V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X


EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OUTROS MODOS DE VIDA1


Marcela de Marco Sobral2 Mauro Guimarães3 Ana Moura Arroz4

Resumo

A partir da crise civilizatória resultante de um modo de produção que demonstra sua insustentabilidade socioambiental, propomos refletir sobre a formação de educadores ambientais que estejam aptos a contribuir na transformação dessa realidade. Acreditamos na necessária radicalidade do ambiente educativo para a formação desse Educador, portanto, baseado na proposta formativa da “ComVivência Pedagógica”, buscamos investigar as possibilidades imersivas em comunidades intencionais (alternativas) como ambiente educativo propício.

Palavras chaves: Educação Ambiental Crítica; Formação de educadores; ComVivência Pedagógica.


EDUCACIÓN AMBIENTAL Y OTROS ESTILOS DE VIDA


Resumen

A partir de la crisis civilizatoria producto de un modo de producción que demuestra su insostenibilidad socioambiental, proponemos reflexionar sobre la formación de educadores ambientales que sean capaces de contribuir a la transformación de esta realidad. Creemos en la radicalidad necesaria del ambiente educativo para la formación de este Educador, por eso, a partir de la propuesta formativa de la “ComVivência Pedagógica”, buscamos investigar las posibilidades inmersivas en comunidades intencionales (alternativas) como ambiente educativo propicio.

Palabras clave: Educación Ambiental Crítica; Formación de educadores; ComVivencia Pedagógica


ENVIRONMENTAL EDUCATION AND OTHER LIFESTYLES


Abstract

From the civilizational crisis resulting from a mode of production that demonstrates its socio-environmental unsustainability, we propose to reflect on the training of environmental educators who are able to contribute to the transformation of this reality. We believe in the necessary radicality of the educational environment for the formation of this Educator, therefore, based on the formative proposal of the “ComVivência Pedagógica”, we seek to investigate the immersive possibilities in intentional communities (alternatives) as a conducive educational environment.

Keywords: Critical Environmental Education; Educator training; ComVivência Pedagógica


1 Artigo recebido em 29/07/2022. Primeira avaliação em 30/07/2022. Segunda avaliação em 17/08/2022. Aprovado em 13/09/2022. Publicado em 10/11/2022.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i43.55413.

2 Doutora em Educação pela UFRRJ, consultora independente. E-mail: marcelasobral@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6687068379557223. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0695-1272.

3 Doutor em Ciências Sociais pela UFRRJ; Professor Associado da UFRRJ.

E-mail: guimamauro@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5382444630321221. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4158-313X.

4 Doutora em Psicologia pela Universidade dos Açores. Professora Auxiliar do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Integrante dos centros de investigação GBA - Grupo da Biodiversidade dos Açores (www.gba.uac.pt) e cE3c – Centre for Ecology, Evolution and Environmental Changes. http://ce3c.ciencias.ulisboa.pt/team/IERS.

E-mail: ana.mm.arroz@uac.pt. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8279-4470.

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Introdução


O isolamento social imposto pelo advento da pandemia do COVID-19 tornou ainda mais evidente o atual momento de incertezas que vivemos e as incongruências do atual paradigma da humanidade. A crise em que já estávamos foi amplificada e requer reflexões mais profundas sobre o nosso modelo de sociedade. Em diferentes dimensões temos sofrido impactos, e os problemas ambientais, econômicos, políticos, tecnológicos, institucionais e educacionais tem tornado ainda mais visíveis a incapacidade dos seres humanos diante do pensamento e realidade que reina na nossa estrutura social.

Uma estrutura pavimentada sobre uma base estruturante filosófica, psicológica, existencial, cultural e espiritual que vem orientando histórica e progressivamente o sistema pelo qual a sociedade humana se organiza no planeta Terra e condiciona as relações com a natureza, com as outras espécies, com os outros seres humanos em suas variadas esferas compartilhadas. Ou seja, o paradigma comum em que estamos mergulhados, uma propriedade coletiva da humanidade ocidental (Kuhn apud BOEIRA; KOSLOWSKI, 2009).

A noção fundamental de paradigma, desenvolvida por Kuhn (idem), tem valor pela grande contribuição de ter evidenciado um pano de fundo coletivo que embora oculto, determina os pressupostos e os postulados científicos. Este conceito central foi utilizado na compreensão da sociedade, confirmando que há um campo subjacente aos saberes coletivos, que comandam e controlam os esquemas do pensamento social, das crenças e que tem uma imensa força e domínio sobre as teorias e compreensão de determinada sociedade, ao mesmo tempo em que é difuso, porque permeia todo o tecido social, por meio de diversos sentidos, não identificáveis, vagos, mas que gera a adesão (até inconsciente) a uma determinada visão de mundo (PELEGRINI, 2012).

Esta compreensão é importante, porque um dos maiores problemas da humanidade tem sido o de lidar com a crise ecológica, no fundo, uma crise paradigmática em que o desafio é desconstruir e superar os modelos vigentes (GUIMARÃES, 2004, 2011). Porém, a possibilidade real de que nossos governantes levem a sério a crise civilizatória e ajam firmemente para alterar esse rumo é pouco ou quase inexistente.


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Uma crise que funciona na lógica da imposição do sistema sobre o ambiente, da acumulação do capital em um modo de produção e consumo crescente, baseada na dominação e exploração socioambiental, alimentada por uma racionalidade moderna, instrumental e condicionada por uma mais-valia global (SOUZA SANTOS, 2002). O problema é que esse contexto opera uma naturalização de suas consequências no indivíduo, onde a maior parte dos seres humanos, não está ciente ou pensa ser normal as externalidades do capitalismo, tornando-se, agentes e vítimas dessa crise, em seu próprio cotidiano (NEPOMUCENO, 2015).

