V.21, nº 44, 2023 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X
Marise Ramos2
Quando o Partido dos Trabalhadores governou o Estado Brasileiro (2003-2016), as disputas pela educação implicaram a sociedade política com o propósito de superar as contrarreformas neoliberais. Intelectuais do GT 09 da ANPEd assumiram funções no poder executivo buscando atuar com base no conhecimento acumulado nesse campo. O artigo discute conteúdo, processos e contradições dessas disputas, bem como debates e dissensos no interior no próprio campo, concluindo sobre a relevância desse conhecimento para enfrentar o neoconservadorismo presente na sociedade, desafios no contexto do novo governo.
n. 5.154/2004.
Cuando el Partido de los Trabajadores gobernaba el Estado brasileño (2003-2016), las disputas por la educación involucraron a la sociedad política para superar las contrarreformas neoliberales. Intelectuales del GT 09 de ANPEd asumieron funciones en el Poder Ejecutivo buscando actuar con base en el conocimiento acumulado en este campo. El artículo discute contenidos, procesos y contradicciones de estas disputas, así como debates y disidencias dentro del propio campo, concluyendo sobre la pertinencia de estos saberes para enfrentar los desafíos del
When the Workers' Party governed the Brazilian State (2003-2016), disputes over education involved political society in order to overcome neoliberal counter-reforms. Intellectuals from ANPEd's WG 09 assumed functions in the executive branch seeking to act based on the accumulated knowledge in this field. The article discusses content, processes and contradictions of these disputes, as well as debates and dissent within the field itself, concluding on the relevance of this knowledge to face the neoconservatism present in society, challenges in the context of the new government.
1Artigo recebido em 02/02/2023. Primeira avaliação em 07/03/2023. Segunda avaliação em 04/03/2023. Aprovado em 15/03/2023. Publicado em 13/04/2023. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v21i44.57606.
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro. Pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, na linha de pesquisa Estado e Políticas Públicas. É uma das coordenadoras do Grupo These – Projetos Integrados de Pesquisa em Trabalho, História, Educação e Saúde UFF/UERJ/EPSVJ-Fiocruz. Bolsista CNPq -PQ-2 e Cientista do Nosso Estado Faperj.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3796863111902233. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5439-3258.
1
Em 1984, num livro intitulado O Marxismo na batalha das ideias, o autor do presente trabalho argumentou no sentido de que devemos reconhecer que, mesmo numa trajetória pessoal bem-sucedida, é elevado o coeficiente de fracasso. E chegou a sugerir que, ao lado do curriculum vitae, numa tentativa de corrigir sua unilateralidade, as pessoas fossem desafiadas a elaborar outro documento histórico de suas derrotas e seus fracassos: o currículo mortis. Seria, com certeza, uma peça mais interessante do que a outra; e provavelmente contribuiria para a crítica da ideologia. (KONDER, 2002, p. 258, grifos do autor).
O ingresso do Partido dos Trabalhadores na gestão do Estado brasileiro em 2003 oportunizou tentativas por parte de intelectuais e educadores que assumiram funções de gestão na estrutura do Ministério da Educação, de rompimento com a política educacional anterior, caracterizada por um conjunto de contrarreformas nos planos conceitual, organizacional e econômico de corte neoliberal.
Ainda que se considere o Decreto n. 2.208/1997 como uma das medidas de maior impacto na educação básica durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), especialmente quanto à relação entre ensino médio e educação profissional, cabe destacar que o caminho aberto para esta e outras medidas foi o êxito na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei n. 9394/1996), na versão do substitutivo do senador Darcy Ribeiro, designada por Saviani (1997) como “minimalista”. Foram exatamente pelas lacunas deixadas por esta lei, se comparada ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados (PLC 101), que adentraram as regulamentações que se alinhavam aos preceitos de organismos internacionais, atuantes no sentido de adequar a relação trabalho e educação ao contexto neoliberal e pós-moderno típico da contemporaneidade especialmente a partir dos anos de 1990. Juntamente com essa nova lei e o Decreto n. 2.208/1997, passamos a viver a “era das diretrizes” (CIAVATTA e RAMOS, 2012), quando as Diretrizes Curriculares Nacionais se tornaram o principal meio da política curricular no Brasil.
3 Este texto foi inicialmente escrito para a exposição na mesa “A produção científica das pesquisas em Trabalho- Educação como ‘força material’: experiências e perspectivas da práxis política, realizada no V Intercrítica – Encontro de Grupos de Pesquisa em Trabalho e Educação, realizado no período de 10 a 11/10/2022.
2
No primeiro governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, tentou-se, com muito esforço e na contracorrente do pensamento hegemônico na sociedade e no interior do próprio Estado, direcionar a política de educação dos trabalhadores para uma concepção inspirada na politecnia e no princípio educativo do trabalho. O programa do então candidato, em 2002, firmou o compromisso com a revogação do Decreto n. 2.208/1997, ícone do dualismo e do privatismo educacional. Este, ao separar a educação profissional do ensino médio, não só inaugurou uma rota privatizante da primeira, como incorporou em ambas o modelo pedagógico alinhado com o pensamento neoliberal e pós-moderno centrado em competências4.
A Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC) contava com pesquisadores ligados ao GT 09 – Trabalho e Educação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd)5 em funções estratégicas para esse redirecionamento político. Porém, sem o propósito de encaminhar uma nova reforma educacional a partir do aparelho de Estado e do diálogo restrito com consultores (o que foi a prática dos governos anteriores). Ao contrário, pretendeu-se construir, em diálogo com a sociedade e educadores, uma nova concepção educacional à luz da utopia que tanto mobilizou os debates pela nova LDB.
A revogação daquele decreto por outro, o de número 5.154/2004, foi entendido por alguns pesquisadores do mesmo campo como mantenedor da dualidade, ao se admitir no ensino médio os ramos propedêutico e profissionalizante como conciliação de interesses divergentes6. Outra crítica importante concerne à interpretação de que este decreto, mais do que restaurar a possibilidade de integração da educação profissional ao ensino médio – o que já estava assegurado pelo parágrafo 2º. do artigo 36 da LDB – dada a não revogação das formas concomitante e subsequente, teria, com o médio integrado, ampliado as alternativas “que favoreceram ações privadas de formação precarizada com recursos públicos”. (KUENZER, 2007, p. 501)7
4 Dentre os diversos estudos que publicamos sobre o tema, recomendamos o mais completo (Ramos, 2001).
5 Citamos, particularmente, além da própria autora deste texto, Ivone Moreira, respectivamente nas
Diretorias do Ensino Médio e da Educação Profissional, e Lucília Machado na equipe gestora do Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep).
6 Essa posição é explícita nos artigos de Rodrigues (2005a, 2005b) ao associar o novo decreto à Lei n. 7.044/1982, que revogou a profissionalização compulsória imposta pela Lei n. 5.692/1971.
