressão de desvalorização. Isso se dá desde a visão do masculino, “visto como sagrado, materializado num Deus situado no céu, que cria e governa sobre a Terra imaginada como feminina” (KHEEL, 2019, p. 23) até as relações mais íntimas e cotidianas que mantém mulheres e natureza atreladas à ideia de ingenuidade, fragilidade e que, portanto, necessitam do cuidado, proteção patriarcal-capitalista-colonialista para continuarem a existir. Daí que,


Embora não haja uma filosofia única do ecofeminismo, certos temas principais são comuns ao campo. No nível mais amplo, o ecofeminismo refere-se à ideia de que a desvalorização das mulheres e da natureza tem andado de mãos dadas na sociedade ocidental patriarcal. Essa desvalorização se reforça mutuamente, por exemplo, as mulheres são associadas com a natureza e por isso são desvalorizadas; e a natureza é vista como feminina e por isso também é desvalorizada. A desvalorização das mulheres é também comumente vista como conectada com outras formas de opressão, tais quais racismo, classismo [classism], heterossexismo e especismo. (KHEEL, 2019, p. 22).


Neste artigo, focamos em pensar nos feminismos não capitalistas, ou seja, aqueles que têm a compreensão histórica da luta contra o capitalismo, colonialismo, patriarcalismo, racismo, sexismo e misoginia, dentre outros “ismos”. Igualmente, faz-se necessário, também, pensar na ampliação do que pensamos sobre as lutas em prol da natureza, isto é, do meio ambiente, pois essa luta também se articula à luta pela terra, pela água, pelo ar que respiramos, pelas plantas, animais, enfim, a


22 Mulher Negra. Doutora em Antropologia. Militante do Movimento Nacional Negro. A pesquisadora possui várias publicações, dentre elas: “Categoria Político-Cultural da Amefricanidade”.


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luta pela vida é uma luta integrada, é a unidade do diverso. Isabel Loureiro (2019, p. 15), ao estudar Rosa Luxemburgo, nos diz que:


Numa época em que o capitalismo para sobreviver precisa mais do que nunca extrair valor do meio-ambiente, o socialismo só pode ser entendido como ecossocialismo, numa rejeição ao desenvolvimentismo “fóssil” tal como posto em prática pelos governos “progressistas” na América Latina (e continuado pelos governos conservadores), apoiados na exportação de commodities, agronegócio, mineração, numa palavra, no extrativismo predador. O planeta precisa urgentemente de uma alternativa civilizatória antagônica ao desenvolvimento entendido como puro crescimento econômico, para o qual não importa que o preço a pagar seja a destruição do meio ambiente, como Belo Monte, ou cidades entupidas de automóveis, para mencionar apenas o Brasil.


A urgência, portanto, de uma alternativa civilizatória como nos sugere Loureiro (2019), exige pensar em caminhos que repensem também o papel da relação mulher-natureza. Nesse processo, o ecofeminismo desponta como uma em meio a tantas alternativas possíveis de contribuição a esse ampliar da luta em rejeição ao capitalismo-colonialista.

Para tanto, as cientistas e ecofeministas Mies e Shiva (1993) contribuem nesse ampliar de perspectivas feministas, conduzindo-nos a pensar sobre o que é o ecofeminismo para as mulheres dos países do Sul, a partir do que não é ecofeminismo. Para elas, ecofeminismo não pode ser tratado de forma essencialista, ou seja, não podemos ser entendidas como próximas da natureza apenas porque isso faz parte da nossa essência, dos nossos genes. Nós somos próximas da natureza porque é com ela que trabalhamos, alimentamos nossos filhos e por ela sobrevivemos.

Nesses termos, a luta ecofeminista tratada aqui é, também, luta contra a cultura social de “certos” feminismos que adotam a fragmentação e o reducionismo, características do patriarcado, à exemplo dos “movimentos de mulheres por Deus e a Família” aqui no Brasil, ou como feminismos de mulheres brancas da classe média, que, na luta por trabalho, oprimem outras mulheres, principalmente negras, que acabam assumindo suas casas e seus filhos, para que elas possam trabalhar.

