V.21, nº 44, 2023 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799 X


Apresentação


CRISE DO CAPITAL, LUTA DE CLASSES E EDUCAÇÃO HOJE: UTOPIA OU BARBÁRIE1

Marise Ramos2 Lucas Pelissari3


Este número da Revista Trabalho Necessário se dedica ao tema do V Intercrítica - Intercâmbio de Grupos de Pesquisa em Trabalho e Educação - realizado nos dias 10 e 11 de outubro de 2023 na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz), e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O encontro foi organizado pela Coordenação e membros do Grupo de Trabalho 09 (GT 09) da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), juntamente com a Coordenação do Grupo de Projetos Integrados de Pesquisa em Trabalho, História, Educação e Saúde (Grupo These – UFF/Uerj/Epsjv-Fiocruz).

A pesquisa em Ciências Sociais e Humanas não se sustenta no plano do formalismo acadêmico ou do mito da neutralidade, sob pena de cair no idealismo, no empirismo ou perder-se na abstração ideológica. Se não se enraíza na concretude dos fatos e das relações sociais, a produção do conhecimento nessa área se destitui da própria historicidade que lhe dá sentido.


1 Recebido em 09/04/2023. Aprovado pelos editores em 11/04/2023. Publicado em 13/04/2023.

2 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro. Pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e professora associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, na linha de pesquisa Estado e Políticas Públicas. É uma das coordenadoras do Grupo These – Projetos Integrados de Pesquisa em Trabalho, História, Educação e Saúde UFF/UERJ/EPSVJ-Fiocruz. Bolsista CNPq -PQ-2 e Cientista do Nosso Estado Faperj. E-mail: ramosmn@gmail.com.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3796863111902233. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5439-3258.

3 Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo.

E-mail: lucasbp@unicamp.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8723394397607851. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3659-5424.


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O ano de 2022 caracterizou-se por tensões geopolíticas representadas dramaticamente pelo conflito político e bélico entre Rússia e Ucrânia o qual somente por cinismo ou ignorância pode ser julgado com maniqueísmos como “bem x mal”, “certo ou errado", “justiça x injustiça”. Ao contrário, trata-se de um fenômeno construído por mediações históricas como oposições entre países e blocos de países ao longo da guerra-fria; da unificação econômica – sempre tensa – do continente europeu; da emergência de potencialidades naturais, políticas, tecnológicas e militares de países subdesenvolvidos, como os dos BRICS, soprando ares em outra direção que não a do norte. Na América Latina, aglutinações como o Mercosul e a Unasul também sinalizaram possíveis novas relações no continente e deste com os países considerados desenvolvidos.

A reação ao que seria uma ameaça à hegemonia estadunidense logo se manifestou pela onda neo e ultraconservadora em todo o mundo, sendo obrigatório citar a própria América do Norte, com Donald Trump, e o Brasil, com Jair Bolsonaro, este produzido como um “mito” desde o golpe jurídico-parlamentar-midiático que depôs a presidenta Dilma Rousseff e prendeu Luís Inácio Lula da Silva. Trata-se de processos permeados por artimanhas tecidas na relação contaminada entre instâncias do aparelho do Estado e frações da classe dominante, com a colaboração da mídia.

Ao longo de seis anos, o Brasil se tornou um cenário da barbárie do capital na crise atual, com o desmonte de políticas públicas que representavam expressivas conquistas da classe trabalhadora, cujos tijolos foram sendo retirados um a um por meio de reformas constitucionais e de outras legislações consolidadas nos marcos de uma democracia frágil e recentemente construída. A democracia, aliás, foi aterrada para dar lugar ao negacionismo, à manipulação ideológica, religiosa, midiática e cibernética e às fake news. Processos sem os quais Jair Bolsonaro não teria sido eleito e se mantido, para cerca de 30% da população brasileira, como um “mito” dos ignorantes, oportunistas e fascistas.

“Necropolítica”4 define o caminho seguido pelo governo na gestão da pandemia do Coronavírus, que se valeu do negacionismo para negligenciar a morte


4 MBEMBE, Achille. Arte & Ensaios. Revista do PPGAV/EBA/UFRJ, n. 32, dezembro 2016. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/8993/7169


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e o sofrimento de famílias de mais de 600 mil pessoas. Um luto que ainda não está totalmente superado. Controladas as mortes pela Covid, mantém-se a violência policial que mata principalmente jovens negros; escancara-se a dizimação de populações indígenas, como é o caso mais noticiado dos Yanomamis, tendo na degradação ambiental, no garimpo e na exploração madeireira ilegais algumas de suas causas. O fenômeno de invasões a escolas por homicidas, acontecimentos há pouco tempo relativamente distantes ou esporádicos para nós, assustam; tragédias anunciadas desde que a apologia às armas passou a ser slogan discursivo e imagético veiculado pelo presidente da república e sua família.