Encontramo-nos nos limites da sociedade atual, porque vivemos em um modelo de organização social que vem sendo criado ao longo da nossa história, fruto do aprendizado cultural de centenas de gerações anteriores, com suas práticas, crenças, valores e utopias pregressas. Se por um lado, esse modelo permitiu que sobrevivêssemos e nos tornássemos dominantes enquanto espécie, construímos sociedades baseadas na exploração e na submissão de quem tem “menos valor” (classes subalternas, populações marginais, outros modos de vida e natureza). Coloca-se assim uma noção de importância hierárquica, determinada pelo antropocentrismo e sua constelação de poder, dinheiro, estrato social, genitália, cor da pele, e tradições ditas “primitivas”, às custas da subordinação das culturas outras e dos demais seres vivos, alçando a modernidade (a cultura ocidental) como modelo hegemônico que se projeta ao suposto altar dos seres representantes do mundo globalizado.

Como se vê atualmente, as práticas humanas estão fundamentadas, cada uma, num imaginário que despreza a diversidade, e que, constitui e reproduz o paradigma da sociedade, nos diferentes ambientes e circunstâncias. Um imaginário que se manifesta também na escola e nos diversos ambientes educativos. Daí que, fomentar processos criticamente efetivos para que os paradigmas sejam transcendidos e superados é um papel importante a ser considerado para a Educação e a Educação Ambiental (EA).

As mudanças climáticas que despontam como um espelho da crise civilizatória, reforçam a necessidade de se ter em conta, nas reflexões sobre a Educação, as amarras do paradigma que nos envolve, visando contribuir na formação de seres sociais que possam transcender os limites estruturais e condicionadores do pensamento coletivo e individual.


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Desde a ECO-92 o movimento ambientalista se enraizou e se expandiu no Brasil, e a EA, ganhou mais fôlego e embora sem muito apoio político, se instaurou nos recantos do país. Sem nenhuma pretensão de resgatar a sua trajetória histórica ou as suas vertentes, já tão bem relatada por outros autores (LAYRARGUES; LIMA, 2011; SAUVÉ, 2005; SORRENTINO, 2000) cabe aqui nesse contexto, ajudar a refletir em como repensar a formação de educadores que, muitas vezes não tem formação em educação ambiental, para torná-la mais efetiva na formação do cidadão.

Não se trata apenas de estabelecer novos métodos, pedagogicidades ou de se enfronhar criticamente nos debates culturais para a superação das falhas e despreparos dos educadores. O que inquieta é que a EA, vem hegemonicamente também se limitando pelo paradigma vigente e pela mentalidade colonial que orienta a sociedade atual.

Apesar de fazer confrontos políticos, econômicos e sociais, a criticidade de uma EA, pode estar contida no campo de uma intelectualidade e racionalidade hegemônica e ter dificuldade em se converter em práxis, ou seja, mesmo com toda a contraposição ao sistema e o esforço em superar as contradições, ao possuir como parâmetro o paradigma atual condicionante mantém como origem de seu ponto de vista crítico, a referência materialista e dicotômica, que se traduz nas relações sujeito-objeto; humano-natureza; eu-outro (TARNAS, 2009), desconsiderando outras perspectivas.


O educador, Ser mais ambiental


Uma abordagem crítica da EA reflete-se em uma prática coerente com o discurso crítico e que busque superar as limitações do paradigma vigente. Para isso, o educador ambiental tem uma importância crucial, pois é a sua atuação pedagógica que demarcará os limites e as possibilidades de fomentar a reflexão dos alunos e educandos.

Atuar como educador ambiental não é apenas transmitir conhecimentos, informações ou procedimentos que possam colaborar na preservação ambiental e com isso transformar o comportamento de cada indivíduo. Esta perspectiva é discutida entre os vários autores da EA como sendo conservadora, justamente porque se limita em transitar pela esfera privada da vida, sob a égide privatista do

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modelo capitalista neoliberal vigente, sem propor reflexões que ampliem para a esfera pública (estruturada pelas relações de poder de dominação e exploração) a compreensão que corrobore em processos de transformação social. Ou seja, pela falta da criticidade disruptiva “ajusta-se à reprodução do status quo” (GUIMARÃES, 2004, p. 20) mantendo uma visão conservadora para realizar educação ambiental.

Os atos educativos e seus processos dependem de um educador, daquele que media processos capazes de fomentar o aprendizado pelo sujeito (educando). Na EA, esse educador precisaria ter feito um percurso de ação que o tenha formado com as habilidades, reflexões e, principalmente, convicções necessárias a fomentar transformações desejadas em termos de sociedade e paradigmas existentes.

A questão é que estes elementos não são claros, já que se constroem subjetivamente, e não a partir de conteúdo(s) determinado(s) ou processos mensuráveis, controláveis, técnicos ou procedimentais acerca do meio ambiente. Contudo, a premissa de que o educador ambiental é uma figura-chave como mediador no processo educativo em prol de uma sociedade melhor, mais equânime, ultrapassa em muito a lógica ao qual nos debatemos, porque exige ampliar os pressupostos atuais da modernidade ao qual estamos submersos e o entrelaçamento das questões socioambientais à uma visão mais complexa, imbricada na teia da vida, cuja ignorância se reflete em diversas facetas e nos desequilíbrios pelos quais passa a sociedade humana.

Na investigação que sustenta este artigo, provocada pelo anseio de atuar e contribuir para um mundo melhor, mais sustentável, coube levantar aspectos embutidos em sujeitos que buscaram viver de forma mais sustentável para perceber se essas experiências poderiam trazer contribuições para a formação de educadores ambientais. Para isso, buscou-se avançar em outras possibilidades e em outras proposições de modos de vida, no intuito de perspectivar como a ação pedagógica do educador ambiental, poderia, de fato, contribuir para uma transição paradigmática na construção de uma outra sociedade mais sustentável.

Cada educador, enquanto sujeito que educa, tem a sua práxis diretamente relacionada às suas características pessoais, determinadas pela sua história de vida, formação institucionais e informais, constructos relacionais, vivências e aprendizados com/na natureza, e as visões de qual mundo “novo”, ou novo paradigma, se quer, se é que se quer. Dessa forma, o educador ambiental seria não somente um representante fiel do que Isabel Carvalho (2004) denomina como

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“sujeito ecológico”, mas também um sujeito capaz de planejar processos que influenciem, pela prática educativa, outros seres humanos em uma nova organização e modos de vida.

