V.21, nº 44, 2023 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X


EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E PRÁXIS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DE E. P. THOMPSON1


Mauro Rogério de Almeida Vieira2


Resumo

O artigo indica como a experiência da classe trabalhadora na economia solidária contribui para a práxis político-educativa da educação profissional. Seguindo Thompson, parte-se da compreensão de que o ‘fazer-se’ da educação profissional é marcado pela disputa da formação da classe trabalhadora. Desse modo, a partir da investigação teórica e de observação-participante do projeto ‘GerAção Solidária/IFRN’, constata-se que a articulação da experiência de classe na economia solidária com a educação profissional promove um restabelecimento dos laços entre educação e os anseios da classes populares.

Palavras-chave: Educação profissional; Práxis; Experiência; Economia Solidária; E. P. Thompson.


EDUCACIÓN PROFESIONAL Y LA PRAXIS DE LA ECONOMÍA SOLIDARIA: UN ANÁLISIS A PARTIR DE LOS APORTES DE E. P. THOMPSON


Resumen

El artículo indica cómo la experiencia de la clase trabajadora en la economía solidaria contribuye a la praxis político-educativa de la educación profesional. Siguiendo a Thompson, el punto de partida es la comprensión de que el 'hacer' de la educación profesional está marcado por la disputa por la formación de la clase obrera. De esta manera, a partir de la investigación teórica y la observación-participante del proyecto 'GerAção Solidária/IFRN’, parece que la articulación de la experiencia de clase en la economía solidaria con la educación profesional promueve un restablecimiento de vínculos entre la educación y las aspiraciones de las clases populares.

Palabras Clave: Formación profesional; Práxis; Experiencia; Economía Solidaria; E. P. Thompson.


PROFESSIONAL EDUCATION AND THE PRAXIS OF SOLIDARITY ECONOMY: AN ANALYSIS BASED ON THE CONTRIBUTIONS OF E. P. THOMPSON


Abstract

The article indicates how the experience of the working class in the solidary economy contributes to the political-educational praxis of professional education. Following Thompson, the starting point is the understanding that the 'doing' of professional education is marked by the dispute over the formation of the working class. Thus, based on the theoretical investigation and participant-observation of the project 'GerAção Solidária/IFRN’, it appears that the articulation of the class experience in the solidarity economy with professional education promotes a reestablishment of the ties between education and the aspirations of the popular classes.

Keywords: Professional education; Praxis; Experience; Solidary Economy; E.P. Thompson.


1 Artigo recebido em 07/02/2023. Segunda avaliação em 10/03/2023. Segunda avaliação em 16/03/2023. Aprovado em 29/03/2023. Publicado em 13/04/2023.

DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v21i44.57309.

2Doutorando em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Ceará. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor de Filosofia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN/Mossoró.

E-mail: mauro.vieira@ifrn.edu.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9912305579298001. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2861-6176.


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Introdução


Este artigo situa-se nos debates acerca das relações entre trabalho e educação. O advento da sociedade dividida em classes desdobrou uma cisão entre trabalho e educação. O surgimento da escola, como espaço de formação humana por excelência, marca a emergência de um espaço de formação separado da produção. Esta separação tem atravessado a história de diversas sociedades marcadas pelo estigma da separação e oposição entre trabalho manual e trabalho intelectual. Na atualidade, as investigações sobre trabalho e educação tem ganhado uma importância necessária tendo em vista a busca por alternativas sociais e educacionais capazes de responder aos desafios impostos pela exigência de superação de um modo de vida que vem despontando como insuficiente e destrutivo diante da totalidade da problemática social.

Esta investigação, assim, apresenta uma proposta para rearticulação dos vínculos entre trabalho e educação a partir do contato mediado pelos processos formativos resultantes da relação entre a práxis da instituição escolar, no caso, o instituto de educação, ciência e tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN/Mossoró, e a práxis dos grupos de economia solidária.

A investigação teve como referenciais gerais as considerações teóricas do marxismo, notadamente as contribuições de E. P. Thompson. Segundo o autor, a realidade social é dotada de evidências acerca do modo como a classe social se configura e se forma na totalidade social. O autor nos provoca a debater as ideias que emergem do tecido social, da materialidade da vida, e não somente dos enunciados apresentados nos sistemas teóricos. Essas proposições são herdeiras do materialismo histórico-dialético de Marx e Engels e apresentam uma compreensão aprofundada dos acontecimentos históricos do século XX e as implicações que repercutem sobre o século XXI.

Em conformidade com a assertiva de Thompson (1987) de que a realidade é marcada por evidências que podem vir a fornecer as pistas para a formação da classe trabalhadora, partimos da compreensão de que a Economia solidária representa uma experiência de classe constituída a partir da ação popular e que tem por fundamento uma visão do modo como são organizadas as funções econômicas e da organização social como um todo.


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E como Thompson (1981) concebe a experiência humana? A experiência humana é a maneira pela qual homens e mulheres agem sobre uma situação e relação determinada levando em consideração suas necessidades e interesses diante do conjunto de antagonismos sociais aos quais pertencem para produzir a vida em sociedade. Ao que parece, a experiência é costurada pela ação humana necessária, movida pelo que é importante para cada pessoa, isto é, movida pelos seus interesses. As experiências são capturadas no tempo e filtradas pela consciência e pela cultura dos sujeitos de inúmeras maneiras, muitas vezes, através das estruturas de classe (THOMPSON, 1981, p. 182).

Além disso, Thompson (1998) afirma que a práxis loci, a prática de vida local, desvela e desnuda a prática de vida concreta dos sujeitos, sendo assim, a práxis loci permite atentar para as reais condições de vida e organização da sociedade tendo em vista que a práxis humana cria a realidade social e transforma a realidade material através do trabalho e de outras experiências humanas. A práxis loci indica que a configuração de guias e apontamentos sobre a vida social apenas produzem roteiros parciais já previamente expressos nos modelos teóricos formais e gerais. Certamente, a teoria geral e formal é um dado importante para a pesquisa, porém, só adquire significado a partir de um estudo disciplinado do contexto local. O que Thompson (1998) pretende definir a partir desse entendimento é que a práxis, a prática real da vida, oferece mais espaço para a compreensão da experiência factual e de classe.

Deste modo, a pesquisa buscou evidências nas atividades desenvolvidas com os grupos participantes de um projeto de extensão no âmbito do IFRN. De acordo com Tiriba (2018), se faz necessário atentar para a compreensão segundo a qual os espaços/tempos de produção do ser social não estão situados apenas nas fábricas capitalistas, embora seja o local de hegemonia; as experiências de classes são vividas pelos trabalhadores/as para além da relação com o trabalho assalariado; estão nos movimentos sociais, nos sindicatos, partidos, movimento estudantil, agremiações diversas. Enfim, as experiências das classes trabalhadoras estão manifestadamente ocorrendo na cidade, no campo e em qualquer instância das relações sociais, mesmo que de modo invisibilizado e molecular.