O desmoronamento da farsa da operação “Lava Jato” tornou Lula elegível novamente. A face desastrosa do neofascismo no Brasil, comparado ao que significaram os governos do Partido dos Trabalhadores quanto às políticas nacionais e internacionais, o fez novamente o candidato favorito a vencer as eleições de 2022. No entanto, para emplacar a vitória eleitoral, a aliança com frações liberais “esclarecidas” da burguesia brasileira foi necessária, o que conformou uma frente ampla de enfrentamento ao bolsonarismo articulada em torno da defesa da democracia. O V Intercrítica ocorreu no intervalo entre o primeiro e o segundo turno das eleições, com esse favoritismo apontado, mas não definido. Era fundamental que uma análise da conjuntura, da correlação de forças em jogo e dos desafios que seriam enfrentados em um dos cenários que se definiria logo a seguir - a vitória da democracia ou do fascismo - marcasse o sentido desse encontro, dando-nos uma perspectiva do esquadro no qual se situavam nosso cotidiano e nossas pesquisas. Que problemas nos provocaram mais diretamente em um ou em outro cenário? Como o conhecimento produzido em Trabalho-Educação seria interrogado e precisaria interrogar a realidade?

A programação do V Intercrítica procurou seguir essa leitura, de modo que a primeira mesa trouxe como tema “A produção científica das pesquisas em Trabalho- Educação como ‘força material’: experiências e perspectivas da práxis política”. O debate foi composto por exposições iniciais de cinco pesquisadoras que participaram de momentos importantes da constituição do GT09 e da trajetória política e acadêmica do campo Trabalho e Educação. Neste número, as quatro intervenções constam como artigos de autoria de Maria Ciavatta, Marise Ramos, Carmen Sylvia Vidigal Moraes, e Maria Clara Bueno Fischer, junto com Lia Tiriba.


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Dentre esses, o primeiro artigo tem por base os estudos de historiografia que a autora desenvolveu sobre história da educação e de trabalho-educação, partindo da elaboração marxiana sobre as relações sociais de produção e as formas de consciência social, para analisar a historicidade das forças produtivas e a contribuição da história do presente para a pesquisa face à urgência de se compreender e agir sobre a realidade social. Com base nela, a autora discute questões sobre trabalho-educação mediante o uso de fontes documentais recentes (2020 a 2022) publicadas na imprensa. Sob este enfoque, fenômenos candentes deste tempo em nosso país como o desemprego, a pandemia de Covid 19 e as eleições presidenciais são analisados na perspectiva da relação entre problemas sociais estruturais e situações de conjuntura.

Em seguida, leitores encontrarão análises históricas de lutas sociais e de disputas no interior do Estado estrito senso pelo direito da classe trabalhadora à educação básica e à formação profissional públicas e de qualidade, sob responsabilidade do Estado, mas com a presença efetiva de sujeitos coletivos na construção e consolidação desses direitos. O artigo de Marise Ramos enfoca o período de 2003 a 2016, quando a presidência da República foi ocupada por Lula e por Dilma, do Partido dos Trabalhadores. Ela destaca processos dos quais a autora participou diretamente no interior do governo, principalmente a revogação do decreto

n. 2.208/1997 e a defesa do Ensino Médio Integrado. Carmen Sylvia Vidigal Moraes, por sua vez, contextualiza a práxis acadêmica e de militância social no âmbito das lutas do movimento popular e sindical em São Paulo, nos anos de 1980 aos 2000. Ambos os textos convergem no reconhecimento da potência do conhecimento produzido por pesquisadores em Trabalho e Educação nessas lutas, tendo sido a atuação de intelectuais desse campo fundamental para resistir ao conservadorismo da burguesia brasileira e para desenvolver políticas que acirraram contradições em benefício da classe trabalhadora. Prova disto são as reações da elite dirigente cuja cultura contrarreformista é recorrentemente reiterada em benefício de sua hegemonia.

O princípio de que as pesquisas em trabalho e educação constituem força material expressa como práxis política é explicitado também por Maria Clara Bueno Fischer e Lia Tiriba. As autoras apresentam como questão central de sua análise o quanto essas pesquisas possibilitam apreender o trabalho na sua diversidade. Num

fecundo diálogo com filósofos e historiadores marxistas, elas perquirem o campo de

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estudos em Trabalho e Educação do ponto de vista teórico e metodológico com a intenção de tornar mais visíveis os mundos do trabalho, a classe trabalhadora, as relações trabalho-educação e a luta de classes. Coerentemente com a ontologia do materialismo histórico dialético, encontramos a defesa pela ampliação dos campos do real abordados pela ciência a fim de captarmos mediações que o configuram como unidade do diverso.