7 A Revista Trabalho, Educação e Saúde proporcionou, na sessão debates, o diálogo profícuo sobre o
tema entre a autora citada (KUENZER, 2007) e a deste artigo (RAMOS, 2007). Diálogo este que se estende até os dias atuais orientado pelo compartilhamento da defesa intransigente do direito da classe
3
O fato é que, na disputa com os setores privatistas da educação e mesmo com alguns da educação pública que apoiavam o Decreto n. 2.208/1997 – no primeiro caso, principalmente o chamado Sistema “S”, e, no segundo, o Conselho de Secretários Estaduais de Educação (CONSED) e parte do então Conselho Nacional de Dirigentes dos CEFETs (CONCEFET) – venceu a tese de que a relação entre ensino médio e educação profissional deveria ser de “articulação” e não de “integração”, dado o caráter abrangente do primeiro e restrito do segundo. Por esta razão, integração deveria ser apenas uma das formas possíveis da articulação, a qual abrangeria, também, as formas subsequente e concomitante da educação profissional na relação com ensino médio. A articulação, na verdade, foi uma estratégia que se valeu da linguagem – um eufemismo – para legitimar a manutenção da separação entre as modalidades de ensino já praticadas historicamente pelo Sistema S e implementadas por muitos sistemas estaduais de ensino e na própria rede federal, além de abrir um enorme flanco para a atuação de outras instituições privadas na oferta da educação profissional no país.
De um lado, a crítica ao conteúdo do Decreto n. 5.154/2004 identificava esse artifício, o qual impedia a efetiva superação dos propósitos da reforma que o decreto anterior operava. De outro lado, quadros da esquerda que assumiram postos diretivos no MEC e que lideravam o debate com a sociedade, com organismos representantes dos sistemas de ensino, com o Sistema S e como o próprio Conselho Nacional de Educação, cuja composição mantinha a hegemonia do pensamento neoliberal, argumentavam que, não fosse pela negociação e conciliação, não se conseguiria avançar. Tornar a “forma integrada" uma possibilidade de “articulação” entre ensino médio e educação profissional era dar um passo muito importante frente aos oito anos de consolidação de interesses neoliberais, e levar a disputa e a construção do projeto de educação que interessa à classe trabalhadora efetivamente para a sociedade civil. Pode-se dizer que o Decreto n. 5.154/2004 resultou da disputa que se travou no âmbito do Estado ampliado, isto é, envolvendo tanto a sociedade política com as forças condensadas no aparelho de Estado, quanto a sociedade civil organizada nos aparelhos privados de hegemonia. (GRAMSCI, 2001; POULANTZAS, 1985).
trabalhadora à educação de qualidade coerente com seus interesses e tendo como horizonte transformação radical da sociedade.
4
Eram significativos os efeitos, para a classe trabalhadora, da política educacional do governo de FHC, alinhadas às dinâmicas da restruturação produtiva e do neoliberalismo no Brasil. Rigorosamente, as medidas visavam separar educação básica e educação profissional tornando-as independentes. Se havia o propósito de reformar os currículos, mediante a organização em módulos e itinerários flexíveis baseados em competências, a finalidade precípua era desvincular a educação profissional da educação nacional sob responsabilidade do Estado, transferindo-a para outras esferas e/ou privatizá-la. Em todos os casos, desobrigava-se o Estado de seu financiamento.
Tanto isto é verdade que algumas medidas se seguiram ao Decreto n. 2.208/1997 para viabilizar o intento. Uma delas foi a implantação do Proep8, meio pelo qual as instituições federais podiam pleitear recursos face ao decréscimo brutal do orçamento público a elas destinado. Mas, para isto, no plano de adesão ao programa, as instituições deveriam demonstrar a redução das vagas do ensino médio a zero no período de quatro anos. Visando a minimizar resistências, a Portaria MEC n. 646/1997 permitiu a oferta de vagas para o ensino médio com matrícula independente do ensino técnico de até 50% do total oferecido para os cursos regulares em 1997. Em contraposição, em cinco anos, as vagas oferecidas somente para a educação profissional deveriam dobrar. Ou seja, havia uma política de esvaziamento da educação geral nessas instituições, juntamente com a cooptação, via financiamento, da extinção dessa formação.
Igualmente conjugada a esta medida esteve a lei n. 9.649/1998 que, ao emendar o artigo 3º. da Lei n. 8.948/1994, definiu que a expansão da educação profissional pela União só poderia ocorrer em parceria com Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não-governamentais, a se responsabilizarem pela manutenção e gestão das novas unidades9. Vislumbrava-se, com tais restrições, a educação profissional como uma política não somente para o
8 Portaria MEC n.1005, de 10 de setembro de 1997.
9 Outra nova redação foi dada a este artigo pela Lei n. 11.195/2005, substituindo a palavra “somente”, por “preferencialmente”. A alteração foi sutil, mas abriu a possibilidade para a posterior e substantiva expansão da rede federal.
5
mercado, mas também do mercado. O destino da rede federal estava traçado: seria a sua privatização.
Foram diversas as estratégias de disputas travadas no âmbito do Estado ampliado sob liderança da sociedade política. Essas implicaram momentos de debates, divulgação de documentos, realização de reuniões de trabalho, dentre outras. Duas amplas e marcantes ações ocorreram em 2003: a realização dos seminários do ensino médio10 e da educação profissional. O primeiro foi precedido por diversas reuniões com pesquisadores de temas que orientaram os debates no seminário, a fim de se produzir coletivamente conhecimentos para o redirecionamento dos rumos do ensino médio. No segundo, as forças conservadoras estavam mais organizadas. O “Documento à Sociedade”11 (BRASIL. MEC, 2004), que visava dar retorno às instituições da sociedade civil e política pelas contribuições apresentadas à construção do decreto que revogaria o 2.208/1997, expõe que
o Seminário Nacional sobre “Ensino Médio: Construção Política”, realizado em Brasília nos dias 19 a 21 de Maio de 2003 teve como eixo e balizamento da concepção de ensino médio, o conhecimento, o trabalho e a cultura. Seu horizonte é a formação de sujeitos autônomos, tecnicamente capazes de responder às demandas da base científica digital-molecular da produção, mas, politicamente, protagonista de cidadania ativa na construção de novas relações sociais. Sua estratégia foi a de reunir para o debate, Governo Federal, Secretarias Estaduais de Educação, pesquisadores e entidades científicas. Neste sentido, foi precedido de um conjunto de oficinas preparatórias, cujo material produzido está sendo publicado proximamente e será um valioso material para a construção da política de Ensino Médio e Educação Profissional. Em continuidade a esse Seminário, mas com foco mais específico, foi realizado o Seminário Nacional de "Educação Profissional - Concepções, Experiências, Problemas e Propostas" no período de 16 a 18 de junho de 2003. A estratégia foi de produzir previamente um documento-base para os debates sobre o tema e, a partir do mesmo, estabelecer um amplo diálogo com as instituições e organizações interessadas na temática.
10 Este seminário gerou duas publicações da Diretoria do Ensino Médio da SEMTEC. A primeira, de 2003, foi um caderno síntese, do qual consta o conteúdo dos relatórios dos grupos de discussão. Pelas consultas que fizemos na Internet, esta publicação não está acessível eletronicamente. A segunda, é o livro “Ensino médio: ciência, cultura e trabalho” organizado por Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta, por solicitação desta autora, na condição de Diretora do Ensino Médio (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004), do qual constam capítulos de autoria de pesquisadores que participaram das reuniões preparatórias do seminário. Os procedimentos para a publicação foram realizados quando a exoneração desta autora do cargo que ocupava já estava definida. Considerando a relevância da publicação e para evitar constrangimentos políticos, o texto de apresentação, ainda que figure com o nome do então secretário, foi escrito pela própria, que optou por constar da obra somente como autora de um dos capítulos.
