V.22, nº 47, 2024 (janeiro-abril) ISSN: 1808-799X
Willian Lepinski2 Iuri Michelan Barcat3 Mário Lopes Amorim4
O presente artigo discute a formação da Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA), originária dos movimentos dos trabalhadores no campo, em uma perspectiva macrossocial. Argumentamos que a dinâmica pedagógica-laboral da ELAA ilustra tanto os avanços quanto os atuais limites das concepções científico-técnicas na expansão internacional do capitalismo. Assim, abordamos a temática a partir da teoria marxista da dependência, destacando o conflito entre a matriz primário-exportadora do empresariado e os projetos autônomos da classe trabalhadora no continente.
Este artículo aborda la formación de la Escuela Latinoamericana de Agroecología (ELAA), a partir de dos movimientos de trabajadores del campo, desde una perspectiva macrosocial. Argumentamos que las dinámicas pedagógico-laborales de la ELAA ilustran tanto los avances como los límites actuales de las concepciones científico-técnicas en la expansión internacional del capitalismo. Asimismo, abordamos lo tema basado en la teoría marxista de la dependencia, destacando el conflicto entre una matriz primario-exportadora de las empresas capitalistas y los proyectos autónomos de la clase trabajadora en el continente.
In this article we discuss the formation of the Latin American School of Agroecology (ELAA), originating from rural workers' movements, within a macrosocial perspective. We argue that the ELAA's pedagogical-labor dynamics illustrates both advances and current limits of the scientific-technical concepts in the international expansion of capitalism. Thus, we approach the theme by the Marxist theory of dependency, highlighting the conflict between the primary-export matrix of the business class faced with the autonomous projects of the working class on the continent.
1 Artigo recebido em 11/07/2023. Primeira Avaliação em 23/10/2023. Segunda Avaliação em 18/10/2023. Aprovado em 17/01/2024. Publicado em 22/02/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i47.59165
2 Doutorando no Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Paraná - Brasil. Email: wlepinski@gmail.com.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2906085362552229. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3354-8772.
3 Doutorando no Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Paraná - Brasil. Email: barcat@alunos.utfpr.edu.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1949433849368661. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7282-0804.
4 Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Paraná - Brasil. Email: marioamorim@utfpr.edu.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5344824750599654. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6610-7909.
Introdução
Situada no Assentamento do Contestado no município da Lapa (Paraná), a Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA) tem se destacado não somente pela sua atuação na educação profissional e superior de trabalhadores rurais – em especial, as filhas e filhos de camponeses na região – como também pela sua complexa história que se entrelaça com a situação social da classe trabalhadora brasileira e latina. Apesar de ter sido criada recentemente, em 2005, a repercussão da ELAA é significativa e, inclusive, chega a suscitar bastante interesse na comunidade científica, a qual lhe vem tomando como objeto de investigação para diversos temas pertinentes. Dentre estes, podemos mencionar as pesquisas sobre: os projetos internacionais de integração latino-americana pela educação (BERNADELLI, 2021); a introdução das práticas agroecológicas no Brasil (VALADÃO, 2012; SANTOS, 2014;); a trajetória da mobilização popular da Via Campesina e do Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra (MST) para a conquista da reforma agrária (LIMA et al, 2015; TEIXEIRA, 2019) e, até estudos de história oral sobre as populações tradicionais (PEREIRA, 2019), que também revelam suas ligações com comunidades quilombolas remanescentes na localidade (PRIORI, et al, 2012).
Tal como os outros trabalhos mencionados, o presente artigo visa abordar a ELAA como um caso empírico para refletir um tema fundamental na literatura científica que ainda é relativamente pouco debatido pelos pesquisadores do continente (quando considerada a sua devida importância). Pretendemos discutir, a partir deste caso particular, a condição da classe trabalhadora no tocante à questão científico-técnica na América Latina, particularmente considerando as relações centro-periferia na complexificação da divisão social do trabalho que se sucede com a expansão histórica do capitalismo. O nosso argumento é que os processos educativos da ELAA, em sua dinâmica pedagógica-laboral, refletem tanto os avanços possíveis quanto os limites impostos às concepções sociotécnicas que emergem do interior deste modo de produção, destacando a conflitiva posição entre a dependente matriz primário-exportadora do empresariado no continente em detrimento aos projetos autônomos da classe trabalhadora. O método adotado está nos marcos do materialismo histórico, consistindo na contextualização social da
formação e trajetória institucional-pedagógica da ELAA, bem como uma recuperação bibliográfica da temática científico-técnica a partir da Teoria Marxista da Dependência (MARINI, 1979; 2008; 2013; 2017; DOS SANTOS; 1983;1987; 1994;
2000; OSÓRIO, 2012; 2022 ).
