V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X
A ESCOLA ÚNICA DO TRABALHO E A EXPERIÊNCIA EDUCACIONAL DE
MOISEY M. PISTRAK: REFLEXÕES SOBRE O LEGADO DA PEDAGOGIA
SOCIALISTA SOVIÉTICA1
Marilei Leal da Cruz2
Franciele Soares dos Santos3
Resumo
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o legado da Pedagogia Socialista Soviética, principalmente no que se
refere à compreensão da necessidade da relação entre trabalho e educação na formação humana. As reflexões
pautam-se no estudo dos princípios e dos fundamentos da Escola Única do Trabalho, bem como da experiência
educacional desenvolvida por Moisey M. Pistrak. Como resultado, destacamos que legados importantes
deixados pela Pedagogia Socialista Soviética, pois apresenta caminhos para repensarmos a relação trabalho,
educação e ensino na atualidade.
Palavras-chave: Trabalho e educação; Pedagogia Socialista Soviética; Escola Única do Trabalho; Moisey M.
Pistrak.
LA ESCUELA LABORAL ÚNICA Y LA EXPERIENCIA EDUCATIVA DE MOISEY M. PISTRAK: REFLEXIONES
SOBRE EL LEGADO DE LA PEDAGOGÍA SOCIALISTA SOVIÉTICA
Resumen
Este artículo trata del legado de la Pedagogía Socialista Soviética, especialmente en lo que respecta a la
comprensión de la necesidad de la relación entre el trabajo y la educación en la formación humana. Las
reflexiones se basan en el estudio de los principios y los fundamentos de la Escuela Única de Trabajo, así como
en la experiencia educativa desarrollada por Moisey M. Pistrak. Los resultados demuestran que hay importantes
legados dejados por la Pedagogía Socialista Soviética, porque presenta en el camino de repensar la relación
entre el trabajo, la educación y la enseñanza hoy.
Palabras clave: Trabajo y educación; Pedagogía Socialista Soviética; Escuela Única del Trabajo; Moisey M.
Pistrak.
THE SINGLE LABOR SCHOOL AND MOISEY M. PISTRAK'S EDUCATIONAL EXPERIENCE: REFLECTIONS
ON THE LEGACY OF SOVIET SOCIALIST PEDAGOGY
Abstract
This paper deals with the legacy of Soviet Socialist Pedagogy, especially in relation to the understanding of the
need for the relationship between labor and education in human formation. The reflections are based on the study
of the principles and the foundations of the Single School of Labor, as well as the educational experience
developed by Moisey M. Pistrak. The results show that there are important legacies left by Soviet Socialist
Pedagogy, as it presents ways to rethink the relationship between labor, education, and teaching today.
Keywords: Labor and Education; Soviet Socialist Pedagogy; Single School of Labor; Moisey M. Pistrak.
3Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas-UFPel. Professora do curso de Pedagogia e do
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
E-mail: sfrancielesoares@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8310447915314417.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5115-0127.
2Mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Professora de Educação Infantil
efetiva no município de Marmeleiro-PR. E-mail: marileileal2015@outlook.com.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8498079368133214. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0045-2990.
1Recebido em 27/07/2022. Primeira avaliação: 12/08/2022. Segunda avaliação: 17/08/2022. Aprovado em
17/09/2022. Publicado em 11/10/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i4.55379.
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Introdução
Buscar compreender o legado que a Revolução Russa nos deixou, por meio
de um arcabouço teórico e prático de experiências educativas que culminaram na
construção da Pedagogia Socialista Soviética, é um grande desafio, especialmente
no contexto atual. De acordo com Bahniuk e Dalmagro (2021), o período
pós-revolucionário foi marcado pela existência simultânea entre as velhas e as
novas políticas e relações sociais. A Revolução estava permeada de contradições,
pois a Rússia e as demais nações que formavam a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) buscavam, em meio ao restante do mundo capitalista, a
construção do socialismo. Além disso, o país vivia uma situação de desordem
econômica, política e social, fome, pobreza, atraso industrial, analfabetismo, entre
outras limitações, herdadas do imperialismo czarista. Portanto, para construir uma
nova sociedade, os revolucionários enfrentaram muitos desafios, o que exigiu
persistência, criatividade e muito trabalho. Esses dedicaram atenção especial às
crianças e aos jovens, investindo no desenvolvimento da Pedagogia Socialista
Soviética, a qual procurou a articulação entre o trabalho, a educação e o ensino,
possibilitando a participação de todos na vida social e política.
A educação, desse modo, teve uma função fundamental, estando à serviço da
construção do socialismo. O Comissariado do Povo para a Educação (Narkompros)
desenvolveu um árduo trabalho no enfrentamento do analfabetismo, na organização
das escolas, na formação dos professores, na organização dos coletivos infantis e
da juventude, bem como na articulação do ensino com o trabalho produtivo
socialmente útil, por meio da construção da Escola Única do Trabalho.
Considerando a educação como prioridade, os revolucionários iniciaram uma
campanha nacional para a alfabetização, visto que o alto índice de analfabetos no
país impedia o acesso ao conhecimento, à cultura e à ciência. Com isso, foi
realizado um grande investimento na educação, nunca feito, além do
desenvolvimento de uma pedagogia fundamentada no materialismo
histórico-dialético.
Diante disso, dois são os objetivos centrais neste texto: (i) refletir sobre o
legado da Pedagogia Socialista Soviética, principalmente no que se refere à
compreensão da necessidade da relação trabalho e educação na formação humana,
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a partir do estudo dos princípios e fundamentos da Escola Única do Trabalho, e
sobre a proposta educativa e experiência educacional de Moisey Mikhaylovich
Pistrak (1888-1937); (ii) e situar, mesmo que brevemente, a relevância do legado da
Pedagogia Socialista Soviética, reafirmando a sua importância para o avanço da
pedagogia marxista e para o enfretamento da Pedagogia do Capital na atualidade.