11 O documento foi elaborado pela Diretoria do Ensino Médio dirigida por esta autora, com auxílio de Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta, interlocutores permanentes, e com apoio dos demais dirigentes da SEMTEC.
6
Por isso, não se definiu previamente as instituições participantes. Efetivou-se um convite aberto. A resposta foi extraordinária. Estiveram presentes mais de 1.500 pessoas, representando 417 instituições da sociedade e órgãos do governo, como consta nos Anais do Seminário a que todos tiveram acesso. Com base nos debates e na sinalização resultante das "concepções, experiências, problemas e propostas" apresentadas, elaborou-se a "Proposta de Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica". Este documento foi amplamente divulgado em forma escrita e eletrônica mediante o site da MEC/SEMTEC. (BRASIL. MEC. SEMTEC, 2004, p. 2).
Ressaltou-se o princípio que orientou o trabalho político do grupo: a democracia; que “se constrói dentro de forças e interesses divergentes e que, portanto, como já assinalamos, pressupõe o diálogo como estratégia da política de reconhecimento destes diferentes interesses existentes na sociedade, mediante a transparência nas discussões e decisões”. (BRASIL. MEC, 2004, p. 3) Ao todo, foram seis versões de minutas de decreto, sendo que a partir da terceira, retirou-se do texto elementos conceituais importantes incorporados à exposição de motivos e, assim, reduzindo o corpo do decreto. Essa medida tentou responder à crítica de que o documento era muito conceitual e pouco normativo. Rigorosamente, os conceitos incomodavam os setores conservadores pois buscavam explicitar a concepção de educação defendida pelos que dirigiam a SEMTEC naquele período.
A partir de então, a política da educação profissional integrada ao ensino médio se tornou fato legal, demandando sua efetiva construção. Ainda na gestão desta autora, firmou-se um compromisso, que redundaria em acordos de cooperação técnica12, entre o MEC e três secretarias estaduais de educação – Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo – com a finalidade de apoiá-las na implantação do ensino médio integrado. Recursos para esta ação chegaram a ser incluídos no Plano Plurianual (PPA) para os quatro anos seguintes, além da elaboração de um projeto que delineava três componentes, a saber: a) propostas curriculares que articulem ciência, cultura e trabalho; b) formação de professores; c) memória e identidade escolar. Previa-se a colaboração de consultores e um diálogo profícuo foi construído envolvendo os seguintes sujeitos, além desta autora, na condição de Diretora do
12 Foi elaborado uma minuta com a seguinte ementa “acordo de cooperação técnico-científica que entre si celebram a Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação e a Secretaria de Educação do Estado (_), com vistas ao desenvolvimento de projetos e atividades de mútuo interesse”, sendo a cláusula primeira referente ao objeto, qual seja: “assessoramento técnico à Secretaria de Educação do Estado (_) na implantação do Ensino Médio integrado à Educação Profissional”. (Documento de arquivo pessoal da autora).
7
Ensino Médio: Gaudêncio Frigotto (Uerj), Maria Ciavatta (Uff), Vera Corrêa (Uerj), todos ligados à Anped; e, pelas Secretarias Estaduais de Educação, pelo menos duas interlocutoras que ocupavam cargos de gestão, também pesquisadoras em Trabalho e Educação: Sandra Garcia (Paraná) e Elisa Bartolozzi (Espírito Santo).
O MEC passou por uma reformulação importante em 2004, com o desligamento de Cristóvam Buarque como titular da pasta e a nomeação de Tarso Genro, levando consigo Fernando Haddad como secretário executivo, já com a perspectiva de substituí-lo, o que ocorre em julho de 2005. As mudanças atingiram a organização do ministério, principalmente a transferência do ensino médio para Secretaria de Educação Básica, assumido por Lúcia Lodi. A educação profissional permaneceu naquela que passou a se chamar de SETEC – Secretaria de Educação Tecnológica13.
Nesse contexto, a integração da educação profissional ao ensino médio voltou a ser tratada mais como uma formação alternativa ao não acesso ao ensino superior. Ainda que um conjunto de seminários sobre o tema tenham sido realizados pelo MEC e Secretarias Estaduais de Educação, O projeto de assessoramento aos sistemas estaduais não se efetivou. A disputa pela concepção do ensino médio integrado e a discussão de suas contradições, nesse contexto, motivou o mesmo grupo que idealizou aquele projeto à publicação de um livro (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005a), que se tornou importante referência para pesquisadores, educadores e instituições que se dispuseram à mesma disputa nos planos prático e teórico.
Da não consolidação da compreensão do Ensino Médio Integrado como uma concepção que visa, com mediações históricas e contraditórias específicas, à disputa pela educação politécnica e omnilateral da classe trabalhadora, também decorreu a demora de elaboração de novas Diretrizes Curriculares Nacionais. A falta de iniciativa dos gestores ministeriais possibilitou que a nova resolução, relatada por Francisco Cordão, representante do Sistema S no CNE, apenas adaptasse as diretrizes vigentes – afins ao Decreto n. 2.208/1997 – à possibilidade de oferta integrada da educação profissional ao ensino médio. A política de educação profissional, por sua vez, também passou por certo imobilismo, tendo-se priorizado o “Escola de Fábrica”, programa que visava apoiar parcerias entre empresas e escolas para a formação de trabalhadores.
13 A autora deste texto foi exonerada de seu cargo e, tempo depois, a pedido, também a Diretora de Educação Profissional. O então Secretário, Antonio Ibañez Ruiz, manteve-se no cargo até 2005 e foi substituído por Eliezer Pacheco.
8
Traçou-se assim, por algum tempo, um percurso controvertido da política de educação profissional. (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005b)
Quando a SETEC foi assumida por Eliezer Pacheco e uma nova equipe montada com pesquisadores como Jaqueline Moll (UFRS), Sandra Garcia (UEL), além de Luiz Augusto Caldas (Cefet Campos) e, na SEB, Carlos Artexes Simões (Cefet RJ), a política de educação profissional e tecnológica e de integração com o ensino médio se dinamizou. O conteúdo do Decreto n. 5.154/2004 foi incorporado à LDB (Lei n. 11.741/2008); os debates sobre a transformação dos Cefets em Universidades Tecnológicas (consolidado somente no Paraná) se resolveu com a implantação dos Institutos Federais (Lei n. 11.892/2008); e os planos de expansão da rede federal desenharam no mapa do Brasil uma realidade ainda não vista, com Institutos Federais em todo o território nacional, especialmente em cidades do interior.
O sonho do Presidente Lula de que todos os jovens pudessem estudar no Senai como ele se materializava de outra forma: pela democratização do acesso da classe trabalhadora a instituições com qualidade historicamente comprovada – e disputada pelas frações médias – garantindo-se o direito à educação básica e à educação profissional sem que esta substituísse a primeira, mas ao contrário, se configurassem numa unidade. Não fosse a teoria construída e debatida por pesquisadores em Trabalho e Educação encontrar, naquele momento, condições de penetrar nas massas para se tornar “força material” (MARX, 2005), talvez o sonho tivesse se realizado, na melhor das hipóteses, nos limites da experiência do líder da nação e, em grande parte, mais em benefício do capital do que do trabalho.
