V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X


O OLHAR DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE PARA A SUA PRÁTICA PROFISSIONAL: ENTRE O TRABALHO REAL E O TRABALHO PRESCRITO1


Monique Nunes Fiuza Dias2


Resumo

Neste artigo apresento as atribuições do Agente Comunitário de Saúde (ACS) em seu trabalho real e prescrito sob a ótica do próprio profissional, e o valor que lhes atribui. Optou-se por um estudo qualitativo que analisou dados primários. Constatou-se que o trabalho real destoa do prescrito. Entre as atribuições, aquelas que envolvem a presença no território e participação em grupos de educação em saúde, são valorizadas pelo ACS. Mesmo após constantes reformulações direcionadas ao cargo, o ACS valoriza as suas raízes, enquanto promotores de saúde.

Palavra-chave: Atenção Primária à Saúde; Agente Comunitário de Saúde; Trabalho em saúde.


LA MIRADA DE LOS AGENTES COMUNITARIOS DE SALUD SOBRE SU PRÁCTICA PROFESIONAL: ENTRE LO REAL Y LO PRESCRITO


Resumen

En este artículo presento las atribuciones del Agente Comunitario de Salud (ACS) en su trabajo real y prescrito desde la perspectiva del profesional, y el valor que les atribuye. Opté por un estudio cualitativo que analizara datos primarios. Se constató que el trabajo real es diferente al prescrito. Entre las asignaciones, las que involucran la presencia en el territorio y la participación en grupos de educación para la salud son valoradas por la ACS. Aún después de constantes reformulaciones encaminadas al cargo, la ACS valora sus raíces, como promotoras de salud.

Palabra clave: Atención Primaria em la Salud; Agente de Salud Comunitaria; Trabajo em la Salud.


THE COMMUNITY HEALTH AGENTS' LOOK AT THEIR PROFESSIONAL PRACTICE: BETWEEN THE REAL AND THE PRESCRIBED


Abstract

In this article I present the attributions of the Community Health Agent (ACS) in their real and prescribed work from the perspective of the professional, and the value he attributes to them. I opted for a qualitative study that analyzed primary data. It was found that the real work differs from the prescribed. Among the assignments, those that involve the presence in the territory and participation in health education groups are valued by the ACS. Even after constant reformulations aimed at the position, the ACS values their roots, as health promoters.

Keyword: Primary Health Care; Community Health Agent; Health Work.


1 Artigo recebido em 18/07/2022. Primeira avaliação em 17/08/2022. Segunda avaliação em 12/09/2022. Aprovado em 30/09/2022. Publicado em 10/11/2022.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i4.55269.

2 Mestre em Educação em Saúde – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Oswaldo Cruz – EPSJV/FIOCRUZ – Brasil. Profissional da Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz – ENSP/FIOCRUZ. E-mail: moniquenfd@gmail.com

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4865842621028394. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7761-7768.



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Introdução


A Constituição Federal de 1988 representa um grande marco no cenário da saúde, considerando a sua inscrição enquanto direito do cidadão. Logo, contribuiu para a construção do sistema de saúde pública – o Sistema Único de Saúde (SUS) - de caráter nacional, norteado por princípios como a universalidade, integralidade e a participação social (GUIMARÃES et. al, 2017).

A Atenção Primária em Saúde (APS), classificada enquanto a principal ferramenta organizacional da atenção à saúde e, ao mesmo tempo, como a principal resposta às necessidades de saúde da população, ganhou força no cenário internacional a partir da década de 60 e 70 (MATTA, MOROSINI, 2008).

Considerando os importantes movimentos internacionais envolvendo a APS, especialmente a Conferência de Alma-Ata em 1978, bem como a sua repercussão no Brasil, figuram enquanto fatores contribuintes para a incorporação da APS no contexto nacional, especialmente a partir da década de 90. A partir de então, observou-se a ampliação do acesso aos serviços de saúde, especialmente para os mais vulneráveis, considerando a priorização destas áreas para a sua implantação (FAUSTO, MATTA, 2007); (MOROSINI, 2010).

Na década de 90, no Brasil, foram instituídos dois programas importantes e que objetivaram reduzir, indicadores negativos, com destaque à morbimortalidade infantil e materna, especialmente no Nordeste: Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS), posteriormente Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Na mesma década, ocorre a criação do Programa de Saúde da Família (PSF) como forma de viabilizar a realização de ações integrais na atenção básica (AB). Neste formato, surge, em um contexto de influências sociais, ideológicas, políticas e técnicas, envolvendo demandas nacionais e internacionais, a categoria ACS (BARROS et al. 2010).

Posteriormente, o PSF é reintitulado para estratégia de saúde da família (ESF) e, desde a sua implantação, observa-se o aumento das implantações das equipes. Em 2019, o Brasil já contava com a assistência prestada por 43.756 equipes, o que representou uma cobertura de 71,42% (BRASIL, 2019a).

Ao analisar especificamente a composição destas equipes, o Agente Comunitário de Saúde (ACS), entre outras categorias profissionais, compõe a


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equipe mínima da ESF. Representa uma categoria expressiva numericamente: em 2019. O Brasil contava com 268.037 ACS, o que representou uma cobertura de 74,38% da população brasileira, contando com o acompanhamento destes profissionais (BRASIL, 2017); (BRASIL, 2019).

As atribuições do ACS são norteadas pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), desde 2006. Em sua última publicação (2017), há o redesenho de algumas atribuições do ACS. Aquelas consideradas como gerais – comuns a todos os membros da ESF – e as específicas ao cargo de ACS (BRASIL, 2017). Entre as atribuições gerais, encontram-se:


Participar do acolhimento dos usuários, proporcionando atendimento humanizado, realizando classificação de risco, identificando as necessidades de intervenções de cuidado, responsabilizando- se pela continuidade da atenção e viabilizando o estabelecimento do vínculo; Articular e participar das atividades de educação permanente e educação continuada; Realizar ações de educação em saúde à população adstrita, conforme planejamento da equipe e utilizando abordagens adequadas às necessidades deste público (BRASIL, 2017, p. 19 - 20).


Entre as atribuições específicas do ACS:


Desenvolver atividades de promoção da saúde, de prevenção de doenças e agravos, em especial aqueles mais prevalentes no território; Identificar e registrar situações que interfiram no curso das doenças; Orientar a comunidade sobre sintomas, riscos e agentes transmissores de doenças e medidas de prevenção individual e coletiva; Identificar casos suspeitos de doenças e agravos; Informar e mobilizar a comunidade para desenvolver medidas simples de manejo ambiental e outras formas de intervenção no ambiente para o controle de vetores (BRASIL, 2017, p. 25 – 27).


Partindo da premissa de que as suas atribuições sofreram intensas modificações frente às reformulações da PNAB, o presente estudo objetiva identificar, através da fala dos participantes, as atribuições reais e previstas ao cargo e, e destas quais realmente são valorizadas pelo profissional.

Portanto, o estudo se justifica ao passo que propõe identificar aquelas atribuições executadas no cotidiano prático, valorizadas ou não pelo ACS, e que nem sempre estão previstas e, ao mesmo tempo, identificar o domínio da zona de atuação do ACS, dentro do que está previsto para a sua função.


