V.21, nº 44, 2023 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X


Dissertação de Mestrado1


BUENO, Alana Lemos2. A Reforma do Ensino Médio: do Projeto de Lei nº 6.840/2013 à Lei nº 13.415/2017. 2021. 144f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.


Resumo expandido


Esta pesquisa exprime a tarefa de investigar a trajetória da política de reforma do ensino médio no Brasil, considerando a publicação do Projeto de Lei (PL) nº 6.840/2013 até a homologação da Lei nº 13.415/2017. A investigação da política de reforma educacional se organiza a partir de três pilares: a) no mapeamento da Comissão Especial para a Reformulação do Ensino Médio (CEENSI) e da Comissão Mista, referente aos anos de 2013 e 2017 respectivamente, e seus interlocutores presentes nas reuniões e audiências públicas; b) na sistematização das notas taquigráficas, atas, relatórios das reuniões e audiências públicas, e c) nas movimentações dos textos legislativos, buscando comparar o PL nº 6.840/2013, o Substitutivo ao PL, o Substitutivo redigido e apresentado pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) em 2016, a Medida Provisória (MP) nº 746/2016, o Projeto de Lei de Conversão (PVL) nº 36/2016 e a Lei nº 13.415/2017.

Nas últimas três décadas, observamos o desenho dos embates em torno da definição das políticas para o ensino médio, mostrando-se expressivo o aspecto da relação entre escola, trabalho e juventude (BERNARDIN e SILVA, 2014). Essa relação se faz presente com a aprovação do Decreto nº 5.154/2004 ao restabelecer a


1 Resumo expandido recebido em 08/02/2023. Aprovado pelos editores em 27/03/2023. Publicado em 13/04/2023. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v21i44.57339.

2 Mestra em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná - UFPR/Paraná, na Linha de Pesquisa em Políticas Educacionais. É membro do Observatório do Ensino Médio, e tem desenvolvido seus estudos para as temáticas do ensino médio, juventude e trabalho. É professora de Sociologia na rede privada de ensino. E-mail: alanalbb@gmail.com.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1742708681816168. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0703-0312. A dissertação está disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclu sao.jsf?popup=true&id_trabalho=11094024.


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organização da educação profissional integrada ao ensino médio, revogando o Decreto nº 2.208/1997. Nesse contexto, a disputa curricular se dava em torno do resgate do princípio da politecnia, o que demarcou as reivindicações das lutas sociais dos anos de 1980 para a educação (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005). Mas, a articulação prevista na lei só foi incluída na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 2008 (FERRETTI e SILVA, 2016).

Até mesmo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) só foram retomadas em 2011 e publicadas em 2012, quando passaram a fundamentar o trabalho como princípio educativo e a organização curricular da etapa baseada nos eixos da ciência, cultura, trabalho e tecnologia. Ainda assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico (DCNEP), aprovadas em 2012, em seu conteúdo retomavam parte dos princípios da década de 1990, orientando os seus postulados para os componentes da competência e da adaptação ao mercado de trabalho (CIAVATTA e RAMOS, 2012).

Com a aprovação das DCNEM de 2012, observamos logo em seguida a reação das forças conservadoras no debate acerca do currículo do ensino médio. A reação é evidente com a publicação do PL nº 6.840/2013 que instaurava a reforma do ensino médio e explicitamente apontavam em seu relatório final a revisão das DCNEM. Mas, por que revisar um documento recém-publicado?

Tal indagação nos levou a construir, então, o seguinte problema de pesquisa: o que aconteceu desde a publicação do PL nº 6.840/2013 até a aprovação da Lei nº 13.415/2017, que institui a reforma do ensino médio, considerando as rupturas e continuidades entre os dois momentos? Para respondê-la, foi preciso olhar para a estrutura do ensino médio nos últimos anos e identificar o que conferiu legitimidade à política de reforma. Isso foi verificado no modo como os reformadores pautavam um diagnóstico em comum acerca da etapa: currículo inadequado, professores mal preparados e jovens desinteressados.

Igualmente, se mostrou evidente no percurso de estabelecimento da política de reforma a movimentação dos agentes públicos nos âmbito do Ministério da Educação (MEC) e consolidação das políticas de currículo e de jornada em tempo integral que já se delimitavam nas secretarias estaduais de educação, além de olhar mais especificamente para os grupos e interlocutores das Comissões de Educação, e os


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efeitos disso nos textos dos projetos e leis (nas alterações, substituições ou exclusões do conteúdo da política).

Depois da aprovação das DCNEM em 2012, a política de reforma do ensino médio organizada pela CEENSI, e, por conseguinte, a publicação do PL nº 6.840/2013, pudemos traçar elementos significativos para a apreensão desse cenário. Um deles se mostra no evidente embate de forças entre o MEC, as Secretarias Estaduais de Educação, o parlamento, o empresariado e os movimentos sociais. Esses embates resultaram, cerca de dois anos depois de criada a Comissão, na publicação de um Substitutivo ao PL. O Substitutivo buscava resgatar os postulados das DCNEM de 2012, apresentando ganhos do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio em áreas de maior pressão do setor privado (SILVA e KRAWCZYK, 2016). A tramitação do Substitutivo foi travada na Câmara dos Deputados. Por um lado, havia uma forte pressão para impetrar o impeachment de Dilma Rousseff que tomou conta da pauta da Câmara (SILVA e KRAWCZYK, 2016), e, por outro lado, o impeachment serviu de base para a retomada da reforma do ensino médio como MP no governo de Michel Temer.