Entendemos que essas ações possibilitaram, em alguma medida, alterar o “pólo determinante da contradição” em benefício do trabalho. Como nos explica Barata-Moura (2012), na unidade dos contrários, há o polo dominante que, “num determinado momento, conserva a supremacia de um dado processo, que encarna e exerce a hegemonia que nele se verifica e que lhe desenha os traços”. Mas há, também, um polo determinante que dirige a marcha da contradição e “efetivamente a conduz na materialização do leque de possibilidades reais que a projecta, isto é,
9
aquele que praticamente determina o estágio de desenlace em que se encontra, o sentido ou a orientação da resolução da contradição”. (MOURA, 2012, p. 344)
A formação dos trabalhadores brasileiros é uma contradição entre os interesses do capital e da classe trabalhadora, sendo o primeiro, o polo dominante. Durante a política educacional do governo de FHC, este polo foi também determinante e dirigiu a marcha no sentido do Decreto n. 2.208/1997.
Já a partir do primeiro governo Lula, a recuperação de lutas históricas pela educação da classe trabalhadora e da teoria produzida por intelectuais orgânicos dessa classe (GRAMSCI, 2001), tensionaram a relação de forças políticas condensando interesses dos trabalhadores como polo determinante da contradição, mesmo que no grau de consciência política coletiva delimitado ainda ao “momento de Estado”, que segundo Gramsci (2002, p. 41) é
aquele em que se atinge a consciência da solidariedade de interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no momento meramente econômico. Já se põe neste momento a questão do Estado, mas apenas no terreno da obtenção de uma igualdade político-jurídica com os grupos dominantes, já que se reivindica o direito de participar da legislação e da administração e mesmo de modificá-las, de reformá-las, mas nos quadros fundamentais existentes.
Sendo assim, os avanços formais que caracterizam esse período no âmbito da sociedade política não corresponderam, imediatamente, à disputa e à conquista do projeto de educação unitária e politécnica. De todo modo, em um Estado democrático, que se organiza de forma ampliada pela unidade entre sociedade política e sociedade civil, (GRAMSCI, 2002a) a legislação expressa a condensação material de correlação de forças na ossatura material do Estado. (POULANTZAS, 1985)
Sabíamos que, a partir de então, as disputas efetivas precisariam envolver os sistemas e instituições de ensino e a sociedade civil mais amplamente e que, se o Decreto n. 5.154/2004 representou uma conciliação de interesses, ele foi fundamental para alterar o movimento da contradição da educação em direção ao trabalho. Precisaríamos enfrentar a reconstrução da concepção de educação politécnica e formação omnilateral com as mediações históricas da realidade presente, o que buscamos fazer com os conceitos de “formação integrada” e de “Ensino Médio Integrado”, enunciando-os como “travessia” para a educação politécnica. (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005a). Reiterávamos que o dispositivo da
10
educação profissional articulada ao ensino médio, com a integração sendo uma das formas dessa articulação, era um produto contraditório das disputas travadas com as forças conservadoras no sentido da contrahegemonia.
A formação de técnicos no ensino médio, desde que atendida sua educação básica, trata-se de uma contradição virtuosa quando baseada na unidade entre particularidade e totalidade social. Isto é, conquanto todo processo de produção tenha especificidades referentes à sua base científico-tecnológica, eles sintetizam mediações da totalidade social, porque são construídos no movimento histórico das necessidades e disputas da sociedade. Portanto, a formação em uma determinada profissão no ensino médio integrado na perspectiva da politecnia não se reduz à esfera de um processo produtivo. Mas traz, por mediações, dimensões da totalidade social.
No currículo integrado, (RAMOS, 2005) o que conhecemos como disciplinas da formação geral não são acessórios nem meros pré-requisitos para a formação técnica. Ao contrário, nelas estão os fundamentos da produção e das relações sociais de um tempo histórico. Seus conteúdos de ensino conferem consistência científica, cultural, filosófica, histórica, aos conhecimentos considerados específicos, mas também aos fenômenos da vida social em geral. Daí que temos discutido os sentidos da integração como filosófico – pressuposto da historicidade do ser humano e das relações sociais –, político, referente ao direito dos filhos da classe trabalhadora à educação geral e profissional; epistemológico, que versa sobre a integração de conhecimentos; e pedagógico, que implica a organização do conhecimento na escola. (RAMOS, 2014)
Esta concepção, inicialmente, priorizava o ensino médio destinado a estudantes com idade considerada regular. Mas o Programa de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)14 também ajudou a aproximar pesquisas, pesquisadores, educadores e sujeitos das áreas Trabalho e Educação e EJA. Além disto, a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia pela transformação e nucleação de escolas técnicas e agrotécnicas federais e de Cefets foi uma medida de impacto na política de educação de trabalhadores brasileiros, juntamente com os planos de expansão da rede que redundaram em multiplicação, capitalização e interiorização significativa de unidades pelo país. Houve, ainda, tentativas de
14 Criado inicialmente pelo Decreto n. 5.478/2005 e ampliado pelo Decreto n. 5.840/2006.
11
envolvimento das redes estaduais, com o Programa Brasil Profissionalizado15, porém sem muito êxito.
Um olhar sobre os anos de 2010 a 2013 nos sinalizariam também ações importantes, como a publicação de novas Diretrizes Curriculares Nacionais16 e o desenvolvimento do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Este representaria a articulação e a coordenação de ações e estratégias entre a União e os governos estaduais e distrital na formulação e implantação de políticas para elevar o padrão de qualidade do Ensino Médio brasileiro, em suas diferentes modalidades. Contou com a colaboração de vários educadores na elaboração dos Cadernos de Formação e com a parceria entre as Secretarias Estaduais de Educação e Universidades Públicas.
Com muito esforço, e contribuição crítica de pesquisadores em Trabalho e Educação, tanto intelectuais que ocuparam o Ministério da Educação quanto aqueles que estão permanentemente na práxis, tentaram intervir na elaboração da política educacional no país com base em sua produção científica. E isto não foi pouco, mesmo com muitas contradições que alimentaram interesses do capital, no período de 2003 a 2016. O princípio de que “a teoria converte-se em força material quando penetra nas massas”, (MARX, 2005, p. 151) no contexto da educação da classe trabalhadora brasileira se manifesta no fato de o ensino médio integrado ter se tornado a concepção orientadora da rede federal e, hoje, conteúdo de resistência às políticas regressivas que assolam o país a partir de 2016.
Retomamos mais uma vez os ensinamentos de José Barata-Moura. O filósofo português nos fala das contradições antagônicas e não antagônicas. Nas primeiras, a unidade dos contrários constitui-se sempre como uma ordem de subordinação ou de dominação materialmente fundada na luta de classes. Por isto, sua resolução prática
15 Criado por meio do Decreto nº 6.302/2007. Uma análise sobre as políticas educacionais de ensino médio, incluindo a articulação com a educação profissional pode ser encontrada em Ramos e Simões (2015).
16 Referimo-nos aqui aos Pareceres n. 12, de 09/05/2012, homologado pelo Ministro da Educação em
04/09/2012 (DCNEPTNM) e n. 05, de 04/05/2012, homologado em 24/01/2012 (DCNEM), bem como às respectivas Resoluções n. 06, de 20/09/2012 e n. 02, de 30/01/2012. (CIAVATTA e RAMOS, 2012).