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Com o objetivo de realizar a análise do problema exposto anteriormente, optou-se por um estudo de caráter qualitativo. Para alcançar aos objetivos propostos, foi realizada a análise de dados primários. O banco de dados foi produzido em 2016 a partir do projeto de pesquisa intitulado como “Processo de Trabalho dos Técnicos em Saúde na perspectiva dos saberes, práticas e competências” – Projeto SABERES, vinculado ao Observatório dos Técnicos em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/FIOCRUZ). O objetivo geral do estudo (Projeto SABERES) consiste em analisar o processo de trabalho dos técnicos em saúde que atuam na atenção básica do SUS, especificamente na ESF, nas cinco regiões brasileiras.

Para compor a amostra do estudo, originalmente, o Projeto Saberes contou com todos os profissionais técnicos inseridos na ESF: Agente Comunitário de Endemias (ACE), ACS, Técnico de Saúde Bucal (TSB), Auxiliar de Saúde Bucal (ASB), Técnico e Auxiliar de Enfermagem. No entanto, tendo em vista o objeto do presente estudo e o alcance do objetivo previamente estabelecido, somente a categoria de ACS foi eleita, compondo, portanto, a amostra de participantes que participaram do presente estudo.

Após analisar o conteúdo transcrito a partir de cada entrevista, a amostra do presente estudo conta com 20 ACS, garantindo a representatividade de todos os municípios contemplados no projeto saberes. Foram excluídas 24 entrevistas, uma vez que o conteúdo de algumas falas não contemplava aos objetivos traçados no presente estudo.

Os dados foram coletados no período de janeiro e abril de 2016. Dois pesquisadores acompanharam as atividades dos profissionais de nível técnico da ESF selecionada por cinco dias, realizando a observação participante de sua rotina de trabalho, assim como entrevistas individuais semiestruturadas. As entrevistas foram registradas em gravador digital e transcritas integralmente. Foram analisados com base na análise de discurso proposta por Bardin (1979), procedendo a categorização.

Os procedimentos da pesquisa foram autorizados pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos (CEP) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-FIOCRUZ) (CAAE: 43320275.L.0000524I).


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Valorização das atribuições sob a ótica do próprio profissional


Ao analisar o conteúdo das falas, contatou-se como o ACS descreve a sua rotina de trabalho e atribui diferentes graus de importância às ações desenvolvidas. Fica evidente a dicotomia entre o tipo de trabalho reconhecido pelo ACS: aquele desenvolvido no território - para o qual atribuem maior valor - e o trabalho interno, visto como burocrático, de menor relevância.

Ainda neste mote, é possível identificar aquelas atribuições que o ACS entende como algo inerente à sua ocupação – e que de fato os compete - e aquelas que constam em sua rotina de trabalho e que não os compete, consideradas pelos próprios profissionais enquanto desvio da sua função.

Do ponto de vista do tipo de trabalho desenvolvido pelo ACS, dos 20 participantes, 17 (85%) citam a realização da visita domiciliar (VD) como parte integrante da rotina diária de trabalho; 6 (30%) referem a participação em grupos educativos; 2 (10%) comparecem no domicílio para a entrega de consultas agendados, e 2 (10%) referem ir ao domicílio para auxiliar em situações emergenciais de saúde. A atuação do ACS no território é extremamente presente e valorizada na fala dos participantes:


ACS 1: “Gosto de fazer tudo na comunidade, eu não gosto de fazer vento aqui no posto, eu não gosto de palestra, eu gosto de fazer tudo lá. Porque onde você está é aonde está seu público, o que você está almejando, as pessoas estão ali, é o dia a dia delas. Então para você tirar elas e trazer para a unidade é mais complicado. Eu gosto de fazer tudo lá.”


Muito em virtude da constante presença territorial, o ACS é considerado como o elo entre a comunidade e a ESF. Sua inserção do território é importante para desenvolver uma gama de atividades para a população adscrita e promover saúde naquele espaço:


[...] monitoramento de casos e resultados de intervenções; facilita o acesso à unidade; cadastra famílias e identifica situações de risco; visita domicílios; encaminha para consultas; promove vigilância e ações de educação em saúde; reflete sobre trabalho e mobilidade comunitária; realiza atividades com grupos prioritários e ações para agilizar o trabalho (SAMUDIO et. al, 2017, p. 754).


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A VD consiste no acompanhamento realizado pelo ACS das condições de saúde das famílias de sua microárea, e busca ativa que realiza, quando necessário. Representa a principal expressão da presença do ACS no território, sendo uma das suas atribuições previstas na PNAB. Deve ser realizada de forma periódica e planejada com base nas necessidades de saúde da população (MOROSINI, FONSECA, 2018); (BRASIL, 2017).

Desde os primórdios da profissão, o ACS realiza o monitoramento territorial prioritário, direcionado a determinados segmentos populacionais, com o intuito de contribuir para a redução da morbimortalidade mais frequente nestes grupos, especialmente entre crianças. Também, são potentes ao oportunizar o acesso ao exame diagnóstico em condições como tuberculose (SAMUDIO et. al. 2017).

Os participantes revelam que a atuação territorial do ACS é planejada a partir das linhas de cuidado prioritárias, entre elas: gestantes, crianças, nutrizes, sintomáticos respiratórios e casos de tuberculose. Também descreve o investimento educativo para prepará-los para tal acompanhamento:


ACS 2: “Sim. Eu entrei em 2005 e fiz o Introdutório. E sempre houve, sempre houve muitos, Cursos, muitos, muitos. Cursos desde... Tipo... Tinham Cursos sobre Amamentação, por exemplo... Doenças... De tudo o que você pensar de Cursos a gente tinha. Mesmo que alguns fossem palestras para que a gente soubesse mais o que é uma Tuberculose, como trabalhar com isso... Foi um tempo melhor de Curso no passado, hoje, essa Gestão... Se eu te dizer que a gente...”


Portanto, a fala do ACS traduz a importância que agrega a sua presença no território e, ao mesmo tempo, lamenta a redução da sua presença neste espaço. É em sua microárea que pratica ações importantes para a saúde da população, consegue fortalecer o vínculo com os seus cadastrados e identifica condições de risco e vulnerabilidades, ratificando o seu papel essencial enquanto o elo entre a comunidade e equipe técnica.

No entanto, os participantes salientam que, em algumas situações, apesar de estar no território, a sua presença é puramente burocrática, citando a entrega de documentos ou insumos aos usuários:


ACS 3: Aí na terça eu tenho, de manhã, ou eu venho para cá, ou eu vou no morro já com algumas consultas, porque a gente vem aqui na segunda à tarde, pega consulta com a Dona do Taissa (médica), ali a


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da semana. Aí entrego as consultas, na segunda de manhã se tiver alguma consulta eu entrego.”


ACS 2: Então, isso você tem que ficar falando, tem que ficar... “Nossa! Dona Marcela (paciente), a senhora tem que ir lá”. Ela tem um filho que consegue trazer, mas eu acabo fazendo por ele, né? Às vezes, ela quer ir no tempo dela, e o tempo dela tem que ser o tempo dela, não o nosso. Então, ao invés de eu pegar a medicação, por exemplo o remédio controlado dela e levar para ela... A receita, na verdade. A receita. Eu já vou ali na farmácia, já pego o remédio, já levo o remédio. Eu já faço isso por ela. Porque eles, na verdade, tem que levar receita e eles se virem para ir na farmácia. Aí qualquer farmácia perto... Já vou ali, já pego, já levo o remédio, já faço isso.”