Para tanto, realizamos o estudo de alguns dos documentos históricos escritos
pelo Comissariado do Povo para a Educação (Narkompros), presidido até 1929 por
Anatoli Vassilievitch Lunatcharsky (1875-1933). Esses documentos estão anexados
ao livro A Construção da Pedagogia Socialista (2017), de autoria de Nadezhda
Konstantinovna Krupskaya (1869-1939). Além disso, revisitamos as principais obras
escritas por Moisey Pistrak, a saber: Fundamentos da Escola do Trabalho (2003a,
2018b) e A Escola-Comuna (2009).
A fim de apresentarmos o resultado dessa investigação, na primeira parte do
texto, abordamos aspectos relacionados aos princípios e aos fundamentos que
foram determinantes para o processo de organização da proposta da Escola Única
do Trabalho. Na segunda parte, explicitamos a experiência coordenada e
desenvolvida por Moisey M. Pistrak na Escola-Comuna Lepeshinsky, assinalando a
importância das categorias pedagógicas que reforçam a relação trabalho e
educação como elemento fundamental que liga a prática educativa à vida, e que,
portanto, deveriam ser constituintes da nova forma escolar. Nas considerações
finais, reforçamos a necessidade de a pedagogia socialista soviética ser conhecida,
apropriada e potencializada na atualidade, bem como ressaltamos a sua importância
para o avanço da pedagogia marxista e para o enfretamento da Pedagogia do
Capital na atualidade.
Princípios e fundamentos da Escola Única do Trabalho
Freitas (2012) esclarece que a terminologia Escola Única do Trabalho estava
vinculada à ideia de uma a escola comprometida com a construção de uma nova
sociedade, sendo um instrumento a favor da conscientização e da emancipação da
classe trabalhadora. Os termos única etrabalho indicavam, respectivamente, a sua
não dualidade, ou seja, uma forma de organização escolar e curricular comum a
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todos, e a compreensão do trabalho como princípio educativo, com ênfase na
formação politécnica.
Antes mesmo da Revolução, os pedagogos socialistas pensavam sobre a
construção de uma nova escola. Esse movimento se tornou ainda mais forte com a
tomada de poder pela classe trabalhadora, em outubro de 1917. No centro das
discussões sobre a criação e a organização da nova escola, a educadora socialista
Krupskaya reforçava a necessidade da transformação da escola do ensino em
escola do trabalho de caráter politécnico. Ao refletir sobre o processo de construção
da escola socialista, Krupskaya denunciava que a escola pública destinada aos
trabalhadores até então estava pautada na ciência livresca, isolada da vida e
pregava o culto ao Estado burguês: “[...] em poucas palavras, a tarefa da escola
pública é manter os estudantes com a moral burguesa, diminuir sua consciência de
classe, fazer deles um rebanho obediente, fácil de controlar” (KRUPSKAYA, 2017, p.
68). De acordo com a pedagoga socialista, a escola do trabalho somente prosperaria
diante de uma democracia operária, caso contrário, permaneceria contra os
interesses da classe trabalhadora.
Os educadores socialistas compreenderam a necessidade da organização de
uma escola que rompesse com a forma histórica escolar capitalista, pois as
propostas da Pedagogia Socialista Soviética tinham como um de seus objetivos
principais repensar o trabalho pedagógico e construir uma antítese à forma escolar
naquele contexto histórico, mesmo com limites e contradições, com vistas à sua
transformação. Logo após a Revolução, foram criados vários órgãos educacionais
que tratavam das questões relacionadas à educação: O Ministério da Educação
Nacional; A Comissão Estatal para a Educação; O Comitê Executivo dos Sovietes; O
Comitê Estatal para a Educação Nacional; e a Assembleia Constituinte (FREITAS,
2020). Os documentos históricos produzidos pelo Comissariado da Educação do
Povo expressam a compreensão da importância da educação pelo trabalho na
formação humana e para a construção da nova sociedade socialista, entre os quais
citamos: a Proclamação do Comissário do Povo para a Educação (1917); a
Deliberação do Comitê Executivo Central de Toda a Rússia (1918); e a Declaração
sobre os Princípios Fundamentais da Escola Única do Trabalho (1918).
Na Deliberação do Comitê Executivo Central de Toda a Rússia (1918),
documento que aborda o regulamento sobre a Escola Única do Trabalho da
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República Socialista Federativa Soviética, o primeiro artigo esclarece que: “É
atribuído o nome Escola Única do Trabalho a todas as escolas da República
Socialista Federativa Soviética, que estejam na jurisdição do Comissariado do Povo
para a Educação, com exceção das instituições de ensino superior.” (CVERDLOV et
al., 2017). Nesse mesmo documento, a partir do artigo 12º, encontramos os
princípios fundamentais da escola do trabalho e da relação entre trabalho e
educação:
Artigo 12°. Na base da vida escolar deve estar o trabalho produtivo,
não como meio de pagamento dos gastos de manutenção das
crianças e não como método de ensino, mas especialmente como
trabalho produtivo socialmente necessário. Ele deve ser fortemente
organizado em ligação com o ensino, lançando a luz do
conhecimento a toda a vida circundante. Gradualmente sendo cada
vez mais complexo, devendo ir além do entorno imediato da vida da
criança, o trabalho produtivo deve familiarizar a criança com uma
ampla variedade de formas de produção, até as mais complexas
(CVERDLOV et al., 2017, p. 278-279).
No inciso 1, o artigo afirma que o trabalho assume um princípio educativo se
for criativo, alegre, livre de violência física e psicológica contra a personalidade dos
estudantes, bem planejado e organizado socialmente. No inciso 2, repudia a antiga
forma repressiva de disciplinamento, pois, na nova escola, o trabalho tem o papel de
educar e formar nas crianças uma disciplina saudável, com senso de
responsabilidade e coletividade. Dessa forma, “[...] as crianças têm participação viva
em todos os processos de trabalho da vida escolar, entre os quais as questões de
organização que surgem da divisão do trabalho e que devem desempenhar um
papel educativo muito importante” (CVERDLOV et al., 2017, p. 279).