O contexto estudado foi um processo formativo, dentre vários, que ocorreu como atividade do projeto de extensão intitulado ‘GerAção solidária: mulheres e jovens na economia’, executado durante dois anos no âmbito do Instituto Federal de


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Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN em articulação com 30 grupos de economia solidária. A execução do projeto como um todo elevou e qualificou a práxis político-educativa3 da instituição conforme indicamos na atividade aqui examinada.

Atuei no desenvolvimento do projeto como coordenador geral e de formação de estudante/bolsista em que desenvolvia atividades de ensino, pesquisa e extensão junto com estudantes selecionados para atuarem na organização e registro das atividades realizadas pelo projeto. Uma das minhas atribuições no projeto, além de coordenar algumas atividades, foi a de pesquisador. Nesse sentido, minha atuação foi orientada em função de um olhar científico para as atividades realizadas. Assim, nossa postura de observador-participante (ANGROSINO, 2009) nos possibilitou o contato com uma realidade rica de significados.

Para efeito de localização do leitor, informo que o artigo parte de algumas considerações de Thompson (2002) sobre as relações entre educação e experiência da classe trabalhadora para analisar uma breve contextualização histórica referente ao percurso do campus Mossoró do IFRN. Em seguida, foi desenvolvida as análises depreendidas do processo formativo realizado entre a experiência com a práxis militante e emancipatória da economia solidária e a práxis político-educativa da educação profissional no IFRN/Campus Mossoró. Ao final, compreende-se que a práxis da economia solidária é capaz de provocar brechas e rupturas na configuração da educação profissional brasileira.


Educação profissional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN/campus Mossoró.


Thompson (2002) em uma conferência de 1968 intitulada ‘Educação e experiência’ parte da constatação de que a história do trabalho educacional é a história


3 O que denominamos de práxis político-educativa está relacionado com o que Sousa Jr. (2008) denomina de programa marxiano de educação. Para o autor, o programa marxiano de educação aparece relacionado a três elementos importantes do cotidiano educativo: o caráter educativo das relações contraditórias do trabalho, do momento da educação escolar, de preferência em união com o trabalho e, por último, da práxis político-educativa desenvolvida nos diversos momentos associativos dos trabalhadores nos sindicatos, partidos, locais de moradia etc. A práxis político-educativa sintetiza, neste artigo, a reunião desses três elementos do cotidiano educativo: a educação profissional realizada na escola através do princípio educativo do trabalho e a práxis militante emancipatória da economia solidária.


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do controle social. O controle social, de acordo com o autor, ocorre por meio do entendimento de que existe uma subordinação cultural, ou seja, nos diversos contextos históricos é incorporado um sentimento de que existiriam atitudes culturais superiores. Somente no contexto da Revolução Francesa, diz Thompson (2002), é que a ideia de superioridade e subordinação cultural é posta sob um exame radical.

Nossa compreensão desta análise de Thompson (2002), é a de que a palestra ‘Educação e experiência’ pode ser lida em um movimento dialético de denúncia das condições educacionais historicamente determinadas no processo de transformação social. Nesse caso, o autor denuncia esse caráter de controle social que a educação exerce uma vez que o que está em jogo mesmo é o medo das classes dominadoras em relação às espontaneidades populares. Thompson define esse medo como um “conjunto de reações provocadas pelo medo do potencial revolucionário da gente comum” (2002, p. 25).

Após fazer, digamos, essa denúncia, Thompson realiza um procedimento de análise e demonstra que há uma relação íntima entre educação e experiência humana. A análise constata que essa relação íntima está historicamente se perdendo, sobretudo, com a ascensão da burguesia. Desta análise surge uma espécie de propositura. Ao que parece, a primeira proposição é nutrir o sentimento de contra a cultura, contra a cultura que exclui a experiência humana, contra a cultura cujo sentimento é a superioridade cultural; outra proposição que surge em decorrência da primeira é a efetivação do restabelecimento da dialética entre educação e experiência cujo resultado é a criação de uma cultura igualitária comum. Na prática social a retomada da dialética educação-experiência se daria a partir de um novo sentimento na educação. Este novo sentimento pode ser expresso na imagem de uma educação como porta de saída para o conhecimento epistemológico e uma porta de entrada para a experiência e a crítica.

As ideias de Thompson (2002) na conferência acima mencionada nos ajudam a pensar e problematizar os aspectos fundamentais da história da educação profissional no Brasil. Embora a análise do autor esteja voltada para a realidade social da Europa em geral, e da educação europeia em particular, não é possível deixar de considerar que as reflexões propostas pelo autor também possam ser levadas em consideração para a realidade latino-americana em geral, e para a educação brasileira em particular.


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Evidentemente que os conceitos desenvolvidos pelo autor não devem ser somente transferidos para análise de outra realidade para que se abra o caminho para a criação de modismos epistemológicos ou para anunciar verdades indubitáveis. Compreendemos que o conceito de experiência humana pode vir a atuar como um intercessor capaz de provocar brechas e rupturas na configuração de uma educação profissional capturada pela hegemonia do capital, no sentido gramsciano4; e pode nos fornecer novos acessos para que a experiência humana das classes produtoras da riqueza oriente os princípios da educação profissional de modo a contribuir com a autoformação e auto-organização dos sujeitos, bem como para a construção de um processo que vislumbre a transformação social.

Retomando os traços gerais da história da educação profissional, especificamente os traços da educação profissional no Rio Grande do Norte, principalmente os acontecimentos mais recentes da transformação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), constatamos que essa instituição emerge no cenário educacional como um anseio popular5, uma vez que a formação para o trabalho sempre está no horizonte dos anseios da população, sobretudo, da classe que produz a riqueza social. Todavia, as orientações para o funcionamento da educação profissional são fruto de uma estruturação de mão-de-obra cuja formação deve


4 A filosofia da práxis, de Antonio Gramsci, apresenta o conceito de hegemonia para se referir, dentre outras coisas, às diferentes lutas sociais que se travam para que uma concepção de mundo seja dirigente e dominante através do exercício da força e do consenso para assegurar a direção e domínio ao chegar ao poder. A hegemonia, nesse sentido, é um elemento fundamental da práxis, uma vez que, na luta política, os fatos históricos devem ser revelados e combatidos conforme a exigência da relação entre governados e governantes. Por isso, a filosofia da práxis é comprometida com a análise das hegemonias e com a luta para que os governados se tornem intelectualmente independentes dos governantes e desenvolvam suas ações no sentido dialético de destruição e criação de hegemonias. Daí a hegemonia, para Gramsci, se tratar também de uma relação pedagógica que possibilita a análise e transformação das diversas forças que compõem o tecido social (GRAMSCI, 1999, p. 387-399).

5 A constatação de que a transformação dos Centro Federais de Educação (CEFETs) em Institutos federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) representa um anseio popular se nos apresenta a partir de uma dupla evidência. A primeira evidência diz respeito ao senso comum popular com relação à percepção da educação como movimento de ascensão social segundo a qual a escola possui a finalidade de formar para o trabalho independentemente que esse trabalho seja controlado e explorado pelos senhores do capital. A segunda evidência remete aos estudos de vários autores (por exemplo, FRIGOTTO; CIAVATTA, 2004. FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005. VANNUCHI, 2004.) que

defendem que a juventude da classe trabalhadora dá sinais de compreensão de que a formação que lhes é oferecida é uma formação limitada. Os CEFETs representavam os anseios das classes exploradoras do trabalho; os IFs, mesmo levando em consideração suas contradições e as disputas entre os setores progressistas e conservadores da sociedade brasileira, representam, nos seus fundamentos, os anseios da população em geral.