12
e de outras superficiais não pode ocorrer “sem que importantes transformações de estrutura (isto é, verificadas na ordem da qualidade) se materializem também. [...] Já as “contradições não antagônicas” se verificam “sobre o pano e no horizonte de interesses fundamentais comuns”. O autor argumenta que essas supõem a superação das oposições de classe, dispondo, “como base econômica consolidada, da propriedade social dos meios de produção, bem como de relações socialistas de produção das quais a exploração haja sido essencial ou completamente extirpada”. (BARATA-MOURA, 2012, p. 394-395, grifos do autor)
Nesses termos, ainda que as contradições não antagônicas diriam respeito às sociedades primitivas, ao socialismo avançado e ao comunismo, como argumenta o filósofo, nos permitimos uma interpretação de sua análise no sentido de identificar a disputa do projeto de educação da classe trabalhadora como uma contradição antagônica cujos polos, atualmente, se materializam, de um lado, pela contrarreforma do ensino médio e, de outro, pelo ensino médio integrado. Não obstante, no campo em que se reúnem pesquisadores da relação trabalho e educação cujo horizonte comuns é a superação da estrutura econômica capitalista, existem contradições não antagônicas que emergem das diferentes visões “táticas” sobre como disputar e construir a educação da classe trabalhadora brasileira no capitalismo hegemonizado pelo neoliberalismo, mas como mediação da luta de classes que visa sua superação e a formação de um novo “bloco histórico”. (GRAMSCI, 2002).
Durante os governos de Dilma Rousseff, sob fortes críticas dos pesquisadores em Trabalho e Educação, a política de educação dos trabalhadores acabou sendo conduzida pelo pragmatismo das formações aligeiradas vinculadas ao mercado de trabalho e visando a um certo apassivamento social, inclusive mediante acordos com representantes do capital. O Pronatec – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – foi a grande expressão dessa lógica, tendo-se minimizado a relevância do ensino médio integrado, inclusive na modalidade da Educação de Jovens e Adultos (Proeja). Esse fato nos provocaria discutir o quanto essa política manifestou, nos governos ligados ao Partido dos Trabalhadores, a “hegemonia às avessas” – [...] “vitórias políticas, intelectuais e morais ‘dos de baixo’ fortalecem dialeticamente as relações de exploração em benefício ‘dos de cima’” (OLIVEIRA, BRAGA e RIZEK, 2010, p. 8) – ou uma contradição “não antagônica”, produzida pelos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora com a finalidade de fortalecê-la
13
mediante a inserção de trabalhadores que estavam à margem da relação salarial na divisão social do trabalho e, assim, potencializar sua própria organização por inscrevê- los, pelo menos, no momento econômico-corporativo, no primeiro grau da consciência política coletiva. (GRAMSCI, 2002)
Em patamar de maior complexidade encontram-se, ao nosso ver, problematizações e discordâncias quanto ao ensino médio integrado, as quais podem ser, essa é nossa tese, contradições não antagônicas produzidas e enfrentadas no campo Trabalho e Educação e pelas instituições de ensino. Uma das problematizações é que, na prática, o que se tem realizado com o nome de ensino médio integrado nas escolas e, especialmente nos Institutos Federais, não passa de um somatório de disciplinas num currículo ainda mais fragmentando do que integrado, conteudista e, consequentemente, extenuante para estudantes e professores. Explicações para isto seriam: incompreensão da concepção pelos educadores; manutenção da hegemonia positivista, mecanicista e tecnicista que marca a história da educação em geral e da educação profissional em particular no Brasil; força da ideologia da classe dominante que insiste na dualidade entre formação geral e profissional. Problematiza-se, ainda, que o ensino médio integrado seria aplicável somente à rede federal por contar com boa infraestrutura e condições de formação e trabalho docente não comparável à precariedade das demais redes públicas e até mesmo, privadas.
Finalmente, como questão mais de fundo, alguns intelectuais discordam que o ensino médio integrado seja um projeto convergente com a necessidade da classe trabalhadora. A maior expressividade desta ideia é de Paolo Nosella (2011, p. 1053), como se pode ver em suas palavras:
Defendo a tese de que o trabalho produtivo, em sua concepção ampla, "mercadologicamente desinteressado", é o princípio educativo geral de todo o sistema escolar. O princípio pedagógico específico do ensino médio, fase final da educação básica, decorre do momento vivido pelo jovem em busca de sua autonomia e identidade moral, intelectual e social. É marcado, portanto, pela transição da fase da aprendizagem prioritariamente heterônoma para a fase da aprendizagem autônoma. A atual apologia e ampliação do ensino médio profissionalizante é uma declaração implícita da falência e do abandono do ensino médio regular, ao mesmo tempo em que expressam o agravamento da dualidade social e escolar. (grifo nosso).
14
O equívoco deste intelectual, a nosso ver, é identificar ensino médio integrado exclusivamente com “ensino médio profissionalizante” e, assim, o trabalho que orienta o princípio educativo seria “mercadologicamente interessado”. Seu posicionamento considera, de um lado, a integração como “irrepreensível”. Mas, na prática, ela [...] “levanta sérias preocupações de caráter conceitual, de currículo e de gestão”, pois – e nisto estamos de acordo – [...] “integração de cultura geral e profissional não é justaposição de conteúdos, nem subsequência, nem concomitância. É articulação”. E pergunta: “mas qual o elemento articulador? ”, recaindo sobre a polissemia do termo/conceito "integrado", o qual, apesar de ser “sedutor e instigante, pode chegar a ser ambíguo e enganoso”. (NOSELLA, 2011, p. 1057)
Não divergimos quanto à polissemia do termo integração, tanto que tentamos definir os sentidos que convergem com a concepção do ensino médio integrado na perspectiva da politecnia. (RAMOS, 2014) A divergência se manifesta tanto na forma, pois, para esse intelectual, o ensino médio não poderia ter a profissionalização como uma de suas possibilidades; quanto no conteúdo, com base em sua interpretação do pensamento de Antonio Gramsci. Mesmo que ele reconheça o lugar do trabalho produtivo na formação escolar da classe trabalhadora discutido por Marx e Engels, Lênin e Krupskaya, além de outros educadores soviéticos e por Gramsci – [...] “é inegável o fascínio que a expressão ‘trabalho produtivo’ e sua íntima conexão com o processo educativo escolar suscitavam nos educadores socialistas do início do século”, diz ele – este princípio só poderia se realizar, em sua compreensão, com o caráter “desinteressado” do trabalho, atributo conferido por nosso interlocutor essencialmente ao trabalho escolar, e não ao trabalho produtivo em geral.
Disto o autor extrai o princípio educativo do ensino médio: o trabalho escolar. Nossa conclusão advém das palavras do próprio, “o princípio pedagógico específico do ensino médio não deve ser buscado na preparação para o mercado, mas no método de estudo e pesquisa”. A este princípio ele agrega a passagem da heteronomia para a autonomia, na fase correspondente ao ensino médio. Suas conclusões, com base em Gramsci, nos parecem legítimas, pois é fato que o desenvolvimento da autonomia dos estudantes no ensino médio, mediada pelo método de estudo e pesquisa, é um trabalho coerente com essa etapa formativa:
[...] deve-se convencer muita gente de que o estudo é também um trabalho, e muito cansativo, com um tirocínio particular próprio, não só intelectual, mas também muscular-nervoso: é um processo de
15
adaptação, é um hábito adquirido com esforço, aborrecimento e até mesmo sofrimento”. (GRAMSCI, 2001, p. 51).