Parafraseando Paulo Freire, o educador ambiental seria antes de tudo uma liderança, alguém que teve em sua formação a possibilidade de criar a partir de si mesmo a produção e a construção do seu conhecimento (FREIRE, 1987) ou ainda que tenha vivenciado situações e ambientes educativos “impregnado por uma práxis pedagógica que busque a ruptura do pensar e agir hegemônico.” (GUIMARÃES, 2004, p. 26).

Neste sentido, a construção de práticas conscientes, oriundas de reflexão e concretizadas em uma coerência de vida e em seus posicionamentos políticos, sociais, ambientais etc., são em realidade reflexos de toda uma complexidade humana à qual é preciso se ter em conta ao pensar em processos formativos, para compor uma formação/forma de ação. Para que ocorra o impulso a uma possível transformação social pesa também as características do educador e não apenas a quantidade de conteúdos e informações que ele é capaz de organizar ou dinamizar.

Não há regras e nem procedimentos prontos ou fáceis, e nem há que se ter. Na realidade, podemos elaborar parâmetros, reflexões, provocações, procedimentos éticos, nortes, guias de ação e outros, mas ainda assim, pode se questionar se todos estes aparatos pedagógicos, constituídos dentro desse mesmo sistema que queremos transformar e que inconscientemente reproduzimos em nosso dia a dia, possibilitariam desenvolver um pensamento disruptivo, crítico, reflexivo, atuante, interventivo e, principalmente, efetivo para a EA. Para que ela seja realmente emancipatória e transformadora, não só para o educando individualmente, mas no coletivo, afim de reposicionar as bases de nossa sociedade em outras premissas.

Historicamente, a EA crítica é uma abordagem que se diferencia justamente por buscar aprofundar as contradições da sociedade, as relações de poder estruturante de uma realidade desigual (JACOBI, 2005; LIMA, 2009). Enquanto campo de estudo, critica e se contrapõe às tendências conservadoras que muitas vezes individualiza e comportamentaliza o processo pedagógico. Em seus pressupostos estão a reflexão crítica, a emancipação transformadora e a problematização do ambiente, bases de uma práxis que provoque a compreensão e a ruptura de estarmos sendo levados pela correnteza do rio, ao mesmo tempo em


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que questiona se seria esse o “caminho único” a seguir, como ilustra a “metáfora do Rio” em Guimarães (2004).

Para tanto, a EA crítica se coloca como uma estratégia que revele as relações de poder e exploração, e fomente criar nexos que permitam a superação do senso comum, sincrético, difuso e reduzido, em prol da racionalidade coerente em tecer a transformação dos sujeitos, pelo discernir da complexidade presente no tecido social. Assim, tem um papel fundamental em estimular inferências (relações complexas) capazes de contextualizar as partes, entre si e com a totalidade, e dessa totalidade com suas partes, num movimento recíproco de ir e vir, uma interação indispensável em relações complexas.

No presente momento, há uma grande importância social e planetária, de que essas inferências ocorram e se consolidem no contexto da humanidade. Entretanto, à parte de serem ainda poucos os educadores ambientais, tendo em vista a dimensão da crise civilizatória, o que temos visto é que mesmo por mais problematizadora e crítica que a EA possa ser, sua prática também não tem efetivado mudanças no rumo em que a sociedade vem tomando ao longo dos tempos. A sensação é similar a de estarmos num trem desgovernado em que os educadores ambientais, embarcados nesse contexto, podem até discernir com nitidez os problemas que causam o descarrilamento, porém não parecem possuir maiores ou menores recursos para atuar, de forma efetiva, a evitar que o trem caia no abismo. Isto porque como educadores e seres sociais que somos, também temos o nosso pensar e fazer, conduzido por este mundo dicotômico, que nos enlaça na “armadilha paradigmática” (GUIMARÃES, 2004).

Neste sentido, a inserção consciente do educador no coletivo, que atua em processos de transformações sociais é essencial, já que transformado pela experienciação pode vislumbrar a construção de novas realidades. Esta relação indivíduo-sociedade é dialética, simbiótica, dialógica e horizontal daí que, pode ser uma trilha a ser traçada para gerar aprendizagens potentes para a transformação da sociedade e dos sujeitos que a compõem, ao torná-la um processo consciente e intencional de cada sujeito.

Esta não é uma tarefa fácil, é hercúlea e não exclusiva de educadores, porém de grande importância, pois fomentar a potencialidade humana e a inteligência (não só a cognitiva), presente em cada ser vivo e também no planeta, para ir além da reflexão crítica e ousar traçar novos caminhos, sobretudo com coerência e com a

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convicção de que, se não agirmos conjuntamente como sociedade, numa lógica de cooperação coordenada para sair da crise civilizatória e minimizar as suas consequências, corremos o risco da extinção em várias esferas.

Neste sentido, um dos desafios, refere-se à ampliação de visões de mundo , que superem a racionalidade instrumental e disjuntiva da modernidade, para contemplar outras cosmovisões, epistemologias e a pluralidade de dimensões, no intuito de criar alternativas em como transgredir a hegemonia cultural ocidental que nos condiciona.

De Witt (2013) afirma que construímos uma visão filtrada da realidade pelos nossos sistemas de crenças e valores e isso nos confronta com um desafio na construção de um paradigma planetário sustentável; em como interromper ou desviar a atual forma de estar e agir, totalmente imersa nos parâmetros dados por um sistema capitalista. Para a autora, as visões de mundo perfazem os “sistemas inescapáveis” de interpretação e atuação na realidade, com base em “uma constelação complexa de pressupostos ontológicos, capacidades epistêmicas e éticas e valores estéticos que convergem para organizar dinamicamente uma apreensão sintética do mundo exterior e experiências interiores.” (DE WITT, 2013, p.80).