A conferência de abertura do V Intercrítica intitulada “Economia, Educação e Desenvolvimento” foi pronunciada por Pedro Rossi. O texto de sua autoria apresenta abordagem interdisciplinar que convida o leitor a articular a reflexão sobre o papel das políticas educacionais à ciência econômica. Mais especificamente, essa articulação parte da crítica à economia neoclássica - corolário da crítica ao neoliberalismo - como doutrina calcada na defesa do individualismo e na diminuição dos direitos sociais. Para o autor, essa vertente da economia se fundamenta na leitura da sociedade como um jogo de concorrência entre indivíduos. O jogo, que é arbitrado pelo mercado, seleciona as pessoas conforme suas produtividades, de modo a justificar as diferenças de renda como situação natural e inelutável.

Assim, para Rossi, quando a cartilha neoclássica é aplicada a programas governamentais, reduz o papel das políticas públicas no enfrentamento das desigualdades sociais mais gerais. Esse diagnóstico permite ampliar o olhar crítico à corrente pedagógica do neotecnicismo, que, orientada pela mesma base doutrinária utilitarista, define as políticas educacionais em termos da relação custo/benefício embutida no gasto público. Nesse sentido, o texto contribui de maneira decisiva para análise das políticas aplicadas no período pós-golpe no Brasil e para visualizar as repercussões da retomada do neoliberalismo no país.

Marcio Pochmann proferiu a conferência de encerramento do V Intercrítica e seu título dá nome ao texto do autor presente neste número: “Conjuntura Brasileira, Contrarreformas Educacionais e Perspectivas para a Luta Popular”. O texto é um registro rigoroso da conjuntura brasileira naquele momento histórico, caracterizada pela disputa de projetos às vésperas de uma das eleições presidenciais mais importantes da Nova República. Pochmann apresenta um pressuposto fundamental: as formações sociais capitalistas passam por uma transformação de natureza estrutural que coloca em xeque todo um conjunto de métodos e perspectivas de análise da realidade. Tal situação, segundo ele, reflete nas conjunturas específicas, nacionais e internacionais, conduzindo a uma significativa mudança de época.

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Envelhecimento demográfico, impactos do desenvolvimento tecnológico e informacional na natureza das relações de trabalho, crise do padrão dólar definido em Breton-Woods, deslocamentos significativos nas relações de poder internacionais são apenas alguns sinais da metamorfose estrutural diagnosticada pelo autor. Como se situa o Brasil frente a esse cenário, caracterizado, em síntese, pela passagem da Era Industrial para a Era Digital? É a pergunta que Marcio Pochmann busca responder, apresentando os desafios que um governo de frente ampla encabeçado por Lula teria de assumir caso se sagrasse vencedor das eleições de outubro de 2022. Impõe-se, segundo ele, a necessidade de romper com a linha adotada entre 2016 e 2022, centrada no aprofundamento do subdesenvolvimento. Pochmann nos convida, com isso, a pensar coletivamente uma nova história para o país, não deixando essa tarefa a cargo das classes dominantes.

Ainda que não presente no V Intercrítica, Giovanni Alves tem colaborado com o GT 09 e levanta reflexões que enriquecem as contribuições dos textos anteriormente descritos. Enreda-se, no trabalho do autor que integra este número, uma trama absolutamente criativa sobre o neoliberalismo nos tempos atuais. A matriz de análise adotada articula Sociologia do Trabalho, Economia e Psicanálise, no exame de uma quadra histórica caracterizada pela barbárie social. Para Alves, a relação entre crise do Estado capitalista, neoliberalismo e ascensão do neoconservadorismo conduz a uma situação que faz emergir novas formas de extração de mais-valia, muito mais refinadas e baseadas em uma captura original da subjetividade. O conceito elaborado pelo autor que permite descrever teoricamente tal cenário é o de hipnocapitalismo.

