V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA EM PESSOA: ENTREVISTA COM
CARLOS FREDERICO LOUREIRO1
Entrevista com realizada pelo Grupo de Pesquisa Trabalho-educação e
Educação Ambiental (GPTEEA) do IFRJ (Campus Nilópolis) 2
Alexandre Maia do Bomfim3
Patrícia Maria Pereira do Nascimento4
Juliana Rodrigues de Souza5
5Graduanda do curso de bacharelado de Produção Cultural do Instituto Federal do Rio de Janeiro
(IFRJ), campus Nilópolis. Email: jully.rodrigues2012@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8660-7107; Lattes: http://lattes.cnpq.br/1261988630021649.
4Doutoranda e Mestre em Ensino de Ciências (PROPEC-IFRJ); Graduada em Ciências Biológicas.
Docente no Senac-RJ (Curso Técnico em Segurança do Trabalho).
Email: prof.pattynascimento@gmail.com . Lattes http://lattes.cnpq.br/9696813281691492;
ORCID:https://orcid.org/0000-0002-8654-8506.
3Doutor em Ciências Humanas-Educação. Professor Associado III do Programa de Pós-graduação
em Ensino de Ciências (Propec) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de
Janeiro (IFRJ) E-mail: alexandre.bomfim@ifrj.edu.br ORCID: 0000-0002-5617-2229.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9426535856477661
2Essa entrevista foi concedida no dia 10 de fevereiro de 2022, de forma remota. Vale dizer que
sintetizamos um pouco a entrevista, e editamos para facilitar o entendimento. Tivemos que fazer
algumas interferências exatamente para recolocar o sentido, dentro do texto, que julgamos ter
apreendido no contexto da oralidade. Não obstante, mantivemos um pouco da conversa coloquial.
1Entrevista recebida em 20/07/2022. Avaliado pelos editores em 29/07/2022. Aprovado em
02/08/2022. Publicado em 10/11/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i43.55411.
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Nosso entrevistado é Carlos Frederico Bernardo Loureiro, com certeza uma das
principais referências em Educação Ambiental Crítica do país. Loureiro é professor
titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFRJ. Líder do
Laboratório de Investigações em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ).
Foram suas graduações pela UFRJ (seu Bacharelado em Ecologia e Licenciatura
em Ciências Físicas e Biológicas) que o levaram à Educação Ambiental, mas
certamente foi seu percurso acadêmico posterior, seu percurso como pesquisador,
assim como suas atividades profissionais e inclusive sua militância, que o
conduziram para uma postura ainda mais crítica, para uma práxis
sociológica-filosófica-política. Além de ser muito lido, Loureiro é formador de muitos
formadores. Busca apreender a problemática ambiental, trazendo relevantes
contribuições para processos educativos que se contraponham às respostas e
soluções apregoadas pela educação hegemônica capitalista.
****
Alexandre: (...) Aqui estamos no dia 10 de fevereiro de 2022, infelizmente, ainda em
tempos pandêmicos. O meu grupo de pesquisa é o Grupo de Pesquisa em
Trabalho-Educação e Educação Ambiental (GPTEEA), grupo que uniu minha
trajetória, a que tive na UFF com a área de Trabalho e Educação, com a pegada
marxista e meu envolvimento com o GT 09 [da ANPED], somada agora à minha
trajetória profissional, que fez me encontrar com você, né? [sic]. (...) Embora eu
tenha visto um movimento seu em outras frentes, nos últimos tempos... Nós
queremos saber de você: quem é o Fred? Além disso, por ser um intelectual
orgânico, queremos conhecer sua trajetória a partir do seu próprio olhar...
Frederico: (...) Minha trajetória é toda, toda ela pessoal, ela toda vinculada às
minhas discussões e à minha escolha pela Educação Ambiental. Isso aparece com
mais força nos meus textos do último livro, quem não sei se teve contato...
Educação Ambiental: questões de vida6.Na verdade, eu até coloco aquele terceiro
capítulo que é sobre isso, porque as pessoas me perguntavam muito sobre isso,
assim... mas você não fala muito de você e parece que é uma coisa muito visceral
em você, e é! Trouxe naquele capítulo, porque minhas escolhas todas foram feitas
6Publicado em 2019, pela Editora Cortez, São Paulo.
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em cima de uma inquietação que eu tinha desde pequeno. É que era, que era isso,
olhar pro mundo e vê... Sentir um incômodo profundo, com a barbárie que a gente
vive, com as formas de destruição, com o desprezo pelo outro. Enfim, sempre tive
uma ligação muito estreita com a Baía de Guanabara, né? Fui criado em Paquetá.
Então, ver a Baía de Guanabara se destruindo, se acabando. Eu sou do tempo em
que ainda peguei, ainda via cavalo-marinho, né? Eu tinha que tomar cuidado
nadando porque podia esbarrar numa arraia, hoje em dia não tem mais nada disso.