Esses tipos de feminismos, embora contraditoriamente sejam organizações de mulheres, não representam a luta histórica, pois há, como defende González (2020), um sistema econômico que antagoniza a sociedade em dois projetos


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fundamentais de classe: o da classe opressora que se mantém da exploração do trabalho do outro e o projeto da classe trabalhadora, que, em constante processo de formação e luta de classes, tem procurado construir bases de um outro mundo possível, em que não haja dominação de humanos sobre humanos, muito menos de humanos sobre não humanos. O projeto da classe trabalhadora e toda sua diversidade precisa ser, também, um projeto ecofeminista de base não capitalista, não colonialista, não patriarcal, não racista.

Faz-se necessário ressaltar que o ecofeminismo tratado aqui não acredita em “feminismos” que apostam na dominação da mulher sobre o homem, ou seja, um campo reducionista, simplista de disputa de poder, pois não podemos cair na mesma armadilha do patriarcado. A nossa luta é uma luta pela unidade. A luta ecofeminista precisa ser educativa e ocupar o máximo de espaços possíveis no sentido de contribuir na construção de outras formas de sociabilidade.

Assim como as mulheres que abraçam árvores e guardam sementes na Índia em prol da Vida e não do lucro, na Amazônia Paraense aprende-se com as lutas das mulheres quilombolas que as lutas são diversas, permeadas, de acordo com Gonzalez (1979), de etnicidade, que amplia o conceito de “Interseccionalidade” de Kimberlé Cresnshaw (1989) ao tratar sobre “a colisão das estruturas, a interação simultânea das avenidas identitárias, além do fracasso do feminismo em contemplar mulheres negras, já que reproduz o racismo” segundo Carla Akotirene23 (2020).

A constatação de Kimberle Cresnshaw (1989), embora seja afro-americana, ou seja, mulher negra, não contempla os processos de racismo estrutural em outros espaços-tempos, a exemplo do que vivenciam as mulheres quilombolas, daí que o conceito de etnicidade de González (1989), ou melhor, amefricanidade, também precisa ser considerado nessa discussão.

O que propomos é pensar as lutas cotidianas das Mulheres Quilombolas como “intercruzadas” com lutas de outras mulheres – indígenas, ribeirinhas, pescadoras, peconheiras, roceiras, sindicalistas, do movimento social popular, dentre outras, conforme Sandra Maria Andrade24 e Fernandes (2020). Essas lutas,


23 Mulher Negra, militante, pesquisadora, autora e colunista no tema feminismo negro no Brasil. É professora assistente na Universidade Federal da Bahia.

24 Mulher Quilombola, Quilombo Carrapatos da Tabatinga, Bom Despacho, Minas Gerais. Brincante do Moçambique, técnica de Contabilidade e cozinheira aposentada, é membro fundadora da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’Golo) e coordenadora executiva da CONAQ.


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por possuírem objetivos comuns, podem se aproximar da práxis das lutas ecofeministas, por exemplo, no campo da agroecologia, e luta em Rede (COSTA, 2019), de forma a se fortalecerem ainda mais.


Mulheres quilombolas na amazônia tocantina paraense: experiências que se aproximam da práxis ecofeminista interseccional


As Mulheres Quilombolas e suas lutas têm nos possibilitado construir reflexões sobre o que são, como vivem, o que pensam, como e por que se organizam. Isso tem conduzido vários debates no sentido de ampliar, inclusive, o conceito de Interseccionalidade, conforme Andrade e Fernandes (2020, p. 121) “[...] classicamente utilizado para demonstração das implicações entre as categorias gênero, raça e classe e como elas podem influir sobre as mulheres negras”. Desse modo, considerando também o fator etnia como nos sugere González (1979), torna-se possível abordar os casos das mulheres quilombolas e indígenas e outras mulheres de povos/comunidades tradicionais25, que, aos seus modos, também, se opõe às tentativas de aniquilamento socioeconômico-cultural do capitalismo e, portanto, podem ser compreendidas como lutas-resistência, constituídas como aproximações com a luta ecofeminista.

