V.21, nº 44, 2023 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X


CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE SANTA CATARINA: LEGITIMAÇÃO DE INTERESSES PRIVADOS NA ESCOLA PÚBLICA1

Fernanda Denise Siems2 Marcos Edgar Bassi3


Resumo

O artigo discute o papel assumido pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (CEE/SC) em relação às recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para o sistema estadual de ensino no período de 2010 a 2015. A pesquisa, de caráter documental, investiga à luz do materialismo histórico a atuação do Conselho que produziu uma chancela legitimadora ao elaborar propostas de natureza privatista para a formulação da política educacional estatal, derivadas de recomendações de organismo multilateral, em última instância, voltadas à acumulação capitalista.

Palavras-chave: política educacional; conselho estadual de educação; sistema estadual de ensino; privatização do ensino.


CONSEJO ESTATAL DE LA EDUCACIÓN DEL SANTA CATARINA: LEGITIMACIÓN DE LOS INTERESES PRIVADOS EM LA ESCUELA PÚBLICA


Resumen

El artículo analiza el papel asumido por el Consejo Estatal de Educación de Santa Catarina (CEE/SC) contra las recomendaciones de la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE) para el sistema educativo estatal entre 2010 a 2015. La investigación de naturaleza documental investiga a la luz del materialismo histórico la actuación del Consejo que produjo un sello legitimador al elaborar propuestas de carácter privatista para la formulación de la política educativa estatal de acuerdo con recomendaciones de un organismo multilateral, dirigidas a la acumulación capitalista.

Palabras clave: política educativa; consejo de educación del estado; sistema educativo estatal; privatización de la educación.


SANTA CATARINA'S STATE CONCIL OF EDUCATION: LEGITIMIZING PRIVATE INTERESSANTE IN PUBLIC SCHOOLS


Abstract

The article analyzes the role assumed by the State Education Council of Santa Catarina (CEE/SC) against the recommendations of the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) for the state educational system between 2010 and 2015. The research of documental nature, in the light of historical materialism, investigates the actions of the Council that produced a legitimizing seal by developing proposals from private nature for the formulation of state educational policy, according to the recommendations of a multilateral organization, aimed at capitalist accumulation.

Keywords: educational politics; state council of education; state education system; privatization of education.


1 Artigo recebido em 07/10/2023. Primeira avaliação em 10/01/2023. Segunda avaliação em 28/01/2023. Aprovado em 06/02/2023. Publicado em 13/04/2023.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v21i44/56118.

2 Mestre em Educação do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina - Brasil. Professora da Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina - Brasil.

E-mail: Fernanda.siems2020@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0545736637094782. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6838-9049.

3 Doutor em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Brasil. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Brasil. Pesquisador do Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho (Gepeto).

E-mail: marcos.e.bassi@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9989684322674470. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4556-2969.



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Introdução4


A educação pública brasileira tem sido, de forma paulatina e cada vez mais abrangente, invadida por ações e interesses privatizantes desde os anos 1990, os quais vêm sendo defendidos e implementados pelos próprios gestores públicos de plantão. A esse respeito, Theresa Adrião (2018), em balanço da literatura publicada entre 1990 e 2014, identifica 3 (três) dimensões que caracterizam as formas de privatização com incidência sobre a oferta educacional, a gestão da educação e o currículo. No tocante à privatização da gestão da educação pública, forma que, a nosso ver, tangencia o objeto deste artigo, a autora especifica tratar-se da transferência da gestão escolar para organizações sem e com fins de lucro, a cooperativas de pais e trabalhadores e da gestão do sistema educacional para empresas e também organizações supostamente “não-lucrativas”. No entender de Freitas (2018), a privatização na educação pública é a categoria central da reforma empresarial da educação.

O presente artigo pretende contribuir com essa discussão ao trazer para o debate uma forma de privatização da educação pública no âmbito de atuação dos conselhos de educação, não identificada entre as dimensões categorizadas por Adrião (2018). Nesses espaços da gestão educacional, instâncias de assessoramento e normatização da educação básica brasileira, o alcance da privatização e os interesses que subordinam a educação pública – socialmente referenciada e financiada pelo Poder Público – ao setor privado, com fins de lucro, nem sempre é evidente.

Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é mostrar e discutir o papel assumido e exercido pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (CEE/SC) que, ao emitir documento denominado “Proposição de novos rumos para a qualidade da educação em Santa Catarina: visão do CEE sobre a avaliação da OCDE” (SANTA CATARINA, 2012), acabou por legitimar e normalizar para a formulação da política educacional catarinense um conjunto de recomendações advindas da OCDE. Tais recomendações encontram-se contidas em relatório avaliativo sobre o sistema educacional contratado pelo Governo do Estado de Santa Catarina (GESC) junto a esse organismo multilateral ainda em 2009 (OCDE, 2010). Dessa forma, em seu


4 Este artigo resulta da pesquisa de mestrado de Fernanda Denise Siems (2019) defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, (UFSC) - Brasil.


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documento, o CEE/SC concedeu legitimidade a recomendações de natureza da gestão privada para serem eventualmente adotadas na formulação da política educacional pelo GESC.

Para a análise proposta nesta pesquisa edificamos o percurso metodológico a partir de duas estratégias metodológicas, a saber, a revisão da bibliografia e a análise documental, tendo como perspectiva o enunciado de Poulantzas (1981, p.57) de que “nada existe para esse Estado, que não esteja escrito, e tudo que nele se faça deixa uma marca escrita em alguma parte”. É nesse sentido que tomamos os documentos como fontes históricas que sintetizam as disputas e embates em um determinado espaço- tempo. Se, por um lado, o documento transmite uma visão de mundo de seus idealizadores, por outro deixam escapar interesses particulares subjacentes que permitem compreender a quais processos históricos se vinculam.