O caráter burocrático de algumas ações, ainda que realizadas no território, também é prevista na PNAB, com destaque ao seu papel de informar quanto aos agendamentos dos usuários. (BRASIL, 2017)

Nestes casos, mesmo o ACS estando no território, nem sempre atua em direção ao acompanhamento. Frequentemente, vai ao território apenas para a entrega de consultas/agendamentos.

Tendo em vista o número expressivo de consultas a serem entregues, essa visita deixa de ser um momento produtivo, de qualidade e troca entre ACS e usuário. Não há tempo hábil para adentrar ao domicílio. O ACS comparece na residência, entrega o agendamento e dali, já segue para o outro endereço. Esta situação é chamada de “VD burocrática”, com o viés quantitativo:


Observa-se que a visita se transformou em um ato sumário, burocrático, com objetivo de cumprir uma agenda predeterminada, avisar de consultas e exames, e registrar a produção. Sem dúvida, há um desvio da função de ACS, e uma perda na qualidade do cuidado (CHUENGUE, FRANCO, 2018, p. 12).


A entrega de kits de odontologia pelo ACS também integra a VD burocrática. Este tipo de VD, apesar de prevista e importante, representa um ato sumário, cujo objetivo é o de cumprir uma agenda, avisar de consultas, exames e registrar a produção, apontando para o desvio da função do ACS e perda da qualidade do cuidado (MOROSINI, FONSECA, 2018); (CHUENGUE, FRANCO, 2018).

Sob a ótica do ACS, ele enxerga a VD burocrática - entrega de receitas/medicações/consultas - como algo fruto do vínculo, com o intuito de facilitar para o usuário, principalmente para o público idoso, ou por ser algo puramente


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mecânico, inserido em sua rotina, sem problematizar o real motivo pelo qual lhe foi atribuído tal função.

Quanto à participação do ACS em grupos educativos, esta atribuição aparece nas falas dos participantes (30%) e constam enquanto suas atribuições na PNAB. Estes grupos consistem em ações coletivas de caráter educativo, que visam o aprendizado, mudança de hábitos e criação de vínculo. (BRASIL, 2017); (MATIAS, 2017):


ACS 12: Aí também tem duas vezes por mês tem o grupo de caminhada que a gente faz lá da terceira idade que é segunda quarta e sexta que a gente participa e durante a semana é visita, tem a época de campanha a gente faz palestra, vacina, assim a gente convida o pessoal, ajuda também na época da campanha da vacina. (...) a gente trabalha nas escolas que ele vai fazer palestra ou alguma coisa, ensinar escovação né, aí a gente acompanha você entendeu, fora disso, é mas assim nas escolas que a gente trabalha ou então no grupo também da caminhada da terceira idade eles vão pra ensinar os cuidados, aquele pessoal que usa prótese, dá escovação, assistência, sempre faz palestra.”


Os grupos de educação em saúde estão fortemente incorporados à rotina de trabalho do ACS. A maior parte dos grupos, são realizados no território, junto ao enfermeiro, outro ACS ou até mesmo sozinho (COSTA et. al, 2013).

Entre as suas atribuições de cunho educativo, o Programa Saúde na Escola (PSE) é extremamente potente e sua importância é reconhecida pelo ACS. O PSE:


Constitui uma estratégia para a integração e a articulação permanente entre as políticas e ações de educação e de saúde, com a participação da comunidade escolar, envolvendo as equipes de saúde da família e da educação básica (BRASIL, 2007, art. 3).


O ACS compreende que as ações de educação em saúde são de sua competência e as valoriza como tal, inclusive, muitos citam a realização de grupos de forma fixa em sua rotina semanal. O ACS que atua há mais de 10 anos na ESF, demonstra valorizar ainda mais as ações de educação em saúde, ratificando o seu papel de promotor de saúde.

O trabalho burocrático, realizado no interior da unidade, também está presente na fala dos profissionais. Dos 20 profissionais entrevistados: 11 (55%) citam ações de digitação (cadastro, lançamento de VD no E-SUS, lançamento de acompanhamento das condicionalidades do BF); 7 (35%) participam de reuniões


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com periodicidade distintas (reuniões gerais, de equipe, intersetoriais); 4 (20%) citam o acolhimento; 3 (15%) citam a realização do agendamento de usuários nas agendas dos profissionais da equipe técnica. E ainda: 4 (20%) realizam atividades assistenciais (aplicação de vacina, realização de curativos, sinais vitais); 2 (10%) auxiliam na limpeza da unidade; 1 (5%) cita o serviço de esterilização, assim como 1 (5%) realiza atividades vinculadas à farmácia.

Algumas falas revelam a maior permanência no interior da unidade como algo obrigatório, com o intuito gerar dados/alimentar ao sistema de informação por meio da digitação, seja das fichas de cadastro (cadastramento/atualização), seja por meio do registro simplificado das visitas como forma de alcançar à meta/produção mensal estipulada para o ACS:


ACS 3: É. Aí nos outros dias quando eu não estou aqui. Agora, eu acho errado, mas a gente está mais aqui do que no campo de trabalho, com essa produção. Se você não ficar aqui, bem dizer direto, você não consegue fazer produção. Você tem que fazer produção para poder mostrar que você trabalhou no final do mês, então tem hora que você tem até que inventar serviço [...]”


Ao avaliar o sentimento atribuído à sua permanência no interior da unidade, fica evidente a insatisfação do ACS. Apesar de ser uma atribuição, o ACS não lhe atribui valor:


ACS 3: Aí na terça eu tenho, de manhã, ou eu venho para cá, ou eu vou no morro já com algumas consultas, porque a gente vem aqui na segunda à tarde, pega consulta com a Dona do Cristiane (médica), ali a da semana. Aí entrego as consultas, na segunda de manhã se tiver alguma consulta eu entrego. Terça a gente tem que estar aqui, e terça é o dia que eles me escolheram para poder digitar. Se não tiver a Comissão Local de saúde na segunda terça do mês, aí eu tenho que ficar digitando até as seis. Agora até as seis, graças a Deus. Não é até as sete mais não.”


O cadastramento e sua constante atualização é uma atividade prevista e comum a todos os membros das equipes que atuam na ESF (BRASIL, 2017).

No entanto, naturalmente esta atribuição foi direcionada especificamente ao ACS e que o profissional julga ser importante em sua rotina, sendo citada por todos os ACS quando são questionados sobre as atividades desenvolvidas em sua rotina (PEDRAZA, SANTOS, 2017).


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A atualização cadastral, apesar de importante para o planejamento em saúde, apresenta uma faceta quantitativa, com o foco na produção e, principalmente financeira, de modo a garantir os repasses proporcionais.

Observa-se, portanto, o viés quantitativo na produção de informações, já que a digitação das visitas, resulta em uma produção individual a qual será acompanhada e contrastada com a meta estipulada, representando o olhar gerencial direcionado ao processo de trabalho do ACS (ALONSO et. al, 2018).