Giovanni Alves conclui seu texto convidando-nos a “ir além da economia política e desvelar a nova economia psíquica do capital”. A noção psicanalítica de pulsão é, nessa chave, fundamental para desvendar “os investimentos libidinais que sustentam a fábrica da barbárie social”. Trata-se, na verdade, de um complemento às discussões desenvolvidas no V Intercrítica, permitindo ancorar os distintos olhares sobre a conjuntura brasileira em um panorama global do neoliberalismo. O novo metabolismo social trazido pela era do hipnocapitalismo vincula a retirada de direitos típica do programa neoliberal às estratégias de dominação próprias da barbárie, acionando métodos, ideologias e formas de organização neofascistas. Nesse sentido, o texto em questão é de leitura obrigatória àqueles que não buscam


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respostas simples para problemas complexos como os que se apresentam nas conjunturas contemporâneas.

Também com contribuição de natureza mais geral que ilumina as reflexões do V Intercrítica, Jaime Ortega Reyna pensa a realidade latinoamericana. O texto do autor, intitulado Ya Es un Nuevo Tiempo Presente: América Latina en la Tercera Década del Siglo XXI, é um ensaio que busca analisar tendências das lutas e correlações de forças sociais e políticas na região, ajudando-nos a melhor situar internacionalmente a conjuntura brasileira.

Reyna parte do pressuposto de que a história da América Latina é caracterizada, desde sua integração subordinada ao capitalismo mundial, pela negociação da implantação dos modelos de dominação econômica impostos ao continente. Tais processos de negociação originaram estratégias de resistência que fizeram emergir formas societárias específicas, concretizadas ou não em políticas de Estado. Esse problema foi analisado pelo marxismo latinoamericano a partir de diferentes perspectivas, sempre buscando encontrar saídas autônomas.

No cenário atual, de reordenamento do capitalismo mundial resultante de dois fatos históricos de grande envergadura - a crise de 2008 e a pandemia de covid-19 em 2020 -, o problema novamente se apresenta. Contrastam-se, agora, o “progressismo” antineoliberal e um novo reacionarismo que alia o neoliberalismo a bases de massas provenientes dos setores médios, como ocorre no Brasil. São, na visão do autor, contratendências do contexto de vitórias eleitorais de governos de esquerda desde o fim dos anos 1990 na América Latina. Nesse sentido, não há dúvidas de que o texto de Reyna contribui para a análise do momento atual, registrando a permanência de utopias, reações populares e projetos emancipatórios, ainda que observemos a emergência de uma ultradireita com novos contornos na América Latina.

É, ao mesmo tempo, complexa e rigorosa a contribuição que os textos comentados até aqui fornecem à análise da realidade brasileira. Em uma dinâmica de complementação mútua, que envolve continuidade de debates, aprofundamento de reflexões e preenchimento de lacunas, os trabalhos cumprem com êxito o objetivo a que se propôs o V Intercrítica: analisar a luta de classes na sociedade brasileira da terceira década do século XXI, contribuindo com a elaboração de projetos de formação dos trabalhadores. Nesse sentido, o presente número fornece contribuição decisiva.

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Outro conjunto de artigos compõem este número de forma densa e orgânica. Sobre eles podemos afirmar, de imediato, que mostram o quanto, no marxismo, a batalha das ideias5 é também material. O primeiro a fazê-lo é Giovanni Frizzo, ao identificar o negacionismo, ampliado com a crise pandêmica, como expressão ideológica da crise do capital hoje. Superar a representação pela conceituação dos fenômenos é um desafio do pensamento e sua negação redunda da afirmação do senso comum, da crença e da religião como forma de conhecer equivalente ou superior à atividade científica. O relativismo pode ser um passo para o negacionismo e ambos tendem ao irracionalismo. Não se trata de um fenômeno limitado ao campo das ideias, mas, ao contrário, suas motivações e consequências são materiais, posto que vinculadas à manutenção da dominação. Por isto, “a superação da alienação da consciência está diretamente ligada à superação da forma material que constitui a alienação, isto é, as relações sociais de produção capitalistas”.

Se no contexto da pandemia do Covid-19 o negacionismo científico ficou muito evidente na postura negligente quanto à gravidade sanitária e à vacinação como meio eficaz de imunização, no contexto de neoliberalismo global e, particularmente no Brasil, a negação da crise do capital se apoia na exacerbação do individualismo como meio de responsabilizar os trabalhadores pela sua própria destruição. Afinal, “não pensar em crise” e sim, “trabalhar”, slogan do governo golpista de Michel Temer; fazê-lo às custas de si mesmo no processo de autoexploração que pode levar à morte com a deterioração do trabalho uberizado/plataformizado; e falseando ideológica e discursivamente essas (necro)estratégias sob o véu do empreendedorismo, é uma face assustadora da barbárie.