Fluir rumo a outros componentes pouco valorizados, inclusive na ciência social, que nos constituem e identificam como seres humanos, para que possamos resgatar ou aprender processos que auxiliem a desencaixar o limitado e limitante paradigma em nós mesmos. Afinal, mesmo que pela reflexão crítica o condenemos, ainda assim, estamos presos em suas armadilhas, pois o que caracteriza o paradigma é justamente o fato de estar tão presente que se torna oculto na trama das nossas inconsciências, mas que determina a forma que incidimos no mundo, definindo nossas ações, julgamentos, pensamentos, reflexões, ações, emoções e, obviamente também nas práticas educativas.

Assim, uma proposta de formação educativa que fomente a criação desse educador - sujeito ecológico, precisa descontruir o caminho “único” criado pela modernidade e suas formas de fazer ciência, trazendo outras perspectivas de compreensão de mundo. Busca-se assim superar as bases deterministas na interlocução com outras cosmovisões e epistemologias, e cuja radicalidade da experiência contribua na formação desses educadores rumo à transição paradigmática.

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Ao pensar em quem seria esse sujeito transformado e transformador, que educa, em quais seriam suas bases formativas e visões de mundo, que atua junto aos outros para que sejam atores de uma outra sociedade, nos inspiramos em Carvalho (2004) de que esse educador ambiental precisa estar permeado pelo “sujeito ecológico”, e tornar-se um “ser mais ambiental” (GRANIER, 2017).


Dimensões das comunidades intencionais na conexão com a ComVivência Pedagógica


Tem-se levantado a importância de repensar as intervenções educacionais na EA, discutindo conceitos essenciais em Paulo Freire (FREIRE, 1992, 1987) e da necessidade de estar imerso no contexto, na prática pedagógica, para então poder ousar o “inédito viável” na EA e impregnar suas práticas diárias com significado e sentido.

Os processos formativos em EA tem sido objeto de estudo ao longo do tempo e hoje é uma das linhas de pesquisa do Grupo de Estudos e Pesquisa em EA, Diversidade e Sustentabilidade (GEPEADS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Para propor formas de romper com a “armadilha paradigmática” na qual os educadores se encontram mergulhados, Guimarães (2004) propôs eixos essenciais ao planejamento de processos formativos e, de lá para cá, o GEPEADS tem produzido trabalhos nesta linha, culminando na proposição teórica e metodológica da ComVivência Pedagógica como provocadora de um processo dinamizador para uma EA efetiva e emancipatória. Esta proposição se imbui de propiciar uma troca de experiências significativas, pela convivência e pelas vivências, de educadores em formação, em ambientes imersivos, caracterizados por modos de vida por outros referenciais paradigmáticos e epistemológicos, silenciados na hegemonia da modernidade.

A ComVivência Pedagógica se baseia pela possibilidade de educadores, vivenciarem num ambiente educativo, dialético e dialógico, horizontal e amoroso, um processo formativo com vistas a transcender a noção mais material do rumo a uma dimensão mais ampla, a partir da noção de ambiente como movimento complexo e fluído entre ser humano, sociedade e natureza, cujo constante desenvolvimento e transformação, constituiria o pano de fundo, intrínseco e extrínseco dos educadores para tornarem-se atores reais de transformação.

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Guimarães (2004) propunha o ambiente educativo como movimento, em um dos dez eixos propostos como necessários na formação de educadores ambientais. Assim, este ambiente educativo teria o papel de provocar, mobilizar e construir uma ativação da consciência sob uma perspectiva diversa da disjuntiva, ao propiciar, em conjunto com outros eixos e princípios, uma experiência significativa fruto de uma perspectiva integrativa, que considere outros espaços, tempos e saberes, com a inclusão de outras epistemologias (FARIA, 2021).

Numa proposta mais recente, a ComVivência Pedagógica que vem sendo construída no âmbito do GEPEADS, o ambiente educativo como eixo, torna-se algo preparado e planejado para catalisar os processos educativos e encontra-se subsidiado por cinco princípios formativos: intencionalidade transformadora, postura conectiva, desestabilização criativa, reflexão crítica e indignação ética; que, em conjunto, potencializariam uma ruptura com as certezas e com a perspectiva disjuntiva, em uma mentalidade que opera comportamentos padronizados e que fragmenta as potencialidades dos seres humanos.

A ComVivência Pedagógica, seria então, uma base para formar coletivamente o educador-sujeito ecológico, em um ambiente educativo intencional, radical, a partir de outras referências, constituindo-se numa imersão de reflexão pela desestabilização interna dada por estes diferentes espaços, para que na ação e reflexão da práxis pedagógica possibilite transformar e ser transformado no intuito de se tornar um Educador “mais ambiental”.

Dessa forma, a ideia do educador como um ser mais ambiental emerge da reciprocidade entre a desconstrução do “caminho único” pelo ser natural que se emancipa, se potencializa e se torna “mais”, se tornando um sujeito mais consciente, inteiro, íntegro e integrado com a multidimensionalidade do mundo (GRANIER, 2017). Este conceito sintetiza a restauração do sujeito na teia complexa da vida, em que as premissas de conexão com o mundo natural, em que o todo é uno (Um), e os outros ritmos, estão contemplados, e na qual pela práxis concretiza a possibilidade de atuar pela Educação, em processos emancipatórios.

Contudo, no sentido de complementar à proposição inicial, em que o ambiente pedagógico é selecionado previamente, reconhecido e preparado como fundante para que ocorra o processo educativo numa ComVivência Pedagógica; na pesquisa que sustenta este artigo, não foi planejada ou organizada uma ação educativa em um ambiente preparado. Outrossim, se priorizou conhecer mais acerca de uma

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realidade já existente, o das comunidades intencionais , que assim como outros espaços, cujas diferentes epistemologias estão presentes, foi priorizado a partir do pressuposto de que seria um local onde os sujeitos que ali convergem, estariam mais próximos do “ser mais ambiental”. Esse pressuposto guiou a investigação, na busca de emergir as subjetividades dessas pessoas, a partir de suas próprias percepções sobre aspectos de sua interioridade e das práticas que elegem para colaborar na promoção de seus processos de desenvolvimento pessoal, conquanto serem indivíduos integrados em uma coletividade carregada de propósitos e utopias, e cientes da conexão que vivenciam com os outros e com a natureza; numa perspectiva coletiva, de se estabelecer outras relações, estruturantes de outros modos de vida, em suas formas de produzir, consumir e se relacionar com a Natureza.