O pressuposto teórico metodológico assumido neste trabalho considera que as diversas formas de atuação política dos Conselhos de Educação, nas suas transformações ao longo da história contemporânea, ao pertencerem à ossatura material do Estado (POULANTZAS, 1981), encontram-se limitados por um Estado cujas determinações políticas centrais se encontram subordinadas aos interesses privados.

A noção de hegemonia em Gramsci é o eixo central para a compreensão aqui proposta, devendo ser compreendida não apenas como sinônimo de construção do consenso em torno de um dado projeto de dominação de classe, mas como a combinação da força e do consenso na concepção de Estado integral, no seio do qual se articulam a sociedade política e sociedade civil, sendo o próprio Estado (conforme Poulantzas) atravessado pela luta de classes. Nesse sentido, a legalidade, o conjunto de normas e leis que revestem a democracia liberal e constituem a aparência de uma instituição democrática, como um conselho, possuem duplo sentido: a forma e a substância. No plano formal, possui a aparência de uma instituição emancipatória da classe subalterna, mas em sua substância, é a própria representação dos interesses da classe dominante (GRAMSCI, 2004, p. 84).

Nessa perspectiva, de acordo com a pesquisa que deu ensejo a este estudo (SIEMS, 2019), os Conselhos de Educação, sob o manto do interesse geral e da neutralidade, tanto podem atuar na defesa da educação pública como um direito de todos, quanto podem contribuir para a aceitação de projetos os quais, sob a aparência


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de concessão de benefícios, resultarão em retrocessos sociais para a classe trabalhadora. Em outras palavras, mesmo os projetos apresentados como de interesse geral e supostamente neutros, são obscurecidos por uma linguagem legitimadora tornando-se mais palatáveis e aceitáveis, inclusive pela população destinatária dessas políticas.

O sentido aqui atribuído à legitimação, por sua vez, é tributário àquele formulado por O’Connor (1977) a respeito das duas funções básicas exercidas pelo Estado na destinação do orçamento público de garantia da reprodução do sistema capitalista: acumulação e legitimação. De acordo com esse autor, “[...] o Estado deve tentar manter, ou criar, as condições em que se faça possível uma lucrativa acumulação do capital”, ao mesmo tempo em que, por meio da legitimação, cria e mantém as condições da harmonia social (O’CONNOR, 1977, p. 19). O conceito fica mais nítido e adequado ao objeto deste estudo na formulação de Fabrício de Oliveira:


A função legitimação deriva da necessidade de se obter o consenso e o apoio das classes sociais e suas frações às ações do Estado. Isso significa que este, embora comprometido com o processo de acumulação, deve também destinar recursos de seu orçamento para assegurar a reprodução material da classe dominada – base em que assenta a reprodução do próprio sistema – e, com isso, garantir, a coesão social em torno dos projetos implementados, evitando-se questionamentos do sistema e garantindo a legitimidade da ação estatal. (OLIVEIRA, 2012, p. 64-65, grifos nossos).


Entretanto, deve-se acrescentar algo mais à formulação original de O´Connor (1977), que entendeu a legitimação proporcionada pelo Estado em direção ao mercado em prol da acumulação. Ou seja, a privatização da gestão da educação pública, como examinada neste estudo, é entendida como a introjeção dos interesses, procedimentos e mecanismos de natureza privada e mercantil nos processos próprios do Estado; portanto, ao reverso ou antes de alcançar o mercado, mas que, ao fim e ao cabo, serve da mesma forma ao processo de acumulação capitalista.

As reformas educacionais decorrentes do processo de privatização seguem essa mesma lógica, a qual não se manifesta imediatamente e se relaciona, em certa medida, ao peso da burocracia estatal e de sua importância para a formação do consenso, qual seja, a legitimação de medidas liberais no âmbito das políticas públicas por meio da instrumentalização de uma instituição capaz de chancelar tais medidas.


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Como observou Gramsci (2017, p. 62), a burocracia é “[...] a força consuetudinária e conservadora mais perigosa; se ela chega a se constituir como um corpo solidário, voltado para si mesmo e independente da massa [...]”, este corpo termina por se tornar anacrônico, “[...] e nesse sentido esvaziado de seu conteúdo social, resta como solto no ar”.

Essa estratégia privatista pode ser explicada, inicialmente, a partir de um breve detour histórico sobre o papel dos conselhos de educação na estrutura do Estado brasileiro, seguido da descrição das relações de Santa Catarina com a OCDE, da análise dos interesses privados no seio da gestão educacional estadual e, antes das conclusões, da análise da legitimação das recomendações deste organismo multilateral realizada pelo CEE/SC.


Conselho de educação na estrutura do Estado brasileiro


Os conselhos estaduais de educação fazem parte do aparelho de Estado desde a década de 1960 e foram constantemente modificados em sua atuação principal, traduzindo ideais e concepções mais amplas de educação, de acordo com cada período histórico. Originalmente, na ideologia liberal, se pretendia a articulação dos conselhos como canal de diálogo entre Estado e sociedade, para regulamentação e normatização dos sistemas de ensino e controle social do direito à educação. Os conselhos são órgãos colegiados com função deliberativa e de aconselhamento sobre a matéria educação, criados para que os governos possam decidir sobre políticas públicas e adaptá-las às suas realidades locais.