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atender as premissas do setor produtivo alinhado ao capital nacional e internacional. O que resulta de um modo ou de outro na transfiguração do anseio popular em um anseio por trabalho, mesmo que alienado, na sociedade da exploração do trabalho e da precarização do trabalho explorado.

No que diz respeito especificamente ao IFRN/Mossoró, consta que a implantação da instituição ocorreu em 1994 como uma Unidade de Ensino Descentralizada de Mossoró (UNED/Mossoró). Trata-se do contexto de chegada do ideário neoliberal no Brasil, o que implica dizer que a partir de seu funcionamento foi oferecida uma dupla formação: A formação científica, propedêutica com a finalidade de dar suporte ao estudo para ingresso na universidade, a qual era oferecida aos filhos das famílias mais abastadas. Para os demais, filhos dos trabalhadores/as mais pobres e mais explorados, era oferecida uma formação técnica e aligeirada com o objetivo de ingresso no mercado de trabalho. A implantação da UNED/Mossoró, nesse sentido, atende à expectativa do campo econômico no sentido de formar mão-de-obra qualificada e barata.

Conforme Queiroz e Souza (2017), a criação da UNED/Mossoró foi obra de um contexto político de desenvolvimento nacional baseado no processo de industrialização. Essa compreensão é importante, porém, é limitada, porque ela precisa atentar para o fato de que havia uma pressão dos organismos internacionais6 para que o Brasil se tornasse um país competitivo e que para isso seria necessário realizar investimentos na formação e preparação de recursos humanos.

Há uma subordinação da economia local ao contexto de mundialização do capital. Dessa forma, as cidades para as quais eram destinadas as UNEDs eram selecionadas conforme a demonstração de potencial econômico e adaptação/alinhamento político. A instituição surgiu no contexto neoliberal clássico no qual o Estado contribui com o avanço da subordinação do público ao privado à medida que investe recursos para qualificar indivíduos para assumirem postos de trabalho atrelados à concentração de capital nas mãos dos exploradores do trabalho. Estas instituições são reconhecidamente promotoras de um ensino de qualidade para o


6 Para o devido aprofundamento do tema ver: ATCHOARELLA, David. Financement et Régulation de la Formation Professionnelle: une analyse comparée. Paris: UNESCO, 1994; BANCO MUNDIAL. Educación Técnica y Formación Profesional. Washington (EUA): Banco Mundial, 1992.


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capital, uma vez que cumprem seu papel na garantia da formação científica e técnica necessária para assegurar a empregabilidade.

Depois de ter passado por CEFET no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a UNED/Mossoró é transformada em IFRN/Mossoró pela lei nº 11.892, de dezembro de 2008, gozando de autonomia e equivalência com as Universidades Federais. O campus IFRN/Mossoró oferece educação profissional nos cursos técnicos em Edificações, Eletrotécnica, Informática, Mecânica, Petróleo e gás, Saneamento e Segurança do Trabalho. Oferece, ainda, ensino superior em Tecnologia em Gestão Ambiental e Licenciatura em Matemática. Além disso, oferece pós-graduação lato sensu em Especialização em Educação e contemporaneidade; e pós-graduação stricto sensu em Mestrado em Ensino em associação com a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e a Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA e a pós-graduação stricto sensu em Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica – ProfEPT.

Durante os governos Lula e Dilma, o IFRN/Mossoró participou do processo de expansão, ampliando a quantidade de cursos, os níveis de formação e as modalidades de ensino. Durante os governos petistas, o IFRN/Mossoró recebeu investimentos que permitiram a realização da tríade ensino, pesquisa e extensão com êxito notório7 para a sociedade potiguar. Todavia, a aliança do governo federal com setores empresariais8 e a transferência direta de recursos para esse setor comprometeu a expansão do ensino médio integrado, modalidade de ensino que permite a articulação da formação científica, tecnológica, cultural e para o mundo do


7 O relatório de gestão referente ao ano de 2016 indica que as atividades de ensino, pesquisa e extensão estão sendo realizadas conforme os planejamentos realizados e que o retorno para a sociedade é avaliado como satisfatório levando em consideração alguns indicadores pré-determinados. Nas considerações finais do relatório é relato o seguinte: “O conjunto das informações incluídas neste relatório leva em consideração a execução de atividades realizadas pelo Campus, de maneira integrada, no que diz respeito ao ensino, enquanto formação profissional e tecnológica, à pesquisa e a extensão e, os impactos dessas atividades na viabilidade do desenvolvimento local e regional e sustentado. Destaque-se ainda, o fortalecimento do ensino promovido pela instituição, o que se demonstra através dos excelentes resultados obtidos nas olimpíadas de conhecimento, no Exame Nacional do Ensino Médio e nas inserções de jovens profissionais no mundo do trabalho, bem como na credibilidade da comunidade que vincula a formação de profissionais-cidadãos à imagem do fazer pedagógico do IFRN na região de Mossoró” (RELATÓRIOS DE GESTÃO. Mossoró, 2016).

8 Para a reflexão crítica sobre opções de políticas governamentais que implicaram na ampliação da simbiose entre governos e segmentos do setor privado corporativo ver: ADRIÃO, Theresa. DOMICIANO, Cassia Alessandra. A Educação Pública e as Corporações: avanços e contradições em uma década de ampliação de investimento no Brasil. FINEDUCA – Revista de Financiamento da Educação, Porto Alegre, v. 8, n. 3, 2018.


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trabalho; comprometeu a expansão dos cursos pós-graduação. O comprometimento se deu devido, sobretudo, à ausência de recursos financeiros. A questão que fica em aberto é a que diz respeito aos recursos públicos investidos em setores privados. Certamente, se os recursos do fundo público tivessem sido investidos prioritariamente em educação pública na cidade de Mossoró/RN, não há dúvida de que a formação da classe trabalhadora teria ocorrido com outra qualidade social, mesmo diante da realidade embrutecedora e alienante do capitalismo atual.

A partir do golpe parlamentar-jurídico-midiático de 20169, o IFRN/Mossoró amargou o início dos retrocessos na política educacional no Brasil. Com o alinhamento do governo Temer às elites financeiras, foi posto em prática o ultraneoliberalismo predatório cuja maior vocação era destruir o Estado aniquilando as políticas sociais essenciais, sobretudo, da educação e da saúde através de cortes e contingenciamentos orçamentários.

Sob o argumento pouco racional de que nas Universidades e Institutos federais só há “balbúrdia” e “comunistas”, o governo Bolsonaro intensifica os cortes e contingenciamentos. Os cortes nos investimentos públicos atingiram diretamente a dinâmica do IFRN/Mossoró. No relatório de gestão de 2018, o diretor geral do campus assim se manifesta sobre o corte e contingenciamento dos recursos federais para a educação: “deve-se notar que se sentiu a falta de recursos de capital e investimento para aquisição de equipamentos e material permanente (RELATÓRIO DE GESTÃO IFRN/MOSSORÓ, 2018, p. 85).