Com isso, entendemos que o trabalho coletivo e a participação efetiva das
crianças e dos jovens na organização de todo ambiente escolar eram as bases da
formação daquela e das futuras gerações da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas. Podemos notar que, desde o início, o trabalho como princípio educativo
era um elemento central na construção da Pedagogia Socialista Soviética.
Outro documento importante é a Declaração sobre os Princípios
Fundamentais da Escola Única do Trabalho (1918), de autoria de Lunatcharsky, que
apresenta as mudanças e as principais características das novas escolas soviéticas,
ocasionadas pela reforma educacional após a revolução. O Comissário do Povo
para a Educação, órgão responsável pela educação na reorganização estatal,
ressalta que os resultados não seriam imediatos, pois a realidade naquele primeiro
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momento era muito crítica. De acordo com Lunatcharsky (2017b), os obstáculos
eram vários, a exemplo do número insuficiente de instituições de ensino, professores
despreparados, dentre outras dificuldades herdadas da antiga escola. Os esforços
eram grandes, e a relação do Comissariado com parte do magistério reacionário era
conflituosa, o que tornava a complexa tarefa de reformar a escola ainda mais difícil,
pois, para que isso acontecesse, era necessário o comprometimento de todos. O
autor ainda comenta que, inicialmente, a reforma seria parcial, mas as mudanças
continuariam acontecendo até se chegar a uma escola realmente popular. Para ele:
A reforma da escola, depois da Revolução de Outubro, tem
obviamente o caráter de um ato de luta das massas pelo
conhecimento, pela educação. O Comissariado da Educação deve, o
mais rapidamente possível, destruir os privilégios de classe também
neste campo, que talvez seja o mais importante. A questão não está
em apenas torná-la acessível para todos na forma como ela é, pois
que assim como ela foi feita pelo regime passado, ela não serve para
as massas trabalhadoras. Trata-se de sua reconstrução radical no
espírito de uma escola verdadeiramente popular (LUNATCHARSKY,
2017b, p. 286).
Do ponto de vista dos educadores socialistas, a nova escola, além de ser
gratuita e acessível, deveria ser única e do trabalho. Contudo, destaca-se no
documento que a escola não deve ser única em todos os níveis horizontalmente,
mas precisava ser única verticalmente. Isso quer dizer que os estudantes tinham
aptidões e disposições diferentes, mas que todos deveriam cursar disciplinas
entendidas como unificadoras da formação e do ensino. A Escola Única do Trabalho
não era encarada como um centro de treinamento profissionalizante, capaz de
formar os sujeitos para desempenhar apenas um ofício na sociedade. Os
educadores socialistas defendiam a educação politécnica, que proporcionava às
crianças, “[...] na prática, o conhecimento dos métodos de todas as mais importantes
formas de trabalho, em parte na oficina escolar ou na fazenda escolar, em parte nas
fábricas, usinas e semelhantes” (LUNATCHARSKY, 2017b, p. 290). Podemos
considerar que o trabalho seria o eixo articulador da escola, por meio do qual as
crianças se familiarizavam com o meio ambiente natural e social. De acordo com
Freitas (2017, p. 09), “para os pedagogos deste período, a escola deveria estar
envolvida na criação da nova vida social, cujas possibilidades estavam sendo
abertas pela revolução; portanto, deveria se envolver profundamente na formação
de um novo ser humano imerso na vida social”.
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Na Escola Única do Trabalho, a aprendizagem ativa e a autonomia dos
estudantes eram elementos fundamentais. As crianças conduziam projetos e
pesquisas individuais e em grupo, porém, é importante destacar que todas essas
atividades eram realizadas com a mediação e a supervisão dos professores e dos
colegas mais velhos. Todos os trabalhos feitos pelos alunos tinham conteúdo
relevante e objetivo, e as ações dos professores continham intencionalidade
pedagógica, que a escola do trabalho precisava ser ativa e criativa, mas não
espontaneísta e superficial.
Nos períodos de trabalhos livres, os estudantes faziam suas pesquisas,
composições, modelos, desenhos, pinturas, coleções. Conforme a escolarização
avançava, as disciplinas ocupavam espaço ao lado da enciclopédia, sendo que as
disciplinas representavam o estudo sistemático ministrado por professores
especializados. No primeiro nível, a enciclopédia infantil era formada por jogos,
passeios, palestras, teatros, excursões, aulas teóricas, práticas e em laboratórios,
atividades de desenho, pintura e colagem, realizadas de maneira individual e
coletiva. No segundo nível, a apropriação sistematizada do conhecimento se torna a
principal atividade, mas sem deixar de lado a enciclopédia infantil
(LUNATCHARSKY, 2017b).
Para Lunatcharsky, nos níveis mais altos de ensino, priorizava-se o estudo da
cultura humana em ligação com a natureza. A metodologia era pensada e efetivada
por meio da apropriação pelo trabalho, ou seja, os conteúdos eram estudados não
somente a partir da teoria, mas também combinados com o trabalho. Como dito
anteriormente, o trabalho era muito valorizado e sua prática levada a sério. Na
Declaração, fica evidente que o trabalho é a base do ensino na nova escola, “[...]
devendo ser trabalho verdadeiramente produtivo, com participação verdadeira do
estudante na vida econômica do país” (LUNATCHARSKY, 2017b, p. 294). Contudo,
o autor indica que o trabalho não poderia representar riscos à saúde das crianças e
dos jovens. O trabalho desenvolvido nas escolas deveria ser de natureza politécnica,
possibilitando a aprendizagem dos fundamentos científicos de vários ramos da
produção, assim como a base das ciências sociais e naturais.
Além da categoria pedagógica trabalho, o plano de estudos contemplava
disciplinas estéticas (modelagem, desenho e pintura, composição, canto e música),
capazes de desenvolver a criatividade, a fantasia, a memória, a atenção, a
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habilidade. A música, por sua vez, estava conectada ao aprimoramento do ouvido,
apreciação dos sons. Nesse sentido, Lunatcharsky (2017b, p. 296) destacava a
importância da educação estética como responsável pelo desenvolvimento dos
órgãos dos sentidos e habilidades criativas, pois “[...] a educação científica e do
trabalho sem este elemento estaria sem alma, porque a alegria da vida em apreciar
e criar é o objetivo final tanto do trabalho, como da ciência”. Da mesma forma, o
autor pontua que o princípio do trabalho estimula o desenvolvimento físico das
crianças. Essa função, contudo, é mais trabalhada com o exercício da ginástica, das
modalidades esportivas e dos jogos, desenvolvendo a força, a agilidade, e a
habilidade, no sentido das ações sociais. Outra questão importante para os
pedagogos soviéticos era a alimentação saudável e o bem-estar dos estudantes,
que contavam com acompanhamento médico.