Até arraia voltou um pouco agora, enfim... Mas a situação virou um quintalzão do
parque industrial, de navios, né? Então, essa inquietação que vinha desde criança
em relação ao que eu via na vida, foi se vinculando às minhas escolhas
profissionais. Então, eu fui fazer Biologia, na verdade motivado por isso, achei
inicialmente que a Biologia ia dar conta dessa discussão e depois eu fui vendo que
não, que a Biologia tinha contribuição bacana e tal, importante... Mas, enfim, essa
relação sociedade e natureza traz a questão ambiental, porque demanda esse lado
social, né? Porque, na verdade, as questões são sociais! O problema ambiental
existe em função de uma questão social. E aí, fui buscando uma série de outras
formações e estudos, mas sempre vinculado à minha vivência, né? Movimento
ambientalista, meninos e meninas de rua, que viviam em situação de rua. Enfim, nas
favelas do Rio e depois isso foi se ampliando para vários grupos sociais, escolares,
não escolares. E mais especificamente, para os últimos [anos], eu diria, talvez os
últimos dez, quinze anos vim me aproximando do debate dos povos tradicionais, por
vários motivos, né? Eu acabei me vinculando muito...
Ah... Por vários motivos, um mais estrutural, que eu diria, é a questão de que sem
dúvida nenhuma é esse processo de desenvolvimento que a gente tem no Brasil,
diante dessa reprimarização, essa base do extrativismo, né? Muito forte, de uma
perda do processo de desindustrialização no Brasil, isso gera uma pressão enorme
sobre os povos tradicionais porque na verdade (...) É o agronegócio, é a extração
mineral, da madeira, e por vai, minério total, muito forte... Então, quem acaba
sendo o sujeito prioritário desse [sic] debate todo? Acaba sendo/são os povos
tradicionais, porque eles sofrem mais diretamente, (...) Fui me apaixonando... por
esse mundo dos povos tradicionais, pelas tradições africanas (...) e aprendi muita
coisa com esses grupos e aprendo até hoje, sou totalmente vinculado a todos eles.
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E foi uma paixão pessoal numa situação conjuntural do padrão de
desenvolvimento do país que me levou a essa guinada pra [sic] povos tradicionais e
sem dúvida nenhuma as minhas discussões acadêmicas começaram a ganhar
mais essa cara nos últimos anos. Antes eu discutia muita coisa ligada à escola ou às
questões teóricas mais gerais da Educação Ambiental. É mais que visivelmente, se
olhar as produções dos últimos anos, elas começam assim, explícita ou
implicitamente começa a aparecer muita coisa da tradicionalidade, desses povos
tradicionais, de aprendizado com esses povos e de trabalho com esses povos. (...)
É, tem uma relação direta com questões de entendimento de leitura de mundo [sic]
do que [sic] se passando no país e com a minha vida mesmo. Assim, daquilo que
eu gosto e de possibilidade de aprender. Assim, sou muito grato, na verdade, a
esses grupos porque sem dúvida nenhuma amadureci muito como pessoa. Depois
que comecei a ter contato com eles, conviver mais, estar dentro de um quilombo,
estar numa vila de pescadores artesanais, de marisqueiras, de extrativistas, no norte
do país, de frutas... Enfim, então, isso realmente me encantou, eu diria que a minha
trajetória pessoal sempre teve [sic] vinculada às minhas escolhas acadêmicas. Na
verdade, eu diria até que o meu caminho acadêmico foi em decorrência das minhas
inquietações pessoais desde pequeno e a guinada nesse momento para os povos
tradicionais tem a ver com essa conjuntura e com a paixão, [essa] mesma que eles
despertam, são encantadores, são pessoas maravilhosas... Assim, hoje acho que
dificilmente vou dar outra uma guinada [ainda que tenha] essa característica...
Realmente, na Educação Ambiental, talvez seja uma das poucas pessoas que
transitou senão por todos, por quase todos os espaços possíveis, se você reparar
assim se for lendo ao longo do tempo trabalhei muito com a escola, trabalhei em
unidade de conservação, gestão de água, licenciamento ambiental, movimentos
sociais e por vai. Eu consigo transitar muito fácil por temáticas muito diferentes na
Educação Ambiental e tive ênfases ao longo da minha vida, mas acho que os
povos tradicionais chegam pra ficar até minha aposentadoria.(...)
Patrícia: Sobre todo esse contexto que estamos vivendo, eu falo de todo o contexto
social, saúde, ambiente. (...) a gente fica na Academia muita das vezes encastelado
e falando, né? Assim, como que a gente poderia sair desse castelo, alguma
solução, você acha que tem assim uma luz no fim do túnel em relação a toda essa
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conjuntura que estamos vivendo? E nós, vamos dizer assim, intelectuais, que
estamos desenvolvendo trabalho de pesquisa, a gente consegue sair dessa, desses
muros, é possível essa libertação?
Frederico: Olha, eu acho que a curto prazo não, né? A gente um momento de
crise estrutural (...). Marx falava da própria dinâmica do capitalismo, ele reconhecia
certas, certas condições assim que são realmente impressionantes, né? Nenhuma
formação social outra consegue ter tanta maleabilidade, ser tão dinâmico e tão
universal como o capitalismo conseguiu, né? Então, é claro que é uma forma social,
um sistema, que tem uma capacidade de se adaptar muito grande e de superar as
suas crises, [ainda que] criando outras crises também, sem igual. (...) Não tenho
esse otimismo... [Há] contradições muito agudas, elas criam possibilidades pra
gente, em alguma medida, por exemplo, do ponto de vista teórico, acho que cria
primeiro essas possibilidades, assim hoje eu vejo pessoas retomando o debate que
dentro da própria Academia assim, se tinha se jogado fora... E hoje as pessoas
tão voltando, dando passo pra trás, no bom sentido da palavra e reconhecendo
alguns extremos também... Por exemplo, toda essa discussão do negacionismo,
discussões de ciência, anti-razão, de relativizar por absoluto a verdade (...) tudo é
discurso, tudo é opinião, tudo é interpretação... E aí, esses caras começam a
ficar numa situação difícil, né? Porque eles começam a ficar igual ao cara que diz
que a terra é plana... E aí, fica complicado pro acadêmico... Que mobiliza pessoas,
uma ideologia que mobiliza muitas pessoas no mundo, né? Mas, não para você
dizer que é uma verdade. Então, acho que primeiro ponto é esse, está [se] forçando
um debate crítico para ganhar um novo lugar, [algo] que estava meio perdido e hoje
[esse] reconhecimento de todo esse pensamento crítico, dessas sinucas que a
gente foi se enfiado no mundo, né? Eu vejo também essas possibilidades para uma
diversificação maior.