Em abril de 202010, o Ministério da Educação encaminha um reitor-interventor para o IFRN. É publicado no diário oficial a nomeação de um reitor pro tempore em


9 A respeito do golpe de 2016 ver: JINKINGS, Ivana. DORIA, Kim. CLETO, Murilo. Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2016.

10 O processo de intervenção se deu conforme o presente histórico: “José Arnóbio foi eleito reitor do IFRN em consulta pública realizada com a comunidade no dia 4 de dezembro de 2019. Em 17 de abril de 2020, o MEC nomeou o professor Josué Moreira reitor pro-tempore, através da Portaria 405/2020. A juíza Gisele Leite, da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, emitiu decisão judicial no dia 11 de dezembro de 2020, determinando a regularidade da posse do professor José Arnóbio. Como resultado da decisão judicial, o MEC realizou a nomeação no dia 21 de dezembro de 2020, na edição 243 do Diário Oficial da União. No dia 24 de agosto de 2021, foi publicado um novo decreto, com a assinatura do presidente Jair Messias Bolsonaro, nomeando definitivamente o professor José Arnóbio de Araújo Filho reitor do IFRN até o dia 21 de dezembro de 2024. O Decreto foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), na edição do dia 25 de agosto, e gerou a posse oficial”. Disponível em: https://portal.ifrn.edu.br/campus/reitoria/noticias/reitor-jose-arnobio-e-empossado- oficialmente-pelo-ministro-da-educacao. Acesso em dezembro de 2021.


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detrimento do reitor eleito. A nomeação foi justificada pelo MEC através de um ofício para o reitor anterior da instituição no qual apenas informava que a nomeação pro tempore havia sido motivada por uma restrição “resguardada por sigilo”. A nomeação do reitor pro tempore é caracterizada pela comunidade acadêmica, em várias notas de repúdio, como uma medida antidemocrática e intervencionista que fere a autonomia das instituições acadêmicas ao nomear gestores alinhados diretamente com o presidente da República. No caso do pro tempore do IFRN, foi identificado a filiação ao partido o qual o Presidente possuía filiação durante a eleição presidencial, no caso, o Partido Social Liberal – PSL.

Este breve percurso histórico nos indica que a educação profissional no IFRN/Mossoró não foge a regra da qual fala Thompson (2002) na sua conferência citada acima. Dessa forma, a história da educação profissional para além e independente de seus dualismos e contradições, é, de qualquer modo, a história do controle social, uma vez que a educação profissional é subordinada culturalmente à cultura do capital. Além disso, a história da educação profissional é a história do controle social porque existe um medo do potencial revolucionário da gente comum, conforme Thompson (2002). Além disso, pode também ser considerada a possibilidade de a educação profissional atentar contra a cultura do controle social. Como isso é possível? Thompson (2002) nos ajuda a ponderar sobre a perspectiva de ruptura do controle social através do restabelecimento da dialética entre educação e experiência da classe trabalhadora.


Educação profissional e experiência com a práxis militante e emancipatória da economia solidária.


Ao retomar o arcabouço conceitual de Thompson acerca da classe como formação econômica e cultural é que nos propomos a partir daqui apontar como a experiência da classe trabalhadora na economia solidária pode contribuir para que a educação profissional restabeleça os laços perdidos imemorialmente entre educação e experiência humana. Além disso, vale ressaltar, como afirma Tiriba (2018), que a América Latina é um campo fértil para análise das lutas anticapital, bem como para reafirmar outros modos de produzir a existência humana.


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Historicamente não há uma vinculação direta do IFRN/Mossoró com as práticas de grupos produtivos orientados pelas concepções da economia solidária. No ano de 2016, foi realizada uma parceria entre a instituição e a Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE11 sob o Termo de Execução Descentralizada (TED) nº 05/2016 MT – IFRN. O projeto, intitulado ‘Mulheres e Jovens: Economia Solidária como alternativa para ampliação do trabalho e renda em Natal e Mossoró no Rio Grande do Norte’, foi aprovado para realizar, conforme a minuta do projeto, “uma série de ações no fomento, capacitação e fortalecimento de empreendimentos econômicos solidários constituídos por mulheres e jovens de baixa renda de Natal e Mossoró do Rio Grande do Norte”.

Em princípio, as atividades de fomento, capacitação e fortalecimento dos grupos de economia solidária foram realizadas por dois núcleos compostos por servidores, estudantes do IFRN, e colaboradores externos vinculados a algum grupo produtivo da economia solidária. Digo ‘em princípio’ porque as atividades se davam em regime de auto-organização e autoformação. Os componentes dos núcleos coordenavam a organização para execução dos objetivos, porém, as atividades propriamente ditas foram concebidas e realizadas a partir da iniciativa das próprias pessoas dos grupos.

Havia uma dificuldade dos servidores e estudantes do IFRN para a efetivação da auto-organização e autoformação. Diferentemente dos sujeitos da economia solidária, os servidores e estudantes do IFRN pareciam estar prisioneiros das estruturas de organização da academia. Para os servidores, as dificuldades não se davam tanto com relação a auto-organização e/ou autoformação uma vez que, de algum modo, cada participante já havia tido contato com a economia solidária. Para os estudantes havia uma mistificação maior.



11 Em 1 de janeiro de 2019, o Ministério do Trabalho foi extinto oficialmente pelo governo Jair Bolsonaro, tornando-se uma secretaria especial do Ministério da Economia. Vale ressaltar que durante o governo de Michel Temer (12 de maio de 2016 a 31 de dezembro de 2018) já havia fortes indícios de que o ministério seria extinto. A esse respeito ver: http://www.dmtemdebate.com.br/dois-anos-de- desgoverno-a-extincao-do-ministerio-do-trabalho/. Com a extinção do ministério do trabalho, a antiga Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) teve suas atribuições enviadas ao Ministério da Cidadania a partir de 1 de janeiro de 2019. Sobre a Economia Solidária e a reorganização ministerial ver: https://diplomatique.org.br/economia-solidaria-e-a-reorganizacao-do-governo-bolsonaro-o- caminho-e-a-mobilizacao/.


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Para os estudantes, a auto-organização e autoformação faziam parte de uma compreensão conceitual abstrata e utópica. Em um primeiro momento, os estudantes, que também foram bolsistas12 do projeto, estavam tomados de um espasmo conforme as atividades foram sendo realizadas. Contudo, à medida que as atividades foram sendo concebidas e executadas, cada membro do núcleo foi encontrando a maneira mais adequada para participar. Isso não quer dizer que as atividades eram efetivadas a partir de um espontaneísmo e um ‘tudo vale’. As atividades eram apresentadas e discutidas exaustivamente por membros mais experientes do núcleo e dos grupos produtivos e os pormenores para a realização foram identificados e executados conforme cada disposição. Segue alguns trechos do relato de estudantes/bolsistas do projeto:


A minha formação humana foi extremamente complementada a partir do convívio com a Feira de Economia Solidária, com as visitas técnicas e como as pessoas que constroem esse movimento encaram o mundo a partir da coletividade para, então, transformá-lo minimamente. Os grupos se organizam para produzir, consumir, comercializar e produzir novamente. Eles dizem que tem dificuldade para se autogerir, mas o que vi são pessoas que acreditam no que fazem, estudam sobre a natureza, sobre a realidade do país e possuem várias maneiras de divulgar seus conhecimentos. As cirandas das mulheres, o artesanato, tudo que eles fazem tem um significado dentro da economia solidária (RELATO DE UMA BOLSISTA ESTUDANTE DO CURSO TÉCNICO INTEGRADO DE INFORMÁTICA).