A organização da rotina das crianças era pensada de modo que a duração
das aulas ou dos trabalhos programados se estendesse em torno de quatro horas
diárias no primeiro nível e até seis horas no segundo nível, sendo o restante do
tempo destinado a atividades livres e descanso dos alunos no ambiente escolar. Por
conta das condições climáticas na URSS, com muita neve e baixas temperaturas, o
ano letivo era dividido da seguinte forma: no inverno, eram realizadas atividades
usuais; no verão, os trabalhos aconteciam ao ar livre, no estilo agrícola.
O desenvolvimento das habilidades pessoais contribuiria para a construção
coletiva, uma vez que a individualidade dos estudantes deve ser respeitada, porém,
a coletividade e a luta pelo bem comum precisavam estar acima das aspirações
individuais. Outros objetivos da nova escola eram o de diminuir a quantidade de
alunos atrasados e ser comum para todos, sem distinção de gênero.
A Declaração sobre os Princípios da Escola Única do Trabalho ainda registra
outra categoria importante, a da auto-organização, sem a qual não seria possível o
desenvolvimento da autonomia, da coletividade e do senso de responsabilidade, por
exemplo. Segundo Lunatcharsky (2017b, p. 303-304), a auto-organização dos
estudantes é dividida em três aspectos:
Primeiro, a participação dos estudantes nos conselhos
administrativos das escolas, de acordo com as regras indicadas na
Deliberação sobre a Escola Única. Segundo, esta auto-organização é
de grupos puramente de estudantes. [...] A classe ou qualquer outro
grupo de estudantes deve auto-organizar toda a massa. Para isso,
organiza-se o maior número possível de postos de trabalho. [...]
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Esses cargos não devem ser de longa duração. As crianças devem
responder por eles de um dia até duas semanas. A mudança deve
acontecer pela ordem ou por sorteio. [...] Terceiro, aos estudantes
deve ser dada completa liberdade na questão da organização de
qualquer tipo da sociedade temporária ou contínua. Deixe-os
organizar círculos científicos, redação de jornais, clubes políticos,
sociedades para organizar exposições, para esporte para
organização de bailes, espetáculos, corais, orquestras etc.
A Declaração tinha função de estabelecer um tipo comum de escola,
enfatizando que a realização dos planos elaborados depende dos recursos
financeiros vindos do Estado e do nível de preparação dos professores. Para colocar
os professores em contato com os princípios e o método de ensino da escola do
trabalho, foram organizados cursos de formação para esses profissionais,
estimando-se um período de quatro anos até que todos os educadores pudessem
cursá-los. Foi a partir desses princípios e fundamentos que o Estado soviético
incentivou a criação de escolas do trabalho demonstrativas, também conhecidas
como Escolas-Comunas, que serviam como experiência para o desenvolvimento de
organização e gestão da nova escola.
Moisey M. Pistrak foi um dos educadores que contribuiu no processo de
construção e de materialização dos princípios da Escola Única do Trabalho, nas
experiências que coordenou no âmbito das Escolas-Comunas. A partir da próxima
seção, explicitamos a experiência coordenada e desenvolvida por Moisey M. Pistrak
na Escola-Comuna Lepeshinsky.4Ao fazermos isso, assinalamos a importância das
categorias pedagógicas, destacando como essas retomam a concepção
revolucionária de educação e de formação humana presentes nos escritos
marxianos e como reforçam a relação entre trabalho e educação como elemento
fundamental que liga a prática educativa à vida, e que, portanto, devem ser
constituintes da nova forma escolar.
4As Escolas-Comunas se configuravam como “[...] um local de agregação de grandes e experientes
educadores que se dedicavam a criar as novas formas e conteúdos escolares sob o socialismo
nascente com a finalidade de transferir conhecimentos para as escolas regulares, de massa”.
(FREITAS, 2009, p. 13-14). De acordo com a Enciclopédia Pedagógica Russa citada por Freitas
(2009, p. 14), “Lepeshinsky fundamentou o modelo de Escola-Comunas como instituição de ensino de
novo tipo, isto é, comunidade constituída por princípios de autodireção, autosserviço e organização
de uma ‘forma inteligente de trabalho’”.
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Proposta e experiência educacional de Moisey M. Pistrak
Moisey Mikhailovich Pistrak, educador e militante nascido em 1888, foi um dos
educadores responsáveis pela elaboração e organização da Pedagogia Socialista
Soviética. Pistrak, atuou ativamente durante as duas primeiras décadas da
Revolução Russa (1917-1931), na construção da Escola Única do Trabalho e no
desenvolvimento da pedagogia marxista. Era doutor em Ciências Pedagógicas,
professor e membro do Partido Comunista. Entre 1918 e 1931, trabalhou no
Narkompros, e, no mesmo período, conduziu por cinco anos a Escola-Comuna do
Narkompros, chamada Lepeshinsky. De 1931 a 1936, trabalhou no Instituto de
Pedagogia do Norte do Cáucaso, sendo, em 1936, diretor do Instituto Central de
Pesquisa Científica de Pedagogia, junto ao Instituto Superior Comunista de
Educação (FREITAS, 2018).
Sob a direção de Pistrak, a Escola-Comuna Lepeshinsky foi a que mais se
destacou, apresentando os primeiros resultados da nova organização escolar
socialista. Ainda que pequeno, o progresso era visível. Com criatividade e muito
esforço, o pedagogo russo tratava principalmente dos problemas educacionais, dos
métodos de ensino e do papel do trabalho como o cerne da nova escola soviética,
pois a escola em construção também fazia parte do projeto de transformação social.