Do entendimento de quem é o expropriado nessa sociedade, a gente fica muito
centrado no trabalhador assalariado, no desempregado, e hoje você é isso, você
precisa entender o conjunto dos expropriados que passa pelos povos tradicionais,
que passa pelos trabalhadores informais, esses caras também são sujeitos da
história... E acho que hoje uma ampliação desse entendimento importante para a
própria esquerda, um amadurecimento para a própria esquerda, um reconhecimento
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dessas questões de identidade que tinha de fato um certo desprezo por muitos, né?
Que a gente não pela lógica da identidade, mas assim são questões importantes
que a gente consegue hoje, a gente consegue amadurecer numa perspectiva
crítica... Então, assim do ponto de vista teórico acho que tem caminhos também no
sentido dessa articulação com esses sujeitos, com esses movimentos... Eu acho que
isso são caminhos possíveis e que vejo que trazem coisas muito interessantes. É
lógico, assim quando a gente no momento de crise aguda, a gente tende a não
enxergar essas coisas, mas elas estão presentes, elas existem... E acho que são
elementos que criaram raízes e que vão frutificar em breve. Assim, as possibilidades
de algumas mudanças no plano da política para 2023, poderá recolocar algumas
questões na pauta brasileira de novo... Em relação à escola, à universidade, à
questão da mulher, à questão da criança, enfim, e por vai. Então, assim eu vejo,
vejo como, com alguma esperança. Essa possibilidade de algo novo...
Agora, lógico, tem que ter muita serenidade, né? Porque se for espremido pelo
imediato você tende a ficar com pessimismo muito grande, imediato é muito ruim,
[temos] que ter uma paciência histórica. Entender os tempos da história também, o
tempo histórico e tempo da história não é o nosso, o nosso tempo é muito curtinho.
Então, precisamos entender isso também, os ciclos que a própria história
estabelece, na dinâmica humana, no planeta, das espécies de modo geral. Acreditar
na possibilidade da mudança sempre, essa é até uma condição ontológica, não é
uma questão de fé, né? É ontológica para o marxismo, a mudança vem da ideia da
possibilidade da transformação, porque o trabalho transforma (...). Eu acho que
essas possibilidades do ponto de vista teórico, da possibilidade de articulação, de
ampliar a luta antissistêmica, de estabelecer interlocuções que não existiam... [São
caminhos!]
Eu acho que isso traz, do ponto de vista mais econômico, [outras] experiências
interessantes: da Agroecologia, de práticas econômicas alternativas, que mostram
assim que caminhos. E aí, lógico que, se isso vai se estabelecer ou não, se isso
vai preponderar ou não, aí... Eu fico muito sereno em relação a isso sempre. Porque
a gente tem que fazer de qualquer forma, né? Então, a gente tem que continuar,
continuar acreditando, com no chão, evidentemente. Agora, se isso ainda vai
estar no nosso horizonte da vida ou não, mudanças mais agudas, não sei dizer,
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entende? Acho que pra mim particularmente, acho que não... Enfim, mas assim não
me prendo a essa discussão em particular, sei que estará no meu horizonte de vida
(...).
Thiago: Eu tenho muito me preocupado muito com essas novas alternativas, porque
quando eu penso muito na mudança estrutural do capitalismo... (...) Mas, enfim, aí,
eu tenho lido muito, tem uma [leitura] Outra economia é possível do Castells7, muito
interessante esse livro, que vai trazendo alguns [elementos novos], mas enfim... Na
verdade, o que eu quero perguntar, eu estou com uma leitura muito fresca do
Polanyi, né? E o Polanyi, é sobre o futuro, né? Que eu quero falar ou do presente
talvez... Ele mostra que se continuar assim, você vai ter um problema social, que o
problema na verdade, para o capitalismo, [para a sociedade ] do livre mercado e vai
destruir realmente a sociedade em si. (...) Essa galera [fascista] conseguindo
conversar mais com a sociedade do que a gente? E por que isso acontece? (...)
Frederico: Tem dois pontos importante na sua fala... O primeiro vou começar, por
esse final... Por que essa galera fascista (vamos simplificar aqui) acaba dialogando
mais fácil, né? É interessante... Por exemplo, quando você os teóricos marxistas
dos anos 1970... Eles estavam sinalizando para isso, nos anos 70, todos eles,
falando assim que a América Latina iria entrar num ciclo de dependência e que iria
gerar um retrocesso muito grande, uma pauperização muito violenta e que isso ia
forçar para dois [possíveis] caminhos: ou as pessoas iam entender esse lugar e se
convenceriam, da importância de uma perspectiva socialista ou isso iriam se
radicalizar à direita... E aí, uma nova onda fascista surgiria no mundo, infelizmente
acabou acontecendo o segundo caminho, mas acho que tem uma explicação muito
simples pra isso... Na verdade, o diálogo se porque as respostas que eles dão
são muito simples e de aplicação muito imediata, entende? Então, é tipo assim:
[Alguém pergunta] “Tá uma merda?” (Desculpa a palavra) [Outro responde para
todos:] “porque tem muito vagabundo, a gente mata vagabundo e resolvido o
problema”... Essa lógica de raciocínio, ela funciona muito bem, né? [Mais fácil de
explicar] do que você ter que explicar porque que existe gente que vivendo na rua,
desempregada, porque que o negro é vítima de intolerância na sociedade, [pois] isso
exige um complexo de argumentos que as pessoas nessa necessidade atual, que é
7O livro de Castells foi publicado em 2019 pela editora Zahar, Rio de Janeiro.