“Aprendi mais sobre as causas que o projeto apresenta, sobre toda a questão política que isso desenrola, bem como a questão da política na qual estamos inseridos e que molda uma sociedade deficiente de direitos e melhorias básicas para os que necessitam. Esses grupos organizam outra política, tudo é debatido com todos. As mulheres são ouvidas, os jovens podem falar. A juventude pesquisa, parecem mais avançados nos temas do que nós. Eles se reúnem para estudar, para produzir, para rezar, para fazer planos. O mais interessante é eles produzirem e ainda participarem de debates e trocam conhecimento. Também tivemos contato com a parte histórica da economia solidária, esta possibilitou toda uma reflexão para que pudéssemos ver os princípios do que seria uma luta para conquista de direitos” (RELATO


12 Foi realizada uma seleção de estudantes conforme um processo de seleção que envolvia a participação em oficinas sobre economia solidária, feminismo e juventude; a participação em entrevistas realizadas por servidores e membros dos grupos produtivos e a análise do histórico escolar. Foram avaliados critérios sobre a compreensão da economia solidária, a condição socioeconômica e o curso a qual estavam vinculados uma vez que as aptidões desenvolvidas no curso poderiam ser mobilizadas para atuação junto aos grupos produtivos (foram selecionados estudantes do curso técnico de informática, mecânica, eletrotécnica e edificações; do curso de licenciatura em matemática e do curso de gestão ambiental).


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DE UMA BOLSISTA ESTUDANTE DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA).


Os núcleos foram criados em dois campi do IFRN, um no IFRN/Campus Natal Central, o outro núcleo no IFRN/Campus Mossoró. Os dois núcleos possuíam uma dinâmica de organização coletiva e se reuniam em formato de assembleias (prática da isonomia e isegoria) na qual cada participante realizava a exposição e defesa de uma proposta sem nenhum tipo de distinção (poderia ser docente, técnico administrativo, estudante, membro de algum grupo produtivo). Os Núcleos se reuniam sistematicamente para propor, avaliar, redefinir e executar os objetivos e atividades definidas no projeto como um todo, bem como para propor, avaliar, redefinir e executar as atividades e o processo de execução nos grupos produtivos.

O projeto foi inscrito junto à Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES com essa denominação: “Mulheres e Jovens: Economia Solidária como alternativa para ampliação do trabalho e renda em Natal e Mossoró no Rio Grande do Norte”. Durante as primeiras reuniões13 entre os núcleos formados para coordenar as atividades foi alterado para “GerAção Solidária: mulheres e jovens na economia”. A proposta de mudança na denominação partiu de um membro da Cooperativa de Comercialização Solidária Xique Xique – COOPERXIQUE. De acordo com ele, esta denominação sintetiza as linhas gerais do projeto e possibilita uma melhor compreensão entre os representantes dos grupos produtivos de economia solidária. A defesa argumentativa realizada pelo propositor na denominação do projeto explica detalhadamente por que a mudança: “o nome ‘GerAção’, escrito assim mesmo, é para chamar atenção para duas palavras, ‘gerar’ e ‘ação’, nós precisamos formar gerações, jovens solidários, para trabalhar por um mundo melhor e, hoje, as mulheres e a juventude é que possuem o protagonismo para mudar o mundo”14.

O projeto “GerAção Solidária: mulheres e jovens na economia” foi executado inicialmente com 60 grupos produtivos vinculados aos princípios da economia solidária no Estado do Rio Grande do Norte pelo Campus Mossoró juntamente com o Campus Central Natal do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN em parceria com a Fundação de apoio à educação e ao desenvolvimento tecnológico do Rio Grande do Norte - FUNCERN, através do Edital


13 Informação retirada das atas de reunião da coordenação do projeto.

14 Relato anotado em ata de reunião entre os dois núcleos do projeto.


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05/2017 – PROEX/IFRN. O IFRN/Mossoró, nesse caso, foi responsável por desenvolver atividades com 30 grupos produtivos de economia solidária. Delimitamos a presente análise somente aos grupos acompanhados pelo IFRN/campus Mossoró. E quais são esses grupos produtivos participantes do projeto? Trata-se dos seguintes grupos: 01- Grupo de Mulheres Decididas a vencer, do Assentamento Mulunguzinho em Mossoró/RN que produzem hortaliças e realizam beneficiamento de frutas para comercialização e autoconsumo; 02 - Grupo Gold da Paz, do assentamento Mulunguzinho em Mossoró/RN, organizam uma poupança solidária; 03

- Grupo de Produtores e Produtoras da Serra Mossoró, da localidade Serra Mossoró em Mossoró/RN, realizam atividades com hortifrutigranjeiros para comercialização e autoconsumo; 04 - Grupo de Jovens Ousadia Juvenil, do conjunto Nova Vida, em Mossoró/RN, realizam atividades culturais e comercializam artesanato; 05 - Feira de Economia Solidária do Nova Vida, no conjunto Nova Vida, em Mossoró/RN, realizam atividades culturais, comercialização de produtos alimentícios; 06 - Cooperativa de Mulheres Prestadoras de Serviços – COOPERMUPS, no conjunto Nova Vida, em Mossoró/RN, realizam prestação de diversos serviços domésticos; 07 - Grupo Gold Estrela da manhã, localizado no povoado Barreira Vermelha em Mossoró/RN, organizam uma poupança solidária; 08 - Grupo Gold Santa Clara, Localizado no Projeto de Assentamento São Cristovam em Mossoró/RN, organizam uma poupança solidária; 09 - Grupo de Mulheres Unidas e Vitoriosas Jamais Serão Vencidas, do Assentamento Lagoa do Xavier em Mossoró/RN, organizam quintais produtivos voltados para o autoconsumo; 10 - Grupo de Mulheres de Cordão de sombra, do Assentamento Cordão de Sombra em Mossoró/RN, organizam quintais produtivos voltados para o autoconsumo; 11 - Unidade Produtiva de Paulo Freire, localizado no Assentamento Paulo Freira em Mossoró/RN, produção de hortaliças para comercialização e autoconsumo; 12 - Cooperativa de Comercialização Solidária Xique Xique – COOPERXIQUE, localizada no Centro de Mossoró/RN, organizam comercialização; 13 - Grupo de Mulheres de Tiradentes, do Assentamento Tiradentes em Baraúna/RN, criação de abelhas; 14 - Feira da Agricultura Familiar de Governador Dix-Sept Rosado, localizada na cidade de Governador Dix-Sept Rosado/RN, comercialização de produtos da agricultura familiar; 15 - Grupo de Mulheres de Lagoa de Salsa, localizado em Lagoa de Salsa na cidade de Tibau/RN, realizam agricultura familiar e criação de pequenos animais de suínos, aves para comercialização e