Um agravante que observamos ao manipular o sistema de informação utilizado na atenção primária à saúde (APS) – o e-SUS - e que fortalece o ponto de vista quantitativo/produção, diz respeito ao fato de que o ACS não dispõe de campos corridos para relatar informações importantes no prontuário eletrônico (PE) e suas VD resumem ao preenchimento de fichas com respostas de múltipla escolha. Resta ao ACS se organizar em suas próprias anotações, geradas por conta própria.

As reuniões ordinárias também representam um trabalho interno para o ACS, por acontecerem sempre na unidade:


ACS 4: A reunião de equipe acontece toda quinta-feira das 11:00 ao meio-dia, a gente tem uma reunião de matriciamento que a gente chama, que é com a nossa equipe normal, mais o CAPS adulto, o CAPS infantil e o NASP. Aí é uma vez no mês, toda a última quinta-feira do mês e outras reuniões que acontecem [...]”


Mesmo sendo um momento em que estão na unidade, o ACS atribui valor às reuniões de equipe, por considerar um momento propício para discussão em equipe de questões inerentes ao território, bem como de atualização de informações:


ACS 4: A gente divide o território, divide a sala de reuniões, a gente divide problemas, porque quando eu identifico um problema aqui e é da competência deles a gente sempre discute juntos, assim quando eles sabem de alguma coisa ele sempre passa entre a gente.”


É um momento fértil, onde a sua função de elo e mediador é ressaltada, já que consegue compartilhar problemas e necessidades identificadas no território com toda a equipe e traçar estratégias. Muitos desses encontros, resultam em visitas domiciliares programadas (SPERONI, et. al, 2016).

As reuniões contribuem para ressaltar a figura do ACS enquanto membro de uma equipe multiprofissional e a sua atuação em equipe. O ACS se sente parte


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importante da equipe, consegue dialogar de forma horizontal com todos os membros da equipe:


ACS 4: Aqui eu trabalho em equipe e tudo, a gente já passou por pessoas que tinham muitas dificuldades de trabalhar com a gente, eu vejo assim a equipe que a gente tem hoje uma equipe madura, ela não tem medo de expor, porque assim, antes eu via, eu não sei se tinha essa coisa de se sentir inferior, a pessoa nem falava, nem abria a boca pra falar do paciente só falava quando era chamado, hoje não, hoje eu vejo que todo mundo fala, todo mundo expõe, todo mundo questiona, ninguém tem medo de questionar, o outro pode passar informação nas reuniões que é onde a gente mais fala, a equipe inteira.”

Eu acho que foi a convivência entre a gente mesmo, e aquela coisa a gente passou para o profissional, que não se valorizava também, não levava em consideração aquilo que você falava, e hoje a gente tem uma equipe que ela te escuta, então a gente ganhou a confiança deles, de trazer aquilo que a gente tá vendo lá pra aqui dentro [...]”


O ACS, como todo integrante da ESF, deve ter o seu espaço de voz respeitado e valorizado, uma vez que representa a extensão da comunidade na equipe e, portanto, deve ter ocupação valorizada na análise de saúde do território e planejamento das ações.

Outra atividade realizada no interior da unidade, diz respeito ao acolhimento. Quando questionados sobre a sua rotina de trabalho, 7 (35%) ACS identificam o acolhimento como uma atribuição e que, em muitos momentos, é vista como algo obrigatório, imposto por meio de escala confeccionada envolvendo a todos os ACS:


ACS 6: “Quando tem, assim, um cronograma de palestras, a gente segue. E no dia do acolhimento a gente tem que vir. E os demais, são as visitas. [...] assim, visita, eu trabalho todos os dias, na semana que eu não estou no acolhimento.”

“[...] a questão do acolhimento é da própria secretaria de saúde. Porque, as vezes, eu até questiono, né. Eu questionei até com a minha coordenação. Porque, assim, o acolhimento, o correto é a gente ficar só 2 horas e ir pra área. Só que depende da demanda do posto, às vezes tem uma demanda menor e às vezes tem uma demanda maior. E tem horas que não dá pra sair, tem dias que tem uma demanda grande, que a gente quer ajudar, às vezes, não dá pra ficar só aquelas 2 horas. Até porque a gente tem que acolher a comunidade no posto e bem, a gente não vai ficar só essas 2 horas e sair, e deixar a comunidade ali. Às vezes, tem que ficar.”


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Mesmo com escalas para o acolhimento, fica evidenciada, em sua fala, a insatisfação em deixar de estar no território, para atuar no acolhimento, citando o termo “perder” turno de visita:


ACS 6: A gente antes tinha que fazer 5 visitas depois do acolhimento. Aí mudou agora, então, naquele dia de acolhimento, a gente tem que dobrar a visita do outro dia. Aí a gente se questiona por isso, porque a gente termina perdendo. O acolhimento é bom, mas a deixa de fazer visitar, de ver alguma coisa na área que poderia ser feito. Como hoje, eu estou aqui, mas tem alguém na minha área que eu estou precisando ver. E eu estou no acolhimento. Então, termina, de qualquer forma, o acolhimento tirando a gente da área.” [...] “eu perguntei por que a coordenadora, eu questionei, foi até quinta-feira passada. Eu questionei, por que a gente está no acolhimento. Ela foi questionada e veio dizer que o Ministério da Saúde prioriza que a gente esteja 2 horas no posto. Eu questionei quinta-feira. Eu vejo que é bom, porque a gente acolhe os pacientes, mas a gente deixa os pacientes na área. Veja, são 2 horas aqui, e eu tenho família que é mais de 8 KM, até eu chegar nessa última casa... Que horas eu vou chegar lá, né? Porque a realidade da zona urbana para a rural é diferente. Tem casa que a gente anda meia hora, 40 minutos para achar outra.”


O acolhimento consiste no ato de receber, escutar e interpretar as necessidades dos usuários. No contexto da ESF, o ato de acolher contribuiu para a mudança no modelo assistencial ao possibilitar ao usuário o acesso a um cuidado justo, ampliado e integral (MOROSINI, FONSECA, 2018); (LEITE et. al, 2016).

Partindo da premissa de que a APS consiste na porta de entrada preferencial do usuário ao SUS, o acolhimento realizado especialmente pelo ACS, garante este acesso.

A permanência física de cada ACS na unidade como forma de acolher o usuário que comparece na unidade, normalmente é garantida por escalas de turnos. No entanto, a permanência por maior tempo neste espaço – muito em função da redução do número de ACS nas equipes da ESF - é sinalizada pelo ACS enquanto um grande problema para a sua prática. Assim, mesmo sendo uma atribuição de extrema importância, o ACS não enxerga como algo importante e não lhe atribuiu valor, tornando o acolhimento um momento estressante.

É importante, portanto, chegar ao meio termo entre as atividades burocráticas e territoriais, sem que haja sobreposição:


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Ainda que o fato de o ACS trabalhar dentro da unidade não descaracterize completamente seu papel, uma vez que possa haver conciliação das suas atividades específicas com esse ambiente de saúde, como o registro de novos cadastros e acolhimento inicial ao usuário, diminui-se o tempo disponível para boa parte do processo de vigilância de território, que só pode ser feito na comunidade (PEDEBOS et al, 2018, p. 947).