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muito imediata, não estão dispostas a ouvir, isso explica em parte o próprio
fenômeno neopentecostal no Brasil...
Se você conversar com pessoas que são neopentecostais, eu não sei se aqui tem
alguém, conversei com vários que são militantes de esquerda e que também são...
Eles trazem assim a questão... O pastor aquele que] chega primeiro, que uma
atenção, supre a necessidade imediata... É uma lógica muito simples, assim o que
dentro disso aqui é bom, o que fora disso aqui é ruim... Essa forma de pensar
atrai demais, ela é muito sedutora, até pra gente é, até quando a gente brinca de
negócio futebol no fundo você cai nessa lógica, quem torce pro meu time é legal e
quem não é, quero que se exploda, assim eu quero que o outro perca... A gente
mesmo vai pra esse lugar, né? O que aqui é bom, o que fora não é bom. Então,
é uma forma muito simplória, né? Mas que funciona, cola e responde muito rápido,
responde muito rápido às nossas necessidades.
E a esquerda não sabe dar essa resposta rápida, ela não consegue dar essa
resposta muito rápida. Então, é por isso, que Bolsonaro, o povo escuta mais, escuta
muito mais o Bolsonaro do que a mim, entende? Não tenho a menor dúvida em
relação a isso. Por que que o Lula às vezes consegue convencer? Porque ele
consegue às vezes mandar um recado assim bem direto, bem pá-pum, [mas] ele
sofre críticas. Na verdade, você tem que entender o que o Lula está falando, ele
querendo alcançar exatamente esse cara, não adianta o Lula vir com sofisticação...
Olha só, “eu sei que você quer comer amanhã”, entendeu? Sei que você não quer
morrer tomando porrada na rua, eu vou dar resposta pra isso aí... Então, eu sinto
que a direita responde muito rápido porque é uma lógica muito binária mesmo, do
bem contra o mal... Quem aqui é do bem, quem contra é do mal, [assim] isso
cola muito fácil e você quer resolver, resolver é isso, matar, exterminar... A culpa é
por quê [de quem]? Dos comunistas que acabaram com a família tradicional, a culpa
é porque muito pobre na rua, a culpa é porque tem muito preto que cismou que
quer comer carne... São umas aberrações, mas cola, funciona. você vê, o próprio
assassinato do menino do congolês. Hoje até pegaram imagens, hoje não,
ontem, anteontem conseguiram outras imagens, várias pessoas passaram.(...) Te
garanto que muitos pensaram que é uma desgraça, mas que também é a realidade,
né?
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[Outro ponto que] me lembrei, da questão das alternativas, eu acho assim... Qual o
limite dessa discussão? Por exemplo, eu acho que tem uma galera da Educação
Ambiental legal, que está fazendo toda uma discussão das vivências, das
experiências, experimentações... Pessoal que trabalha com povos tradicionais ou
economias alternativas, economia solidária e tal. Eu acho ótimo, acho que tem
sim algo importante, mas faltam exatamente o debate mais crítico, entender o
seguinte, isso não vai se replicar naturalmente do dia pro outro. Eu acho legal pelo
seguinte... Você pegar uma economia solidária, pegar a Agroecologia, pegar o modo
de vida dos povos tradicionais, o modo de vida quilombola, porque eles mostram
objetivamente que existe possibilidade de você viver de outra forma. O que eu mais
vejo, quando estou com os povos tradicionais, é isso, quando eu estou no quilombo,
numa comunidade indígena ou estou numa comunidade de pescadores é o que eu
vejo, que aquelas pessoas são felizes do modo que eles vivem, que é o modo
comunitário. Então, significa que existem outras formas de se viver bem, você pode
ser feliz, sem precisar ser dessa forma burguesa, branca, eurocêntrica, capitalista,
industrial.. Mas, daí você transpor e achar que um dia só, porque isso é legal, eu vou
mostrar isso pro burguês e um dia todo mundo... Ou [mesmo] achar que o
capitalismo vai tolerar... Aí (...) fica uma idealização boba, né?
É isso, a comunidade indígena vai sobreviver enquanto o capital (...) [não souber
que] aqui tem uma mina de não sei quantos trilhões... (...). Então, essa idealização
assim fica muito romântica, então, acho que está o limite, né? É muito bacana, a
Ecovila... Eu orientei uma menina que estudou Ecovila, ela fez um balanço mundial,
né? É uma tese que vale a pena ser lida. Ela falou de um limite hoje reconhecido no
movimento de Ecovila.. É uma classe média que vai e se organiza uma vila
alternativa, mas aquele que tem dinheiro acaba sendo aquele que dirige a Ecovila,
porque tem dinheiro... (...)