Porém, a essa altura, os reformadores já organizavam nos bastidores o projeto de reforma do ensino médio. O Grupo de Trabalho de Reforma do Ensino Médio do CONSED retomou suas atividades em junho de 2015 (SILVA, 2017), no qual passou a assessorar as discussões referentes à etapa em interlocução com o MEC. As atividades do GT resultaram nos documentos "Carta de Princípios sobre o Ensino Médio Brasileiro" e o Substitutivo com proposições ao PL nº 6.840/2013, entregues em 3 de março de 2016 ao MEC (SILVA, 2017). Já em setembro de 2016, o Poder Executivo apresentou a MP nº 746/2016, criando-se uma Comissão Mista no mês seguinte. Até o mês de novembro foram realizadas doze reuniões para a discussão da MP, e a homologação final da Lei nº 13.415 aconteceu em fevereiro de 2017.

É preciso registrar que nos dois momentos da reforma do ensino médio as proposições encontraram expressamente as intenções do setor privado (SILVA e KRAWCZYK, 2014; FERRETTI e SILVA, 2017; QUADROS, 2020). Isso é evidenciado

em nossas análises pela diferença de forças na definição da política para a etapa, uma vez que com o PL de 2013 pudemos identificar as pressões dos movimentos sociais e, até mesmo, dos agentes públicos que ocupavam o MEC na época. Porém, suas forças são reduzidas com o entrave do Substitutivo ao PL construído pelo


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Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio; a incorporação de agentes públicos ligados ao setor privado especialmente na transição do governo Dilma-Temer; o rápido acolhimento do Substitutivo de autoria do CONSED pelo MEC, sendo imposto em seguida por uma MP; e as explícitas repressões dos grupos contrários à política de reforma nas audiências públicas.

Com o aporte da análise documental, a pesquisa traçou “núcleos de sentidos” (BARDIN, 2011, p. 135), isto é, os temas de maior ou menor presença das notas taquigráficas, atas, relatórios e dos textos legislativos na política de reforma. O que possibilitou identificar as forças que aceleraram ou retardaram os distintos projetos para a formação da juventude. Na análise das Comissões de ambos os momentos da reforma do ensino médio verificamos um baixo número de referências ao documento das DCNEM de 2012. Entre os reformadores, quando se referiam ao documento, havia uma evidente oposição aos seus postulados. Essa oposição foi organizada em nossa pesquisa na categoria modelos para o ensino médio, que se apresentava em duas frentes opostas na argumentação dos reformadores: como oposição à “utopia” do princípio da politecnia e como objeção aos Institutos Federais por conta de suas dificuldades de financiamento; e como legitimação do modelo pernambucano enquanto modelo de parceria público-privado, da política de tempo integral e da política de accountability. Isto é, um modelo de fácil replicação em termos de financiamento.

Os elementos alterados, substituídos ou rejeitados nos textos legislativos foram verificados na persistência das proposições ligadas ao setor privado. Dentre elas, destacamos a ampliação da carga horária e a flexibilização do currículo em áreas de conhecimento e uma formação técnica e profissional. Flexibilização, hierarquização e controle técnico foram as categorias utilizadas por nós para compreender a forma e o conteúdo do currículo afirmado pelos reformadores. Além disso, a política da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apareceu pela primeira vez com o Substitutivo do CONSED. Com a alta similaridade entre os textos do Substitutivo do CONSED e a MP nº 746/2016 instaurou-se a sobreposição de um projeto de reforma para o ensino médio, com expressivos momentos de deslegitimação e repressão das proposições dos movimentos educacionais.

Os resultados da investigação demonstraram a força dos reformadores ligados ao CONSED e às entidades privadas, e os cargos ocupados na burocracia do MEC


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na definição da política de reformulação do ensino médio, explicitando uma correlação entre MEC-CONSED e Câmara dos Deputados. Contudo, a força dos reformadores não deixou de sofrer pressão contrária na disputa pela definição da política, quando identificamos um projeto de defesa da escola pública, das juventudes, dos trabalhadores da educação e dos postulados do ensino médio integrado.


Referências


BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.


BERNARDIN, M. L; SILVA, M. R. Políticas Curriculares para o Ensino Médio e para a Educação Profissional: propostas, controvérsias e disputas em face das proposições do Documento Referência da Conae 2014. Jornal de políticas educacionais, v. 8,

n. 16, jul/dez. 2014. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/jpe/article/view/40309. Acesso em 12 de abril de 2021.


CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A “era das diretrizes”: a disputa pelo projeto de educação dos mais pobres. Revista Brasileira de Educação, v. 17, n. 49, jan./abr. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v17n49/a01v17n49.pdf. Acesso em 21 de agosto de 2019.


FERRETTI, C. J.; SILVA, M. R. Reforma do Ensino Médio no contexto da Medida Provisória nº 746/2016: Estado, currículo e disputas por hegemonia. Educação e Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, jun. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 73302017000200385&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 02 de novembro de 2019.


FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A gênese do decreto N. 5.154/2004: um

debate no contexto controverso da democracia restrita. Revista Trabalho Necessário, v. 3, n. 3, 2005. Disponível em: https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/4578. Acesso em 20 de maio de 2021.


QUADROS, S. F. A influência do empresariado na reforma do ensino médio. 2020. 160f. Dissertação (Mestrado em Educação) - UNICAMP, Campinas.


SILVA, R. S. A Reforma do Ensino Médio. [Entrevista cedida a Francisco Aparecido Cordão]. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, 2017. Disponível em: http://bts.senac.br/bts/article/download/420/378. Acesso em 20 de abril de 2021.


SILVA, M. R.; KRAWCZYK, N. Quem é e o que propõe o Projeto de Lei da Reforma do Ensino Médio: entrevistando o Projeto de Lei 6.840/2013. In: AZEVEDO, J. C.; REIS, J. T. (Org.). Ensino Médio: Políticas e Práticas. Porto Alegre: 1ª ed. Universidade Metodista, 2016.


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