Contudo, vale ressaltar que a relação mulher quilombola-natureza é antes de tudo ação histórica de si mesmas, ou seja, é anterior a qualquer conceito, inclusive de ecofeminismo, pois são práticas centenárias com mais de trezentos anos de existência e, portanto, seus saberes construídos na produção da vida podem ser considerados como a própria base do que é pensado, falado, praticado e compreendido através do conceito ecofeminista. Por isso,


Ao analisar o histórico de lutas locais contra a destruição do meio ambiente ao redor do mundo, as mulheres sempre aparecem na linha de frente e em maior número, mesmo quando não são reconhecidas como principais lideranças. A luta das mulheres indianas no Movimento Chipko pela proteção das suas florestas; a resistência das campesinas bolivianas contra o processo de privatização das águas que ficou conhecida como a guerra da água


25 De acordo com o Decreto Presidencial nº. 6.040/2007, são: “[...] grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (BRASIL, 2007, s/p.).


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no país; a mobilização das mulheres em Altamira contra a construção da barragem de Belo Monte; e a experiência das mulheres quenianas em torno do Movimento Cinturão Verde, são alguns exemplos de como, a partir dos seus diferentes contextos, as mulheres, especialmente em áreas periféricas e rurais, comunidades tradicionais e povos originários do Sul Global, constroem laços de solidariedade e mobilização social que se mostram centrais na luta pela justiça socioambiental, ao apontarem a relação entre a mercantilização da natureza e da vida e as desigualdades de gênero. As ações coletivas levadas a cabo no Brasil através dos movimentos de mulheres campesinas e da agroecologia apontam para propostas éticas, epistemológicas e políticas atravessadas por debates ecofeministas, agroecológicos e descoloniais na construção de feminismos campesinos, quilombolas, indígenas, comunitários, periféricos e populares (COSTA, 2019, p. 157).


Tais experiências demonstram a historicidade e ancestralidade que pulsa nas veias de diversas formas e que construíram e ainda constroem processos que, embora não sejam visibilizados como ecofeministas, são lutas muito anteriores. Talvez não convenha nomeá-las como ecofeminismos e nem com qualquer outro nome que as remeta a “ismos”, mas como “outras” lutas por justiça sociocultural-ambiental. Daí que, cuidadosamente pensadas como aproximações com a luta ecofeminista, cabe-nos pensar como fios de vida que se cruzam tal qual uma teia de aranha, em que linha e nó, unidos, tornam-se “comuns”, ou melhor, alternativas de “produção do Comum”, conforme Gutierrez e Navarro (2019).

Em termos práticos: como podemos perceber essas aproximações? Apresentamos a seguir alguns elementos que, pensados de forma integrada, podem apresentar evidências e responder tal indagação: Primeiro, quando o ecofeminismo, pensado e praticado age em razão do “cuidar do outro” se aproxima da luta das mulheres quilombolas, pois cuidar do outro é, como nos diz a jovem mulher quilombola 3 (2018), “um saber que aprendemos com a comunidade”, isto é, cuidar do outro faz parte da identidade quilombola.

Segundo, quando o ecofeminismo luta contra relações humanas em que, de uma forma ou de outra, um se põe superior ao outro, portanto, posiciona-se contra a hierarquia, por exemplo, em termos econômicos, em que os homens, por terem salários maiores que as mulheres, acabam sendo superiores. Isso vale também para mulheres que assumem posições hierárquicas e acabam também oprimindo o outro, ou seja, põem seu companheiro ou companheira em condição de opressão.


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A luta das mulheres quilombolas existe desde as primeiras formações dos quilombos, quando elas lutaram por seus espaços de liberdade para manifestarem sua religiosidade, sua liderança de organização e, em lutas atuais, procuram ocupar seus espaços na universidade, na escola, na igreja, na família, cargos de chefia e liderança nas associações quilombolas, mesmo que isso lhes exija, em alguns momentos, entrar em conflito com os próprios companheiros, conforme verificado por Pinto (2010).

Terceiro, quando a luta ecofeminista mobiliza mulheres negras e mulheres não negras a se unirem em defesa da vida dos rios, do direito à água e constrói ações como as que têm ocorrido na região do Baixo Tocantins no Pará que, em unidade com vários outros movimentos sociais populares, opõem-se ao Projeto Hidrovia Araguaia-Tocantins e se aproximam das lutas das mulheres quilombolas.