Alexandre: Fred, algumas questões eu antecipei, não foi? [ “Que autores
marcaram/marcam sua formação e militância? E sendo a Revista Trabalho
Necessário uma revista que acolhe mais as reflexões críticas especialmente as do
materialismo histórico... “Como enxerga isso para a questão do ambiente e como
em seus trabalhos?” Acrescento essas duas: (...) Que tipo de Educação Ambiental
atrapalha mais do que ajuda? Que tipo de Educação Ambiental a gente ainda
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consegue fazer? E como você as políticas que envolvem o Meio Ambiente,
atualmente?
Frederico: Então tá! Vou, mas deixar assim, vou responder pontualmente [as duas
primeiras] pra facilitar a vida. Então, assim, autores que me inspiraram desde o
começo, né? Marx, evidentemente, né? Paulo Freire desde o começo, Saviani
também, o próprio Gaudêncio [Frigotto], foram leituras importantes no começo da
minha formação. Depois foram chegando alguns autores, assim como muita força, o
Sartre durante um tempo, (...) Mészáros, os frankfurtianos de um modo geral. E mais
recentemente o Jameson e na América Latina em particular, o Enrique Dussel...
Assim de longe, assim, o cara [Dussel] mais impressionante que eu vi em termos
de domínio desses autores e pensando, a partir da América.
(...) A importância do materialismo histórico na questão ambiental é total, né? (...)
Sociedade e a natureza não tem como pensar [de outra maneira sem se desejar]
caminhos para superar o que se passando, sem entender que sociedade é essa e
que interage com a natureza, que tem um metabolismo, [de como] a natureza
evolui... (...) E sua destruição em massa da vida como um todo...Pra mim sem
marxismo é impossível entender a questão ambiental, entender o que se
passando atualmente no planeta.
Que tipo de educação atrapalha mais do que ajuda? Acho que, assim, eu não vou
classificar tendências que atrapalham, acho que têm posturas dentro de certas
tendências que atrapalham muito. Então, por exemplo, pego muito o que o Phillipe
[Layrargues] classificou como Educação Ambiental pragmática, essa mais me
preocupa, até [mais do que os] conservadores stricto sensu (...) [Muitas vezes, os
conservadores estão] querendo realmente discutir questões de ecossistema, de
biodiversidade... Então, acho [que é até] mais transparente naquilo que quer, tem
limite, no meu ponto de vista, porque é isso... [Esse viés conservador] quer discutir
uma preservação ambiental, uma proteção ambiental, um amor à natureza, um
respeito à biodiversidade como se fosse uma questão individual, ética, pessoal e
não entra nas questões das relações sociais que define a materialidade desse
processo e as possibilidades... Mas, acho que tem uma Educação Ambiental
pragmática que apresenta posturas muito mais preocupantes, que é essa coisa de
que “tudo se resolve a partir daquilo que eu faço”. É tudo muito pragmático, assim,
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descartam teoria, descartam reflexão sobre o mundo e vão muito pro [sic] para o
“faça sua parte”, ‘resolva e vamos em frente”. Isso é muito preocupante, não o
“fazer a nossa parte”, evidentemente. Por isso, que eu falei de postura, porque fazer
a nossa parte tem que fazer... Claro, é evidente que não vou desperdiçar coisa,
jogar, deixar a torneira aberta, né? Claro, não faz sentido nenhum, mas quando você
coloca como se resolvesse a questão, se cada um faz o que pode e as coisas
vão se resolver, [só vai se] deslocar pro indivíduo, é cair numa lógica individualista, é
não compreender as determinações sociais, é não compreender que esse indivíduo
se constitui em sociedade. Portanto, também é um indivíduo contraditório que
carrega suas contradições, seus limites de classe, enfim. Então, eu acho que
banaliza o processo pedagógico e leva à uma simplificação e leva à uma ilusão,
gera, eu vi isso objetivamente em vários projetos, né? As pessoas ficam iludidas
achando que estão [sic] resolvendo o problema, né? E, por exemplo, isso em escola
eu vi resultados que não é assim, quando você estimula demais a coleta seletiva
com premiação, sem fazer o projeto pedagógico propriamente dito, muitas vezes as
pessoas passam a consumir mais, ela não repensa seu consumo, porque ficam
aliviadas que estão destinando pra reciclagem, pro reaproveitamento. Isso acontece,
vi isso em escola, em condomínio, entendeu? Isso cria um alívio para as pessoas.
Então, é aquela história assim, se eu tomar coca-cola vai reciclar o pet, então, é tudo
legal, o cara toma quatro litros de coca-cola. O problema é que a coca-cola não é
exatamente a pet, o que vão dizer de você que não quer reciclar a garrafa pet, né?
Entendeu?
Alexandre: Você lembrou, meus alunos sabem dessa história... A história de que eu
tinha um aluno, que fazia gincana... Um dia ele se deu conta que a meninada estava
trazendo muito óleo pra reciclar, começou fazer um cálculo de óleo por criança...
E aí: “O que vocês estão fazendo?”. “Ah, professor, agora a gente frita tudo pra
poder ganhar a competição, a gente frita tudo que pode”. Então, é essa a
compreensão. E outra coisa... De uma forma mais macro, acho que até o ano 2000,
um dos maiores investidores em Meio Ambiente era Souza Cruz, é quase uma
indulgência, né?