No Brasil, ainda durante o Império, a primeira tentativa de criação de um Conselho de Educação, incluído na estrutura da administração pública, ocorreu na Bahia, em 1842. Em nível nacional, a Comissão de Instrução Pública propôs o Conselho Geral de Instrução Pública em 1846, e, em 1870, o ministro do Império Paulino Cícero renomeou este conselho como Conselho Superior de Instrução Pública (BORDIGNON, 2004, p. 22). No período republicano, durante a Primeira República, foi criado, em 1925, o Conselho Nacional de Ensino, substituído logo após a Revolução de 1930 pelo Conselho Nacional de Educação, criado em 1931. Com o fim do Estado Novo e no contexto democrático inaugurado pela nova Constituição em 1946 é instituído o Conselho Federal de Educação (CFE), promulgado pela LDBEN


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de 1961, que também criou os Conselhos Estaduais. Neste contexto, o CEE/SC foi criado em 1962 (SANTA CATARINA, 1962). Por fim, em nível nacional, o CFE é extinto e substituído pelo atual Conselho Nacional de Educação em 1995 (CURY, 2006).

A constituição dos conselhos no Brasil foi defendida por um longo período como possibilidade de abertura de espaços públicos com maior participação da sociedade civil, caracterizando a ampliação do processo de democratização da sociedade. No entanto, de acordo com Valle (1996), esses espaços tiveram sua atuação alterada logo no período do Golpe Empresarial-Militar de 1964, passando a atuar de forma cartorial e burocrática, adaptando-se às necessidades do novo regime, atendendo a orientações expressas nos Planos Nacionais de Desenvolvimento e em acordo com os compromissos e estratégias de determinados setores sociais contemplados no novo aparelho de Estado ditatorial. Portanto, a concepção do conselho como um “estado maior” da educação, a partir de um conjunto de instâncias autônomas que previam a atuação de especialistas na área, não se consagrou.

O período de redemocratização dos anos 1980 trouxe um clima de euforia com o movimento da constituinte de 1987, sob a perspectiva de uma nova organização social e política que permitiria maior participação da sociedade nos processos decisórios. Mas, ainda que superada a Ditadura, este período deixou marcas persistentes na organização política do novo ciclo que se iniciava. A superação do regime ditatorial não indicava uma ruptura, mas sim o realinhamento de classes e elites dominantes em um processo de redemocratização limitado e controlado, voltado às necessidades de preservação e reprodução dos mesmos setores dominantes, na medida em que “esse era um jogo de cartas marcadas, restritivo em termos sociais e racialmente seletivo” (DREIFUSS, 1989, p.10), um circuito fechado aos agrupamentos subalternos e subordinados.

Nesta lógica, após a Constituição de 1988, os conselhos foram reorganizados formalmente como garantidores de políticas de Estado, responsáveis pela implementação de políticas para além dos mandatos executivos, a fim de superar a transitoriedade dos governos, supostamente atuando como fórum de livre expressão de vontade plural e democrática. Os conselhos não legislam, suas funções são normativas, deliberativas e orientadoras. Assim, de acordo com Cury (2002, p. 2),



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Os conselhos, embora integrantes da estrutura de gestão dos sistemas de ensino, não falam pelo governo, mas falam ao governo, em nome da sociedade, uma vez que sua natureza é de órgãos de Estado. O Estado é a institucionalidade permanente da sociedade, enquanto os governos são transitórios.


Do ponto de vista formal, os Conselhos de Educação possuem ordenamento jurídico próprio referenciado pelo Conselho Nacional de Educação e constituem seus regimentos de acordo com as orientações definidas pelo Ministério da Educação, que prevê que seus membros devam possuir amplo conhecimento em educação e notável reconhecimento de competência na matéria perante a sociedade, possuidores de notório saber, capazes de deliberar e discutir em questões de interesse público e em defesa dos interesses da cidadania e do direito à educação. A despeito destas expectativas, Arelaro (2007) destaca que, após o longo período do regime ditatorial, mesmo os conceitos de participação e de liberdade de pensamento haviam se transformado e, por coerência, com o período democrático que se iniciava, substituiu- se uma relativa independência em relação ao poder Executivo por uma visão tecnocrática da educação.

Nessa perspectiva, e para o sentido assumido neste artigo, concordamos com Leher (2004, p. 30), para quem esse novo arranjo institucional, no bojo da redemocratização, teve como consequência o afastamento cada vez maior entre os Conselhos e o pensamento pedagógico, não mais aglutinando aspirações da população quanto à elaboração de um projeto nacional de educação. Segundo o autor:


A apropriação feita pelo capitalismo e pelo pensamento liberal- e também pelo neoliberalismo- atribui ao conselho um sentido completamente diferente daquele da esquerda: enquanto para a esquerda os conselhos objetivam assegurar a auto-organização e a auto-determinação dos trabalhadores (democracia como governo da maioria que vive do trabalho) para os liberais, e, sobretudo, para os neoliberais, os conselhos são instrumentos para ampliar a privatização do Estado (democracia como poder das classes possuidoras), conforme a lógica do capital.


Nesse sentido, a parcela correspondente à participação da sociedade no âmbito das instâncias deliberativas dentro do aparelho de Estado passou a ser crescentemente representada pelos aparelhos privados de hegemonia, elemento essencial para o exercício da hegemonia. Gramsci (2017, p. 119), a partir do


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entendimento de Estado integral, constituído por sociedade civil e sociedade política, sob a hegemonia das classes dominantes, percebe que “o Estado tem e pede o consenso, mas também “educa” este consenso através das associações políticas e sindicais, que, porém, são organismos privados, deixados à iniciativa privada da classe dirigente”. Desse modo, reúnem-se no seio do Estado e suas instituições todo tipo de livre associação da sociedade civil organizada, que, agindo como se constituíssem a legítima representação popular, executam um trabalho normativo no cotidiano do exercício de suas funções. Esse é o caso dos conselhos, que agem como se constituíssem a legítima representação popular, cujo objetivo é a manutenção da hegemonia e proteção de interesses de setores específicos da burguesia (NEVES, 2005), o que confere destaque ao sentido da legitimação dos interesses privados argumentado neste estudo.