No que se refere à experiência específica das Mulheres Quilombolas da Amazônia Paraense, ao possuir visão de natureza como parte do corpo humano e na defesa do rio que alimenta sua comunidade, diz: “[...] nossa Comunidade Quilombola São José de Icatu será muito afetada, pois o nosso rio é braço, é parte do Rio Tocantins e com a hidrovia esse braço vai secar e nós vamos sofrer muito” (MULHER QUILOMBOLA 5, Anotações de Campo, 2021).

Isso demonstra um pouco do panorama de como as ações do projeto do agronegócio na região afetam diversas comunidades. Esse braço do Rio Tocantins, como ela nos traz, chamado Rio Icatu, alimenta outras comunidades ribeirinhas além da comunidade à qual ela pertence, exigindo com isso que as ações em defesa dos rios sejam coletivas, ou seja, com a compreensão de que a relação natureza-mulher é uma relação de corpo inteiro, logo, necessita de outros braços, outros corpos afetados, de outros povos/comunidades tradicionais, para transformar essa realidade.

Assim, essas ações ocorrem através de várias reuniões, encontros de formação, seminários, audiências públicas, caravanas e fechamentos de estradas, como pode ser verificado em sites26 de organizações como a CUT (Central Única


26 Ver sites disponíveis em: https://mab.org.br/2022/01/31/caravana-em-defesa-do-rio-tocantins-denuncia-impactos-de-hidrovia-no

-para/;

https://www.cut.org.br/noticias/hidrovia-araguaia-tocantins-repete-os-erros-do-passado-e-prejudica-po pulacoes-lo-2ab0;


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dos Trabalhadores) e MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), bem como, em falas proferidas pela mulher quilombola 4, durante a gravação de vídeo27, em caráter de denúncia sobre mais esse grande projeto do agronegócio, que não respeita o entendimento de que


[...] o rio, a terra, têm função social na vida das trabalhadoras e dos trabalhadores e os impactos gerados pelos grandes empreendimentos, que se imperam na região, têm impacto direto e indireto, levando a dissociar a cultura, dissociar os costumes do que a população está acostumada a vivenciar, levando aos conflitos, desigualdades sociais para as periferias, para o campo, mas também, para a vida integral das pessoas. O modo de se alimentar, o modo de viver, passa a ser interrompido, pois os grandes projetos não respeitam quem mora, quem depende do meio social, do meio ambiental. Os impactos são irreparáveis a vista do que nós já vivemos com outros impactos, de outros grandes projetos: da monocultura, dos grandes portos, das hidrovias, ferrovias. Por isso, para nós é fundamental se contrapor a um projeto que visa o lucro, para defender o nosso projeto que defende a vida (ANOTAÇÕES DE CAMPO, 2021).


Diante de todos esses elementos, os valores da mulher quilombola, em termos de luta, se aproximam do ecofeminismo no cuidar do outro, na luta contra hierarquias patriarcais e na luta contra os grandes projetos do agronegócio, ou seja, contra o projeto de sociedade capitalista-colonialista. Assim, no ato da ação, como nos diz Luxemburgo (2018), as mulheres quilombolas se tornam seres de experiência histórica, pois, conforme mulher quilombola 4 (2021), o projeto que as representa é o projeto a favor da Vida.

A partir dos interesses em disputa do Agronegócio e Povos/Comunidades Tradicionais na Amazônia, o quarto ponto a se considerar na aproximação da luta das mulheres quilombolas com o ecofeminismo é o que se refere à luta pelo direito de produzir outras economias, outras agriculturas efetivamente sustentáveis, baseadas no que foi e é aprendido com a práxis das próprias comunidades/povos tradicionais – a exemplo do ato das mulheres quilombolas em conseguir preservar, cuidar e melhorar sementes, tornando-as guardiãs desse processo. Cultivar é uma



https://www.cnbb.org.br/caravana-fluvial-em-defesa-do-rio-tocantins-passa-por-11-municipios-e-comu nidades-locais-que-devem-ser-afetados-com-as-obras-de-construcao-da-hidrovia-araguaia-tocantins/

27 Vídeo produzido e apresentado para fins do Movimento Social Popular Quilombola e acadêmico em evento internacional realizado através do GEASUR/UNIRIO, em setembro de 2021. Pode ser acessado em https://www.youtube.com/watch?v=EgWmBcN9ZpI&t=9343s e https://www.youtube.com/watch?v=oOBtfIjeCaI