Portanto, suas reflexões foram embasadas em sua prática de professor e militante
socialista que desejava construir uma proposta pedagógica direcionada aos
interesses da sociedade comunista.
Em 1924, escreveu “Os problemas fundamentais da Escola do Trabalho”, em
que apresentou elementos essenciais para a compreensão da proposta educacional
socialista. Segundo Pistrak (2018), para o desenvolvimento de uma educação
baseada nos fundamentos do socialismo, torna-se necessária a compreensão de
três elementos centrais: a) sem teoria pedagógica revolucionária não pode haver
prática pedagógica revolucionária; b) a teoria marxista é a teoria da transformação;
c) a teoria pedagógica comunista se tornará ativa e eficaz quando o próprio
professor assumir o papel de um militante social ativo no seio da nova escola.
Para ele, a teoria pedagógica revolucionária é a teoria marxista, a qual o autor
denomina, ao longo de sua obra, de a teoria da transformação. Em Pistrak, é
imprescindível a instrumentalização dos alunos com o ensino do conhecimento
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científico e da filosofia marxista, pois somente assim a classe trabalhadora poderia
almejar a transformação social.
Os fundamentos teóricos da proposta educativa de Moisey Pistrak estavam
conectados às teses pedagógicas de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895), sendo essas suas principais influências. Com base na teoria desses
autores, Pistrak foi um dos responsáveis pela criação e realização das primeiras
experiências educativas de caráter socialista. O educador russo buscou nos escritos
de Marx e Engels sobre trabalho e educação os fundamentos para a construção das
experiências educativas no contexto pós-revolucionário na Rússia.
Como vimos anteriormente, a grande questão debatida pelos pedagogos
socialistas soviéticos era sobre como deveria ser organizada a escola do trabalho
soviética após a concretização da revolução. Assim como a nova sociedade
socialista nasceu das ruínas do regime capitalista russo, a nova escola também
surgiria por meio do anseio pela superação da forma escolar burguesa. Para ir além,
os educadores soviéticos defendiam um novo conteúdo, uma nova forma de
organização pedagógica, com novas finalidades educativas.
No contexto das Escolas-Comunas, temas importantes como o trabalho e a
auto-organização foram experienciados sob o ponto de vista revolucionário da
classe operária. Além disso, Pistrak (2018) afirma que a escola precisa ter
finalidades socio pedagógicas, elencando categorias pedagógicas que formavam a
base da escola do trabalho: a estreita ligação com a atualidade daquele período
histórico, ou seja, a própria revolução; o trabalho como princípio educativo; e a
auto-organização dos estudantes. Em síntese, a atualidade significava a luta contra
o imperialismo capitalista, na busca pela solidificação da revolução, que era a
construção de uma sociedade sem classes sociais. Com isso, ao mesmo tempo em
que estuda a atualidade, a escola também tem o poder de transformá-la. Dessa
forma, o autor explica:
Atualidade é tudo aquilo que na vida social de nosso tempo tem
requisitos para crescer e se desenvolver, que se reúne em torno da
revolução social vitoriosa e servirá para a construção da nova vida.
Mas a atualidade também é aquela fortaleza capitalista contra a qual
a revolução mundial conduz o cerco. Em resumo, a atualidade é o
imperialismo em sua última fase e o poder soviético como ruptura no
front do imperialismo, como brecha na fortaleza do capitalismo
mundial [...] A atualidade deve ser compreendida como luta que se
trava na brecha que foi aberta; toda esta luta será ampliada,
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exacerbada e crescerá enquanto a vitória não vem pela revolução.
(PISTRAK, 2018, p. 42).
Para educar pela atualidade, a escola precisava estar devidamente
organizada, necessitando realizar um trabalho formativo com conteúdos diferentes
daqueles lecionados na escola burguesa. A atualidade, antes ofuscada pelos velhos
métodos da escola classista, naquele momento assumia a questão fundamental a
ser entendida. Para isso, todo o trabalho pedagógico deveria estar focado no estudo
da atualidade, compreendendo os fenômenos sociais a partir do ponto de vista
marxista, de forma a romper com os antigos valores da velha escola.
A revisão dos conteúdos escolares para a escola do trabalho foi definida pela
atualidade daquele período, que era a revolução socialista. A construção da
pedagogia soviética aconteceu ao mesmo tempo em que os educadores socialistas
se esforçavam para se distanciar das práticas do antigo programa, o que implicava
um novo método de estudo, como destaca Pistrak (2018, p. 45):
O objetivo da escola não é apenas conhecer a atualidade, mas
dominá-la. E aqui os métodos antigos de ensino são inúteis. É
preciso tomar os fenômenos em suas relações mútuas, nas
interações e dinâmica; é preciso demonstrar que os fenômenos da
atualidade são parte essencial de um mesmo processo histórico
geral de desenvolvimento; é preciso esclarecer a essência dialética
do meio que nos cercam.
O autor se refere ao materialismo histórico-dialético como o método de
análise que possibilita conhecer a essência dialética do processo histórico geral do
desenvolvimento do mundo humano, algo que é possível por meio do estudo dos
fenômenos e das suas relações que formam a totalidade social. Esse é um dos
elementos que torna a pedagogia socialista essencialmente marxista, pois os
pedagogos soviéticos utilizavam-se desse método para promover o ensino. Assim,
entendemos que a finalidade da Pedagogia Socialista Soviética era a mesma da
revolução social: a transformação da sociedade. Nesse contexto, para o educador
socialista, a escola deve se assumir como parte integrante da atualidade,
demonstrando para as crianças e os jovens que eles também fazem parte dessa
luta. Isso significa que todos devem ter uma militância ativa, e, nessa batalha, a
arma mais importante é o conhecimento. Desse modo, “cada estudante deve
tornar-se um lutador e um construtor. A escola deve esclarecer a ele para quê,
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contra quem e por quais formas ele deve lutar, o que e como ele deve construir e
criar” (PISTRAK, 2018, p. 47).