Essas manipulações ideológicas são desveladas por três artigos que se seguem, evidenciando as características históricas da relação trabalho e educação hoje. Compreende-se, assim, porque a educação como prática social e escolar é tão disputada pelos empresários. Na busca pela obtenção do consenso, a ideologia do empreendedorismo se torna a liga dessa relação, fazendo da escola o lugar da formação instrumental e pragmática, esvaziada dos conteúdos sistematizados e clássicos – mais um matiz do negacionismo – em nome do desenvolvimento de competências flexíveis. Trata-se de um movimento que aconteceu no Brasil nos anos de 1990, mas que se amplia e aprofunda nos dias de hoje, quando a reprodução do



5 KONDER, Leandro. O marxismo na batalha das ideias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

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capital visa, na lógica da superacumulação, eliminar força de trabalho. À classe trabalhadora resta “negociar” suas próprias condições de vida para sobreviver. Trata- se de uma verdadeira dialética da barbárie sobre a qual nos fazem pensar os artigos de Maria Carolina de Andrade e Vânia Cardoso Motta; Maria Raquel Caetano; Fernanda Denise Siems e Marcos Edgar Bassi; Tiago Fávero de Oliveira; Carlos Soares Barbosa e Michelle Paranhos; e Maria Amélia Dalvi e Victor Gagno Grillo.

O primeiro artigo remonta às jornadas de junho de 2013 recuperando mediações sociais, políticas e econômicas usadas para justificar o golpe de 2016 e como este abre as portas para o conjunto de contrarreformas operadas de forma integrada a partir de então, expressando uma nova etapa do neoliberalismo. O “Novo Ensino Médio” é uma dessas contrarreformas operadas na relação entre estrutura e superestrutura pelo processo de empresariamento da educação de novo tipo.

O empresariamento da educação é tema também do estudo de Maria Raquel Caetano, convergindo com a abordagem anterior de que o neoliberalismo se encontra numa nova etapa, com pressupostos e consequências importantes no ordenamento da sociabilidade capitalista da qual a educação é constitutiva. O empreendedorismo é a palavra-chave que define não somente os sujeitos deste tempo, mas o próprio Estado, cuja função se revela no gerencialismo. Além de atualizar teoricamente o tema, o enfoque metodológico documental sobre documentos de organizações da América Latina dá prova do aprofundamento da instrumentalização atual da escola e do Estado em benefício do capital.

A influência de organismos internacionais compõe a história da educação brasileira e, contemporaneamente, esses têm ordenado o processo de contrarreformas alinhado ao empresariamento da educação. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adquiriu protagonismo nos últimos anos, em certa medida até mesmo superior à Unesco, vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) voltada para a educação.

Fernanda Denise Siems e Marcos Edgar Bassi verificam que o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina chancelou as recomendações de natureza privatista desse organismo para o Estado. Numa simbiose entre o público e o privado, o privatismo se revela na forma de parcerias, no regime gerencialista de gestão escolar e até mesmo nos componentes e conteúdos escolares. Na relação Estado estrito senso e sociedade civil, os conselhos podem ser reconhecidos como parte da


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ossatura material do Estado6 e, nesse sentido, trata-se de uma instância disputada por representantes das classes dominante e dominada, sendo historicamente hegemonizadas pela primeira, de tal forma que os sistemas estaduais de ensino tendem a ser aliados ao processo contrarreformista mais amplo da educação.

Como uma ideia que parece tão fecunda ao senso comum – o empreendedorismo – pode revelar, no contexto atual, faces da barbárie? A resposta exige compreender que a ideologia se produz não por mera elocubração daqueles que querem falsear a realidade, mas, como nos avisa novamente o filósofo Leandro Konder7, por mecanismos no “nível da percepção cotidiana da realidade” e das ultrageneralizações, como nomeou Agnes Heller8 e nos mostrou o artigo de Giovanni Frizzo. Konder explica: “no nível da cotidianidade, o sujeito tende a se adaptar passivamente às circunstâncias, adquire e conserva hábitos, tende à imitação e à repetição. Suas crenças e convicções se simplificam e ocupam um grande espaço na sua percepção da realidade”. Tiago Fávero de Oliveira desvela o caráter ideológico do discurso do empreendedor que chega à educação básica e sustenta em seu artigo: “ele aprofunda a alienação, intensifica o trabalho e oculta os mecanismos de exploração e desigualdade”. Por acirrar a barbárie, é mais uma mediação a ser considerada na luta de classes.