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prática cultural dos povos/comunidades tradicionais e “preservar suas próprias sementes, sementes de vida, que trazem uma carga do passado no presente e, ao mesmo tempo, lançam uma ponte para o futuro (ALMEIDA, 2020, p. 151)”, é um ato educativo, reproduzido de geração e geração. Valéria Pôrto dos Santos28 nos diz que:


O saber tradicional traduzido nas práticas e fazeres das mulheres quilombolas, a exemplo do conhecimento das plantas medicinais, evidencia um diálogo profundo com os princípios agroecológicos. As mulheres quilombolas investem na agroecologia porque esse conhecimento há muitas gerações é repassado entre elas; por isso, muitas apresentam uma habilidade indiscutível na atividade. É preciso entender as demandas dessas mulheres, que valorizam o autoconsumo, que são responsáveis pela alimentação de toda família, a partir dessa atividade e desempenham um papel relevante no que se tem denominado economia solidária (2020, p. 139).


Neste sentido, o ecofeminismo, ao defender outras formas de produzir a vida, com base nos princípios da agroecologia e economia solidária praticados pelos movimentos sociais populares, aproxima-se das lutas das mulheres quilombolas, pois essa é uma luta fundamentalmente entre projetos antagônicos. E a mulher quilombola 2, já em 2018, alertava-nos sobre esse antagonismo ao perceber que o “trabalho pro outro”, ou seja, o trabalho nos moldes capitalistas é diferente do que a comunidade produz. Como a monocultura da pimenta-do-reino, introduzida na região de forma intensiva a partir da década de 1970, afetou as comunidades tradicionais, como observado por ela a nos dizer:


a pimenta-do-reino, eu achei que mudou até assim... No serviço da gente, se a gente quiser entrar oito horas a gente entra, se a gente quiser sair nove a gente sai, e é assim que é, e no do outro não, você vai entrar sete horas/sete meia, sai meio-dia e de lá entra uma e meia/duas horas... (MULHER QUILOMBOLA 2, 2018).


Essa é uma expressão qualitativa de que o trabalho para o agronegócio “não produz a comunidade” como nos disse a mulher quilombola 1 (2018), pois o trabalho que produz as comunidades e povos/tradicionais é o trabalho em mutirão, que pode ser chamado pelo povo quilombola de muxirum, cunvidado ou putirum,


28 Mulher quilombola do Quilombo Pau D’arco e Parateca, em Malhada, Bahia. Graduada em Engenharia Agronômica pela Universidade do Estado da Bahia e mestre em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais pela Universidade de Brasília (DEALDINA, 2020).


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“[...] é uma forma de trabalho coletivo caracterizado pelo sistema de troca de dias; na região do Tocantins ganhou regras ritualizadas de antigos quilombos que tinham por finalidade celebrar e partilhar em grupos tarefas dos trabalhos das roças, principalmente as do plantio da roça de mandioca (PINTO, 2007, p. 42).


Assim, “[...] os mutirões quilombolas configuram-se como trabalho que se opõe ao trabalho nos pimentais29, pois é colaborativo, festivo, criativo e os definiu e os define até o tempo histórico presente, em organização como comunidade quilombola [...]” (MIRANDA, 2019, p. 27). Compreendido como prática de trabalho coletivo, o mutirão tem se ressignificado na luta das mulheres quilombolas.

Isso dá base para o quinto elemento sobre as aproximações que estamos tratando, isto é, quando o ecofeminismo se propõe a lutar pelas organizações de mulheres em Rede, aproxima-se da luta das mulheres quilombolas. Com base na prática do trabalho em mutirão, elas têm procurado atuar na Rede Comunitária Agroecológica de Mulheres Quilombolas em Mocajuba/PA, como pode ser verificado em vídeo disponível no Youtube30, em que, dentre as diversas ações em prol de fortalecer as mulheres, tem a experiência de geração de renda através de Feira Comunitária, Cultural e Agroecológica de Mulheres Quilombolas.