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autoconsumo; 16 - Grupo de Mulheres de Vila Nova, localizado em Vila Nova na cidade de Tibau/RN, realizam agricultura familiar e criação de pequenos animais de suínos, aves para comercialização e autoconsumo; 17 - Associação de Desenvolvimento do Artesanato Rural – ASDAR, localizado no Assentamento Caenga na Cidade de Grossos/RN, produz artesanato rural e realiza criação de suínos; 18 - Associação de Mulheres Pescadoras e Artesãs, da comunidade Pernambuquinho na Cidade de Grossos/RN, realizam pesca artesanal; 19 - Grupo de Mulheres Unimama, Sítio Mariana na cidade de Caraúbas/RN, organizam quintais produtivos voltados para o autoconsumo; 20 - Grupo de Mulheres extrativistas da terra das carnaubeiras, localizado no Sítio São Geraldo na cidade de Caraúbas/RN; 21 - Associação de Produtoras e Beneficiadoras de Marisco, Crustáceos e Pescado de Ponta do Mel, localizada na Praia de Ponta do Mel na cidade de Areia Branca/RN, realizam pesca para comercialização e autoconsumo; 22 – Grupo de Mulheres Lutando para Vencer, localizado no Assentamento Monte Alegre na cidade de Upanema/RN, organizam quintais produtivos voltados para comercialização e autoconsumo; 23 - Grupo de Mulheres Construtoras do Futuro, localizado no Assentamento Nova Vida na cidade de Upanema, realizam beneficiamento coletivo de frutas; algumas mulheres fazem remédios fitoterápicos, produzem hortaliças no quintal; 24 - Grupo de Mulheres Juntas Venceremos, localizado na Agrovila Palmares na cidade de Apodi, organizam quintais produtivos, criação de galinhas e suínos, produzem hortaliças; 25 - Feira da Agricultura Familiar de Apodi, localizada no Centro da Cidade de Apodi/RN, comercialização de produtos da agricultura e artesanato; 26 - Grupo de Mulheres Arte em Palha, localizado na comunidade Trapiá na cidade de Apodi/RN, produzem e comercializam artesanato; 27 - Grupo de Mulheres ArtVida, localizado na comunidade Queimadas na cidade de Apodi/RN, produzem e comercializam artesanato; 28 - Grupo de Mulheres em Busca da Igualdade, localizado na comunidade de Mansidão/Melancias na cidade de Apodi/RN, realizam beneficiamento de frutas e produzem medicamentos fitoterápicos; 29 - Grupo de Mulheres Sementes da Terra, localizado no Assentamento Maurício de Oliveira na cidade de Açu/RN, organizam quintais produtivos, produção de mudas frutíferas e são consideras guardiãs de sementes crioulas; 30 - Grupo de Mulheres da Praia do Rosado, localizado no Assentamento Praia do Rosado na cidade de Porto do Mangue, organizam quintais produtivos para autoconsumo e comercialização. Cabe registrar que o projeto realizou


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suas atividades em parceria com a rede Xique Xique de Comercialização Solidária15, o Centro Feminista 8 de março (CF8)16, o Curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – LEDOC/UFERSA, e o curso de Gestão Ambiental da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.

Foram realizadas muitas atividades com esses grupos produtivos da economia solidária. As atividades mais comuns foram as reuniões do núcleo coordenador do projeto para planejar e executar os objetivos do projeto; a realização de visitas técnicas com intuito de acompanhar e orientar os grupos na organização do processo econômico; organização da feira de Economia solidária no IFRN/Mossoró, espaço de comercialização e integração entre produtores/as e consumidores/as da comunidade acadêmica do IFRN/Mossoró; realização de seminários com a participação dos representantes dos 30 grupos produtivos para debater sobre o contexto geral da economia solidária e realizar diagnósticos sobre a produção, consumo, comercialização, gestão e comunicação dos grupos produtivos; realização de oficinas, capacitações técnicas sobre produção agroecológica e sistemas de produção integrados; intercâmbios entre os grupos; desenvolvimento de material didático (cartilhas informativas, cadernetas agroecológicas); participação em eventos científicos; elaboração de livro; organização dos encontros territoriais e estaduais de juventude da economia solidária, e dos encontros territoriais e estaduais de mulheres


15 A rede Xique Xique foi criada a partir da integração de 50 grupos produtivos de 07 (sete) municípios: Apodi/RN, Mossoró/RN, Baraúna/RN, Grossos/RN, São Miguel do Gostoso/RN, Serra do mel/RN, Touros/RN e Beberibe/CE. Para manter a relação entre produção, comercialização e organização, a rede realiza atividades de formação e articulação entre os grupos através da realização de seminários, oficinas e intercâmbios. A produção, comercialização e organização promovida pela rede Xique Xique levam em consideração a perspectiva da agroecologia, feminismo e da economia solidária, através do comércio justo e da certificação participativa. Na carta de princípios da rede consta a orientação política segundo a qual a produção, a comercialização e o consumo devem se distanciar de todas as formas de exploração do trabalho.

16 O Centro Feminista 8 de Março (CF8) é uma Organização Não-Governamental que surgiu em março de 1993 a partir de ações voltadas à reivindicação da instalação da Delegacia Especializada em Defesa da Mulher (DEAM), em Mossoró/RN. A instituição desenvolve ações alicerçadas em três elementos: feminismo, organização e formação. As atividades realizadas pelo CF8 têm como finalidade fomentar, fortalecer e proporcionar às organizações de mulheres nos espaços sociais, em especial as trabalhadoras rurais, oferecendo apoio, assessoria e formação em gênero aos grupos de mulheres, comissões de mulheres dos sindicatos rurais, entidades de assessoria técnica, gerencial e organizativa que atuam no meio rural e urbano de Mossoró e região. O CF8 possui uma visão de sociedade pautada pela análise crítica das relações de dominação e no entendimento das questões de classe, gênero e raça/etnia.


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da economia solidária e realização de um congresso de economia solidária – CONGRESSOL.

É importante ressaltar e destacar que todas as atividades realizadas com os grupos produtivos foram consideradas atividades político-educativas e resultaram em processos formativos amplos sobre os conhecimentos formais e a realidade social, econômica, cultural e política do país. Para a realização das atividades, foram estabelecidas diretrizes de formação nas quais foram destacados os princípios epistemológicos e socioeducativos da formação, os procedimentos metodológicos adotados para a ação formadora e os parâmetros de práticas de sistematização e avaliação da formação.

Após caracterizar brevemente os grupos produtivos e as atividades realizadas, a proposta dessa investigação segue a partir daqui de maneira mais específica a partir da análise de uma das primeiras atividades formativas realizadas pelo projeto, o ‘I seminário promovido pelo projeto Geração Solidária’, denominado “Seminário de Economia Solidária em movimento: problemas e soluções” ocorrido no campus IFRN/Mossoró no dia 30 de março de 2017. O seminário teve por objetivo a integração dos grupos produtivos e a realização de um diagnóstico qualitativo sobre os problemas e soluções enfrentadas no cotidiano dos grupos de economia solidária.

