V.20, nº 43, 2022 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X


Tese de Doutorado1



SOUZA, Vanessa Marcondes de2,. “Educação para permanecer no território”: a luta dos povos caiçaras frente a expansão do capital em Paraty-RJ, 2017. 112f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Resumo expandido


O município de Paraty-RJ, por conta de sua história vinculada aos grandes ciclos econômicos do país (ouro, cana-de-açúcar e café), possui uma reconhecida diversidade sociocultural, forjadas nesses contextos, constituída por povos tradicionais caiçaras, indígenas e quilombolas.

A Península da Juatinga é a região mais isolada do município, o acesso às dezenas de comunidades dessa região se faz pelo mar ou por longas trilhas, não havendo acesso por estradas. Os residentes dessa localidade se autorreconhecem como povos tradicionais caiçaras. Esses grupos enfrentam diversos conflitos socioambientais decorrentes dos diferentes modos de uso e apropriação do território em disputa e suas formas de regulação (especulação imobiliária, grilagem de terras, leis ambientais), ameaçando a permanência em seus territórios tradicionais.

Diante do modelo de desenvolvimento econômico que se estabeleceu no município e da sua inserção na dinâmica industrial capitalista, a educação escolar se tornou necessária como condição objetiva e material de existência desses povos, uma vez que a falta de escolas em algumas comunidades e a impossibilidade de


1 Resumo expandido recebido em 25/08/2022 . Aprovado pelos editores em 25/08/2022. Publicado em 10/11/2022. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v20i43.55710.

2 Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora de Ciências e Biologia. E-mail: vanessamarcondes@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2462602472243239.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5866-0050. Defendida em março de 2017, sob orientação do Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro. Disponível em: http://pos.eicos.psicologia.ufrj.br/wp-content/uploads/2017_DOUT_Vanessa_Marcondes_de_Souza.p df.


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concluir o ensino básico em outras têm trazido uma série de dificuldades, tais como: impossibilidade de tirar diversos documentos (como a carteira de pescador); a perda de benefícios do governo; pressão do conselho tutelar para a matrícula de crianças e jovens na escola; migração compulsória para outros lugares.

A luta política em particular pelo acesso à educação escolar dos povos e comunidades tradicionais, como parte constitutiva de suas lutas pelo direito de reproduzir seus modos de vida, está inserida no contexto da resistência contra o sistema do capital. Esta se estabelece na contradição entre modos de vida tradicionais, que historicamente educam pela oralidade e pela vivência, e as necessidades desses grupos de se apropriar da linguagem, do código escrito e de um conjunto de instrumentos legais e institucionais que regulam a sociedade moderna capitalista. Esse processo contraditório os leva a lutar e exigir uma escolarização pública (a partir da sua realidade e sua organização sociocultural) na afirmação de seus direitos e busca de reconhecimento de suas tradições, modo de vida e protagonismo.

Desta forma, esta pesquisa teve como objetivo geral analisar a relação entre a luta pela permanência no território tradicional dos povos caiçaras da Península da Juatinga e o acesso à educação escolar, explicitando os conflitos territoriais que os expropriam dos seus meios de produção e a disputa em torno do projeto de educação pela conquista da hegemonia frente à expansão do capital em Paraty.

Para tanto, foram realizadas entrevistas com caiçaras, lideranças do Fórum de Comunidades Tradicionais – movimento social local -, representante do Sindicato dos servidores públicos municipais de Paraty, professores que atuam nas escolas localizadas nas comunidades tradicionais, coordenadores das escolas e da Secretaria Municipal de Educação.

A presente pesquisa teve como fundamento teórico metodológico o materialismo histórico-dialético (MARX, 2011; GRAMSCI, 2007; 2001). A estrutura do texto está dividida em quatro capítulos. O primeiro capítulo traz um debate sobre povos e comunidades tradicionais e a origem histórica dos povos caiçaras no município de Paraty. Traz também o conceito de território utilizado nesta pesquisa, tendo como principal referencial Harvey (2006) e Porto-Gonçalves (2006) e os conflitos nos quais os povos tradicionais caiçaras estão submetidos diante da expansão capitalista sob seus territórios. Para isso, apresentou-se também as


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Unidades de Conservação presentes no município de Paraty e as formas como elas vêm sendo apropriadas pelas classes dominantes, reforçando o quadro de conflitos na região. Por último, fez-se um debate de como a educação escolar vem se conformando como uma questão de justiça ambiental, cuja conceituação é apresentada, principalmente, através de Acselrad (2010) e Martinez-Alier (2011).

No segundo capítulo, apresenta-se os dados sobre a situação e a realidade do oferecimento da educação formal no município de Paraty e os elementos de expropriação aos quais os povos caiçaras estão submetidos através da negação do acesso à educação escolar. Discute-se também o processo de disputa pelo projeto de educação entre diferentes classes na sociedade capitalista, apresentando quem são os agentes que tencionam essa disputa em Paraty.

No terceiro capítulo, apresentamos a discussão sobre o empresariamento da educação pública e as implicações do oferecimento de uma educação vinculada aos interesses hegemônicos às classes populares. Em seguida, apresenta-se a proposta educacional da Fundação Roberto Marinho e como esta se materializou em Paraty.

Tanto o capítulo 2, quanto o capítulo 3, têm como principal orientação teórica Algebaile (2009), Fontes (2006), Leher (2010; 2003), Martins (2009), Martins e

Neves (2010), Mendonça (2007) e Saviani (2011; 2008).

No quarto capítulo, à luz da Ecologia Política e Educação Ambiental Crítica (LOUREIRO, 2012), discutimos a relação entre a educação e a luta pelo território, apresentando o Fórum de Comunidades Tradicionais e suas ações políticas em busca de uma educação crítica. Finalizando este capítulo, buscamos dialogar e contribuir na construção de uma proposta que leve em consideração as relações sociais estabelecidas e impostas nesses territórios.

Podemos concluir que a escola vem sendo reivindicada pelos povos tradicionais, mas a educação escolar não é uma realidade pronta, estando em disputa, cabendo às lutas sociais consolidá-la como uma instituição de fato pública. Evidencia-se uma clara disputa pelo projeto de educação em Paraty. De um lado, o poder público, através de parcerias públicas privadas, ofereceu, entre 2011 e 2015, uma educação escolar aligeirada vinculada à ideologia das classes dominantes, que através dos seus aparelhos privados de hegemonia, como a Fundação Roberto Marinho, subordinaram a classe trabalhadora ao empresariado, contribuindo, através da educação, para reproduzir uma ideologia de fim dos conflitos de classe,


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enfraquecendo a luta histórica de resistência contra os mecanismos de expropriação e dominação social.

Do outro lado, temos os povos tradicionais, organizados no Fórum de Comunidades Tradicionais, lutando por uma educação que fortaleça não só o movimento, mas, principalmente, que garanta a permanência dos povos tradicionais em seus territórios, construindo uma outra hegemonia.

Se antes a expulsão dos caiçaras de seus territórios se dava de modo violento (coerção), atualmente se dá basicamente por mecanismos materiais e ideológicos de convencimento (consenso) dos caiçaras para aderirem ao projeto hegemônico de sociedade. Tais mecanismos materiais envolvem dificuldades de continuarem exercendo suas práticas tradicionais, a negação de direitos sociais e a precarização dos seus modos de vida, que apoiados em uma malha discursiva, reproduzida pela educação escolar, difunde uma ideologia favorável à vida urbano-industrial como única opção, levando-os a deixar seus territórios em busca de acesso às políticas públicas e a direitos, na certeza de melhores condições de vida na cidade.


Referências


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