As relações da educação estadual catarinense com a OCDE


As relações do estado de Santa Catarina com a OCDE remontam aos anos de 1980, ao menos por meio de um importante personagem político local. Luiz Henrique da Silveira (PMDB), que se tornaria governador do estado por dois mandatos consecutivos (2003-2006/2007-2010), já havia estabelecido contatos formais com este Organismo Multilateral (OM) em encontros oficiais e esporádicos. Um primeiro contato ocorreu quando Silveira ocupou o cargo de Ministro da Ciência e Tecnologia, na gestão do presidente José Sarney, período em que a OCDE enviou a primeira “missão” técnica ao Brasil. Depois Silveira participou da primeira missão brasileira à OCDE enviada à sede da organização em Paris em 1991, durante o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), quando as orientações neoliberais e privatistas passaram a ser efetivamente assumidas e implementadas na gestão pública federal. Desde então, essas relações se aprofundaram em acordos de cooperação.

Para compreendermos como se deu a parceria entre a OCDE e o governo estadual sob a gestão de Silveira, torna-se essencial identificar quais concepções de educação e sociedade já se encontravam presentes na visão do governo e que nortearam a busca pela OCDE para realizar a avaliação do sistema educacional catarinense. Desde o primeiro mandato do governador, a educação pública em Santa Catarina esteve subordinada aos esforços do Estado para “elevar os índices de


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desenvolvimento econômico”, mesma trajetória seguida pelos governos anteriores (AGUIAR, 2006). Esse tipo de parceria foi consolidada já no primeiro plano de desenvolvimento econômico de seu governo, em 2003, uma vez que este foi elaborado por meio de um acordo de cooperação técnica internacional entre o GESC e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Em Santa Catarina, as primeiras aproximações do governo Silveira com a OCDE datam de 2006. Naquele ano, o último do primeiro mandato de Silveira, alunos das redes de ensino do estado de Santa Catarina participaram em um grupo de estudantes de todos os estados dna avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) – cuja participação brasileira, especificamente em educação, teve início em 2000 (DAROS, 2013). Os resultados dos alunos catarinenses se destacaram nas primeiras posições, embora, de modo geral, o Brasil figurasse nos últimos lugares entre os países participantes (INEP, 2008). O desempenho das/dos catarinenses no PISA parece ter contribuído para o estreitamento da relação do GESC com a OCDE.

A relação entre a OCDE e o GESC foi estreitada e formalizada durante o segundo mandato do governo (SANTA CATARINA, 2012). Em 2009, o governo estadual formaliza a relação com a OCDE em contrato no qual encomenda uma avaliação do sistema educacional de Santa Catarina, cujo relatório foi entregue em 2010 (OCDE, 2010). Em 2009 e 2010, respectivamente, o GESC patrocinou, por meio da SED/SC, a I e a II Conferência Internacional de Especialistas em Educação, eventos promovidos pelo Centro de Pesquisa em Educação e Inovação (Centre for Educational Research and Innovation – CERI), órgão vinculado à OCDE. Diversas outras atividades conjuntas se estenderam até meados de 2010, como a publicação de um estudo nomeado “Inspirados pela tecnologia, norteados pela pedagogia: Uma Abordagem sistêmica das Inovações Educacionais de Base Tecnológica”, publicado em parceria com a SED/SC no mesmo ano.

Esse processo de crescente aproximação, consolidado na contratação da OCDE pelo governo estadual, pode ser caracterizado como um progressivo vetor para a privatização em direção à privatização intensiva, conforme argumentado por Freitas (2018,p. 59) ao tratar da reforma empresarial na educação, reforma cujo objetivo é “[...] transformar o ‘direito à educação’ em um ‘serviço’ a ser adquirido, em última instância, por vouchers e suas variantes de ‘provedores privados’ de


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educação”. No caso em tela, bem como no de outros organismos multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) – aqui compreendidos também como thinks tanks difusores do neoliberalismo, cujo parâmetro de funcionamento da sociedade é a “organização empresarial” – os relatórios resultantes são apresentados, divulgados e exaltados como “evidência empírica”.


Tornou-se recorrente a produção de relatórios de “evidência empírica” (uma espécie de “cartilha” do que funciona em educação (Christophe, Elacqua, Martinez, & Araujo e Oliveira, 2015) como arma de convencimento, como se fosse possível reunir um conjunto de estudos definitivos a favor ou contra determinada prática educativa. Eles têm uma utilidade do ponto de vista da organização da pesquisa científica, mas isso não significa que possam ser usados para orientar a implantação de políticas públicas, a chamada ”política com evidência”. Thinks tanks com farto financiamento empresarial se dedicam a esta tarefa de “revelar a verdade”. (FREITAS, 2018, p. 60, grifos do autor).


Esse é um primeiro argumento para se admitir que o documento produzido pelo CEE/SC funciona como legitimação das recomendações da OCDE como “evidências empíricas”, dando-lhes o caráter de “política com evidência”, e consequentemente consolidando o vetor para a privatização progressiva na orientação das políticas públicas educacionais na rede estadual de ensino de Santa Catarina.


A OCDE e o CEE/SC: interesses privados no centro da educação pública estadual catarinense


Torna-se claro que a perspectiva hegemônica dos interesses privatistas encontra-se engendrada no seio da educação estadual catarinense e, particularmente, na atuação do CEE/SC ao legitimar e normalizar recomendações de cunho privatista que servirão de referência para formulação e orientação da política educacional estadual.