Mas a ideologia do empreendedorismo tem orientado a reformulação curricular de sistemas estaduais de educação e o Rio de Janeiro é exemplar, pois teria funcionado como laboratório das matrizes curriculares “empresariais” antes mesmo da vigência da Lei n. 13.415/2017, como demonstram Carlos Soares Barbosa e Michelle Paranhos. Um dado de sofisticação dessa experiência é a associação do empreendedorismo com a proposta de desenvolvimento de competências socioemocionais.

A barbárie produzida pela crise do capital hoje se manifesta concretamente nas relações de trabalho, enquanto o discurso conservador tenta ocultá-la e o faz ao nível da consciência cotidiana, termo que o filósofo já citado toma de Lukács9. O confronto com esse nível de apreensão da realidade vem do conhecimento filosófico, científico e artístico.



6 POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder e o socialismo. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

7 KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, pp. 237-247.

8 HELLER, Agnes. O quotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

9 LUKÁCS, George. Introdução a uma estética marxista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

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Maria Amélia Dalvi e Victor Gagno Grillo impõem a si tal desafio e abordam o tema da uberização do trabalho com base no filme “Você não estava aqui”, de Ken Loach. Assim como os autores anteriores problematizam fenômenos da realidade contemporânea analisando-os sob a dialética do que o empírico revela e esconde, neste, a autora e o autor não somente expõem a uberização do trabalho como estratégia de exploração humana – autoexploração disfarçada de autoempreendedorismo, diríamos – como perscrutam o cinema como uma arte que pode contribuir para o desvelamento crítico de fenômenos sociais, encontrando no referido filme uma referência para desvelar o caráter dramático da uberização do trabalho. Interessados na disputa pela educação básica, defendem o cinema como mediação da formação humana o qual, no sentido conservador, está ausente ou é utilizado instrumentalmente na educação básica. É difícil não lembrar do que fala Kosik10 sobre a arte: “a obra de arte, porém, não é um reconhecimento das representações da realidade. Sendo obra e sendo arte ela reconhece a realidade e ao mesmo tempo, em unidade indissolúvel com tal expressão, cria a realidade, a realidade da beleza e da arte”.

Um dos ícones do movimento ultraconservador na educação foi o chamado “Escola sem partido”, que julgou como doutrinação o ensino de qualquer conteúdo que possibilitasse a leitura crítica do mundo, pautando-se pelo denuncismo e pela perseguição de professores. No governo de Jair Bolsonaro, a dimensão coercitiva da escola foi exacerbada ao ponto de adotar o militarismo como modelo (de)formativo. No período de duração de seu governo, quatro ministros assumiram a pasta da educação, somando-se descalabros que vão do favorecimento financeiro de pastores, ao porte de arma ilegal no aeroporto, redundando no ferimento de uma trabalhadora. Um (falso)moralismo foi instituído como “princípio educativo”, apoiado na articulação igreja-quartéis como pano de fundo que servia como justificativas para essas várias "exceções", na forma das “escolas cívico-militares”.

O artigo de Alexandre Marinho Pimenta argumenta sobre a possibilidade da utilização heurística e articulada da teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado de Louis Althusser e do poder disciplinar de Michel Foucault para construir fundamentos dessa lógica repressivo-disciplinar da educação no capitalismo, especialmente face a sua materialização e naturalização nas escolas cívico-militares.



10 KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 115.

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A maioria dos artigos que compõem essa seção explicita as múltiplas determinações estruturais e superestruturais da barbárie vivida atualmente em suas várias faces, sentida e/ou dissimulada na práxis cotidiana. A utopia é a antítese dessa dialética que nos move em busca da superação dessas determinações. Os sinais dessa utopia estão dados nas experiências concretas da classe trabalhadora e no seu “fazer-se” como tal. Uma delas é enfocada por Mauro Rogério de Almeida Vieira: a articulação da economia solidária com a educação profissional e sua potência no restabelecimento de ligações entre os anseios dessa classe e a educação, processo analisado mediante observação participante de um projeto específico.

Um número da Revista Trabalho Necessário que sistematiza tantas questões teóricas e práticas mobilizadoras da pesquisa em Trabalho e Educação opta por homenagear uma pesquisadora rigorosa e produtiva a qual, na mesma proporção desses atributos, carrega em sua práxis firmeza e ternura. Trata-se de uma intelectual cuja produção nunca se descolou do projeto de transformação social radical em benefício da classe trabalhadora. E, como tal, assim agiu pedagogicamente nas salas de aula e em outros ambientes universitários, seguindo, até hoje, na coordenação de grupos de pesquisa. Trata-se de Maria Ciavatta, que recebe palavras de reconhecimento das tintas de Ramón de Oliveira, um de seus primeiros orientandos de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense.