Frederico: Pois é! Essa pra mim é a pior, as posturas dentro da Educação
Ambiental pragmática, na classificação que o Philippe [Layrargues] fez, é a mais
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preocupante, é a que tem mais aderência... Claro que também limite na visão
conservacionista... (...) [Aí no máximo] pensam em política pública em Educação
Ambiental, mas como uma coisa restrita ao diálogo, como se as contradições do
capitalismo não fossem determinantes e como se as questões de classe não fossem
significativas...
Alexandre: A ideia do “Conciliatório”!
Frederico: É! Uma visão conciliatória, exatamente! Isso me preocupa também do
ponto de vista político, porque ela se mostra como um discurso crítico, mas na hora
de apresentar os encaminhamentos, principalmente no que diz respeito à política
pública, vai pro [sic] tom conciliatório. É muito frágil e muito aposta nesse negócio de
diálogo como se fosse problema de diálogo... Como se o problema do MST com o
agronegócio fosse uma questão de não diálogo. É um projeto de sociedade
diferente. Então, acho que tem aí, uma vez ouvi de um desses, tem que lembrar que
no Brasil tem, o Brasil é muito grande, tem espaço pro pessoal do agronegócio, tem
espaço pra Agroecologia como se fosse uma questão de espaço. Não tem espaço
pra Agroecologia porque tem um projeto de campo liderado pelo agronegócio,
encarnada pelo agronegócio, né? Que não é isso, não cabe Agroecologia. A questão
é outra, eu diria que são dois limites consideráveis, essa visão “crítico liberal” e a
visão “conservacionista”, mas, ainda assim, a que preocupa mais é a pragmática,
que tem um discurso que cola muito fácil. É um pouco do que a gente estava falando
da extrema-direita. Quando se fala do bem e do mal, é muito fácil. Opa! Isso aqui é
beleza pra fazer, é como você falou, “ah, vou e frito tudo” depois a gente recicla
óleo e tudo legal e vamos em frente. Putz, isso é perigoso, é muito perigoso, no
momento atual é o mais perigoso...
Vou responder essas duas próximas questões [“Como as questões políticas que
envolvem o meio ambiente atualmente?” / “Governos anteriores foram diferentes
quanto às questões políticas para o meio ambiente?”] em bloco...
elementos visivelmente de continuidade do governo, porque o Brasil é isso, é um
país periférico do capitalismo, capitalismo dependente... E cumpre um papel na
geopolítica e na economia mundial muito claro. Esse movimento de
desindustrialização, reprimarização, expansão do agronegócio exportador de
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matéria-prima... Isso não é de agora, é um lugar que pode entrar o governo que for,
isso não vai mudar muito, você consegue obviamente criar mais ou menos limites.
Mas ao mesmo tempo você está ali fomentando o agronegócio, produzindo políticas
pra agricultura familiar, pra Agroecologia que foi o caso do governo PT, tentou ali
conciliar. Beleza, pro agronegócio, segue aí, vocês são os carros-chefes do nosso
PIB junto com petróleo, mineração e tal...[sic]. Então, é preciso entender que um
elemento, uma continuidade visivelmente. Eu também não tenho essa idealização.
Ah, no governo PT tudo mudou... Não, não é isso, [trata-se de um] país capitalista
periférico, mas, é claro, você tem que considerar que isso não é um elemento
menor...Há uma análise conjuntural, não pra comparar o governo PT com
Bolsonaro. Porque eu conheço outros colegas da esquerda que pensam assim...
Não! [Precisamos garantir] ao menos o campo democrático que vai reforçar políticas
sociais importantes, garantir certos direitos, impedir uma coisa avassaladora no
campo... (...) Ainda tem o aspecto ideológico: o governo [atual] é altamente
conservador, fascista, então é isso... Não eles [fascistas] querem isso, mas
querem aniquilar todos aqueles que eles consideram que não tão [sic] dentro da
norma. Então é isso aí, exterminar pobre, exterminar negro, exterminar LGBT,
exterminar quilombola, exterminar indígena porque isso é um resquício de
humanidade que tem que ser eliminado do planeta, então vem todo um arcabouço
ideológico, vem junto e torna a coisa [ainda mais] absurda. Então... elementos de
continuidade, nesse sentido do lugar econômico político do Brasil, mas obviamente
isso é qualificado de um modo completamente diferente com uma política econômica
de liberalização total e acabar com qualquer amarra do ponto de vista trabalhista,
normativo legal da política ambiental.
realmente uma intolerância total e isso impõe a gente uma série de necessidades
de luta de sobrevivência, algo que a gente nunca tinha vivido dessa forma. Talvez
na época da ditadura, mas mesmo assim tem situações atuais que você fala:
“caramba, acho que nem na época da ditadura, isso aconteceu dessa forma”. Por
exemplo, você tem hoje no governo muito mais militar do que durante a própria
ditadura. um nível de censura, de perseguição, identificação de pessoas que são
críticas ao governo, vem sendo um negócio absurdo, é isso. Essa subjetividade
chegou nas redes, então, você é censurado pelos próprios bolsominions, não
precisa nem ser o governo, não é nem o Estado brasileiro, [ou seja] você tem uma
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malha feroz. Os caras ameaçam, os caras matam, vão atrás, perseguem. Isso
realmente é algo muito ruim, é muito diferente, que legitima o que sendo feito, isso
não existia em nenhum outro governo anterior. Então, tem uma marca muito forte,
além dessa liberalização total, flexibilização das políticas ambientais, agora uma
política (...) perto de passar o rodo no licenciamento ambiental, [estão vindo com o]
auto licenciamento, algo absurdo, o cara que vai ser empreendedor e vai se auto
licenciar, é a mesma coisa, sei que pedir pra mim, né? (...) É o limite do
impossível, (...) pedir pro [sic] empreendedor se auto licenciar é um erro, ele mesmo
vai se estabelecer regras? “Olha só... Eu estou querendo explorar petróleo, então
vou estabelecer a regra do que eu vou/devo fazer”.. Coisa de maluco. (...)
