V.21, nº 44, 2023 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X


Tese de Doutorado1


NEPOMUCENO, Vera Lúcia da Costa2. A reforma do ensino médio no Brasil: uma contrarreforma trabalhista para o trabalho docente, 2022. 214f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.


Resumo expandido


A presente tese tem como tema central o processo de modificações do trabalho docente nas escolas públicas estaduais, a partir da implementação da reforma do ensino médio (REM) em curso no Brasil. Em face disso, procuramos compreender as relações entre um conjunto de documentos, que, alinhados e complementares à Lei nº. 13.415/2017, repercutiram nas condições de realização desse trabalho, instituindo novas formas de expropriação de direitos dos (as) professores (as) das escolas públicas estaduais. As mudanças vinculadas a esse processo se relacionam e vêm se desenvolvendo, intensificando e se revelando como parte de uma tendência que parece se constituir a partir de uma multiplicidade de causas, processos e aspectos vinculados a modificações no mundo do trabalho no século XXI (ANTUNES, 2018).

A investigação procurou expandir a compreensão para além da análise dos documentos institucionais através do acompanhamento dos sites das secretarias estaduais de educação, dos sindicatos docentes e dos aparelhos privados de hegemonia que possibilitaram identificar e analisar as tensões entre o que a lei propôs e a sua realização, correlacionando as modificações propostas pela REM com o quadro de mudanças que vem sendo pactuado, normatizado e realizado no campo do trabalho docente.


1 Resumo expandido recebido em 04/03/2023. Aprovado pelos editores em 22/03/2023. Publicado em 13/04/2023. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v21i4457626.

2 Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPFH/UERJ) - Brasil. Docente do Ensino Básico da secretaria municipal de educação da Prefeitura de Duque de Caxias (SME/DC) e do Estado do Rio de Janeiro - Brasil. E-mail: info_ver@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8386627853060123. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-72045206. Tese defendida em 12 de dezembro de 2022, orientada pela Profª Drª Eveline Bertino Algebaile.

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A partir dessa referência, desenvolvemos uma análise dos desdobramentos e das contradições do objeto pesquisado, enquadrando-o no contexto político, econômico e social do capitalismo dependente brasileiro, em sua forma particular de defesa dos interesses das frações da classe burguesa que, especialmente após 2016, em uma crescente organicidade no interior do Estado e nos organismos da sociedade civil, passaram a exercer seu domínio através de uma agenda de reformas, que se iniciou com a da educação.

Como resultado, indicamos que, mediante a implementação das mudanças preconizadas pela REM, está em curso, desde 2017, um processo de transformações nas condições de realização do trabalho docente que vem instituindo novas formas de expropriação de direitos dos (as) professores (as) das escolas públicas estaduais, e assim constituindo um contingente de professores (as) flexíveis, sobrantes e polivalentes, condição que vem intensificando a precarização e a desprofissionalização desse trabalho.

O método de análise que orienta e organiza a pesquisa tem por base as concepções do materialismo histórico dialético e a consideração de suas principais categorias na organização do percurso geral de investigação, levada a cabo por meio de revisão bibliográfica e de pesquisa documental. Tem uma abordagem qualitativa com um recorte temporal relacionado à promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996 até 2022, ano de implementação dos referenciais curriculares da REM, nas turmas de 1º ano.

Com esse propósito, o objetivo central da pesquisa é compreender o processo de modificações do trabalho docente nas escolas públicas estaduais a partir da implementação das mudanças preconizadas pela REM.

A tese está organizada em cinco capítulos. No primeiro, desenvolvemos uma análise acerca da categoria Trabalho, expressando a sua centralidade nas relações de produção e seu papel como categoria fundante do ser social. Ancorados no processo histórico, trouxemos à luz as formas como o trabalho se organizou e se realizou à sombra das relações sociais que o transformaram de elemento humanizador à elemento coisificante, metamorfoseando-o em mais-valor.

No segundo capítulo, desenvolvemos uma análise sobre as contradições e limites do Estado capitalista contemporâneo. Apresentamos as mudanças no ordenamento e na dinâmica do bloco histórico no intuito de apontar para as incidências

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que operaram ajustes na estrutura e na superestrutura das sociedades, as quais expressaram um alargamento das principais funções desse Estado, constituindo determinações que se relacionam ao processo de reconfiguração do trabalho no campo das políticas públicas, cujo caráter é especialmente peculiar no Estado brasileiro capitalista, dependente e periférico. Assim, conjugamos uma análise referente à ampliação das funções do estado capitalista subordinado à lógica mercantil, que se expressou em uma nova função definida como a do Estado servidor (GURGEL & JUSTEN, 2011). Apresentamos uma análise de quanto o capital, a partir do Estado servidor, veio se apropriando, de forma direta ou indireta, de parte do fundo público do Estado brasileiro, o que resultou num processo de intensificação da expropriação dos direitos dos (as) trabalhadores (as), à medida que, através dessa experiência, foram se estabelecendo novas formas de relações do trabalho vinculadas a processos de valorização do capital.