A primeira atividade realizada durante o seminário foi convidar cada grupo produtivo de economia solidária para relatar sua história, o que produziam e como definiam a economia solidária; um dos participantes definiu a economia solidária como “um movimento que busca justiça social através da organização solidária de cada trabalhador para produzir o que precisa sem veneno e sem destruir a natureza”17. Nessa definição estão presentes os elementos com os quais os teóricos da economia solidária a definem. Os autores a definem como uma atividade de natureza associativa cujas práticas são a cooperação e autogestão. A terminologia vem sendo utilizada pelo menos desde 1990 quando grupos de pessoas se associaram com intuito de superar as condições econômicas, políticas, culturais e educacionais, enfim, de vida, vividas no contexto de experimentação neoliberal nas ‘veias abertas da América


17 Informação retirada de um relatório produzido pelos bolsistas do projeto “GerAção Solidária: mulheres e jovens na economia”. O conceito foi apresentado por um jovem agricultor do projeto de assentamento Paulo Freire, localizado em Mossoró/RN. No momento em que cada grupo produtivo relatava sua origem, seus produtos e seus princípios, foram convidados a fazer uma breve exposição sobre o que entendiam por economia solidária.


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latina’. De lá para cá, a economia solidária se expande abrangendo diversas categorias sociais e modalidades de organização sejam informais, associações de produtores e consumidores, sistemas de trocas, comunidades produtivas, cooperativas de bens, serviços, comércio e de crédito, criadas e movidas pela necessidade de resistir aos procedimentos de pilhagem e dispositivos de espoliação do capitalismo central, considerado desenvolvido, sobre o capitalismo periférico, subdesenvolvido, da América Latina (SINGER, 2002; GALEANO, 2010; GAIGER, 2013).

Assim, a economia solidária traz no seu escopo uma visão de sociedade na qual predomina o princípio da igualdade e a preservação da natureza. De acordo Singer (2002), para o surgimento de uma sociedade em que predomine a igualdade social, é preciso inicialmente construir relações de produção capazes de superar a competitividade no trabalho e estabelecer relações solidárias para que as forças produtivas possam ser transformadas apontando para a construção da sociedade da igualdade social.

Há um debate no âmbito da economia solidária que trata sobre como a mudança social é concebida por esses grupos organizados. Para que possamos nos posicionar acerca desse tema, se faz importante retomar algumas afirmações de Thompson (1998). O autor de ‘Costumes em Comum' afirma que a prática de vida local, a práxis humana, é capaz de desvelar a configuração do contexto real, da existência concreta, mais do que os roteiros parciais emoldurados pelas teorias formais e gerais acerca dos acontecimentos. Assim, a práxis da vida real oferece mais elementos para a compreensão da experiência de fato e de classe. O contato do IFRN/Campus Mossoró com a práxis real dos grupos de economia solidária é uma demonstração explícita de que os grupos de economia solidária mencionados acima majoritariamente são grupos organizados pela classe trabalhadora.

Em cada um dos 30 grupos constituídos de agricultoras/es, artesãs/ãos, desempregadas/os, jovens e idosos há o entendimento de que fazem parte de uma classe excluída, uma classe que trabalha e o resultado do trabalho é apartado da existência de cada um; há o entendimento de que são menos favorecidos porque não tem acesso aos serviços sociais básicos (educação, saúde, trabalho etc. etc.). Historicamente a práxis real de vida da classe trabalhadora tem sido escamoteada. As experiências de classe são apagadas dos relatos oficiais; o modo como


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historicamente a classe trabalhadora organiza seus anseios coletivos possuem uma potência que se encontra à margem do domínio do modo de produção hegemônico, bem como, nos grupos de economia solidária estudados, há uma disposição política para se contrapor politicamente à hegemonia da economia política do capitalismo.

Nesse sentido, podemos afirmar que a economia solidária prioriza a luta política e econômica não sobrepondo nenhuma à outra, ou menosprezando uma em detrimento da outra. O seminário, objeto dessa análise, realizado como a primeira atividade formativa do projeto, abordou como tema de uma de suas mesas “Os desafios da economia solidária na conjuntura atual”. O destaque da mesa foram as afirmações no sentido de que o protagonismo das mulheres e da juventude para a organização política e a produção econômica são elementos que não podem ser desprezados quando o que está em jogo é a transformação social. Nas falas dos palestrantes coletadas durante a realização do seminário e destacadas no relatório da atividade, ficou clara a importância da economia solidária ser um local de militância teórica e prática na qual seus princípios carregam os germes de um novo modelo de sociedade.


Enfatiza o caráter de mudança que a economia solidária carrega nos seus princípios e, por isso, ela é um local de resistência por apontar um novo modelo de sociedade. Para ela, é fundamental que a economia solidária discuta a divisão sexual do trabalho e que faça a desnaturalização da economia capitalista. Faz menção à invisibilidade do trabalho das mulheres e destaca a preocupação com a questão democrática no país. Ao final, conclama todas/os a “resistir e resistir, pois só a luta constrói a democracia” (RELATÓRIO DO I SEMINÁRIO

– ECONOMIA SOLIDÁRIA EM MOVIMENTO: PROBLEMAS E SOLUÇÕES, 2017).


Assim como também tiveram discursos que afirmavam que a economia solidária já é suficientemente organizada politicamente e que já possui suas visões de mundo, sociedade e ser humano necessariamente delineadas, todavia, o que resvala como algo preocupante é o potencial econômico uma vez que as tecnologias são capturadas pelo modo de produção capitalista e utilizadas para o lucro individual ao invés de produção de um lucro social. Ambos os expositores desses entendimentos durante a realização do seminário destacaram a importância da economia solidária se organizar em rede de modo local, regional e nacional, para que os problemas e


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soluções enfrentados no âmbito político, econômico e cultural fossem socializados e enfrentados coletivamente.


Destaca que a Economia Solidária já é forte politicamente, mas tem que crescer mais economicamente. Para isso, destaca pontos fundamentais, tais como: o planejamento do grupo. Afirma que é muito importante a autogestão de cada trabalhador e membro do grupo. Na gestão, destaca que a militância da classe é importante, mas não só ela. Por fim, destaca como necessária a articulação de uma rede para fortalecer os grupos. Fazer as coisas coletivamente, trocando experiências. Fortalecer em rede para crescer e se fortalecer politicamente. Buscar o apoio das instituições como IFRN e demais Universidades, para abranger e fortalecer o tema e a prática da economia solidária (RELATÓRIO DO I SEMINÁRIO – ECONOMIA SOLIDÁRIA EM MOVIMENTO: PROBLEMAS E SOLUÇÕES, 2017).