Nessa direção, houve um esforço intenso por parte da OCDE e do governo do Estado a fim de alinharem seus discursos e organizarem o planejamento do trabalho. Esse movimento incluiu a participação, nas comitivas e equipes técnicas de avaliação da OCDE que percorreram a rede estadual de ensino, de certos personagens que eram ou haviam sido em algum momento conselheiros no CEE/SC e/ou ocupado cargos de livre provimento no governo e, por isso, tiveram atuação decisiva ao longo


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de todo o processo de legitimação das recomendações: Antonio Elízio Pazetto, Isaac Ferreira e Maurício Fernandes Pereira. Posteriormente, dois deles compuseram a Comissão especial instituída em portaria no âmbito do CEE/SC em 2011, por iniciativa deste próprio órgão, para analisar, estudar e propor ações a partir do documento da OCDE (SANTA CATARINA, 2012), a qual seria responsável pela elaboração do relatório que converteria as recomendações em proposições. Pereira presidia, então, o CEE/SC, e Pazetto atuou como Assessor Relator.

Antes de assessorar à Comissão especial no CEE/SC, Pazetto havia ocupado o cargo de Diretor de Educação Básica e Profissional da SEED/SC entre de 2007 a 2010, quando coordenou, com Pereira, as duas Conferências promovidas pela OCDE- CERI, período em que também foi Coordenador de Avaliação do Sistema Estadual de Educação, no âmbito da parceria GESC-OCDE.

Digno de nota é o esforço de publicização e defesa das recomendações delineadas no relatório da OCDE realizado pelos gestores públicos mencionados acima, antes mesmo da elaboração e publicação do documento final do CEE/SC. Particularmente interessante, no rastro desses reformadores empresariais, é a apresentação das recomendações à Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), realizada por Isaac Ferreira, em setembro de 2010. A FIESC reúne empresários do setor industrial e de associados ao Centro das Indústrias do Estado de Santa Catarina (CIESC), ao Serviço Social da Indústria (SESI) e ao Instituto Euvaldo Lodi de Santa Catarina (IEL/SC) e oferece, em seu site, espaço próprio para o Movimento Santa Catarina pela Educação, cujas ações de formação alcançam escolas, professores e gestores da rede estadual de ensino5.

O mesmo material de divulgação seria utilizado por Maurício Fernandes Pereira no “II Seminário Estadual dos Sistemas de Ensino: Novos Rumos para a Qualidade da Educação em Santa Catarina”, realizado na Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), em junho de 2012. Ou seja, as apresentações das recomendações já eram as mesmas que seriam, pouco tempo depois, chanceladas e legitimadas pelo CEE/SC.


5 “Movimento SC pela Educação: Visa mobilizar, articular e influenciar os setores econômicos e o poder público para melhorar a educação quanto à escolaridade, qualificação profissional e qualidade do ensino” (FIESC EDUCAÇÃO, 2021).


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Figura 1. Capa da apresentação de Antônio Elízio Pazeto e da apresentação de Isaac Ferreira.

Fonte: Pazeto (2010) e Ferreira (2010).



Figura 2. Slide 1. Foco da Avaliação da OCDE. Fonte: Pazeto (2010).


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Figura 3. Slides 3 e 4 Procedimentos.Fonte: Pazeto (2010)


Figura 4. Slide 6 Recomendações. Fonte: Pazeto (2010)


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Figura 5. Slide 7 Gestão. Fonte: Pazeto (2010).


Figura 6. Slide 8 Formação. Fonte: Pazeto (2010).


Figura 7. Slide 9 Currículo. Fonte: Pazeto (2010).


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Figura 8. Slide 10 Redes e Parcerias. Fonte: Pazeto (2010).



Figura 9. Slide 11 Internacionalização. Fonte: Pazeto (2010).



Figura 10. Slide 12 Pesquisa, inovação e desenvolvimento. Fonte: Pazeto (2010)


Na identificação dos interesses privados na educação pública catarinense convém considerar que a composição do CEE/SC e a forma de indicação e nomeação de seus conselheiros parece ter sido essencial no processo de legitimação das


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recomendações. Em 2012, na composição do CEE/SC não havia representações do magistério e dos estudantes, o que viria a acontecer somente em 2014, muito embora estivessem previstas no regimento interno do CEE/SC de 2005 (SANTA CATARINA, 2005, Art. 4º, § 3º).

Entre os 20 conselheiros titulares do CEE/SC durante o período 2010 a 2012, quando se processa o estudo em tela, apenas 7 (sete) mostravam algum vínculo com instituições públicas. Os outros 13 (treze) conselheiros, portanto, tinham algum vínculo com instituições privadas, sendo que 9 (nove) deles provinham de universidades comunitárias, e ocupavam ou haviam ocupado cargos na reitoria, vice-reitora e de direção. As redes de relacionamentos destes conselheiros, em particular, envolviam outras instituições do campo privado que, por sua vez, também se ocupavam de assuntos educacionais.

Cabe destacar em especial a Associação Catarinense das Fundações Educacionais (ACAFE), instituição que, de acordo com Valle (1996), forma verdadeiros “anéis burocráticos”, objetivando a conciliação de interesses de alguns conselheiros, particularmente aqueles que representam as instituições desta associação. A ACAFE é formada por 15 (quinze) instituições de educação superior, sendo 14 (quatorze) comunitárias e de natureza privada distribuídas por praticamente todo o território do estado catarinense, as mesmas que, alternadamente, têm seus reitores em assentos do conselho de educação.

