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V.21, nº 45, 2023 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


MEU RECONHECIMENTO À HOMENAGEM1

Maria Ciavatta2 Ainda estou surpresa, por este reconhecimento em vida, trabalhando, o que é

raro! Estou agradecida. “Me dê as flores em vida” - é o que disse o poeta compositor Nelson Cavaquinho.

Reconhecimentos e homenagens costumam ocorrer nas Engenharias, nas Ciências Médicas. Na Educação é raridade a generosidade do reconhecimento.

Talvez porque a Educação, para muitos pesquisadores de outras áreas, seria apenas uma prática pedagógica, uma didática.

Enfim, desconhecem a produção científica da área da educação, fundamentada nas ciências humanas e sociais (sociologia, antropologia, história, economia, ciência política, matemática, estatística). Como a medicina que é uma prática médica, fundamentada em muitas ciências biológicas e físico-químicas.

Mas a medicina tem o status da história, de ter sido introduzida no país, por D. João VI, ao chegar ao Brasil, no século XIX. Os médicos, como os engenheiros, os advogados, costumam ser os filhos das elites. A educação era para a nobreza, para as elites com preceptores ou com estudos na Europa. Para o povo, até hoje, a educação ainda não se universalizou como mostram tantos estudos, e a árdua disputa


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1 Texto recebido em 15/06/2023. Aprovado pelos editores em 10/07/2023. Publicado em 23/08/2023. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v21i45.58809. Assim agradeci e expressei minhas palavras de Reconhecimento à homenagem que os colegas professores e editores da Revista Trabalho Necessário do Neddate/UFF e do Grupo THESE/UFF-UERJ-EPSJV-Fiocruz, me fizeram por ocasião da Apresentação do n. 44, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 25 de abril de 2023.

2 Doutora em Ciências Humanas (Educação-PUC-RJ). Pos-doutorado na Università di Bologna (1995- 96) e na Università di Roma (2017); Professora Titular de Trabalho e Educação, do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF); ex-Professora Visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Pesquisadora Sênior do CNPq; Coordenadora do Grupo THESE – Projetos Integrados de Pesquisa em Trabalho, História, Educação e Saúde (UFF-UERJ- EPSJV-Fiocruz) - https://www.youtube.com/channel/UClJz7zUaYUxMSQel3OHAsrg/featured

E-mail: maria.ciavatta@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000.0001.5854.6063. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5368554854684382.


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que estamos vivendo, ainda neste momento, no século XXI, sobre o significado social e político do ensino médio.

Sou grata aos colegas que inventaram este reconhecimento, ao Ramon, ao Prof. Ramon de Oliveira da Universidade Federal de Pernambuco/UFPe, que escreveu a homenagem a mim, e à Revista Trabalho Necessário que a publicou.

Por tudo isso e muito mais, agradeço a surpresa, o imprevisível, para viver a emoção de agora, de modo especial, com este coletivo ampliado que me faz o reconhecimento.

Depois da surpresa da homenagem que eu traduzi como reconhecimento, eu me perguntei o que é o reconhecimento do outro em minha vida.

O primeiro reconhecimento é o olhar da mãe que, como espelho que responde, dá ao bebê, à criança, a identidade progressiva de si mesma.

Depois vem o reconhecimento do pai, dos irmãos, dos avós, dos parentes e amigos. Vem a imagem de si pelos outros que a reconhecem.

Isto me faz pensar na questão do outro, tão bem historicizada por Tzevetan Todorov, ao se completarem os 500 anos da chegada dos colonizadores europeus à América, em 1992. Ele fala do olhar do colonizador sobre os nativos, os indígenas, fala sobre nós, colonizados. O que pensavam os colonizadores: o outro, o diferente, ou não era gente, ou, se era gente, era inferior aos europeus.

Até hoje, temos introjetado nos costumes e na vida acadêmica a superioridade do outro, os cientistas dos países desenvolvidos nos campos econômico, científico- tecnológico, nas ciências humanas e sociais. Até porque, salvo algumas grandes universidades brasileiras, temos menos recursos e condições para os avanços na pesquisa científica e tecnológica.

Nós precisamos do reconhecimento do outro na vida acadêmico-científica e, por isso, agradeço aos diversos coletivos aos quais pertenço, aqui representados, a generosidade desta homenagem; agradeço aos editores de Trabalho Necessário, aos colegas professores, aos amigos, aos estudantes, aos orientandos e alunos, ex- alunos, queridos, inesquecíveis.