Para desenvolver a auto-organização, as crianças precisavam passar por uma
série de experiências organizativas nos mais variados órgãos. Cada estudante
deveria saber dirigir as tarefas coletivas com a criatividade exigida para cada
momento, mas também precisava aprender a se subordinar aos seus colegas. De
acordo com Pistrak, tudo isso tem de ser encarado com discernimento e
responsabilidade por cada criança e cada jovem. Nesse sentido, a auto-organização
dos estudantes é um instrumento de formação e um meio para alcançar os objetivos
da escola. Para entender melhor sobre o significado da auto-organização, Pistrak
(2018) explica dois pontos importantes: o primeiro é que a constituição dos coletivos
infantis é a base para a existência da auto-organização, pois esses órgãos
desenvolvem a noção de coletividade, ao mesmo tempo em que unem as crianças
em prol de um interesse coletivo; o segundo ponto elencado pelo pedagogo se
refere às diversas formas de auto-organização dos estudantes, englobando todos os
momentos em que as crianças se organizam coletivamente para tratar de assuntos,
por exemplo, passeios, apresentações, recepções, pesquisas, trabalhos
pedagógicos, entre outros temas que fazem parte da vida em grupo. Tudo isso
contribui de maneira significativa no desenvolvimento infantil, além de acrescentar
ao trabalho educativo.
Nas obras desse autor, podemos perceber a ênfase à conexão entre a escola
e a vida, o que reafirma ainda mais a Pedagogia Socialista Soviética como uma
pedagogia social. Se a atualidade é definida por Pistrak como o estudo da realidade
atual vivida e as pessoas como protagonistas dessa história, então podemos
entender a atualidade como o estudo da luta de classes travada historicamente entre
a burguesia e o proletariado. Logo, o trabalho se torna o elemento central, pois a luta
é justamente pela construção de uma nova sociedade, sem a existência de classes
sociais e com formas sociais de trabalho mais justas. Dessa maneira, o trabalho
também ocupa papel fundamental na escola, adentrando “[...] como um elemento
social e socioeducativo, unificando ao redor de si todo o processo
formativo-educativo” (PISTRAK, 2018, p. 56).
Na proposta educativa e escolar de Pistrak (2018), o trabalho era
compreendido como elemento constituinte do ser humano, princípio educativo, e
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condição necessária à emancipação humana e à formação omnilateral. Dessa
forma, as Escolas-Comunas por ele coordenadas tinham como princípios-chave o
trabalho, a auto-organização e a atualidade, sendo praticados desde o início do
processo de escolarização.
O trabalho começou a ser introduzido nas escolas por meio de níveis
crescentes de complexidade, que variavam de acordo com a idade e a disposição
física das crianças: primeiro, o autosserviço formava hábitos de organização e de
higiene; segundo, o trabalho nas oficinas com diferentes tipos de materiais; e
terceiro, o trabalho fabril, que era visto como aquele que mais adentrava na
atualidade e por isso estava no núcleo do processo educativo. Nesse sentido, todo o
trabalho desenvolvido era de cunho socialmente útil, mas, para que isso ocorresse,
a escola precisava estar ligada à atualidade e os estudantes devidamente
auto-organizados.
O trabalho sob forma de autosserviço foi uma necessidade que nasceu em
razão da condição miserável de existência das comunas, algo que passou a fazer
parte do sistema educativo e formativo dos estudantes e professores. Nas palavras
do autor:
[...] de um lado, é necessidade, causada pelas condições materiais
de existência. [...]. Por outro lado, independentemente das condições
materiais, nós transferimos para as mãos das crianças este ou
aquele trabalho, particularmente aquele que ou tem caráter de
autosserviço pessoal (arrumação da cama, remendos, costura parcial
etc.), ou que espaço para iniciativa e criatividade (mutirão de fim
de semana, trabalhos de massa), ou que são úteis pelas condições
de trabalho, para a saúde das crianças (participação moderada nos
trabalhos rurais no verão). [...] o trabalho em autosserviço reduz-se
ao seguinte: limpeza do prédio, trabalho na cozinha, na cantina,
organização da sauna e cuidados com a lavanderia,calefação do
prédio, organização da sala hospitalar e ambulatório, entre outros
tipos de trabalho (PISTRAK, 2009, p. 219-223).
O princípio de autosserviço - organização e comprometimento na execução
das tarefas de cada membro - envolve toda a comunidade escolar, pois se um
integrante não fizer seu trabalho bem-feito, compromete toda a organização da
comuna, atrasando o andamento das tarefas e dos trabalhos diários. Para realização
do serviço, eles eram divididos em grupos de 3 a 5 crianças, contando com um
monitor em cada grupo responsável por acompanhar o trabalho realizado. As tarefas
englobavam desde serviços domésticos a trabalhos no campo.
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Para Pistrak, o autosserviço se remete ao trabalho mais simples, de menor
complexidade laboral. Em contrapartida, ao mesmo tempo em que ele apoiava a
prática do autosserviço, também defendia a necessidade de realização de trabalhos
mais complexos nas Escolas-Comunas. Dessa forma, o autosserviço servia como
um ponto de partida ou como uma base para os trabalhos que poderiam ser
desenvolvidos para além de tarefas simples, pois o autosserviço precisava ir
ganhando complexidade. A questão estava em formar, começando pelos trabalhos
mais simples, por meio das mais variadas práticas de trabalho socialmente útil, de
maneira que interligassem os conteúdos escolares com a realidade social.
Pistrak (2018, p. 72) alertava também, para o fato de que o autosserviço
poderia dar uma noção desagradável do trabalho para os educandos, ou seja,
segundo o educador, uma das limitações do autosserviço era quando este
transformava o trabalho em um “[...] fardo pesado, às vezes pequenos trabalhos
forçados, desenvolvendo aversão para com ele, o desejo de livrar-se mais depressa
da obrigação desagradável, isto é, atinge-se em verdade um resultado contrário”.