Três (15%) dos ACS referem dedicar parte do seu tempo a realizar a marcação de consultas para os usuários nas agendas dos profissionais que compõem a equipe técnica, como médicos e enfermeiros:


ACS 16: Na quarta-feira... na terça eu já marco os atendimentos da quarta. Na quarta eu já vou fazer a marcação dos atendimentos que são consultas gerais pra quinta. Aí [inaudível] criança, gestante, gestante não, demanda geral. Resultado de exame, resultado de PCCU, [inaudível], pode ser pela [inaudível]... parte de enfermagem, os que não, a gente já vai até conseguir.”

“Aí, na sexta-feira a gente já abre aqui e vê a marcação segundo nível. A gente coloca aquelas pessoas, tudinho, que vão ser mandadas na segunda, tanto pra médica, quanto para a enfermeira. Aí já marca comigo, aí já faz esse procedimento. E, também a reunião com a equipe na sexta-feira.”


Apesar de presente entre as atribuições do ACS, o agendamento é considerando um excesso de função (ALONSO, 2018); (SAMUDIO et al, 2017).

O que se observa na rotina de uma unidade é que o agendamento vai de acordo com o que é pactuado internamente, na equipe. Muitas vezes, os agendamentos são realizados em reuniões de equipe.

É importante correlacionar a atuação do ACS e as alterações nas diretrizes da AB promovidas, principalmente pela PNAB 2017. Esse documento configura um grande marco na ruptura do papel basilar do ACS enquanto promotores de saúde e elo entre a UBS e a população, caminhando em direção a uma atuação cada vez mais burocrática e interna (MOROSINI, FONSECA, LIMA, 2018).

Algumas modificações importantes nesse documento, direcionadas especificamente para a categoria do ACS, alimentam esta atuação mais interna do ACS e ressaltam o caráter utilitarista de suas atividades.

Assim, é possível destacar alguns pontos trazidos na PNAB publicada em 2017 que contribuem para tal, entre eles: a flexibilização dos parâmetros da cobertura populacional pelo ACS, a indefinição do quantitativo de ACS por equipe, a omissão de padrões diferenciados de ações e cuidados para a AB, o que contribui


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para o desconhecimento dos procedimentos e ações que integram o padrão básico assistencial, admite e incentiva outras estratégias de organização da AB, alterações nas regras de composição profissional e de distribuição da carga horária dos trabalhadores nas equipes de AB, onde a presença dos ACS não é requerida na composição mínima das equipes de AB, e, por fim, a ideia de fundir as atribuições dos ACS e dos Agentes de Combate às Endemias (ACE), tornando-os um único tipo de profissional (BRASIL, 2017).

Assim, Morosini, Fonseca, Lima (2018) concluem que a presença do ACS nas equipes de saúde da família e a continuidade das ações por ele estão em risco. O maior impacto desta ameaça recai sobre as ações educativas e de promoção da saúde, e ao se tornar predominante entre as suas atribuições específicas, as atividades de produção e registro de uma série de dados e informações, o que contribuiu para a descaracterização do seu trabalho, bem como a intensificação do trabalho dos agentes que restarem nas equipes.

Outros resultados apontam para a possibilidade de identificar, na fala dos participantes, atividades que desenvolvem e julgam ser de sua competência, estando presente em sua rotina de trabalho, assim como, aquelas que não são de sua competência e acabam por realizar. Estes resultados, compõem o trabalho real do ACS, composto por atribuições que informam compor a sua rotina de trabalho, e aquelas que estão previstas, ou seja, atribuições que são desenhadas para o cargo do ACS, mas que nem sempre são postas em prática em seu cotidiano.

O trabalho real descrito pelo ACS encontra-se sintetizado através das seguintes atribuições:17 (85%) ACS citam a VD; 12 (60%) citam burocracias de forma geral (agendamentos, cadastramento, turnos de digitação, alimentação da plataforma para acompanhamento do bolsa família, atividades de secretariado); 7 (35%) citam os grupos educativos; 6 (30%) citam as reuniões; 4 (20%) citam o acolhimento; 3 (15%) citam procedimentos assistenciais (verificação de PA, HGT, curativo, injeções); 3 (15%) citam atividades de limpeza; 2 (10%) citam entrega de medicamentos/exames/consultas; 2 (10%) citam a atuação conjunto aos agentes de endemias; e por fim: 1 cita as palestras, bem como atividades de apoio na farmácia, PSE, esterilização e comissão local (colegiado).

Quanto ao trabalho previsto, uma análise um tanto quanto preocupante é o fato de que os 20 (100%) ACS entrevistados conseguem narrar o seu trabalho real;


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no entanto, apenas 5 (25%) ACS são capazes de descrever as atividades previstas para o seu cargo – aquelas que verdadeiramente deveriam desempenhar – com a nucleação em duas categorias de respostas: grupos educativos (2 ACS) e procedimentos assistenciais (3 ACS). Vale ressaltar que 1 ACS não quis responder quando questionado às atribuições prescritas.

A VD é citada como a atribuição mais presente em sua rotina. No entanto, é frequente a ideia de que a VD poderia ser mais eficaz caso o ACS estivesse apto a realizar procedimentos assistenciais:


ACS 1: Porque como a gente se aprofundou na área técnica, né, de técnico de auxiliar de enfermagem, foi tudo de bom para a gente. Por exemplo, a gente ia olhar um paciente que precisava fazer um curativo, a gente chegava e já dizia as técnicas, e no final de semana eu ia muito pedir o material no posto aí fazia esses curativos para eles não ficarem assim. E assim, foi muito bom porque abriu a mente da gente, pra gente poder ser mais útil...”


ACS 9: Eu vejo assim, o que é que a gente deveria fazer e não faz: verificar a pressão arterial e verificar o açúcar. Devia ser, também, da nossa função.”


ACS 13: Igual eu te falei, sobre aferir pressão. Porque tem gente que não tem condições de vir aqui no postinho, tão ali decadente, ou já é pessoa de idade. Eu acho assim, que eles deveriam dar um treinamento pra gente, porque acho que não tem dificuldade da pessoa aprender.”


Assim, no entendimento do ACS, a realização de procedimentos assistenciais pelo ACS durante a VD, ampliaria a sua resolutividade, especialmente durante o acompanhamento de usuários inseridos em linhas de cuidado específicas:


[...] gostariam de contribuir mais para o processo de trabalho, visto que poderiam auxiliar no controle dos hipertensos, já que sabem aferir, atividade poucas vezes realizada na frequência orientada pela equipe pela impossibilidade de o hipertenso fazê-lo (PEDEBOS et. al, 2018, p. 946).


O fato de o próprio ACS valorizar a realização de procedimentos técnicos e assistenciais como forma de aumentar a resolutividade da sua VD, perpassa por questões culturalmente impregnadas, em torno da valorização curativa das ações em saúde (RIQUINHO et. al, 2018).

A presença das ações de educação em saúde na rotina do ACS ratifica o papel basilar do ACS, enquanto promotores de saúde, desde os primórdios da


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profissão e que, desde então, impactaram positivamente nos indicadores morbidade e mortalidade (MOROSINI, FONSECA, 2018).