A mudança pessoal, a valorização do autoconhecimento, o desenvolvimento espiritual, uma alimentação com base ética, a interioridade, seriam então dimensões essenciais, já constatadas em membros de comunidades intencionais (ROYSEN, 2018) e que poderiam ser também contempladas na trajetória formativa de educadores ambientais.

Estes componentes da interioridade dos sujeitos poderiam ser fomentados para provocar, por uma intencionalidade transformadora, a necessária desestabilização criativa e a reflexão crítica geradoras de uma postura conectiva , consigo e com o todo, capaz de permear o sujeito individual e coletivo, por todos os lados e em todas as direções, para reestruturar conscientemente, novas atitudes e uma nova visão de mundo integrativa , consolidadoras de possibilidades para novos e diversos caminhos.

Outros autores (CARVALHO, 2016; ROYSEN, 2018) já haviam revelado a existência de antecedentes com preocupações ecológicas e ambientais nos comunitários, aquando da decisão de ir morar em uma comunidade intencional, um processo identificado por Borelli (2014) como completamente natural. Porém, o olhar mais apurado sobre estas motivações, revelou que esse “processo natural”, foi resultado de situações desencadeadas por decisões importantes, onde essas pessoas se sentiram numa espécie de encruzilhada, com variados gatilhos, que inflamaram a indignação ética que culminou em edificar uma intencionalidade transformadora de viver com maior coerência com princípios internos e externos. Por


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isso, enveredar em alguns elementos das subjetividades dos comunitários, estimulou a reflexão das ausências no espectro da EA.

Convictos de que vale a pena aprofundar-se em sujeitos “mais conscientes” numa perspectiva integral, para que contribuam na caracterização de como se estrutura, interiormente, a indignação e a intencionalidade nos comunitários, pode subsidiar a inclusão de outros elementos no processo formativo do Educador Ambiental. Numa investigação realizada na base de que pessoas que buscam por uma vida mais sustentável, são guiadas muito mais por valores intrínsecos do que extrínsecos (HEDLUND-DE WITT, 2013), que parecem culminar em consciência, numa espécie de “despertar interior” (MARDACHE, 2017).

Nesse despertar interior relacionam-se desde experiências espirituais ou insights obtidos a partir da superação das dificuldades enfrentadas, instigadas por diferentes objetivos nos sujeitos das comunidades, mas com interfaces que suscitam como um potencial para expandir outras dimensões a serem trabalhadas na formação de educadores ambientais.

A investigação mostrou que a escolha em romper e transgredir com a sociedade limitada e renunciar aos seus embustes para ousar construir uma vida mais coerente, equilibrada, com vínculos amorosos, em uma postura conectiva com a natureza, com os outros, com o sagrado e com o todo, juntamente com a indignação ética, consolidou a perspectiva de vivenciar a sustentabilidade e mobilizou diferentes pessoas se deslocarem de cidades para ir viver em uma comunidade intencional (VICDAN; HONG, 2018), num vislumbre significativo de que “um outro modo de vida é possível”, o de uma boa vida.

Aliás, a aposta em um “buen vivir” são dimensões pouco consideradas no alienante modelo hegemônico e tampouco nos processos formativos, contudo, são construções internas importantes e mobilizadoras dos sujeitos, e possivelmente fundantes da tentativa de ser feliz, mas que atualmente se expressa no consumo desenfreado, em um tipo de felicidade externa e egocêntrica, construída pela modernidade.

De certa maneira, a escolha feita nesta investigação, em percorrer um caminho que mergulha no particular, em conhecer aspectos específicos de moradores de comunidades intencionais, pode suscitar críticas, por parecer estar desconectada da visão global que a complexidade ambiental exige. Entretanto, esta particularização em determinadas variáveis da pesquisa, longe de fragmentar o

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sujeito pela lógica reducionista ou de considerar que uma parte do ser humano se sobreporia ao ser integral, pretendeu revelar aspectos nem sempre claros ou fáceis de captar em seres humanos, que foram considerados presentes nos comunitários em outros estudos, e que se alinham nas bases da proposta da ComVivência Pedagógica, por parecer estar mais próximo do que seria um Ser Mais Ambiental (GRANIER, 2017).

As experiências nas comunidades intencionais podem ser consideradas pequenas, mas podem nos ensinar práticas divergentes do modelo hegemônico atual, expressadas por sujeitos com uma visão de mundo integrativa (DE WITT, 2013), que buscam criar espaços coerentes, mais condizentes com a realidade complexa planetária, ao inserir na vida cotidiana a necessidade urgente de agir em prol da vida e do planeta. Assim, são experiências que nos remetem à utopia, a um outro paradigma e podem servir, portanto, como uma referência interessante para observar, refletir e transformar o mundo em que vivemos.


As interfaces com uma experiência significativa


As percepções dos comunitários sobre suas próprias vidas, pretendia conhecer suas caraterísticas e poder captar, sob suas perspectivas, aspectos subjetivos que os orientaram na decisão de ir viver em uma comunidade intencional; a avaliação que fazem da importância dessa experiência em suas vidas, suas causas desencadeadoras, os impactos e as mudanças que obtiveram como resultado desta escolha.

Os estudos focavam nos indivíduos e nas comunidades como unidades de análise e pretendia identificar preditores relacionados aos aspectos pessoais, ao estilo de vida, às práticas realizadas coletivamente e individualmente por seus membros; também avaliar os valores e ideologias presentes, os fatores que impulsionaram/condicionaram a adesão; o cotidiano da comunicação sobre sustentabilidade entre os pares; as mudanças percebidas ao longo dos tempos, entre outras.