Por outro lado, também destacava a potencialidade do autosserviço, ao afirmar que
este desenvolvia uma série de hábitos culturais importantes para o “novo modo de
vida” presente no socialismo nascente. Assim, de acordo com Pistrak (2018, p. 72)
“[...] é preciso examinar o autosserviço com este ponto de vista de luta por uma
etapa superior ou, mais exatamente, com uma base para o desenvolvimento desta
etapa superior de modo de vida cultural”.
A autodireção era necessária principalmente para desenvolver a autonomia
nos estudantes. Era também uma forma de organizar a vida dos alunos, e,
posteriormente, apoiá-los nas suas decisões e direções a serem tomadas fora do
ambiente escolar. Por meio do Comitê Executivo (depois transformado em Comitê
Organizacional), órgão de autodireção dos estudantes, eles participavam e
opinavam nas reuniões que tratavam sobre os diversos assuntos ligados à
comunidade escolar.
Todas as crianças se envolviam na direção e organização do trabalho escolar.
Era “[...] a ideia básica da autodireção: autonomia razoável e real dos estudantes na
esfera da sua vida espiritual, física e social” (PISTRAK, 2009, p. 262) na construção
da nova escola para a nova sociedade, mediada pelo trabalho como princípio
educativo e diretivo. Portanto, a tarefa da escola é, “[...] de forma organizada,
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conduzir as crianças no meio ambiente social. [...] É preciso ajudar as crianças a
tornarem-se participantes da grande vida social, [...] porque isso é a sua
necessidade real atual” (PISTRAK, 2009, p. 271-272).
o trabalho nas oficinas funcionou com sucesso até 1921, quando a escola,
aos poucos, foi deixando-as de lado. Em contrapartida, Pistrak afirma que as
oficinas desempenham um papel importante na escola, por isso defendia a união
delas com a grande indústria. O autor argumenta que “[...] a oficina deve ser o ponto
de partida de uma série de fios que conduzem à produção. E estes fios definem o
interesse ativo das crianças.” (PISTRAK, 2018, p. 83). O trabalho nas oficinas
também contemplava os ofícios artesanais da cidade e do campo, que tinham
grande relevância na economia soviética, pois seguiam uma série de exigências:
elaboração de materiais diversos sobre as tecnologias e os ofícios mais necessários;
as ferramentas e os métodos de trabalho devem ser os mais variados possíveis; e a
possibilidade de ampla apropriação e criação técnica pelas crianças (PISTRAK,
2018). Nas oficinas as crianças trabalhavam com muitos tipos de materiais, entre
eles a madeira, o metal, tecidos, papelão, assim, “[...] o significado fundamental das
oficinas reside em ser o ponto de partida para a introdução na compreensão da
moderna organização e técnica do trabalho.” (PISTRAK, 2018, p. 88).
O trabalho fabril estava no centro do processo educativo, pois abordava o
estudo da fábrica na sua complexidade. Para Bahniuk e Dalmagro (2021, p. 119),
A Escola do trabalho envolvia o estudo da fábrica em toda sua
amplitude e complexidade, desde a origem da matéria prima até o
destino dos produtos, os aspectos geográficos, históricos,
econômicos e culturais deste processo, o trabalho em toda sua
cadeia, o lugar do produto na economia local e nacional. Desta
forma, a escola não se restringe ao estudo da fábrica em si mesma
ou de suas técnicas de trabalho, ainda que estas sejam importantes,
mas inclui o trabalho e o estudo do trabalho dos jovens, numa visão
de totalidade.
É importante deixar claro que a escola do trabalho não foi um projeto pensado
e executado de forma assertiva, em todos os aspectos. Os educadores soviéticos
tiveram que lidar com muitos problemas, de caráter teórico e prático. Os desafios
eram grandes: havia professores que resistiam às mudanças, por estarem alinhados
aos antigos métodos de ensino; as condições estruturais eram precárias; e os
recursos financeiros bem limitados. Visto que a URSS vivia um contexto de
pós-guerra, a realidade era difícil, havendo muitos órfãos e as escolas também
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acabavam servindo de abrigo para as crianças, e não somente como centro cultural
e de ensino da ciência.
As práticas educativas do educador russo estavam entrelaçadas à
organização e à construção do socialismo. Pistrak realizou análises sobre a prática
dos professores naquele contexto de mudanças e concluiu que não era somente o
povo que precisava de uma nova educação, mas também os professores, de modo
que pudessem desenvolver um trabalho articulado com a revolução. Os professores,
compreendendo sua função política na edificação da nova sociedade, deveriam
tornar-se sujeitos ativos e conscientes na criação do socialismo. Pistrak (2018)
discute sobre problemas teóricos e práticos enfrentados pelos professores no
cotidiano escolar, relacionados à metodologia, à didática, à organização e à escolha
dos materiais. De acordo com o autor, essas questões eram fruto da velha forma
escolar burguesa, que precisava ser superada pela nova escola do trabalho.
O educador dizia que, na busca da solução dos problemas teóricos e práticos,
os professores devem ter consciência de que “[...] a pedagogia marxista pode e deve
ser, antes de tudo, uma teoria socio pedagógica ligada às questões de
desenvolvimento das relações sociais atuais, iluminadas pelo marxismo” (PISTRAK,
2018, p. 30). Nesse sentido, ele afirmava a influência política nas questões
escolares, partindo dos discursos de Lenin:
Nossa tarefa no campo escolar é a luta pela derrubada da burguesia,
e declaramos abertamente que a escola fora da vida, fora da política,
é uma mentira e uma hipocrisia. [...] Chamar a educação de apolítica
ou neutra não passa de uma hipocrisia da burguesia, isto não é outra
coisa senão enganar as massas. [...] Em todos os estados burgueses
constitui-se uma ligação extremamente forte do aparato político com
a educação, embora a sociedade burguesa não possa reconhecê-lo
abertamente. Entretanto, esta sociedade prepara as massas através
da Igreja e por meio de toda organização da propriedade privada.
Não podemos deixar de colocar francamente a questão,
reconhecendo abertamente, apesar das antigas mentiras, que a
educação não pode ser independente da política (LENIN apud
PISTRAK, 2018, p. 30-31).