No terceiro capítulo, apresentamos uma contextualização da educação escolar na etapa do ensino médio. Apontamos os caminhos que nos ajudaram a entender o complexo percurso “ziguezagueante” da legislação brasileira referente a essa etapa de ensino. Vias que nos trouxeram de forma tortuosa até o conjunto de medidas alinhadas à Lei nº. 13.415/2017. Procuramos evidenciar também as disputas pelas quais essa legislação esteve submetida ao longo dos últimos 30 anos, apontando os embates relacionados à concepção e à função do ensino médio, e que vieram através do atual contexto da REM, adquirindo forte hegemonia de setores estranhos à educação pública.

No quarto capítulo, desenvolvemos uma análise que evidenciou o fortalecimento de forças sociais e políticas ultraconservadoras consolidadas a partir do golpe de 2016, que impuseram uma agenda de regressão aos direitos sociais e trabalhistas. Abordamos neste capítulo também a discussão teórica referente à compreensão da apropriação realizada dos conceitos de “reforma” e “contrarreforma”, percorrendo os caminhos teóricos na obra de Gramsci que o levaram a conceituar esses termos. Evidenciamos os elementos que nos impulsionaram a adotar o termo “reforma” para as modificações curriculares reunidas num conjunto de normas a partir da emissão da Lei n°. 13.415/2017, bem como o da utilização do conceito de uma “contrarreforma trabalhista” para os trabalhadores docentes, aninhada nessa reforma educacional. Da mesma forma, evidenciamos, através da identificação dos elementos

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conjunturais, a trama política que se consubstanciou mediante a organização de um novo bloco no poder (POULANTZAS, 2000), que, sob a hegemonia dos setores neoliberais e ultraconservadores, passou a determinar uma virada de chave que garantiu a implementação de medidas regressivas, inclusive na educação. Assim, apresentamos as disposições legais como expressão material da ofensiva sobre os direitos dos (as) trabalhadores (as). Analisamos a combinação dessas ações que favoreceram o desmonte progressivo e acelerado da educação pública, dos direitos sociais e trabalhistas, correlacionando-a às possíveis modificações e implicações no trabalho docente.

No último capítulo, apresentamos o quadro de mudanças no trabalho docente referentes às alterações normatizadas pela REM, que estão em curso. Com base na análise das matrizes curriculares e dos documentos de referência curricular de alguns estados, indicamos os principais aspectos que identificamos como promotores da intensificação da precarização e desprofissionalização desse trabalho. Evidenciamos o contexto em que a reforma foi elaborada e executada, correlacionando o processo de hegemonia das frações burguesas, que no intuito de confirmarem os sentidos e finalidades do ensino médio, dirigiram o processo de implementação da reforma de acordo com seus interesses de classe. Apontamos, também, as várias modificações que desenvolverão a instabilidade como marca para a realização do trabalho docente, a partir da modificação da carga horária referente à formação e lotação, da subtração dos conteúdos programáticos da maior parte das disciplinas, da modificação da grade curricular em substituição aos componentes das áreas de conhecimento, da imposição da polivalência em substituição do conhecimento e domínio da cátedra, e da utilização do critério do notório saber para admissão de professores. Por último, relacionamos os processos de modificação referentes à deterioração da estabilidade dos docentes do ensino médio das escolas públicas, tanto no que tange à intensificação da precarização do seu trabalho como no que tange à sua desprofissionalização.

Assim, confirmamos a principal hipótese e indicamos nossas conclusões relacionadas às condições de adesão e de resistência identificadas no percurso da pesquisa, afirmando que a investigação teve como base o compromisso com as demandas da classe trabalhadora em geral e dos (as) trabalhadores (as) docentes especificamente. Assim, procuramos problematizar os diversos aspectos da REM no

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intuito de apontar suas contradições referentes não apenas à educação de qualidade socialmente referenciada que defendemos, mas principalmente em relação aos ataques e retrocessos que a reforma representa para o trabalho docente nas escolas públicas.


Referências


ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2018.


GURGEL, C.; JUSTEN, A. Marxismo e Políticas Públicas. In: Anais do 35º Encontro anual da ANPOCS, de 24 a 28 de outubro de 2011, em Caxambu/MG.


POULANTZAS, N. O Estado, o poder e o socialismo. 4ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000.


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