Curiosamente, a Comissão instituída para analisar as recomendações da OCDE contava com maioria de conselheiros com algum vínculo originado no setor público: 5 (cinco) representantes tinham vínculo com o setor público e 4 (quatro) com o setor privado, contanto com mais dois servidores técnicos do CEE/SC. Convém salientar que Pazeto também compôs a comissão como assessor da relatoria, embora não fosse sequer conselheiro suplente, tendo coordenado, anos antes – note-se – o processo de avaliação do sistema estadual de ensino no contrato do GESC com a OCDE, ao mesmo tempo em que exerceu o cargo de direção da SED/SC. Isso revela um interesse particular no conteúdo do texto final, cuja matéria sob análise já vinha sendo por ele mesmo apresentada em eventos.

Algumas características estruturais do CEE/SC se mantém desde sua criação, em 1961, tais como: a atuação dos conselheiros nos mesmos espaços institucionais, com longa permanência nos cargos, estipulado em seis anos por mandato, com a


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possibilidade de recondução por igual período (muitas vezes alternando, ora como titular, ora como suplente); a cooptação de figuras proeminentes ligadas à burocracia pública e pedagógica (nomeados como conselheiros) e uma solidariedade institucional estabelecida numa rede de objetivos e compromissos (VALLE, 1996).

Os conselheiros também fazem jus a jetons, diárias e a recursos para deslocamentos pela participação nas reuniões. O regimento interno do CEE/SC (SANTA CATARINA, 2005, Art. 60) prevê que o jeton por sessão corresponda a 30% do menor vencimento da carreira do magistério público estadual, cabendo ao Presidente e ao Secretário uma representação mensal equivalente, respectivamente, a duas vezes e uma vez, o maior vencimento da carreira6. Mesmo constando do regulamento do CEE/SC, esses limites remuneratórios para a qualidade da educação em Santa Catarina, eram bem superiores, e variavam de R$ 9.315,00 até R$ 12.420,00 (com base nos valores de Setembro/2022), discriminados nas folhas de pagamento como remuneração de jetons. Os jetons nesses valores não deixaram de ser pagos no ano de 2020 durante o isolamento social imposto pela crise pandêmica COVID-19, apesar da suspensão das atividades do CEE/SC, beneficiando tanto os conselheiros titulares como os suplentes7 . Esses benefícios permaneceram inalterados em contexto em que os servidores estaduais tiveram suas remunerações e vantagens congelados até 2022 pela lei nacional de enfrentamento da pandemia (BRASIL, 2020).

São características que, além de assegurar as condições de funcionamento para que o Conselho possa executar suas atribuições, também podem influenciar, comprometer e até cooptar a disposição dos conselheiros no atendimento de determinados assuntos.


6 De acordo com a tabela de vencimentos do magistério público estadual em vigência desde novembro de 2021 até o momento em foi finalizado este artigo, o menor vencimento da carreira do magistério era igual a R$ 3.450,00 e o maior igual a R$ 8.151,68.

7 Dados extraídos do Portal da Transparência do Poder Executivo de Santa Catarina, por meio da consulta à remuneração dos servidores individualmente, através dos nomes dos conselheiros. Disponível em: http://www.transparencia.sc.gov.br/remuneracao-servidores. Acesso em 3 de outubro de 2022.


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O CEE/SC e a proposição de novos rumos: em direção à privatização


Para compreendermos o que vem a ser o documento publicado pelo CEE/SC, a “Proposição de novos rumos para a qualidade da educação em Santa Catarina”, temos que pontuar mais uma vez sobre as atribuições dos conselhos de educação.

Já foi dito que os conselhos de educação são órgãos de Estado, integrantes da estrutura de gestão dos sistemas de ensino e possuem funções deliberativas, consultivas, fiscais e mobilizadoras, mas cuja principal função é a normativa. Como bem sintetiza Cury (2006), o conselheiro interpreta a legislação, não é um legislador. Nesse sentido, um conselheiro não se confunde com um vereador, um deputado ou senador, não dispõe de autoridade para decretos ou medidas provisórias. Em síntese, a função normativa diz respeito à conformação da educação dentro da lei, interpretando-a a fim de garantir sua aplicação no sentido de garantir o direito à educação diante das inúmeras especificidades de cada território.

Essa função se materializa na forma de pareceres e resoluções, que devem ser compatíveis com a legislação que lhe dá fundamento: a Constituição Federal. É uma função acessória à lei correlata, o CEE/SC – assim, não legisla, apenas interpreta, organiza e adequa a lei às especificidades locais.

Um parecer é um ato enunciativo pelo qual o conselho emite um encaminhamento fundamentado sobre uma matéria de sua competência. Quando homologado por autoridade competente da administração pública, ganha força vinculante (como por exemplo, o credenciamento e descredenciamento de instituições de ensino, autorização de cursos, etc). A resolução é um ato normativo emanado de autoridade específica do poder executivo com competência em determinada matéria, regulando-a com fundamento em lei. O Conselho Nacional de Educação, por lei, é um órgão com poderes específicos para expedir uma resolução. O Conselho Estadual de Educação, por sua vez, emite as resoluções e pareceres correlatos, ao adaptar, reinterpretar e adequar as resoluções às especificidades de cada ente federativo e a cada sistema de ensino (CURY, 2006).


Assim, os conselhos, como órgãos de Estado, têm um duplo desafio: primeiro, garantir a permanência da institucionalidade e da continuidade das políticas educacionais e, segundo, agir como instituintes das vontades da sociedade que representam. (CURY, 2000, p. 2, grifos nossos).


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Resta muito claro que a função normativa é uma função derivada do/e pelo poder legislativo em harmonia e cooperação com os outros poderes, não sendo de competência dos conselhos emitir qualquer outro tipo de documento que não estes, que derivam de demanda de algum setor da sociedade (no caso dos pareceres que se referem ao credenciamento de instituições de ensino e autorizações de curso, etc.) ou de resoluções que derivam de demandas do Conselho Nacional de Educação já homologadas pelo Poder Executivo.