Nos indivíduos, a investigação se concentrou em compreender o bem-estar, estilo de vida, satisfação e qualidade de vida; e as percepções das diferentes temáticas que os comunitários têm como prioridade em suas vidas na comunidade intencional, além de buscar compreender melhor quem eram os comunitários: perfil,

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níveis de estudo, escolhas alimentares; visões de mundo, sentido da vida, espiritualidade e desenvolvimento interior; afim de detectar determinantes da escolha por este modo de vida e subsidiar reflexões que contribuam no processo formativo de educadores ambientais.

Os resultados apontam que as cosmovisões dos comunitários estão inseridas numa visão de mundo integrativa que considera a multiplicidade da realidade e sua interdependência tanto de fatores extrínsecos, baseados no pensamento cognitivo, racional e científico, como de fatores intrínsecos que percebe e insere o imanente, o divino, as emoções, a espiritualidade (DE WITT, 2013). Uma visão que rompe com a dicotomia e integra o pensamento racional com o sentido de conexão com o cosmos, com a natureza e com o divino, se reconciliando com os todos os seres vivos.

Os investigados também consideram sua vida satisfatória e possuem forte relação com uma espiritualidade elevada, mais personalizada, não dependente de instituições religiosas, caracterizada por englobar primariamente, a dimensão da consciência ecológica e de um poder superior, e a dimensão dos relacionamentos, secundariamente.

Em termos de práticas espirituais, as atividades nas comunidades como a meditação, a contemplação e outras de fruição interior são frequentes, tanto em conjunto como individualmente.

Quanto as motivações que os fizeram optar por viver na comunidade intencional foram elencadas como principais, aspectos relativos à promoção da sustentabilidade e do desenvolvimento pessoal (contemplando desde a alimentação, até ser uma pessoa melhor e mais desenvolvida espiritualmente). Buscar viver próximo à natureza, se relacionar com pessoas convergentes e o pertencimento também foram motivações determinantes. Como causas geradoras para a decisão, apareceram: o sentido de conexão consigo mesmo, a desestabilização por conflitos sociais e ou cognitivos, a necessidade de viver com um disciplinamento ético, (seguir regras ou práticas) e, fazer parte de processos e dinâmicas que propulsionam a transformação social.

Os inquiridos atribuíram uma grande importância à vida comunitária tanto na transformação percebida em suas vidas pessoais, pela oportunidade de autodesenvolvimento e ampliação do sentido de conexão (em quatro dimensões:


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capacidades, autoconsciência, habilidades e emoções); como na esfera coletiva, por legitimar a viabilidade de um modelo social alternativo e uma práxis cooperativa.

Estes resultados parecem demonstrar uma possível associação entre a sensibilidade para as causas ambientais e uma postura conectiva, que considera o todo e a espiritualidade. Provavelmente pelo fato de estarem sensíveis a causas ambientais e planetárias.

Foi verificado ainda, que os comunitários vivenciam a espiritualidade de forma intensa no cotidiano. Vale notar que em tais práticas encontram-se atividades que expandem suas percepções sobre si mesmos e sobre os outros, e incluem a meditação, a vida em sintonia com o meio natural e seus ritmos, até a constante necessidade de superação conjunta de desafios, sejam estruturais ou relacionais.

Em suas perspectivas, os comunitários revelam que é no cotidiano da comunidade que se pode criar a coerência entre a teoria e a prática, do interno com o externo, algo que pode ter grande relevância na elaboração de estratégias de EA que cooperem para superar o paradigma disjuntivo.

Em alguma medida os comunitários ousaram, romper com a “armadilha paradigmática” em suas vidas diárias, buscando uma conjugação mais coerente com a complexidade ambiental, seja gerando menos impactos e/ou confiando numa certa Inteligência que subjaz os ritmos e movimentos naturais do planeta.

As pessoas, mesmo quando confrontadoras da realidade, estão limitadas se operarem apenas pelo pensamento racional e crítico, como caminho único de superação. Daí a importância de se considerar outras categorias da transformação interior, como as que vem sendo construídas pelos comunitários nas reciprocidades de suas relações com os outros, com o meio, com os sentidos, com a natureza, com o sagrado e com o todo, em uma dimensão informal, mas sem dúvida, educativa. Uma pretensão presente na proposição da ComVivência Pedagógica, que pode fomentar um salto nos processos formativos ao contemplar o sujeito como ser integral, o coletivo como espaços de crescimento exponencial e a sociedade saudável, utópica, como resultante do “inédito viável” (FREIRE, 1987).

Nepomuceno (2015) afirma a importância de integrar a dimensão da espiritualidade e do sagrado no campo da EA crítica, uma natural vocação espiritual arraigada em uma das origens do ambientalismo, sem com isso abandonar o percurso social, político ou de engajamento que faz parte de seu DNA. Porém, expandir o seu escopo no diálogo crítico com as multidimensionalidades da vida e

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da sociedade, sem ingenuidades ou alinhamento conservadores, é afirmar a humanidade presente em nós, como sujeitos, como coletivos e como sociedade. Entretanto, cabe reconhecer que a complexidade ambiental fica facilmente contida na capacidade racional humana condicionada e muitas vezes, desconsidera na prática, a complexidade humana e suas nuances holísticas, subjetivas, criativas, emocionais, espirituais, relacionais etc.

Os resultados demonstraram que muitos dos componentes fundantes da abordagem teórico-metodológica da ComVivência Pedagógica, são elementos ativos na vida dos comunitários e que podem ser potencializados como experiência significativa da comunidade intencional, se coadunando com os princípios formativos e os eixos provocadores desta proposição (FARIA, 2021), para fomentar a formação dos educadores.

As motivações, subjetividades e visão de mundo integrativa, presentes nos comunitários, são consonantes com a intencionalidade transformadora da proposta; que desencadeia uma postura conectiva na constância cotidiana de desestabilização criativa presente na comunidade, aspectos inerentes desta proposição pedagógica. Estes achados não se descolam dos outros dois princípios formativos da ComVivência Pedagógica, o da reflexão crítica e indignação ética, corroborando outros estudos do GEPEADS, em que todos os princípios formativos se inter-relacionam, possuem sinergia e são impulsionadores de uma dinâmica importante na criação do ambiente educativo.