Alexandre: É assustador, assustador! Então, quando foi você falou assim, quando
se compara com a ditadura, não sei nem se na ditadura tinha bem isso...
Frederico: É... e pensando assim nos rumos... Em relação ao agronegócio, acho
que é o que aí, é uma força econômica enorme, que está no interior e que possui
uma força política total. Eles definem governadores do centro-oeste, definem
prefeito de grande parte das regiões do Brasil... [E vão assim] liberando agrotóxico,
flexibilizando acesso às terras mais variadas, áreas de proteção, território indígena,
eu acho que a tendência é o agronegócio expandir cada vez mais... Sei que existe
um conflito interno dentro no agronegócio, uma galera que é hard mesmo, bota tudo
abaixo e vamos em frente, mas tem um pessoal do agronegócio que é visto
inclusive, como ambientalistas. É curioso isso, né? Claro que “sustentável” pelo
ponto de vista do próprio capital, né? Garantir o mínimo de razoabilidade no
processo até por questão de reprodução do próprio agronegócio, uma tensão que
acho que pode explodir para o agronegócio “mais ecológico” pode ir pra frente. [De
qualquer forma] eu acho que o agronegócio vai ser dominante por muito tempo.
Não vejo nenhuma perspectiva de ser o contrário. Acho que Agroecologia pode
entrar mais um governo mais à esquerda, pode avançar, pode efetivamente do ponto
de vista de política pública ganhar espaço e se consolidar como uma alternativa.
Mas acho que vai ficar muito circunscrito aos limites, desde que não atrapalhe o
agronegócio. (...) Gera alguma esperança que o grupo visto como ambientalista
dentro do agronegócio ganhe mais força, talvez com outro governo ganhe realmente
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mais força e favoreça um agronegócio menos destrutível que o atual, mas é
sempre agronegócio...
Em relação à Educação, eu acho que vai ter que desempenhar uma batalha violenta
(...). A Educação ainda é algo que está sendo explorado, que ainda tem o lastro de
exploração... E os setores que fazem essa exploração na Educação? Tem um peso
econômico e político maior do que tem atualmente, não estão consolidados como o
agronegócio, mas é uma força sem dúvida nenhuma. Também é uma coisa que se
você for ver, vem desde os governos do PSDB, passou pelos governos petistas,
chega na atual lógica da privatização, de tratar como sujeito prioritário o
empresariado, enfim... Que tem diferença que é isso liberais de fato na época do PT
e agora são conservadores fascistas, né? Então, a Educação ganha um ar de
disputa ideológica, do ponto de vista econômico é a mesma coisa, de privatizar,
sucatear ensino público e por vai desvalorizar a carreira do docente, flexibilizar as
formas de contratação do professor, enfim, a lógica é a mesma. Mas, agora tem o
ideológico, não é um mais qualquer, é não pode tocar em certos assuntos e por
vai, uma perseguição visível dentro dos espaços da Educação... [Quer dizer] ainda é
um espaço têm mais possibilidade de disputa a curto prazo, eu acho que a gente
tem possibilidade de conseguir reverter alguns aspectos ainda que o movimento seja
muito forte, acho que tem espaço pra luta dos trabalhadores, pra gente recuperar um
certo prestígio da Educação pública, recuperar, redemocratizar a universidade,
entende? No sentido das eleições dos seus reitores, seu corpo diretor, de recursos
para pesquisa, que é o que acabou, né? Noutro governo, eu vejo como uma
possibilidade a curto prazo, de maior liberdade de possibilidade de conversa sobre
certos assuntos. [De forma semelhante, num novo governo], acho que a gente tem
melhores perspectivas comparativamente com o agronegócio.
Mas não quer dizer que são excelentes perspectivas, porque acho que do ponto de
vista do trabalho a gente muito mal, dada às condições de hoje, o nível de
precarização da condição do trabalho do docente é impressionante, as formas de
contratação hoje. Hoje mais de 50% não são concursados. Então, existem várias
formas de contratação, [inclusive] as mais precárias que vão criando prejuízos reais
ao trabalho pedagógico e num desenvolvimento de qualidade. Porque, [sic] o
cara ser contratado por tipo “uberização”, literalmente, ser contratado por hora que
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alguém faltou, você cobrir a pessoa... Pior ainda, o cara está lá, vai trabalhar uma
coisa que nem é área dele imediata, a condição da própria vida do professor a
possibilidade dele se qualificar, de ter tranquilidade de vida, de estudar. Eu acho que
nesse sentido a gente muito mal e não vejo reversão a curto prazo não, eu vejo
mais no sentido do campo ideológico de uma revalorização do espaço público, da
universidade, da redemocratização no sentido de reocupar certas conferências,
certos espaços de discussão que a gente perdeu tudo, né? (...)
E pra área ambiental, eu falei de modo geral, [vale reiterar] agora é devastador.
Claro que tem uma esperança entrando com um candidato mais à esquerda, para
recompor, como tenho visto falas do Lula, enquanto candidato favorito. Ele
incorporou mais elementos de discussões de sustentabilidade, preservação, enfim.