ACS 8: “O nosso trabalho é a orientação, a prevenção né lá fora da unidade nós não fazemos, nós não olhamos pressão, nós não fazemos injeção né, tudo que nós fazemos é ir lá orientar, aquilo que nós não conseguimos fazer lá a gente vem aqui, chama a enfermeira, passa pra enfermeira e a enfermeira se precisar da técnica ir lá ver uma pressão, tirar um ponto, alguma coisa aí a enfermeira chama a técnica e a técnica desce com nós até onde nós tem aquele caso.”


O trabalho burocrático, apesar de compor o seu trabalho real e consumir grande parte do trabalho do ACS, o ACS não atribui valor a esta atribuição e, muitas vezes, são executadas para cumprir ordens:


ACS 1: Todo dia a gente tem que estar aqui. Eu não venho à tarde porque eu coloquei para outra enfermeira que eu não entendia o que eu tinha que fazer aqui à tarde. Que aqui o pessoal vem e fica na sala, não sei, trocando ideias... eu não sei qual a minha função em ficar aqui. Enquanto estou fora faço minhas visitas, eu costumo dizer as meninas que as vezes a gente se envolve tanto que a gente quando faz o que a gente ama a gente se envolve numa forma que nem percebe o que está acontecendo. Vai numa casa: “ei, você está aí? Venha aqui que eu quero lhe mostrar minha medicação”. Daí a gente vai. Isso para mim é gratificante. Eu sei que onde eu vou estou produzindo, e aqui eu não tenho atividade para mim. Aqui você tira um prontuário, você ouve um comentário de uma colega que não satisfez você... entendeu?

Que a gente tem que fazer, são questionamentos meus dessa última formação que a gente teve, a questão da digitação que a gente precisa fazer digitação, isso não é... mas pelas normas técnicas, segundo a gente ficou sabendo, a gente teria que fazer essa digitação.”

A gente faz pela questão do andamento do processo da equipe. Agora mesmo a gente está vendo a questão do Bolsa Família. Eu não concordo com o Bolsa Família. Eu sou extremamente contra e disse. Eu sou extremamente contra porque foi um processo criado por três Ministérios e sobrecarregou os agentes de saúde.”


ACS 10: Então, assim... nós estamos num período que eu não gosto. Cadastro. É necessário? É bem assim, a norma é assim, todo o dia eu tenho que fazer dois cadastros. Todo dia eu tenho que fazer dois cadastros, mas eu não faço segunda e terça porque leva muito tempo e eu não vejo as minhas prioridades.”


O acompanhamento dos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) é algo de extrema resistência por parte do ACS, justamente por estigmatizarem esses beneficiários como pessoas “aproveitadoras”, as quais beneficiam-se do dinheiro


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para não trabalhar e continuar tendo mais filhos e não trabalhar (CHUENGUE, FRANCO, 2018).

Assim, o conjunto de atividades burocráticas, apesar de compor trabalho real do ACS, acaba sendo realizado sem o real entendimento do profissional, por representarem atribuições obrigatórias e não valorizadas pelo ACS:


[...] além de encontrarem dificuldades para identificar, nomear e descrever as fichas que precisam preencher para alimentar o SIAB, também não conseguem compreender variáveis, termos e patologias que compõem esses instrumentos. Como consequência, tarefas ligadas à vigilância em saúde, apesar de sua importância para a ESF, incidem no trabalho dos ACS como meras atividades de coleta de dados estatísticos, com pouco sentido para esses trabalhadores (ALONSO et. al, 2018, p. 8).


É fortemente recomendado que as atribuições burocráticas sejam repensadas para o trabalho do ACS, objetivando dar sentido a estas ações na visão do ACS, pois muitas vezes, são realizadas norteadas pela produtividade individual de cada profissional (ALONSO et al, 2018).


ACS 3: É. Aí nos outros dias quando eu não estou aqui. Agora, eu acho errado, mas a gente está mais aqui do que no campo de trabalho, com essa produção. Se você não ficar aqui, bem dizer direto, você não consegue fazer produção. Você tem que fazer produção para poder mostrar que você trabalhou no final do mês, então tem hora que você tem até que inventar serviço. Porque, não tem lógica, eu tenho 750 pessoas, família eu tenho 150, 140, mas pessoas são 720, 730. Você digitar todo mês as 700. Falando tudo que tem. Eu acho impossível, falei com a Ana, acho impossível, mas a gente tenta chegar mais ou menos nesse número. Quem consegue Deus abençoa, mas eu acho que aí está mentindo. Aí na terça tem, na segunda, na segunda de manhã eu fico para ver o que vai fazer. Essa agenda minha que eu comprei, não posso perder ela de jeito nenhum. Terça a gente tem que estar aqui, e terça é o dia que eles me escolheram para poder digitar. Se não tiver a Comissão Local de saúde na segunda terça do mês, aí eu tenho que ficar digitando até as seis. Agora até as seis, graças a Deus. Não é até as sete mais não.”


ACS 6: A gente antes tinha que fazer 5 visitas depois do acolhimento. Aí mudou agora, então, naquele dia de acolhimento, a gente tem que dobrar a visita do outro dia. Aí a gente se questiona por isso, porque a gente termina perdendo. O acolhimento é bom, mas a deixa de fazer visitar, de ver alguma coisa na área que poderia ser feito. Como hoje, eu estou aqui, mas tem alguém na minha área que eu estou precisando ver. E eu estou no acolhimento. Então, termina, de qualquer forma, o acolhimento tirando a gente da área.”


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[...] o PACS não tinha tanta burocracia, né. Não tinha tanto papel pra preencher. Antes era um cadastro de auxiliar, era uma ficha, a ficha A, que ali só tinha nome, idade, data de nascimento, a profissão e algumas doenças, né. E hoje, a gente preenche a ficha domiciliar. No domicílio, cada pessoa é uma folha frente e verso. E nunca dá pra fazer o cadastro totalmente na casa. Você tem que trazer trabalho para casa, porque a parte burocrática... Jesus! É muita cobrança. E também tem a parte das metas, meta de visitas, que a equipe tem que ter metas de atendimento, e de visita domiciliar também. É muita coisa. Pelo PACS era mais, vamos dizer, light, né. Não tinha tanta informação quanto hoje.”


ACS 18: Aí 16 horas vem para cá. E quem é do horário das 6, pega as 9 e larga às 6, fica no acolhimento. Então, assim... A Estratégia mudou muito, se falava muito da qualidade, hoje não é só qualidade que você tem que fazer, é um atropelamento... É quantidade também (...) Das metas. É estranho. Até eu conseguir lidar com isso foi horrível. A qualidade é instantânea Você pegar uma criança, fazer

aquele relatório todo com a mãe dentro de casa, tem que ficar preocupada que tem que colocar no computador. Ai de você se não colocar no computador.... Não é igual antigamente, agora você tem que fazer tudo correndo, fazer a qualidade e a quantidade. Tudo correndo. Mesmo assim eu amo a Estratégia, amo o que faço.”