Na perspectiva de transição paradigmática, a radicalidade é também um outro pressuposto dessa proposta teórico-metodológica para a EA. Com base em uma postura aberta e conectiva, comporia o caminho de formação do educador ambiental, ativo socialmente, que se posiciona, ao mesmo tempo, como sujeito a se transformar, e como facilitador da transformação, no outro, para os outros. Para isso, esse sujeito educador mais ambiental, precisa ter passado por experiências e processos que possibilitaram uma construção crítica da realidade; a aquisição de conteúdo, informações, ou métodos de como agir no ambiente; e também ter vivenciado em sua formação situações reais, experiências profundas na natureza, significativas, criadoras de choques de realidade, de outras vivências epistemológicas e outros sentidos.

Para contribuir na transformação das práticas educativas que estão na base da nossa sociedade, precisamos ampliar a percepção das ciências sociais e

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considerar o sujeito multifacetado, não só como parte (de uma comunidade ou de uma sociedade), mas como um ser inteiro e integrado num todo que está intrinsecamente relacionado com tudo e todos, se opondo à atual perspectiva cartesiana.

Nos comunitários desse estudo, este ambiente coletivo, de relações mais próximas, imbuídas de ações e propósitos, tem sido altamente impactante em suas vidas, e os tem transformado enquanto os possibilita viver de forma mais sustentável, exaltando a potência presente da reflexão em consonância com a ação sobre o mundo, afirmada em Freire (1992), e com intencionalidade para a sua transformação.

A experiência significativa de uma comunidade intencional não só incentiva a refletir com criticidades sobre o mundo em que vive, seu contexto social, os interesses dominantes, as forças de poder, a realidade presente etc., como traz sentido e significado construídos nos momentos vividos por meio das relações, afetos, laços solidários, empatia, amor e conexão.

Por todos estes elementos, considera-se que as comunidades intencionais são um ambiente educativo profícuo, onde se concretizam utopias, e relações humanas, cuja práxis no meio ambiente se estabelece, numa força conjunta e criativa inerente a estes pequenos grupos ausentes (SOUZA SANTOS, 2002), mas se ancoram na simplicidade voluntária, na renúncia com o estabelecido e na ruptura com o paradigma disjuntivo.

Ao estabelecer convergências da relação da comunidade intencional com a proposição teórico-metodológica da ComVivência Pedagógica, buscou-se representar as potencialidades das inter-relações entre os elementos constituintes dos princípios formativos e a experiência significativa, para os sujeitos, pela vivência em uma comunidade intencional sustentável e utópica.

Assim, as características inerentes ao ambiente educativo que foram identificadas na revisão sistemática, vinculam-se às categorias dos eixos provocadores (FARIA, 2021) e permeia o cotidiano das comunidades intencionais em diversas interfaces: na ruptura com a modernidade e seu modelo paradigmático, no reencontro com a natureza, nas dinâmicas diversas do espaço e suas temporalidades, no sentimento de pertencimento, na construção de sentidos, no choque de realidade, no conhecimento intuitivo e com o estabelecimento de relações


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outras. Eixos estes, importantes a serem contemplados para ampliar as dimensões usuais encontradas nos processos formativos da EA.

De forma inversa às outras investigações acerca da ComVivência Pedagógica em curso no GEPEADS, este trabalho se baseia a partir da conjectura de que nas comunidades intencionais, está potencialmente presente um “ser mais ambiental” e que estas já teriam sido iniciadas (ou fundadas) como locais disruptivos e decoloniais (apesar de estarem mais presentes no Hemisfério Norte).

Nestas comunidades intencionais há uma própria dinâmica, mobilizadora, inclusive, de processos educativos estruturados como o Gaia Education, por exemplo, o que não anula o seu perfil de ambiente educativo, como conceituado na ComVivência Pedagógica, pois são espaços carregados de significados diferenciados e epistemológicos, capazes de gerar experiências significativas, também para educadores ambientais em formação, que possam se inspirar nessas comunidades como laboratórios de novas relações de um porvir.


Considerações Possíveis


Uma das principais motivações para elaboração deste estudo perpassou pelo intuito de investigar o que leva determinados grupos de pessoas a mudar seu estilo de vida, a ponto de se afastar do paradigma hegemônico e viver em comunidades intencionais. Ressalva-se a importância das referências ao modo de vida das populações tradicionais originárias, que baseadas em outras formas de relação entre humanos, sociedade e natureza, relações mais integrativas e equilibradas que se sustentam a milhares de anos, inspiram e influenciam a constituição de comunidades intencionais.

A relevância desse tema pode ser percebida em diversas áreas, entretanto destacam-se algumas, pensando do ponto de vista tanto acadêmico como social. O primeiro se relaciona ao fato de que as pesquisas em torno de comunidades intencionais são raras no mundo e mais ainda em nosso país. O segundo é a possibilidade de compreender como moradores destas comunidades estruturam suas vidas e se, em seus cotidianos, há indícios que possam repercutir na construção de um modo de vida que possa referenciar a construção de relações socioambientalmente sustentável. Outro ponto é que se por um lado, essa investigação não pretende dar uma visão completa sobre todas as práticas

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subjetivas comunitárias existentes, a análise parcial feita da realidade do público-alvo desse estudo pode vir a ampliar o conhecimento atualmente existente, sobre os comunitários, sobre ser sustentável e possíveis implicações educativas, assim como sugerir questionamentos para novas investigações.

Nesse cenário, é interessante observar que a vida nas comunidades oferece vários atrativos para os sujeitos que procuram maior proximidade com a natureza e o menor impacto ao ambiente, o que inclui a produção orgânica de alimentos e de outros itens necessários, geração de energias por sistemas renováveis, partilha de bens comuns e ter hábitos mais saudáveis. Assim, as comunidades intencionais se sobressaem no quesito sustentabilidade.