Mas como não considerar que o trabalho “materialmente” produtivo também carrega o princípio educativo para a escola, por ser fundamento da produção social da existência humana no processo histórico da relação entre sociedade e natureza, parece-nos um limite importante das análises de Nosella ao ensino médio integrado. Vejamos o que nos diz Gramsci (2001, p. 43):
O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o princípio educativo imanente à escola primária, já que a ordem social e estamental (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordem natural pelo trabalho. O conceito do equilíbrio entre ordem social e ordem natural com base no trabalho, na atividade teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberto de toda magia e bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica, dialética, do mundo, para a compreensão do momento e do devir, para a avaliação da soma de esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para a concepção da atualidade como síntese do passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro.
A equivocada identidade entre ensino médio integrado e ensino médio profissionalizante deduzida por nosso intelectual ignora que este último se refere aos cursos técnicos de 2º. Grau regidos pela Lei n. 5.692/1971, um projeto absolutamente distinto do primeiro. Seria útil a tal esclarecimento, uma visita ao Projeto de Lei da Câmara de LDB (PLC n. 101/1993), com as normativas impostas à possível profissionalização no ensino médio a fim de não transgredir a perspectiva da escola unitária e de atender à necessidade histórica de adolescentes, jovens e adultos da classe trabalhadora brasileira terem a formação profissional. Mesmo que o substitutivo de Darcy Ribeiro no Senado tenha retirado essas normativas, o princípio de que “o ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (parágrafo 2º. do artigo 36, da Lei n. 9.394/1996) foi assegurado, instituindo tanto um direito – a formação profissional – quanto uma condição, que por sua vez também é um direito fundamental e subjetivo – a formação geral do educando.
A interpretação de que o ensino médio integrado seria uma “apologia e expansão da profissionalização precoce”; “uma declaração da falência e do abandono do ensino médio público, humanista, ‘culturalmente desinteressado’, destinado a
16
preparar dirigentes”, (NOSELLA, 2011, p. 1051) manifesta desconhecimento ou ceticismo relativos à utopia da formação integrada, politécnica e omnilateral buscada pela concepção de ensino médio integrado nas condições concretas de nosso país.
Aparentemente essa interpretação converge com a preocupação de Antonino Gramsci (2001, p. 49) de que
[...] “a multiplicação de tipos de escola profissional, portanto, tende a eternizar as diferenças tradicionais; mas dado que tende, nestas diferenças, a criar estratificações internas, faz nascer a impressão de ter uma tendência democrática”.
Mas é preciso dizer contundentemente não ser este o projeto defendido por pesquisadores em Trabalho e Educação. Ao contrário, ele converge com as afirmações subsequentes do filósofo italiano, a saber:
[...] a tendência democrática, intrinsecamente, não pode significar apenas que um operário manual se torne qualificado, mas que cada ‘cidadão’ possa tornar-se ‘governante’ e que a sociedade o ponha, ainda que ‘abstratamente’, nas condições gerais de poder fazê-lo: a democracia política tende a fazer coincidir governantes e governados (no sentido de governos com consentimento dos governados), assegurando a cada governado o aprendizado gratuito das capacidades e da preparação técnica geral necessárias a essa finalidade. (GRAMSCI, 2001, p. 50).
Quanto às contradições propriamente antagônicas na educação, essas se acirraram fortemente em favor do capital – polo dominante e determinante da contradição – a partir de 2016, quando ocorre o Golpe civil-midiático-jurídico- parlamentar de 2016, que tirou a presidenta Dilma Roussef da presidência da república. A partir de então, vivemos um conjunto de contrarreformas as quais, analisadas mais amplamente nesse contexto político, foram golpes seguidos de golpes caracterizando um estado de exceção. (AGAMBEN, 2004) A governabilidade do país foi interrompida na sua lógica democrática, ainda que as instituições representativas, nesse caso, tenham se mantido em funcionamento, inclusive para aprovar um conjunto de leis que beneficiariam o capital17. Houve, também, um processo de manipulação da sociedade, para a qual a mídia muito contribuiu, como forma de obtenção do consenso.
17 Cita-se, por exemplo, a Emenda Constitucional n. 95/2016, a reforma trabalhista, a reforma da previdência, e a lei da terceirização.
17
A atual contrarreforma do ensino médio é exemplar dessa situação, primeiro pelo governo ter se valido de uma Medida Provisória, num processo muito parecido com o que ocorreu no período de FHC18. Uma MP só se justifica quando se tem um tema cujo tratamento exige urgência, em vista da qual não se pode aguardar os trâmites efetivamente democráticos. Ainda que ela carregue a exigência de ser apreciada no âmbito parlamentar, todo o processo, já de exceção, no interior dessa instituição, demonstrava que ela se tornaria lei; isto sem haver, concretamente, uma situação de urgência em relação ao ensino médio, ao menos do ponto de vista jurídico, frente à legislação e ao conjunto regulatório robusto e coerente construído no diálogo democrático (inclusive com forças oponentes) com a sociedade civil, consagrado tanto no Decreto n. 5.154/2004, quanto nas DCN de 2012. Além disso, vigia o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014, dando direcionamento à política de educação, especialmente no combate às desigualdades educacionais.
O conteúdo da MP era fortemente regressivo, reduzindo a carga horária da formação geral do ensino médio e excluindo disciplinas necessárias a essa formação. Estabelece-se um vínculo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) antes mesmo que existisse, com a peculiaridade de se ter uma lei cujo processo se justificaria somente numa situação de urgência, mas cujo conteúdo só entraria em vigor depois que outro instrumento, a BNCC, fosse aprovada. Isto, inclusive, acabou acelerando a publicação dessas Bases de modo a retrair ainda mais processos participativos e de debates. Demonstra-se, assim, autoritarismo e exceção típicos da hegemonia neoliberal que remonta ao governo de FHC, porém levado a extremos pouco tempo depois com a eleição de Jair Bolsonaro que (des) governou o país de 2018 a 2022.
18 A contrarreforma do ensino médio e da educação profissional no governo de FHC iniciou-se mediante a apresentação de um projeto de lei à Câmara dos Deputados (PLC 1.603/1996), que recebeu muitas críticas e mais de três mil emendas. O projeto acabou sendo retirado e a contrarreforma foi feita pelo Decreto n. 2.208/1997. A contrarreforma atual também pelo projeto de lei n. 6.840/ 2013, também objeto de muita resistência pela sociedade civil e alvo de um conjunto importante de emendas. Face à resistência, o governo Temer submeteu ao Congresso Nacional a Medida Provisória (MP) n. 746/2016. Tanto o decreto quanto a medida provisória são instrumentos do executivo, portanto, exarado a revelia do percurso democrático, com a diferença de que a última precisa ser apreciada pelo Congresso Nacional no prazo de sessenta dias, sob pena de ser rejeitada. Esta MP foi transformada em Projeto de Lei de Conversão nº 34 de 2016 e aprovada como Lei n. 13.415/2017. É possível que a opção do Executivo pela MP em detrimento a um decreto tenha ocorrido porque a primeira pode ser convertida em Lei, cuja revogação é mais complexa do que no caso do decreto, que pode ser revogado por outro, como ocorreu com a revogação do Decreto n. 2.208/1997 pelo 5.154/2004.