O documento elaborado pelo CEE/SC é, portanto, uma exceção a essa disposição. A iniciativa de análise das recomendações da OCDE partiu do próprio CEE/SC e não de demanda exterior, bem como não se encontraram justificativas para o tipo de documento denominado de proposição.

A legitimação, na forma de propostas, alçou as recomendações neoliberais de um Organismo Multilateral ao status permanente de política de Estado, na medida em que o CEE/SC possui a estatura de órgão de Estado, como assinalado por Cury (2000), estando assim plenamente aptas a serem adotadas e incorporadas na organização, no planejamento, na gestão e nas eventuais reformas implementadas no sistema estadual de ensino de Santa Catarina.

O movimento do CEE/SC para a legitimação se pauta na credibilidade que possui esse órgão sustentado em conselheiros nomeados pelo seu “notório saber”. Todavia, os instrumentos formais de parecer ou uma resolução ao alcance do Conselho de Educação não são compatíveis para a conversão requerida. Sem dispor desses instrumentos ou de alternativas do mesmo status formal, o CEE/SC, ao que parece, inovou com a publicação de um documento intitulado “proposição”, tendo que se considerar, no entanto, que tal publicação adequar-se-ia à função consultiva e de assessoramento superior prevista no seu regimento interno (SANTA CATARINA, 2005). Desde a sua publicação, em 2012, o documento “Proposição” tem sido referenciado em outros documentos e legislações estaduais como, por exemplo, no fundamento legal do Plano Estadual de Educação do Santa Catarina – 2015-2024 (SANTA CATARINA, 2015b). O Plano Estadual de Educação de Santa Catarina somente começou a ser elaborado em 2013, quando a SED/SC foi auditada pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC). O que faz supor que, até então, as recomendações da OCDE, por meio da “Proposição” do CEE/SC, supririam



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e subsidiariam a ausência de ações e iniciativas planejadas da gestão da educação estadual.

A “Proposição de novos rumos para a qualidade da educação em Santa Catarina”, afora as seções de apresentação, da introdução e das considerações finais, aborda as recomendações da OCDE em mais 6 seções: Formação do professor e do gestor educacional; Valorização do magistério; Currículo e prática pedagógica; Autonomia e gestão da escola; Organização e gestão do sistema educacional e estrutura física e técnica e Educação superior, pesquisa e desenvolvimento. Cada uma das seções está organizada em 3 subseções: constatações, princípios e diretrizes e as propostas.

O Quadro 1 reúne uma amostra das propostas inscritas nas seções Formação do professor e do gestor educacional e Valorização do magistério.


Quadro 1. Propostas elaboradas CEE/SC com base nas recomendações da OCDE


FORMAÇÃO DO PROFESSOR E DO GESTOR EDUCACIONAL

  • criação de parâmetros e estratégias de motivação profissional e salarial atrativos para candidatos à formação para o magistério;

  • adoção de estratégias de seleção de candidatos ao magistério, por meio de instrumentos que avaliem condições, competências e habilidades específicas para o exercício do magistério;

  • elaboração de políticas e de programas de formação continuada com base em indicadores de avaliação de desempenho e dos resultados da aprendizagem, centrados na escola e em suas demandas;

VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO

  • elaboração de novo Estatuto do Magistério e de Plano de Carreira, Cargos e Salários com indicadores profissionais e salariais atrativos e competitivos;

  • criação de um sistema de avaliação de conhecimento e de desempenho dos professores e dos gestores, associado à formação continuada, à progressão funcional e à valorização salarial;

  • criação de programas de incentivo por escola, com base na avaliação de conhecimento, de desempenho e de qualidade dos resultados obtidos pelos professores e pelos gestores;

  • criação de programas de valorização do papel do professor e da relevância social perante a sociedade;

  • criação de política de formação continuada associada à promoção na carreira docente, com base na avaliação de conhecimento e de desempenho, nas competências e nas habilidades requeridas e nos resultados da aprendizagem dos alunos;

Fonte: Elaboração própria, com base em Santa Catarina (2012)


Escolhemos somente algumas das propostas indicadas no documento do CEE/SC tendo em vista que, pelas limitações do presente trabalho, não poderíamos alcançar a amplitude dessas propostas Os slogans do meio empresarial e mercantil se repetem tanto nos textos da OCDE quanto nos textos do CEE/SC: motivação profissional e salarial atrativos, competências e habilidades, avaliação de


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desempenho e de conhecimentos, avaliação dos resultados da aprendizagem, salários competitivos, relevância social. São expressões que tem sua origem no campo privado e não são adequadas ao setor público e ao Estado. Entretanto se repetem ao longo de todo o documento.

Os organismos multilaterais enfatizam frequentemente a necessidade do Estado aumentar a eficácia e a eficiência dos gastos com educação. Para a consecução dessas orientações, “sugere que o setor público se apoie em modos de gestão utilizados pelo setor privado, tornando-se mais eficaz e ampliando a margem de uso de recursos” (SHIROMA; EVANGELISTA, 2011, p. 132). Nessa perspectiva, a gestão por resultados visa relacionar a profissionalização docente, a avaliação dos resultados de aprendizagem (accountability) e a consequente responsabilização destes resultados. Essa articulação leva a crer que se o aluno não aprende, a responsabilidade é do professor e da escola, desconsiderando a complexidade do processo ensino-aprendizagem.