Isso pode ajudar, eu tenho esperança assim, porque ainda que não se avance muito,
que se reverta o que foi perdido. (...) É... A base do Lula vai puxar pra esse lado...
Mesmo porque assim, o empresário “terra arrasada” está vinculado ao Bolsonaro,
né? O grande capital vinculado ao que quer derrubar tudo e explorar ao máximo não
vai apoiar o Lula.
Alexandre: Pode atrapalhar o próprio agronegócio. Esse “empresário da terra
arrasada” pode atrapalhar, pois os mercados internacionais estão todos de olho.
Frederico: Sim, sim! Eu tenho conversado com algumas pessoas do agronegócio e
eles falam isso... Eu vejo com otimismo, assim, o PT, e sei que vai precisar fazer
uma base de um empresariado verde, digamos assim. Tem alguns parâmetros,
senso ético, que entende que exploração tem que ter um limite, pra própria
manutenção da forma de exploração. Que hoje você conviver com esses povos
tradicionais atrai o mercado internacional, né? Que se você manter a Amazônia em
atrai o mercado internacional. Então, acho que o Lula vai por aí, vai recuperar
uma regulamentação forte que tinha no Brasil, retomar a estrutura de Estado que era
importante ao Brasil, IBAMA, ICMBIO, MMA. Ainda que dentro desse limite, de um
capitalismo verde, mas de uma economia mais diversificada. Acho que a gente tem
possibilidades razoáveis no campo ambiental, no campo da educação, vejo menos
no campo stricto sensu, na produção agrícola e também menos, de certa forma, na
questão mineral que é muito destrutiva, feroz. Mas, ainda assim, eu vejo
possibilidade nesses limites de pensar algo mais no capitalismo verde, capitalismo
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mais democrático, minimamente humanitário. Certos princípios éticos de respeito ao
outro, coisas que hoje a gente não vive. Acredito nisso sim, acho que é uma
possibilidade real pro país.
E assim, então é isso, pensando no imediato como em 2023 e2022, é passar o ano
e ganhar a eleição, ou melhor, não deixar o Bolsonaro ganhar eleição. A médio
prazo imediato, pensando em 2023, e um pouco mais pra frente, eu acredito sim,
nessas possibilidades de uma governabilidade petista moderada com certos
princípios incorporados, de um capitalismo mais verde, uma economia mais
sustentável e maior respeito aos direitos básicos de dignidade humana. E assim,
pergunta que eu faria pra mim mesmo. Rapaz, eu não sei, essa é a pergunta mais
difícil de todas. Não sei! O que vocês estavam pensando quando botaram essa aí.
Alexandre: (...). Então, você pode fazer o fechamento.
Frederico: Meu fechamento é nesse caminhar que eu tenho feito aí, no último livro...
Assim, eu recomendo muito fortemente que vocês tenham fortes raízes nos autores
marxistas, latino-americano, europeu. É claro, uma leitura latina é necessária,
latino-americana pra pensar o mundo. Que vocês possam mergulhar cada vez mais
nisso, sempre abertos para as lutas antissistêmicas, pra essa diversidade que se
apresenta, pra outros saberes também, que é uma coisa que me ajudou muito na
vida, até pra ter serenidade pra enfrentar tudo que a gente vive.
(...) Eu estou chamando atenção pra importância do diálogo com as tradições, olhar
pra essas outras formas de saberes porque isso enriquece muito a nossa
experiência acadêmica, profissional, de vida. E nesse caminhar da construção de
um novo mundo porque eles trazem muitos elementos nessa perspectiva cada uma
no seu modo de pensar o mundo, mas traz muitos elementos pra gente pensar um
outro mundo. Então, vale a pena esse diálogo aí, tradições, marxismo e abertura
para o diálogo.
Alexandre: [Fred, não conhecia esse seu lado de fazer lutas marciais...] De fato é
um homem de luta. Oh, Fred, eu queria muito agradecer a sua generosidade...
Porque você nem sabia como seria aqui, não sabia que seria uma roda de
conversa... E no tempo que a gente está vivendo é muita coisa doar um tempo
assim, é muita coisa, estar aqui por duas horas, sua família entrando aí,
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participando... Então, assim, isso pra mim é tão militante quanto um front muito
evidente, sabe... Tão importante quanto estar no agronegócio, no cerrado diante
dos quilombolas, pra mim é muito parecido ao de dedicar esse tempo que você nos
deu...Hoje foi um dia muito prazeroso e foi uma honra recebê-lo aqui no nosso
grupo. E espero que, em breve, essa interlocução possa acontecer em situações
presenciais, saudáveis e também de luta. Porque acho como você falou, 2022 é
decisivo e a gente vai ter que se mostrar mesmo. porque eles são capazes ainda de
se organizar. E como a gente falou aqui, refletiu aqui, como é um discurso muito fácil
mesmo aqueles que parecem não estar mais com eles, são rapidamente seduzidos.
Te agradeço muito! Agradeço a todos vocês, a gente no momento de se despedir.
É muito legal você ter vindo aqui...
Frederico: Obrigado a todos pela presença e vamos continuar, tem muita coisa pra
falar, conversar. Quem lendo o livro 8aí, depois se quiser, a gente pode marcar
mais um encontro... Tá joia? Agora vou lá cuidar do meu pequeno..
Alexandre: Valeu, Fred! Tudo de bom.
8Frederico refere-se ao livro de Karl Polanyi, publicado pela editora Campus, em 1990, intitulado “A grande
transformação: as origens da nossa época.
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