18
A Lei 13.415/2017 recupera os aspectos mais conservadores de contrarreformas anteriores. Da Reforma Capanema, a divisão em ramos de conhecimento científico e clássico se manifesta quando se divide a carga horária total do ensino médio em 1.600 horas destinadas à formação geral (BNCC) e o restante em cinco itinerários formativos: ciências da natureza, ciências humanas, linguagens, matemática e educação técnico-profissional. Antecipa-se, assim, para o ensino médio, especializações apropriadas ao ensino superior, comprometendo o princípio da formação unitária nesta etapa da educação básica. O aspecto da Lei 5.692/1971 está na transformação da educação profissional em um desses itinerários, constituindo-se como uma formação substitutiva de parte da formação básica, visando a ser alternativa ao não prosseguimento de estudos para aqueles que o cursarem.
É interessante e lamentável notar que a própria representação simbólica da BNCC apresenta as áreas de conhecimento e os respectivos Itinerários, estabelecendo uma vinculação gráfica entre eles, a exceção do itinerário da educação profissional que não está ligado a nenhuma delas. Isto expressa uma concepção e uma prática: ao se destacá-la da formação geral, submete-se a formação profissional à lógica fragmentária e substitutiva. Ao contrário do princípio de que a educação profissional não poderia substituir a formação geral e, para isto, quando integrados, o ensino deveria ter sua carga horária ampliada, o que ocorre é a subtração de carga horária da formação geral em benefício dos itinerários. Pela primeira vez na legislação educacional brasileira há um teto estabelecido para carga horária da formação geral (parágrafo 5º. do artigo 3º. da lei). Finalmente, a transformação da educação profissional em itinerário recupera sua separação da educação básica determinada pelo Decreto n. 2.208/1997.
Outros aspectos dizem respeito à concepção de formação à qual a BNCC dá corpo: a pedagogia das competências. (RAMOS, 2001) O documento da BNCC tem um “jogo” de linguagem, para não assumir diretamente a adesão às competências, como as diretrizes de 1999 e 2000 faziam. Mas, como ela se manifesta? O currículo da educação básica e da educação profissional tiveram as ciências como referências para a seleção de conteúdo. Os campos de referência do currículo eram fundamentalmente as Ciências, a Filosofia, as Linguagens e as Artes. Para a Educação Profissional esses campos também são referências, por se constituírem
19
como fundamentos científicos, históricos e culturais para a formação do estudante nas diversas profissões.
No currículo por competências, essa referência se dissolve e é substituída por situações a serem vividas pelos estudantes; as situações de vida ou de trabalho é que passam a ser campos de referência para a seleção de conhecimentos, a partir de uma elaboração, que pode ser empírica ou teórica, acerca de quais competências o estudante deve ser capaz de demonstrar frente às respectivas situações. No caso de uma sociedade “pós-moderna”, com todas as instabilidades, inseguranças e incertezas, as situações de referência são aquelas que colocam o estudante em condições de conviver com elas. Para isto vale o ceticismo epistemológico.
Em relação à cultura, o ultraconservadorismo e o negacionismo também relativizam o valor das ciências. No lugar do conhecimento sistematizado, ganha espaço um abstrato e vazio componente chamado “projeto de vida”. Que projeto ou projetos de vida se podem considerar para a juventude nessa realidade, sobretudo a de frações mais pobres? O projeto do empreendedorismo? Do auto empreendedorismo? Do trabalho por aplicativos? Da uberização do trabalho?
O componente “projeto de vida” faz a mediação entre o esvaziamento curricular e a pedagogia das competências, secundarizando os campos científicos em benefício das situações como referência do currículo. Dissolve-se, assim, o conceito de escola. Daí o “novo ensino médio” conviver bem com a aprovação do homeschooling e com a ideologia do “Escola sem partido”. Consequentemente, a profissão docente também é esvaziada, conquanto ela passa a se orientar igualmente pela pedagogia das competências, nos limites daquelas enunciadas pela BNCC.
Ao final de 2022 a esperança não só venceu o medo, mas colocou em evidência os direitos mais esquecidos na história do Brasil: igualdade, identidade, cultura, trabalho, alimentação, saúde e educação. As problematizações sobre o ensino médio integrado aqui discutidas continuam sendo temas de pesquisa, de debates e de ação. A contrarreforma do ensino médio precisará ser revogada. Se não o for no plano jurídico, já que todas as forças conservadoras se mobilizarão contrariamente, que o seja no plano prático e ético, de modo a não sobrar argumentos ou brechas para defendê-la e tornar a educação minimalista e pragmática a única que os mais pobres conseguem acessar via escola pública.
20
Essa história nós já vivemos nas disputas pela revogação do Decreto n. 2.208/1997 e o caminho foi a conciliação de interesses no plano jurídico e o acirramento da luta no plano político. Mas a capacidade reativa da burguesia brasileira é impressionante; ela lança mão do autoritarismo, da coerção, de tal modo revestido pelo consenso que parecemos perder não só no âmbito da sociedade política, mas também na sociedade civil. Hoje, temos mais conhecimentos, experiências, forças sociais e capacidade política do que antes, frente à organização conservadora ainda mais elaborada e destemida. Não venceremos de imediato essas forças, inclusive porque o conservadorismo mais moderado compõe a atual base governamental. Mas também não podemos achar que nosso horizonte utópico é o mesmo.
O desafio de como nos movermos nessa trama de contradições nos exige ainda mais esforço científico e atenção política. Quanto à contrarreforma do ensino médio, o caminho é a revogação da lei e de todo o aparato produzido a seu propósito. Se há poucas chances de isto ocorrer de imediato, é imperioso que se revogue a carga horária máxima destinada à formação geral. Trata-se de um pressuposto ético que, ao mesmo tempo, permitiria que as instituições ampliem o leque de contradições e mantenham os sentidos da integração pulsantes, tal como conseguimos fazer no contexto do Decreto n. 2.208/1997, com a Portaria n. 646/1997, que permitiu a manutenção do ensino médio nas instituições federais, com a estratégia da “concomitância interna”. Esta possibilitou estudantes cursarem a formação geral e a profissional na mesma escola, apesar das matrículas separadas. Ficou a brecha para retomarmos a integração. Portanto, é hora de enfocarmos também a relação entre a contradição principal e as secundárias no contexto atual.
Para Barata-Moura (2012), a contradição principal é aquela em cujo âmbito se decide, em última análise, a efetiva determinação material do processo e de cujo desenlace depende a abertura para itinerários realmente novos. Já as contradições secundárias apresentam-se como determinantes apenas a um nível derivado. É possível que o enfrentamento da contradição principal relativa ao projeto de educação da classe trabalhadora – “novo ensino médio” x ensino médio integrado – que está na “base piramidal” do espaço no qual intervêm as contradições secundárias, não possa ocorrer diretamente, mas sim mediante enfrentamentos e superações de contradições secundárias. Arrisco sinalizar algumas delas: revogar o limite da carga horária da formação geral, ou, deliberadamente elevá-la por estratégias da oferta de todos os
21
itinerários, inclusive integrando-os, como admite a lei; articular os conteúdos do itinerário da educação profissional a todas as áreas de conhecimento; não se prender e/ou se limitar às respectivas competências enunciadas na BNCC no planejamento e no processo de ensino-aprendizagem; dentre outras.