Articulando a formação continuada para profissionalização docente à avaliação por resultados, a proposta de política de variação de remuneração por bonificação dos professores acaba por ocultar a crescente e real desvalorização da carreira docente, um modo de compensar os professores com abonos pontuais que não alteram, no entanto, seu plano de carreira e sua aposentadoria, ungida por uma ideologia gerencialista. Além disso, promove a fragmentação da categoria docente e desintegra os tradicionais laços de solidariedade promovendo a competição entre os professores. As alterações no Estatuto do Magistério e no Plano de Cargos e Salários, posteriores à publicação da “Proposição” e levadas a cabo pelo governo do Estado em 2015 (SANTA CATARINA, 2015a), tiveram, como uma de suas consequências, a perda de direitos historicamente conquistados pela categoria docente (VALVERDE, 2018). Se, por um lado, a responsabilização dos docentes pelos resultados não chegou a ser implementada como ação política pelo governo, por outro lado, o Plano de Cargos e Salários aprovado no âmbito da vigência do documento do CEE/SC aprofundou a precarização da carreira docente, ainda assim sem tirar do horizonte a possibilidade de implementação daquela política, em contexto em que as condições de luta se encontrem mais fragilizadas, após inúmeras derrotas, e não apresentem a

resistência necessária.


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Outros pesquisadores também observaram em suas pesquisas os rumos trilhados pelo CEE/SC na esteira privatista. A pesquisa de Ione Valle foi a primeira a se debruçar sobre a análise do CEE/SC. Nela, a autora concluiu que a política de contenção da expansão da rede estadual de educação básica implementada pela burocracia estatal do CEE/SC promoveu e favoreceu o crescimento da rede privada. De acordo com a autora,


A conformidade dos conselheiros é resultado da burocratização do exercício no poder. Esta acabou por engolfar a variabilidade dos interesses mais coletivos representados no órgão colegiado numa pseudo-visão consensual, capaz de assegurar o fechamento desse órgão em si mesmo e torná-lo mais permeável à influência dos setores sociais privilegiados. (VALLE, 1991, p. 279).


Ao analisar a expansão do ensino superior em Santa Catarina, Ricardo Velho (2003) constatou a participação do CEE/SC como sujeito organizador da interiorização do Ensino Superior preferencialmente pela via do ensino pago, e na conformação da universidade comunitária, forma híbrida de modelos jurídicos público e direito privado predominante em Santa Catarina.

A tese de Adalberto Tabalipa (2015, p. 109), partindo da análise do mesmo corpo documental objeto deste trabalho, concluiu que o relatório


[...] Avaliações de Políticas Nacionais de Educação, Santa Catarina Brasil, da OCDE (2010), e a resposta do Conselho Estadual de Educação a ele, representaram uma verdadeira fábrica de slogans que buscam direcionar a política educacional e promover o consenso sobre uma série de conceitos, como a Teoria do Capital Humano, Economia e Sociedade do Conhecimento, Qualidade, Eficiência, Eficácia e Autonomia, como forma de subsumir a educação superior catarinense à lógica privada.


Em linha com os achados do presente estudo, a constatação desses autores assume a dimensão de uma denúncia à cumplicidade do CEE/SC com a privatização e desmonte do sistema público estadual de educação de Santa Catarina.


Conclusões


Buscamos com esse artigo chamar a atenção para o fato de que, para além das formas cada vez mais sofisticadas de privatização, mercantilização e mercadorização da educação que incidem sobre a educação pública brasileira,



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existem processos silenciosos que correm à margem do amplo conhecimento da sociedade, em espaços que raramente são conhecidos ou percebidos, no coração dos conselhos de educação.

Nossa análise indica que os conselhos de educação parecem estar se consolidando como um novo espaço de disputa do empresariado educacional, no centro dos sistemas federal, estadual e municipal de ensino. Esse fenômeno se dá em razão de que, por um lado, os processos de mercantilização, por meio da oferta de mercadorias educacionais, mídias, apostilas, tornam-se um espaço atrativo de valorização do capital, por outro lado essa ocupação significa, para o empresariado educacional, a possibilidade de exercer o controle sobre a própria instância de controle social, poder influenciar na condução de políticas públicas e, de certo modo, determinar os rumos da educação pública.

A análise apresentada neste artigo fundamenta estas afirmações ao mostrar que o CEE/SC, ao elaborar e publicar o documento “Proposição de novos rumos para a qualidade da educação em Santa Catarina: visão do CEE sobre a avaliação da OCDE” (2012), atuou na legitimação de recomendações da OCDE para orientação à formulação da política educacional do estado de Santa Catarina, dando concretude ao vetor da privatização. Como norma, portanto, passa a ser utilizado para orientação de políticas de longo prazo, como é o caso do Plano Estadual de Educação e outras orientações emanadas da Secretaria de Educação. As alterações inspiradas nesse documento trouxeram perdas de direitos na carreira do magistério e colocaram no horizonte o risco de maior aprofundamento da precarização da docência na rede estadual, como as avaliações de desempenho e a possibilidade de responsabilização pelos resultados de aprendizagem, sem alterações que elevem a condição de vida dos trabalhadores ou garanta sua aposentadoria.

A conversão da recomendação em propostas promovidas pelo CEE/SC foi viabilizada por vários fatores, seja pela presença majoritária na composição do conselho de representantes advindos do setor privado da educação catarinense, seja pela presença de conselheiros ocupando cargos na cúpula educacional do governo estadual (e desse modo, com interesses diretos na legitimação das recomendações), seja pela remuneração recebida em forma de jetons – como forma material através da qual o Estado garante a referida conversão.



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Apesar de não ser suficiente, a ocupação dos espaços de discussão nos órgãos de controle social, os conselhos, é tarefa urgente de todos e todas que lutam por uma educação pública, laica, gratuita e socialmente referenciada de modo que se possa frear o ímpeto dos setores privados influenciarem a organização escolar, bem como a normatização e regulação dos sistemas de ensino que, ao fim e ao cabo, alteram o próprio fazer pedagógico em prol dos seus próprios interesses.


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