Nessa citação, evidenciamos a relevância da vinculação da escola à política
em geral, visto que as instituições escolares promoviam formação política sólida
para a juventude comunista. Essas formações também aconteciam com as massas,
pois os revolucionários realizavam o trabalho de esclarecimento sobre a luta e a
consciência de classe, aproximando-se cada vez mais do povo, em busca do
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desenvolvimento dos princípios socialistas. Para Pistrak, a escola está conectada ao
sistema social que rege a sociedade. Desse modo, no capitalismo, a educação se
torna um instrumento ideológico e de dominação sob o controle da burguesia, o que
fez com que uma das tarefas da revolução fosse revelar o caráter de classe da
escola, rompendo com os laços classistas da escola burguesa, a fim de colocar a
educação a serviço da revolução. Essa tarefa não era algo simples e fácil, haja vista
que os educadores enfrentavam inúmeras dificuldades. A organização, os objetivos
e os métodos precisavam ser novos, de acordo com as finalidades daquela escola
do trabalho que estava em construção. Com a revolução, uma das funções
assumidas por essa instituição foi de esclarecer os interesses de classe. Para tanto,
era preciso que as pessoas entendessem, primeiramente, qual a natureza da luta da
qual faziam parte, posteriormente, qual o lugar que a classe trabalhadora ocupava
nessa luta e, por fim, qual o lugar que cada jovem deveria assumir nessa batalha,
lutando a favor da construção da nova sociedade.
Para além dessas questões, era fundamental que considerassem as
condições e o contexto em que a escola estava inserida, pois determinada prática
pode funcionar bem em uma instituição, mas não em outra. Portanto, Pistrak
afirmava que é necessário desenvolver ao máximo a criatividade individual e coletiva
dos educadores, formando uma nova escola. Ele indica o compartilhamento das
experiências nas escolas experimentais-demonstrativas para servir como referência
para o magistério, bem como as críticas a elas dirigidas, vistas como oportunidade
de aprendizagem.
Na ótica desse pensador, a teoria pedagógica comunista poderia tornar-se
ativa na massa do magistério apenas quando cada professor fosse em alguma
medida um ativista social. Isso envolveria que os docentes dominassem o método
marxista e, consequentemente, as ideias comunistas da educação. Assim, todo os
educadores, em todos os níveis de ensino deveriam tornar-se ativistas sociais
(PISTRAK, 2018).
De acordo com Pistrak (2018), a escola do trabalho necessitaria refletir a
realidade da revolução, respondendo aos anseios da classe trabalhadora.
Compreendemos, desse modo, que o ensino escolar não é neutro, mas corresponde
aos objetivos do regime social no qual está inserido, como afirma o autor:
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Uma das tarefas básicas da revolução social consiste em esclarecer
este caráter de classe da escola inserida em uma sociedade de
classes e revelar esta natureza com a ditadura do proletariado. [...] a
tarefa de educar as massas e assegurar o êxito da consolidação das
conquistas e realizações revolucionárias. A revolução deve fazer isto
também em relação à escola, porque a escola é uma superestrutura
ideológica e um instrumento ideológico da revolução. (PISTRAK,
2018, p. 40).
Logo, a proposta educativa de Pistrak, a qual faz parte do legado educacional
da Pedagogia Socialista Soviética, foi pautada na concepção marxista de educação
e no método materialista histórico-dialético. Percebemos essas relações ao estudar
as práticas pedagógicas do autor, as quais abordam a relação entre trabalho,
educação e ensino; a formação omnilateral e politécnica; e a necessidade de
compreender a realidade, a luta de classes e atuar sobre ela (BAHNIUK;
DALMAGRO, 2021).
A questão central da pedagogia socialista, como consideramos, é o trabalho
na escola. Além de ser o fundamento da educação, ele precisa estar conectado ao
trabalho socialmente útil e à produção social. Junto ao trabalho, a atualidade e a
auto-organização constituem-se elementos importantes que fundam a Pedagogia
Socialista Soviética, como observamos tanto nas obras de Pistrak quanto nos
documentos históricos apresentados.
Considerações finais
Experienciamos um momento de diferentes ofensivas direcionadas à
educação, por isso, é urgente construirmos respostas, resistências e enfrentamentos
contra a Pedagogia do Capital. Acreditamos que, apesar da Pedagogia Socialista
Soviética ter sido uma experiência ensaiada um pouco mais de 100 anos, ela tem
enorme validade e potencialidade atualmente, considerando que ainda vivemos sob
a égide do modo capitalista de produção.
A Pedagogia Socialista Soviética nos aponta caminhos importantes a serem
seguidos, pois sua finalidade centra-se na emancipação humana, por meio da união
entre trabalho e educação. Nesse sentido, avaliamos que estudar o pensamento
pedagógico socialista soviético constitui-se como um caminho para lutarmos contra
as pedagogias hegemônicas do capital. Por exemplo, aprendemos com Pistrak a
importância de reconhecer a escola como fundamental na formação dos
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trabalhadores, homens e mulheres, jovens e crianças, a fim de transformar a
realidade atual e construir uma nova sociedade. Assim, a escola orientada por uma
pedagogia revolucionária tornar-se-ia o espaço da ciência, da tecnologia e da
cultura, responsável pela educação das futuras gerações.
Outro ensinamento é compreender a escola como espaço de disputa, o que
envolve desde os conteúdos até a organização do trabalho pedagógico, para, desse
modo, colocá-la a favor dos interesses da classe trabalhadora. Nessa perspectiva,
concordamos com a afirmação de Bahniuk e Dalmagro (2021, p. 255):
[...] a Pedagogia Socialista é um projeto futuro, mas que se
constrói desde já, recuperando em certo sentido experiências
passadas, não para copiá-las, mas sim para refletir sobre elas e
construir algo novo, condizente com o tempo histórico atual.
Por fim, afirmamos que legados importantes deixados pela Pedagogia
Socialista Soviética, como um rico arcabouço teórico e prático de experiências
educativas, nas quais podemos apoiar nossas práticas educativas, com o intuito de
repensarmos a relação entre trabalho, educação e ensino na atualidade, com vistas
à formação humana integral de homens e mulheres.
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