O sexto elemento que desponta em aproximação da luta das mulheres quilombolas com a luta ecofeminista se configura na luta por políticas públicas afirmativas, tanto em termos de elaboração quanto de implementação. As mulheres compreendem que nada para os povos/comunidades tradicionais pode ser construído sem a participação dos mesmos, ou seja, há que se respeitar e considerar sempre a consulta prévia e esclarecida, de acordo com o que prevê a Convenção 169 (2011), no sentido de se construir esses processos com e não para os povos/comunidades tracionais.

À medida em que o ecofeminismo também se propõe a esse debate, aproxima-se da luta das mulheres quilombolas por educação pública, saúde pública, saneamento básico, agroecologia, geração de renda, energia elétrica de baixo custo, internet pública, lazer, segurança pública, enfim, contribui na construção de alternativas para outro mundo possível.


29 Tratam-se de monocultivos de pimenta-do-reino.

30Trata-se de canal chamado “Putirum Quilombola”, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yDMQEvg2v-s


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Assim, as experiências das mulheres quilombolas entrelaçam-se a outras lutas, da mesma forma como as mulheres indianas abraçam suas árvores em defesa da vida. E dessa maneira, como o próprio ato de abraçar árvores, as mulheres de todo o mundo têm se abraçado ao lutarem por seus territórios. Suas bandeiras de luta unem-se às bandeiras de outras mulheres oprimidas e expressam lutas pelo Comum, pois não lutam por si mesmas apenas, mas pelo coletivo, em diversos espaços – sindicatos, associações, partidos, igrejas. Essas bandeiras de lutas são pelo direito à água, direito à floresta, direito ao trabalho, à soberania alimentar, saúde, educação, direito e justiça, fundamentais à vida e resistência de seus territórios compostos de humanos e não humanos. E lutam porque na “escola da experiência”, como diz Rosa Luxemburgo (2018, p. 24) aprenderam, por exemplo, que


[...] a Amazônia é palco de grandes disputas pelo Capital internacional, pelos interesses e isso tem gerado para nós grandes conflitos. De um lado os interesses do Capital, os interesses do Agronegócio, dos empreendimentos e do outro o povo, o território, o povo social, que quer manter a sua cultura, manter a dignidade em seus territórios. (MULHER QUILOMBOLA 4, 2021, Anotações de Campo).


Na Amazônia, as Mulheres Quilombolas enfrentam a seus modos o patriarcado capitalista que define a natureza como matéria morta e as mulheres como passivas. Portanto, são lutas que apontam aproximações teórico-práticas interseccionais e ecofeministas. Lutas que se aproximam, se entrecruzam, por compreender a fundamental e necessária razão do que é a Amazônia, expressa em poema31:


Amazônia Nossa Amazônia

Dos rios e seus afluentes Dos furos e igarapés Belas águas e nascentes Amazônia

Ensinar da floresta Mulheres quilombolas Anciães, ribeirinhas Indígenas, originárias


31 Poema recitado em evento internacional do GEASUR (Grupo de Estudos em Educação Ambiental desde el Sur): Educação Ambiental de Base Comunitária e Ecologia Política na América Latina, outubro de 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/results?sp=mAEB&search_query=Geasur


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Campesinas, citadinas Amazônia

Dos não-humanos Árvores, ar

Água, fogo

Odoya, Nanã, Oxum Curupira

Cabocla Jurema Pássaros, peixe, boto Amazônia

Queimada, estuprada Seu gemido nos ensina Clama, grita, chora Agronegócio

Exclui, lucra, acumula Salva-me Caipora Amazônia

Nosso espaço de liberdade

De reaprender a ser e transformar É necessário nos parir de novo Fortalecer a economia do povo Produzir vida, amar e se reflorestar Amazônia

Nosso tempo, nossa luta

Nossos trabalhos, nossa existência Somos seus filhos e proclamamos És nossa rainha

Nossa luta, resistência!

(MIRANDA32 e COSTA33, 2021).


Eis a síntese do que precisamos reconhecer, tornar visível: as Mulheres Quilombolas em toda sua plenitude. Evidenciá-las em todos os espaços é abrir caminhos para outras economias, outras políticas, outras filosofias, outras ciências, para além do capitalismo. O ecofeminismo também desponta como possibilidade, não como fim em si mesmo, mas como alternativa para o que acreditamos ser o mundo para além do capitalismo, sem opressão de nenhum gênero sobre outro gênero, muito menos de humanos sobre não humanos. Precisamos do equilíbrio, necessário e urgente para que continuemos a viver e morrer bem!