Pesquisadores, educadores, estudantes e outros conhecedores da produção científica em Trabalho e Educação com alguma frequência encontrarão referências a José Barata-Moura, cujos textos se tornaram clássicos para intelectuais marxistas brasileiros, ainda que o conhecimento de sua vasta obra entre nós seja relativamente recente. Quem é esse intelectual? Justino de Souza Junior o define como “um artista, um militante comunista e filósofo”, e escolhe três de suas obras totalmente dedicadas ao tema da práxis para comentar: Da representação à práxis itinerários do idealismo contemporâneo (1986); Ontologias da ‘práxis’ e idealismo (1986) e Prática – para uma aclaração do seu sentido como categoria filosófica (1994). Como nos diz o autor do artigo, a intenção poderia ser uma homenagem, mas ele falharia se o fizesse apenas em tons elogiosos. O desafio que se impõe nosso comentarista é demonstrar o quanto as pesquisas do filósofo e militante português sobre a práxis são fundamentais para as pesquisas em educação.


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Um dos pesquisadores que mediou a presença de José Barata-Moura pessoalmente entre nós juntamente com o acesso à sua obra foi Gaudêncio Frigotto. Essa menção é, em parte, circunstancial. Mas o sócio-fundador da ANPEd, com sua experiência e leitura fina da conjuntura brasileira colocada sob as lentes do materialismo histórico dialético, é o entrevistado deste número. Além de ser um dos organizadores do V Intercrítica, Gaudêncio Frigotto foi debatedor na mesa de encerramento com Márcio Pochmann. Sua inserção no GT 09 é histórica e orgânica, tendo sido um dos que argumentou pelo nome Trabalho e Educação, por expressar mais coerentemente seu objeto na perspectiva do materialismo histórico dialético. Em sua entrevista, o mundo de hoje, que se encontra entre a utopia e a barbárie, é tema de reflexões desse intelectual. Ele nos fala sobre a ascensão do neoconservadorismo no mundo e no Brasil nas últimas décadas, destaca desafios a serem enfrentados pelas forças progressistas no contexto do atual governo e discorre sobre interesses que estão em jogo na disputa pelo ensino médio. Suas respostas às questões que lhe foram apresentadas pelos organizadores deste número estão fincadas, como ele diz, no “pessimismo da razão”, mas para que a vontade otimista não se dilua em ideias e sim se erga como práxis.

A seção Memória e Documentos reservou espaço para registros do presente e análise do passado. No primeiro caso, destaque é dado ao Documento Síntese do V Intercrítica, elaborado pela coordenação do Grupo These, comentado pelos atuais coordenadores do GT 09, Doriedson Rodrigues e Lucas Pelissari. Este documento, porém, transcende as discussões travadas nos dois dias de evento, mas recorre à história da ANPEd, do GT e do próprio Intercrítica. Isto, com a finalidade de refletirmos sobre a historicidade das questões sobre as quais nos debruçamos, no movimento de mudanças sociais que nos desafiam a persistir sobre algumas delas e a construir outras tantas, bem como da teoria que nos fundamenta e do conhecimento produzido. Afinal, como nos diz Florestan Fernandes, “quando desenvolvidas com propriedade [as atividades intelectuais], elas conduzem a um conhecimento objetivo da realidade no qual esta é reproduzida, segundo graus de aproximação empírica que variam com a natureza e os propósitos das investigações nos seus aspectos essenciais”11


11 FERNANDES, Florestan. A reconstrução da realidade nas Ciências Sociais. Rev. Mediações, Londrina v. 2. n. 1, P 47 56, jan./jun. 1997, p. 47.


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De uma conjuntura passada, com determinações estruturais que voltam a se manifestar atualmente, recuperamos o Projeto de Lei n. 1603, publicado no Diário Oficial da União de 03/04/1996. Esta foi a primeira tentativa do governo de Fernando Henrique Cardoso de separar ensino médio e educação profissional, contra a qual a sociedade reagiu fortemente. A aprovação da Lei n. 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de caráter minimalista, levou o governo a retirar o projeto da Câmara dos Deputados e a efetuar a contrarreforma por meio do Decreto

n. 2.208/1997.