A lógica quantitativa termina por nortear as ações do ACS, considerando os indicadores de monitoramento e resultado, que refletem, numericamente, o seu desempenho. Para cada indicador, há uma meta a ser alcançada, o que corrobora para a realização de VD breves e superficiais. (MOROSINI, FONSECA, 2018)

O trabalho real do ACS também é composto por atividades outras que o profissional desempenha com o intuito de ajudar, aproveitando os turnos em que se encontra na unidade:


ACS 4: A equipe acaba abraçando, gosta da ideia gosta de fazer, é por gosto mesmo. Igual é uma coisa de parte da rotina mas não seria nosso fazer o que é a esterilização, mas às vezes está corrido pra caramba e eles vem e pedem pra colocar gaze no pacotinho, sei lá, pra poder esterilizar depois, são coisas do dia a dia que vão surgindo e se você está ali, normalmente a Barbara (técnica de enfermagem) faz isso, pede você pode ajudar, você não vai sair em alguma coisa importante, você pode ficar e fazer tal coisa, normalmente é solicitado por ela e as suas rotinas de trabalho aqui dentro.”


ACS 2: “[...] eu sou formado em Educação Física, na terça-feira eu chego aqui no horário, e eu poderia fazer essas atividades com os hipertensos e diabéticos. Mas tem o Educador Físico, que ganha para isso.


ACS 7: Quando a gente fez a primeira capacitação, o que foi passado pra nós, a gente atuaria na área fazendo as visitas


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domiciliar. E, chamando essas pessoas, quando tivessem campanhas, ou qualquer coisa, a gente trazer pra cá. Eu acho que nas campanhas... nas campanhas nós temos que atuar, ajudar. Na recepção, eu acho que não... recepção é parte administrativa, a gente só faz porque... às vezes não é nem determinado, mas se a gente bater o pé e disse que não vai, a gente não vai. Mas, às vezes, a gente gosta do gestor, muitas vezes gosta dos recepcionistas, dos atendentes, aí às vezes elas estão sozinhas, por exemplo, se tem dois, faltou um, aí ligam, pedem pra gente.”


A execução de trabalhos administrativos é frequentemente citada pelo ACS e, justificada pela deficiência de técnicos administrativos para ações que envolvam o contato com o usuário. Este auxílio, acaba por sobrecarregar o ACS e reduz o tempo para realizar as próprias atividades (PEDEBOS et. al, 2018).

A intensa cobrança da população ao ACS, também força ao profissional a tomar para si atividades que competem a outros cargos, extrapolando o trabalho previsto ao seu cargo (SANTOS et. al, 2018).

O fato de o ACS residir na comunidade, a dificuldade que o usuário apresenta em separar o profissional ACS da pessoa, acaba gerando uma carga demandante do ACS mesmo quando não se encontra em horário de trabalho. O ACS acaba por incorporar estas demandas com o intuito de não ameaçar a sua credibilidade junto à população:


[...] encontraram que a credibilidade do ACS junto à comunidade está diretamente associada à resolução das demandas dos usuários e que a manutenção dessa credibilidade é dificultada por aspectos relacionados à estruturação do serviço e à inoperância do sistema de saúde (ALONSO et. al, 2018, p. 7).


Somado à dificuldade em dissociar a imagem do trabalhador e morador, a comunidade cobra ao ACS condições que vão além dos determinantes da saúde, extravasando para outros espaços de atuação de equipamentos inseridos na rede de assistência. O ACS, principalmente aqueles que não têm muita clareza do funcionamento e da estruturação da rede, muitas vezes não consegue resolver a demanda, aumentando cada vez mais o sentimento de frustração por parte do usuário e ao próprio profissional:


Também há questões que ultrapassam o alcance das ações de saúde. Condições de vida da população, como pobreza, falta de alimentos, moradia insalubre, água contaminada, lixo, são oriundas


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de determinantes socioeconômicos que fazem o ACS se sentir impotente (SAMUDIO et. al, 2017, p. 760).


No que diz respeito ao trabalho interno, a realização deste tipo de trabalho não descaracteriza o trabalho do ACS. As atribuições burocráticas, no interior da unidade, também compõem o trabalho previsto para a categoria. No entanto, a frequência com que são citadas no trabalho real é preocupante, e reflexo da redução do quantitativo de ACS que compõe cada equipe da ESF.

O que se observa em termos práticos é a diminuição do tempo disponível para o trabalho de vigilância territorial, o que, só pode ser feito uma vez presente no território. Portanto, com uma demanda burocrática cada vez mais crescente, o ACS tem permanecido de forma predominante no interior da unidade (PEDEBOS, 2018).

Este distanciamento do território, compromete o monitoramento, bem como as ações de promoção da saúde, e contribui para descompensar a condição de saúde de alguns usuários (RIQUINHO et. al, 2018):


ACS10: Situação tipo, tava trabalhando normalmente e disse: (...) minha vó está morrendo! ”. E era uma senhorinha que a gente visita porque ela é acamada e tudo. Ela sempre está na cadeirinha, sentada. E eu tive que deixar tudo e ir ajudar ela e ela tava apavorada. Ela fechou muito isso aqui e não tava conseguindo respirar. Ela tava sem oxigênio e aí a gente levantou, botou ela pra respirar. E ela não tava morrendo, ela estava passando mal, porque ela não estava conseguindo respirar. Fechou as vias aéreas.”


Considerando a contextualização realizada até o momento em torno do trabalho do ACS, é essencial trazer a luz conceitos chaves em torno do trabalho real e o prescrito, com base em Christophe Dejours.

Segundo Dejours, o trabalho prescrito corresponde ao que antecede a execução da tarefa. Assume o formato de orientação, burocratização, fiscalização e parâmetro para avaliar da qualidade da ação. Já o trabalho real é a própria execução da ação real do trabalhador e que, acaba por não abarcar a complexidade do trabalho prescrito. Portanto, o trabalho real complementa o trabalho prescrito. (ANJOS et al. 2011)

A teoria de Dejours em torno do trabalho real e o prescrito contribui para entender a realidade da concepção do próprio ACS em torno das suas atribuições, mas principalmente, contribui para entender a dificuldade que esses profissionais apresentam para descrever suas atribuições quando foram questionados sobre.


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Observa-se o intenso movimento de precarização e intensificação do processo de trabalho na ESF. Especificamente para o ACS, este fato tem contribuído para que o ACS abrace cada vez mais atribuições e tenha dificuldade em discernir o que de fato lhe compete e o que não compete.

Por fim, quando são questionados quanto à atribuição que mais atribui valor: 11 (55%) ACS citam o maior cuidado quanto à vigilância das principais linhas de cuidado (gestantes, crianças, idosos, hipertensos, diabéticos); 4 (20%) citam o cuidado com a realização dos cadastros/meta cadastral, 4 (20%) citam a ética profissional na rotina de trabalho, principalmente durante o contato domiciliar; 2 (10%) citam a VD, a presença territorial; e 1 ACS cita a análise do cartão vacinal, a escuta qualificada e o vínculo com as famílias e cadastrados.