Mas há, também, o meu auto-reconhecimento em três aspectos principais: pelo trabalho, pela educação e pela família.

Eu me reconheço pelo trabalho, porque sou filha e neta de colonos imigrantes que vieram de uma pequena cidade da Itália, para as fazendas de café de Ribeirão


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Preto, em São Paulo. Deles aprendi o valor do trabalho, da idoneidade nos compromissos, de se ver como trabalhadores que não tem nada de graça, que tudo se consegue pelo empenho, pelo trabalho.

O segundo aspecto em que me reconheço é a educação. Por ela, eu incorporei os valores do trabalho na vida, na cultura e na profissão. Incorporei sua crítica às representações sociais, às imagens fotográficas nos termos do materialismo histórico e da dialética da transformação no espaço-tempo da vida em sociedade.

Pelo que eu aprendi, preciso reafirmar que, na vida social e política, não me reconheço no governo que findou no Brasil, deixando rastros na disseminação das armas, nas suas grosserias, nos seus preconceitos e discriminação, nos desmatamentos, na irresponsabilidade na pandemia que chegou a 700 mil mortos, no desprezo ao sofrimento, à população pobre, aos negros, aos indígenas, às mulheres, às opções de gênero.

Mas eu me reconheço na mudança, na perspectiva de futuro que o governo Lula nos apresenta como perspectiva.

Pela educação eu passei ao reconhecimento da “universidade, pecado nativo, porque o pecado nativo é querer estar vivo, é querer respirar” (Belchior); é querer o conhecimento e decidir sua vida com autonomia, longe de todos os autoritarismos. Meu reconhecimento aos lugares de memória que ocupam em mim, a Faculdade Santa Úrsula, a Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) , a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e, principalmente, ao Programa de Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Este é, também, um reconhecimento aos coletivos de pessoas dessas e de outras universidades: a Gaudêncio Frigotto, a Leandro Konder, a Eunice Trein, a Luiz Antonio Cunha, a Marilda Iammamoto, a Ciro Flamarion Cardoso, a Octavio Ianni, a Florestan Fernandes, a Rui Mauro Marini, a Hugo Zemelman, a Guadelupe Bertussi, a Agustin Cueva, a Boris Kossoy, a Ana Maria Mauad e a tantos historiadores brasileiros e estrangeiros.

Com eles cheguei à “teoria e educação no labirinto do capital”, “às mediações históricas de trabalho-educação” e às suas contradições, à “memória e temporalidades”, à “fotografia como fonte de pesquisa”. Cheguei aos arquivos da Santa Úrsula, da CGIL na Itália; à preservação histórica e heroica do arquivo de Astrojildo Pereira, a Dora Henrique da Costa, Marly Vianna e Zuleide Faria de Melo;


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ao Prof. Guttman e às fotografias das antigas escolas técnicas e a seus espaços educativos; a Ida e Davi Romeiro e à transformação de antigas fábricas em escolas, em Institutos Federais.

A fotografia como meio de comunicação, como fonte de conhecimento e documento de pesquisa, na história da educação e da história de trabalho-educação transformou-se em meu permanente objeto de pesquisa para melhor conhecer o ensino médio, a educação profissional e tecnológica e as lutas dos trabalhadores.

O último dos três aspectos principais em que me reconheço é minha família: em meu marido, engenheiro musical, Antonio Carlos, e em nossos três filhos: em Mariana na arte-ciência da antropologia no interior do Acre; em Lucas e nos caminhos musicais que ele criou e que se abrem com corpo e mente integrados em “o passo”; em Estevão na arte da fotografia e do cinema, no compromisso com nosso outro e seu reconhecimento nos povos originários, na Amazônia.

Tenho muito a agradecer. Ao ter pensado sobre tudo isso e ter recebido esta homenagem de vocês, meu outro em muitos sentidos; por ter recebido as palavras de Ramon em nome de todos os ex-orientandos, mestres e doutores que me levaram a estudar e aprender tantas coisas sobre nosso país e sua gente; por ter recebido dos colegas do Grupo These, na pessoa de Marise Ramos; do Neddate e de Trabalho Necessário, na pessoa de Lia Tiriba e das/dos demais colegas que dão fôlego e significado à Revista.

Muito obrigado a todas, a todos, meu maior abraço onde cabem todos vocês.


Rio, abril de 2023.


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