A possibilidade de entrelaçar objetivos comuns no próprio cotidiano, adicionados por afetos, aprendizados, outros sistemas de governança comunitária participativas que considera as afinidades (a sociocracia ou decisões por consenso ou consentimento, por exemplo) e a espiritualidade, enquanto se atua objetivamente para minimizar o impacto de suas próprias ações no mundo são alguns dos aspectos visíveis no estudo realizado.

A maneira como as comunidades se organizam e se autogovernam, a partir de afinidades culturais, éticas, crenças, práticas espirituais, ideologias, utopias e senso de lugar, as distanciam do mainstream e coloca seus membros em maior conexão consigo mesmos, e com os outros, minimizando a individuação e aumentando o compromisso coletivo com o todo. Assim, o 'sentido de vida' compartilhado é algo que poderia ser potencializado em iniciativas de EA.

O “bem viver” é também um aspecto importante expressado no alto nível obtido de satisfação com a vida, manifestado na simplicidade das inter-relações com os outros seres e com a natureza, a partir de uma cosmovisão de interdependência com a Terra, Gaia. Uma conexão com o senso de lugar, que valoriza a sabedoria ancestral, a solidariedade, a harmonia e o desenvolvimento pessoal, propiciando uma vida plena e inovadora rumo à autossuficiência e sustentabilidade, que rejeita a perspectiva do planeta como sinônimo de mercadoria.

A possibilidade de expressar outra cosmovisão no cotidiano é um aspecto interessante que os moradores de comunidades intencionais têm vivenciado, ainda que ocultos e silenciados pelo sistema, as suas práticas procuram transcender o que a humanidade moderna e pós-moderna, têm feito até agora. Afinal, a leitura de mundo a partir de uma única cosmovisão, materialista, é inconsistente e se

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caracteriza pela inconsciência de seguirmos o “caminho único” sem perceber que estamos totalmente imbricados nesse paradigma, o que limita nossas ações, pensamentos e sentimentos por estarmos contaminados/inseridos/imersos inconscientemente nesta mesma visão de mundo hegemônica que partilhamos.

Neste sentido, a expectativa utópica e a ação cotidiana dos comunitários pode nos dar pistas e trazer à luz outras referências, daí que descobrir/inventar/criar/inovar com outros modelos é essencial, pois instiga outros fazeres e inspira um outro mundo possível, manifestando a utopia no cotidiano em relações desafiadoras, mas que visam união, respeito, empatia, amor, pertencimento, nas quais a espiritualidade e o autoconhecimento são elementos cruciais. Ou seja, as comunidades intencionais articulam um leque de práticas sustentáveis com o desenvolvimento pessoal afetando positivamente a qualidade de vida de todos eles, seja no bem-estar ou nas relações sociais.

Vivenciar o cotidiano de uma comunidade assim é uma experiência não só alternativa, mas criativa, na busca e encontro com outros referenciais, mais humanos, para se relacionar com a realidade mundial. Por isso, é constituição embrionária de um novo modo de organização social em seu modo de produção, consumo e relações com o outro: humano, seres vivos e natureza. Daí que inquirir e conhecer mais estes sujeitos, pode ser de grande interesse para pensar a formação de sujeitos educativos.

Há ainda que se valorar o papel da meditação, por ter se destacado como prática importante dos investigados. A meditação propicia a expansão da mente na conexão com todos os seres e pode colaborar na superação da armadilha paradigmática, especialmente no desenvolvimento da postura conectiva, por possuir como horizonte o reconhecimento do significado existencial e de direito à vida em todos os representantes encontrados no Universo, podendo vir a ser também uma prática fundamental na elaboração de propostas pedagógicas.

Aqui entrelaçamos o que está sendo desenvolvido e denominado por ComVivência Pedagógica, que tem o intuito de formar educadores ambientais numa perspectiva mais radical; em dois movimentos: reflexão (teoria) e imersão (prática); em ambiente significativo, educativo, intencional, com base em outras epistemologias, temporalidade, espaços e dinamizado por princípios formativos provocadores para a formação de um Educador Ambiental transformado e transformador.

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Dessa forma, os resultados obtidos podem colaborar na reflexão sobre a práxis dos educadores, possibilitando uma qualificação dos processos formativos em EA e propiciando o fomento a novos estudos científicos na área. Pode também, em longo prazo, subsidiar a concepção, elaboração e implementação de políticas públicas, considerando que a EA pode se revelar como possibilidade real no desenho de um novo modelo de relações sociopolíticas e econômicas (impacto social e cultural), já que o esgotamento planetário é eminente e a necessidade de inovação para superação desses problemas deve ser prioritário.

Sob a égide dos princípios formativos da ComVivência Pedagógica, analisamos que a comunidade intencional pode ser um exemplo do que se denomina “experiência significativa”, pois opera com o princípio da desestabilização criativa, oriunda da tentativa de romper com a “armadilha paradigmática”, impulsionada por motivações diversas de uma indignação ética, geradora da intencionalidade transformadora.

Neste sentido, a experiência em uma comunidade pode proporcionar uma experiência imersiva aos educadores e estimular uma postura conectiva, de conexão consigo mesmo, com os outros, com a natureza e o sagrado, potencializando outras dimensões do sujeito, em uma visão de mundo integrativa, superadora do padrão dominante, (estritamente focado no científico-racional cujo cérebro é na realidade, o centro de poder) que inclui fatores subjetivos, espirituais, de bem-estar e desenvolvimento pessoal e coletivo como referenciais importantes de processos formativos. E assim, contribuir para romper com as barreiras inconscientes, subjetivas e objetivas, da “armadilha paradigmática”; a partir do “reencontro com o natural”, base da Convivência Pedagógica.

Concluindo, os resultados encontrados podem ser pertinentes para pensar percursos educativos em formação de educadores ambientais, pois os comunitários ao viverem de forma alternativa, em harmonia com a natureza, a partir de ideologias próprias, rompem com o paradigma hegemônico, possibilitando novas referências de um ambiente educativo propício a uma experiência imersiva significativa. Espera-se que essas observações possam contribuir e potencializar a formação de educadores que sejam em sua radicalidade, dinamizadores de uma Educação Ambiental crítica, efetiva, transformadora e emancipatória.


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