32 Mulher Preta, autora 1 desse artigo, aquilombada, vive a experiência de comunidade quilombola desde 2012, no Território Tambaí-Açu, Mocajuba/PA.

33 Mulher preta, quilombola, nascida, criada e residente no Quilombo São Benedito do Vizeu, Segundo Distrito de Mocajuba, Pará. Valdirene Rodrigues Costa atua como Secretaria da Coordenação de Formação da Educação Escolar Quilombola, Secretaria de Educação, Município de Mocajuba/PA.


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Para continuar pensando-fazendo...


Procuramos, neste artigo, evidenciar as aproximações teóricas e práticas entre as lutas das mulheres quilombolas da Amazônia Paraense com as lutas ecofeministas. Na busca da realização desse propósito, compreendemos que havemos de sermos cuidadosas ao tentarmos trazer conceitos já estabelecidos para se pensar experiências centenárias construídas inclusive em resistência ao colonialismo em sua gênese, operado por europeus.

Ao olhar por essa ótica, precisamos ser cautelosas para não cairmos nas armadilhas, como nos diz Shiva (2003), do monocultivo do saber, procurando intersecções entre lutas feministas e lutas de mulheres quilombolas. De tal modo tomadas pelo que nos diz a epígrafe deste artigo e da certeza de que a “boiada não passará”, trazemos algumas considerações sobre o que é o tempo – “tempo da piracema, tempo do florir, o tempo do fruto...” conforme nos disse a mulher quilombola 1 (87 anos) do Quilombo Tambaí-Açu, Mocajuba, Amazônia Paraense, para continuarmos problematizando o que o tempo das experiências das mulheres quilombolas tem a nos ensinar sobre essas questões que nos oprimem, inclusive no campo da ciência.

Nesse sentido, como pensar no tempo diante de tantas investidas, que vão de ações aparentemente sutis, tentativas de produzir silenciamentos de mulheres através de ideologia moral, éticas colonizadas, reproduzidas em todos os espaços da sociedade por meio das ações mais perversas e violentas, operadas em casos de feminicídios que apagam corpos, identidades e sentimentos?

Afinal, o que é o tempo se não temos o direito de viver e morrer bem? O que é o tempo para quem não tem paz? O que é o tempo para quem tem fome de justiça? Tempo de espera ao qual se refere a mulher quilombola 1. Espera! Ela tenta nos dizer. Tudo tem seu tempo, é o que nos ensina. Mas, temos tempo para esperar? O tempo tem respeitado o nosso tempo?

As Mulheres Quilombolas têm cadenciado seu tempo, tempo de viver, tempo de lutar, tempo resumido em tempo, de que toda hora é hora de luta. O tempo-espaço dos Quilombos são as próprias mulheres, essa é a mensagem que fica, para continuarmos pensando, problematizando. Os corpos das Mulheres


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Quilombolas estendem seus territórios e o ecofeminismo se desponta em “outras” cores, “outras” formas.

E, para não finalizarmos com afirmações, pois a história precisa continuar sua caminhada, perguntamos, provocadas pelo que nos afirma Gonzalez (2011 p.14): “o feminismo latino-americano perde muito da sua força ao abstrair um dado da sua realidade que é de grande importância – o caráter multirracial e pluricultural das sociedades dessa região”, ou seja, o que estamos a perder ao desconsiderar os “outros” feminismos, a exemplo dos que estão presentes na Amazônia? O que pensam as Mulheres Quilombolas sobre feminismo? De que forma o pensar-fazer ecofeminista socialista pode contribuir com as lutas de caráter multirracial e pluricultural?

Na busca incessante pela vida e sabedoras de que não há neutralidade na ciência, ficamos na espera infinita do tempo que a Mulher Quilombola 1 aprendeu com seus ancestrais e, através das diversas outras vozes que ecoam essa mesma força, reforçamos: as Quilombolas existem, resistem e, assim como o tempo, continuam.


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