As evidências acima destacadas nos fornecem pistas capazes de nos fazer refletir sobre o potencial classista da economia solidária e a proposta de transformação social que atravessa os princípios praticados por esses grupos. Durante o seminário, houve um momento em que os representantes dos grupos se apresentavam e relataram de maneira detalhada a sua dinâmica, destacando as dificuldades e necessidades de cada grupo. A maioria dos grupos destacaram a importância da solidariedade no trabalho e defenderam que quando não possuíam conhecimento sobre a economia solidária competiam entre si para produzir e que quase sempre fracassavam. As dificuldades relatadas quase sempre recaiam na ausência e silêncio do Estado para garantir espaços de comercialização, sistema de transporte da produção, programas de compra da produção etc. Ressaltam que a solidariedade e a autogestão no trabalho seriam um dos elementos importantes para a transformação social.


“O primeiro grupo que relatou sua dinâmica foi a COOPERMUPS. Elas explicaram um pouco sobre o grupo: “A COOPERMUPS reúne mulheres que trabalham de modo solidário entre si, prestam serviços em um bairro com bastante dificuldade e violência, mas que estão em ação para construir outro mundo. Nossa maior dificuldade é autogestão porque não temos leitura, a maioria de nós é analfabeta, mas, como diz Margarida Alves: é melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Relatam que a cooperativa foi fundada a partir do grupo ‘Mulheres em Ação’ e que hoje funciona com 18 mulheres, trabalhando com alimentação e serviços domésticos (como diaristas)”


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“A maior dificuldade hoje é o descaso dos governos e o incentivo para as pessoas participarem, mas as perspectivas são boas: há esperança de ter um bom inverno e já estão conversando com as pessoas que estão se comprometendo a comercializar na feria; além disso, são pessoas atuantes, participativas, que fazem parte da luta sindical. Também estão conseguindo estabelecer uma parceria com a gestão municipal, mantendo contato com a secretaria de agricultura e há perspectivas de que haverá apoio”


“Outro problema para comercialização que foi discutido foi a logística para o transporte dos produtos até o espaço de comercialização. Por exemplo, para comercializar os produtos de Apodi na feira da COOPERXIQUE em Mossoró precisa disponibilizar um carro para ir pegar os produtos na cidade” (RELATÓRIO DO I SEMINÁRIO – ECONOMIA SOLIDÁRIA EM MOVIMENTO: PROBLEMAS E SOLUÇÕES, 2017).


O que se depreende dessas informações fornecidas pelas pessoas que fazem a economia solidária diariamente é que a experiência humana tece a experiência de classe e revela o conjunto de tensões que formam a práxis social. Os processos formativos realizados com os representantes dos grupos produtivos pouco a pouco revelam a experiência da classe trabalhadora para garantir a manutenção da vida através de ações, muitas vezes, espontâneas e intuitivas de solidariedade e companheirismo. Os relatos de apresentação de cada pessoa pertencente aos grupos e o relato sobre os problemas e dificuldades para garantir a produção são experiências acumuladas do fazer-se da classe trabalhadora da economia solidária, porque nesse momento é que ocorre a articulação e o sentimento de interesses comuns. Lembrando Thompson (1987), é a produção da vida, individual e coletivamente, um fator preponderante para o surgimento da experiência de classe.

Outro ponto de destaque importante durante a realização do seminário é a crítica realizada por vários participantes no transcorrer das suas falas ao discurso ideológico neoliberal, sobretudo, do “caráter empreendedor que se vai enfiando goela abaixo da classe trabalhadora”18. Algumas mulheres relataram sentir asco de várias expressões como, por exemplo, “faça você mesmo”, “autoestima no trabalho”, “você é seu próprio patrão”. Nestes discursos estão embutidas a compreensão das mais diversas formas de precarização do trabalho e não representam efetivamente o sentido da economia solidária como uma economia construída pela ação popular desses grupos.


18 Relato extraído do relatório final produzido pelo núcleo de execução do projeto.


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Considerações finais


Do exposto até aqui, conclui-se que a práxis militante emancipatória desenvolvida a partir da experiência com a classe trabalhadora, organizada nos grupos produtivos de economia solidária, pode vir a atuar como elemento capaz de provocar brechas e rupturas na configuração de uma educação profissional capturada pela hegemonia do capital, no sentido gramsciano.

Além disso, não podemos deixar de esclarecer que a economia solidária possui um caráter limitado diante da força injusta do capital, todavia, sua experiência acumulada é um referencial importante para apontar uma posição anticapitalista. Nesse sentido, a economia solidária reúne modos de ação prática e elementos de produção e reprodução da vida pouco amadurecidos. Em todo caso, não há de se negar que a economia solidária é um tipo de movimento social no qual é possível identificar elementos da crítica e análise dos problemas sociais na sociedade capitalista.

Assim, compreende-se que no interior desse processo educativo se revela a atuação do IFRN como uma práxis político-educativa na qual estão presentes os elementos que compõem a intencionalidade da ação pedagógica bem como a visão de que é possível formar para a construção de um novo modelo societal. Esta práxis político-educativa se complementa com a práxis militante emancipatória da economia solidária. Ao fim, a práxis resultante dessa relação entre o conhecimento acumulado historicamente e mobilizado para contribuir com a efetivação de uma sociedade na qual se combata a barbárie, contribui com a emancipação dos sujeitos em um processo constante de transformação social.

Nesse caso, a instituição não pode se limitar a ouvir os anseios das cadeias produtivas do capitalismo e silenciar diante dos anseios das classes populares. A educação profissional pode levar em consideração o trabalho solidário dos pequenos grupos produtivos e contribuir para que esses grupos possam superar as limitações da produção e atuarem contundentemente como grupos anticapitalistas.

A análise desses processos formativos nos fornece, ainda, alguns elementos para compreender os limites aos quais esses processos estão sujeitos. Tendo em vista que a instituição escolar não está flutuando distante da realidade capitalista, o que ela pode proporcionar em termos de emancipação se delimita a emancipação


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política. A emancipação humana, para Marx (2010), na qual a civilização e humanização atingem seu ponto máximo, somente pode vir a ser e se efetivar a partir da supressão da sociedade dividida em classes. Isso não quer dizer que a emancipação política não possua uma importância muito significativa; ao contrário, a emancipação política assegura direitos sobre os quais estão assentadas as questões de vida ou morte de muitos sujeitos na sociedade capitalista. De outro modo, a práxis militante emancipatória rompe com o desejo de dominação e de emolduramento do desenvolvimento intelectual e cultural do povo; contudo, as limitações que essa práxis militante emancipatória possui estão relacionadas aos desígnios com aparência de inexoráveis da práxis hegemônica do capital, sendo fundamental a organização dos sujeitos, a ação popular, para a emancipação política.

Portanto, nossa constatação não é reafirmar o lugar comum da dualidade educacional no âmbito da educação brasileira, sobretudo, na educação profissional. O que apresentamos com essa análise são alguns elementos que podem nos ajudar a compreender como o fazer-se da educação profissional é marcado pela disputa da formação da classe trabalhadora e esse fazer-se pode nos possibilitar a aproximação com outros modos de formar as pessoas a partir da experiência de classe promovida pela articulação, por exemplo, da educação profissional com a economia solidária. São elementos moleculares como esses da relação entre os anseios populares e a educação que podem nos fazer entender a perspectiva de alcance de novos modos de formação, diferentes das experiências históricas mais recentes no campo da formação humana.


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