Conquanto tais contradições secundárias possam ser enfrentadas, por estarem mais na superfície do fenômeno, sua raiz, que é a concepção do “novo ensino médio”, pode ir perdendo vigor, como uma árvore que têm suas folhas e galhos aparados em demasia (poda drástica), levando à perda de nutrientes do vegetal. Essas são questões a serem consideradas na análise de conjuntura e de correlação de forças permanentemente, princípio inegociável das lutas com perspectiva estratégica.
De 2016 a 2023, os polos dominante e determinante da contradição capital- trabalho se expressaram por políticas regressivas, parecendo apagar as conquistas que logramos no contexto anterior. Ao mesmo tempo, essas, ainda que tenham sido limitadas, adquiriram, por contraste, mais evidência, frente ao nebuloso período de negacionismo e de ultraconservadorismo que, na particularidade da educação da classe trabalhadora, transitou do “Escola sem Partido” para as “Escolas cívico- militares”, chegando à legalização da homeschooling e ao neocondutivismo e neopragmatismo expresso na Lei n. 13.415/2017 e BNCC por meio da pedagogia das competências. Esta se torna a base para a ideologia do empreendedorismo embutido nos “projetos de vida” como novo componente curricular que subtrai conhecimentos formais da formação básica.
Mais do que nunca, recorrer ao conhecimento produzido e acumulado pelos pesquisadores em Trabalho e Educação como força material da política pública é um ato revolucionário. Trata-se de pensá-lo em relação aos rumos da educação no país, suas bases ético-políticas e econômica, envolvendo a pesquisa para a compreensão dos fenômenos em sua raiz e para a ação prática na discussão e proposição de princípios filosóficos e epistemológicos da formação humana, na construção coletiva de mediações pedagógicas, de formação de professores, da elaboração de materiais didáticos, do aprimoramento dos ambientes de aprendizagem, dentre outras questões correlatas. Fundamentalmente, é recuperar as “diretrizes” e consolidar as “bases” da
22
educação dos trabalhadores pública, laica e de qualidade social, tendo o trabalho como princípio educativo na perspectiva da politecnia e da formação omnilateral dos sujeitos.
As preocupações com o cumprimento da principal finalidade do processo educativo que é a formação humana e o desenvolvimento das condições para o exercício da cidadania ativa leva-nos a compreender que a educação científica, cultural e ético-política dos estudantes é uma condição necessária para vislumbrarmos a transformação das relações sociais
É preciso retomar o pressuposto do direito de todas as pessoas terem acesso ao conhecimento sistematizado construído pela humanidade ao longo da história e ao próprio processo social de construção desse conhecimento. Nesse sentido, para além de aprender ciência, é preciso formar as pessoas para construir conhecimentos, compreender e transformar o mundo em que se vive. A discussão da LDB, que tanto contou com a produção científica do GT 09, conseguiu enunciar as finalidades do ensino médio coerentemente com esse propósito.
Em tensão com esta tendência, as contribuições que tentamos trazer neste texto têm o propósito de chamar a atenção para a necessidade e a possibilidade de se desenvolver uma política pública de educação com outros referenciais. Nesse sentido, as divergências que atravessam o debate, especialmente dependendo do ponto de vista pelo qual se analisa o problema, devem se constituir em oportunidades para se construir uma concepção sobre a educação que, conquanto não agregue o consenso, possibilita o permanente confronto de distintas concepções, evitando-se, assim, a adequação a um suposto “pensamento único”. Trata-se de identificarmos, metodológica, didática e coletivamente, as contradições principais e as secundárias, as antagônicas e as não antagônicas, os polos dominante e determinante das contradições. (BARARA-MOURA, 2012). Fundamentalmente, defende-se que conteúdo e método não se separam, assim como ambos não existem a despeito de um projeto de sociedade e de propósitos mais amplos em termos da formação humana e social.
A discussão efetiva entre sociedade política e sociedade civil – com prioridade dos educadores e comunidades escolares – continua a ser perseguida. Perceber e disputar esta possibilidade implica, ao mesmo tempo, evidenciar as diferenças de interesse entre as classes e frações de classe que constituem esses segmentos.
23
As disputas ético-políticas e conceituais aqui analisadas perpassam essas ações e são hoje ainda mais intensas, face ao contexto gravemente regressivo da política pública e de matizes ideológicas no país vividas recentemente. Com muitas contradições, o sentido e o significado do trabalho nessas políticas e nas respectivas práxis pedagógicas adquiriram cada vez mais centralidade. Em contextos tão desafiadores, não seria possível manter as disputas ético-políticas e pedagógicas sem a apreensão dos fundamentos da relação Trabalho e Educação no modo de produção capitalista e, especialmente, no capitalismo dependente que caracteriza a formação social brasileira (FERNANDES, 1975) por todos que têm a educação como ofício e/ou como preocupação.
AGAMBEN, G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
BARATA-MOURA. Totalidade e contradição: acerca da dialética. Lisboa: Edições Avante, 2012.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Documento à Sociedade: Retorno da Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação às Instituições da Sociedade Civil e Política, pelas contribuições apresentadas no processo de construção da versão final da minuta de decreto que regulamenta os artigos 35 e 36 e 39 1 41 da LDB e revoga o Decreto no 2.208/97. Brasília, Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/not251d.pdf>. Acesso em 20 de fevereiro de 2023.
CIAVATTA, M. e RAMOS, M. A era das diretrizes: a disputa pelo projeto de educação dos mais pobres. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd, v. 17, n. 49, jan-abr 2012.
FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1975.
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Ensino médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília: MEC/SEMTEC, 2004.
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: EPSJV/Fiocruz e Cortez Editora, 2005a.
24
FRIGOTTO, G. A política de educação profissional no Governo Lula: um percurso histórico controvertido. Educação e Sociedade, Brasil, v. 26, n. 92, out. 2005b.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, volume 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
KUENZER, Acácia. Reforma da educação profissional ou ajuste ao regime de acumulação flexível? Trabalho, Educação e Saúde, v. 5, n. 3, nov. 2007/fev. 2008.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
NOSELLA, Paolo. Ensino Médio: em busca do princípio pedagógico. Educação e Sociedade., Campinas, v. 32, n. 117, pp. 1051-1066, out.-dez 2011.
OLIVEIRA, F, BRAGA, R.; RISEK, C. (orgs.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo: Boitempo, 2010.
POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro: Edições Grall, 1985.
RAMOS, M. Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação. São Paulo: Cortez Editora, 2001.
RAMOS, M. Possibilidades e limites do currículo integrado. In: FRIGOTTO, Gaudêncio, CIAVATTA, M. e RAMOS, M. Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: EPSJV/Fiocruz e Cortez Editora, 2005.
RAMOS, M. Reforma da educação profissional: contradições na disputa por hegemonia no regime de acumulação flexível. Trabalho, Educação, Saúde, v. 5 n. 3, nov. 2007/fev. 2008.
RAMOS, M. Filosofia da práxis e práticas pedagógicas de formação de trabalhadores.
RAMOS, M. Ainda a Educação Politécnica: o Novo Decreto da Educação Profissional e a Permanência da Dualidade Estrutural. In: Trabalho, Educação e Saúde, v. 3, n. 2, 2005b.
RODRIGUES, J. Quarenta anos adiante: breves anotações a respeito do novo decreto de Educação Profissional. Trabalho Necessário, Niterói, ano 3, n. 3, 2005a.
SAVIANI, D. A nova lei da educação. LDB: trajetórias e limites. Campinas: Autores Associados, 1997.
25