Ao analisar o contexto histórico deste documento, Acácia Kuenzer demonstra que o PL foi um expediente usado pelo governo para obter adesão de Secretários Estaduais de Educação e de outras redes às políticas educacionais de corte neoliberal, num movimento que mostrava e escondia, ao mesmo tempo, certo dissenso interno ao governo representado por formas distintas de condução da política de formação de trabalhadores pelos Ministérios do Trabalho e da Educação. Essa recuperação histórica nos ajuda a entender os mecanismos utilizados pela burguesia para a obtenção do consenso em torno do “Novo Ensino Médio”, a atual política neoliberal na educação por excelência. A unidade desta classe e a utilização dos aparelhos privados de hegemonia e órgãos do Estado atualmente para tornar essa contrarreforma inabalável é comparável ao que ocorreu nos anos de 1990, porém com uma mediação ainda mais complexa que é a resistência em revogá-la, manifestada pelos próprios governantes ligados ao Partido dos Trabalhadores, incluindo o Ministro da Educação e, mais recentemente, também o Presidente da República.

O tema da formação de professores e do trabalho docente ocupa espaço importante neste número de três maneiras, a saber: no ensaio de Elza Margarida de Mendonça Peixoto, que conecta formação de professores e formação da classe trabalhadora, problematizando a construção de um “Sistema Nacional de Educação” em sociedades marcadas pela concentração de forças produtivas e pela luta de classes; na resenha do livro “Trabalho docente sob fogo cruzado, no labirinto do capital e no contexto da pandemia” (organização de Jonas Magalhães e outros), elaborada por Katharine Pinto Silva; e no resumo da dissertação “Os saberes docentes necessários ao trabalho do professor de Biologia no Ensino Médio Integrado, de João Kaio Cavalcante de Morais. A particularidade do trabalho docente

no contexto atual é também objeto da tese de doutorado de Vera Nepomuceno: “A

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reforma do ensino médio no Brasil: uma contrarreforma trabalhista para o trabalho docente".

Um convite à análise das políticas para o Ensino Médio também é feito pelo resumo da dissertação de Alana Lemos Bueno - A reforma do Ensino Médio: do projeto de Lei n. 6.840/2013 à Lei n. 13.415/2017 - que mostra os movimentos de forças políticas em torno do projeto de lei até a consolidação da lei a qual, por sua vez, adveio de uma Medida Provisória. Mais uma vez os Secretários Estaduais de Educação têm papel importante no desfecho desse enredo. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é a pedra de toque da contrarreforma do ensino médio no Brasil e esta recoloca a pedagogia das competências como central na política curricular. Às competências cognitivas que orientaram as políticas dos anos de 1990 agregam- se hoje as competências socioemocionais. Jonas Emanuel Pinto Magalhães, no resumo de sua tese de doutorado, fala do escrutínio a que submeteu essa noção, visando compreender origem, fundamentos e usos, demonstrando se tratar de um slogan pedagógico, abordada em diversos campos disciplinares e largamente difundida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Relacionada com essas problemáticas, a Educação Profissional no Brasil do século XXI é o tema do livro organizado por Domingos Leite Filho e outros, que mereceu a resenha de Hemerson Moura e Ana Carolina Bordini Brabo Caridá.

Diante de um conteúdo de tamanha riqueza e complexidade e tão atual, pode- se esperar que algumas perguntas sejam provisoriamente respondidas, outras permaneçam na dinâmica da história e mais umas tantas sejam elaboradas. Por hora, temos o registro de que a democracia desafiou o neofascismo nas eleições de 2022 e conquistou seu espaço no aparelho de Estado; espaço este tão simbolicamente louvado como “do povo brasileiro” em sua diversidade representada pelos que ladearam o Presidente Lula na subida da rampa do Palácio do Planalto para seu discurso de posse e pelos momentos emocionantes marcados na história pela posse de vários e várias ministros e ministras. Ao mesmo tempo, temos a trágica lembrança do 8 de janeiro de 2023, com a tentativa fracassada de golpe de Estado e o ataque ao patrimônio e à ética pública. Apesar das investigações que correm contra seus executores e idealizadores, as sombras ainda pairam sobre a democracia e essas condensam o obscurantismo, o negacionismo e o ultraconservadorismo que, como “miasmas”, ainda adentram os interstícios da

sociedade brasileira e de outros países. Manifesta-se a recuperação do importante

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papel do Brasil na política internacional, mas há tensões geopolíticas muito significativas que impactam as relações internacionais em dimensões que precisam ser estudadas e enfrentadas.

Em síntese: temos um governo de coalizão, frente às necessárias alianças para enfrentar o neofascismo. As frações da burguesia que compõem o bloco no poder tendem à hegemonia. Que cenários temos pela frente? Como as forças populares organizadas e a teoria produzida por intelectuais de esquerda podem se mover nesses cenários? Esperamos que a leitura deste número nos ajude a alimentar essas análises e dar a elas consequências práticas para enfrentar a barbárie e seguir buscando a utopia.


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