O ACS reconhece a importância do seu trabalho de vigilância do território e associam a sua constante vigilância, principalmente voltadas às linhas de cuidado prioritárias, ao planejamento das suas ações. Entende que o seu trabalho não se resume apenas a identificação de problemas no território para que a equipe possa resolver, mas enxerga a potência que suas orientações podem ter na saúde dos seus cadastrados (PEDEBOS et al, 2018):


ACS2: Eu acho que o ACS é estar transmitindo o que existe na sua área, para seu Posto de Saúde saber... O Médico, Enfermeiro coordenador, que é nosso caso, até para Técnica, enfim... Até para recepção e tudo mais. O que existe na sua área, o que tem de problemas na sua área. Mas o ACS, em si, é um monte de coisas porque acaba sendo psicólogo, que tem gente que quer você lá só para conversar. Você não é Enfermeiro, mas a pessoa quer saber.... Aí você tem que dizer que você não é, entendeu? Você não tem capacidade para dizer que aquilo é uma doença...Mas ele quer falar com você. É criar vínculo com esse pessoal. Acho que o Agente de Saúde é mais ou menos isso.”


A estadia no território é entendida enquanto uma oportunidade importante tanto para a coleta de informações e planejamento das ações em equipe, quanto para identificar as demandas da comunidade e difundir orientações à população. Assim, a VD contribuiu para manter a boa comunicação em mão dupla: tanto da comunidade em direção ao serviço de saúde, quanto do serviço de saúde em direção à comunidade. O vínculo é reconhecido enquanto uma ferramenta que facilita a comunicação com os usuários e, mesmo após estabelecido o vínculo, é de extrema importância manter uma relação ética (PEDEBOS et al, 2018):


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ACS 1: Eu acho que é já chegar e receber as pessoas com muito amor e muito carinho, né? É a primeira coisa, você chegar e receber com amor e carinho porque é ali que elas começam a confiar em você. Do jeito que você chega, já começam a confiar. Que eles contam Você sabe a vida de todo mundo. Mas é por quê? Porque

você já chega com amor e carinho, é aquilo ali que eles estão precisando, é aquilo ali que eles não têm, o amor e carinho das pessoas. Porque você vê uns que não tem filho, não tem nada. Tem gente que não tem filho, não tem família.... Então você chega ali, você é, naquele momento, a família deles. Então, eles só têm você para conversar. Então, quer dizer.... Eles querem contar os problemas da vida, você tem que escutar. Agora, eles estão contando, você vira as costas e vai embora? No outro dia que você voltar ele já vai te receber com duas pedras na mão.”


Outro resultado aponta em direção ao tempo de atuação na ESF: 4 (20%) ACS apresentam 15 anos de atuação, seguidos por: 2 (10%) com 10 anos, 2 (10%)

com 14 anos, 2 (10%) com 16 anos, 2 (10%) ACS com 20 anos, 2 (10%) com 22 anos e por fim, um ACS com 11 anos, apresentando o mesmo valor para o tempo de 12, 13, 17, 18 e 24 anos de atuação na ESF.

A atuação madura e experiente é uma característica do ACS da ESF, aponta para a baixa rotatividade desta categoria e favorece a formação de um forte vínculo com a população (PINTO et al, 2018); (CASTRO et al, 2017).

Considerando toda a experiencia e vivência ao longo do tempo em que atua, justifica o fato de atribuírem grande valor a atribuições como a VD e aquelas que envolvem a promoção de saúde. Nos primórdios da profissão, o ACS se via menos envolvido com questões burocráticas, atuando, basicamente no território e em contato constante com a população.

Por fim, um achado importante encontrado diz respeito ao fato de que poucos profissionais 5 (25%) foram capazes de descrever as atividades prescritas para o seu cargo. Pode ser um ponto de preocupação, pois revela a pouca clareza às atribuições do próprio cargo, o que abre precedentes para a incorporação de inúmeras atribuições em seu trabalho real:


[ ] o ACS se insere em um espaço de indeterminações e incertezas,

sem definição clara de suas competências, habilidades e saberes. Os dados do estudo apontaram que essa indefinição pode estar abrindo precedentes para que elas assumam atividades que se distanciam de seu lócus de intervenção, o território vivido (RIQUINHO, et al, 2018, p. 167).


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Considerando a pouca clareza em torno do que se espera para o cargo, o ACS incorpora demandas que identifica na área, muitas das quais, fogem da sua governabilidade (SAMUDIO et al, 2017); (KRUG et al, 2017).

Além da pouca clareza em relação às próprias atribuições, o fato de ser uma profissão composta por profissionais extremamente experientes e que em seus primórdios, manteve relação com a caridade, o ACS ainda assume para si algumas responsabilidades, muito em função da solidariedade e caridade ao próximo (ALONSO et. al, 2018).


Considerações finais


Em condições ideias, o trabalho prescrito para o ACS deveria ser sinônimo do trabalho real. Assim como, todo o trabalho prescrito, deveria dialogar com a realidade vivenciada na rotina dos serviços de saúde e, consequentemente, ter a sua relevância reconhecida e valorizada pelo ACS.

No entanto, foi possível observar que existe o trabalho dicotômico do ACS: o real – composto pelas atribuições que o profissional executa na rotina de trabalho, dentro das possibilidades laborais, e o prescrito – que consta em documentos norteadores para as suas atribuições – e que, nem mesmo, é reconhecido pelo ACS, ao ser identificada a dificuldade para descrevê-lo ou, simplesmente, a falta de conforto para tal. No interior do trabalho real, o ACS atribui diferentes valores as suas atividades, ressaltando a importância da sua presença no território e em grupos educativos.

Ao analisar as atribuições presentes em sua rotina de trabalho e que, portanto, compõem o seu trabalho real, ainda observamos a predominância de ações desenvolvidas no território, ainda que não desenvolvidas com a qualidade desejada pelo ACS, por se tratar de VD puramente burocráticas e com viés quantitativo. Assim, a visita do ACS perde, cada vez mais, a essência do acompanhamento e vigilância territorial, fruto da significativa presença das ações burocráticas em sua rotina de trabalho.

Outro ponto que chama a atenção é o desempenho de atividades pertencentes a outras categorias profissionais, entre elas, atividades assistenciais - majoritariamente vinculadas a categoria da enfermagem - e a maior integração e


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fusão de atribuições com os agentes de endemias. A presença destas práticas em sua rotina, é a prova de que muitas das alterações presentes no texto da PNAB 2017, já estão sendo praticadas pelo ACS.

Tais achados, abrem precedentes para que o ACS sofra intensas modificações em sua atuação basilar, tendo a sua atuação raiz – enquanto promotores de saúde – sendo deslocada para uma atuação assistencialista e burocrática. Este movimento gera uma sobrecarga do ACS e corrobora com um dos achados do presente estudo: a dificuldade, que o próprio profissional refere, em relatar as atividades previstas ao seu cargo.

Outra variável analisada é o tempo em que este profissional atua enquanto ACS e a influência desta experiência em torno da percepção das suas atribuições enquanto ACS. A ESF é composta majoritariamente por ACS experientes – com mais de 10 anos de atuação. O ACS, apesar das constantes e intensas reformulações direcionadas ao cargo, valoriza as suas raízes, que envolve a atuação territorial e ações de promoção da saúde, em detrimento das atividades burocráticas e no interior da unidade.


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