Dessa maneira, notamos que a ELAA – como outras alternativas pioneiras em educação campesina – transforma a vida de inúmeras famílias trabalhadoras pela formação das suas primeiras gerações com diplomas de ensino superior; além da capacitação para o trabalho nas cooperativas dos assentamentos e; o uso alternativo de Tecnologias Sociais no manejo científico e sustentável dos solos (seja pelo cultivo de orgânicos, sementes crioulas e até agroflorestas). Contudo, as suas limitações endógenas de escala de seus modelos resultam das condições exógenas em que se encontram, isto é, remarcam o embate com as estruturas fundiárias e produtivas da região. Essas, historicamente, referem-se aos processos decisórios do empresariado quanto à especialização técnica primário-exportadora, o que é sucedido pelos interesses privados vinculados à especulação financeira no plano do comércio internacional e estão fundados nessa direção devido à necessidade perene de incessante acumulação de capital.
Aparte dessa presente introdução em que esboçamos as linhas gerais de como conduziremos a análise, este trabalho divide-se em outras três seções: [1] Organização pedagógica e a história institucional da ELAA; [2] As relações centro-periferia na América Latina; e, [3] A classe trabalhadora e a questão científico-técnica; No primeiro item são apresentados alguns dados históricos sobre a atuação educativa da ELAA, demonstrando como a sua trajetória institucional ocorre em amplo contexto social, em que o protagonismo político dos trabalhadores em movimentos organizados constituem a força motriz para a sua realização científico-técnica da agroecologia, o que reflete o nosso interesse para a discussão temática. Posteriormente, será introduzido em dois momentos distintos as categorias para a análise naquilo se convencionou a denominar de Teoria Marxista da Dependência (TMD), visto que partiremos das relações centro-periferia no ambiente latino-americano até a problemática científico-técnica para a questão das classes no capitalismo (MARINI, 1979; 2008; 2013; 2017; DOS SANTOS; 1983; 1987; 1994;
2000; OSÓRIO, 2012; 2022). Por final, realizaremos pequenos apontamentos do percurso e da perspectiva futura da ELAA em seu nível macrossocial, com a
discussão sobre a questão científico-técnica nos termos do materialismo histórico e da TMD, anteriormente tratados. Esperamos que o presente artigo possa contribuir fornecendo um substrato teórico para a formulação (ou para o aprofundamento da compreensão) do significado social das iniciativas coletivas de formação científico-técnica da classe trabalhadora e, em especial, chamando a atenção de como a emancipação política dela constituí um elemento sine qua non para o próprio desenvolvimento nos países latino-americanos.
Organização pedagógica e história institucional da ELAA
Contemporaneamente, a oferta pedagógica da ELAA consiste em dois cursos superiores para a população rural e campesina, sendo estes respectivamente um de Tecnologia em Agroecologia e o outro de Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza e Agroecologia. O curso de Tecnologia começou junto à fundação da ELAA em 2005, enquanto o de Licenciatura se iniciou posteriormente em 2015. A atual creditação e reconhecimentos dos cursos se dá em cooperação com outras instituições de ensino público superior na região. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) do setor litoral lhe auxilia no professorado e também documentalmente, com a licenciatura, ao passo que o Instituto Federal do Paraná (IFPR) de Campo Largo é a parceira na creditação do ensino dos tecnólogos. Contudo, ambos os cursos do ELAA contam com a mesma orientação pedagógica de serem voltados para a realidade camponesa e de agricultura familiar. Os cursos ocorrem em um sistema de alternância, no qual os estudantes compartilham um período na comunidade (o que mantém os vínculos laborais e familiares) e outro na própria Escola – incorporando os princípios do PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária).
A criação formal da ELAA ocorreu em janeiro de 2005 durante o V Fórum Social Mundial, realizado no município de Tapes no Rio Grande do Sul. Na ocasião, o movimento social da Via Campesina e o MST conseguiram efetivar um protocolo de intenções junto ao então governador do estado do Paraná, Roberto Requião, além de representantes da UFPR, assim como autoridades do Governo da República Bolivariana da Venezuela (VIA CAMPESINA, 2005). Concomitantemente ao ELAA também foi inaugurado o Instituto Universitário Latino-Americano de
Agroecologia Paulo Freire (IALA Paulo Freire), localizado na província de Barinas na Venezuela (CEAGRO, 2009). Ressalva-se que a formalização das instituições não é apenas uma benfeitoria de dirigentes, mas o próprio produto da mobilização autogestionada dos trabalhadores no campo, visto que a pressão que exerceram por meio da Via Campesina e do MST confluiria para que as diferentes autoridades se comprometessem com arranjos políticos para a sua incipiente institucionalidade. A criação de uma nova escola agroecológica latino-americana no Paraguai em 2008 – o IALA Guarani – corrobora para o mesmo entendimento. O instituto partilha do sucesso pregresso da Via Campesina com o ELAA (BERNADELLI, 2021). A título de exemplo, somente de 2006 até 2013, a ELAA já tinha graduado 120 alunos nas suas três turmas, e seu corpo estudantil exibia um perfil de ingressantes majoritariamente jovens e oriundos de famílias campesinas no território brasileiro e, que também agregava discentes latino-americanos advindos dos mais variados países como: Bolívia, Chile, Argentina, República Dominicana entre outros (SANTOS, 2015; LIMA et al, 2015).
A mobilização pela educação popular e de qualidade no campo acompanha a luta dos trabalhadores rurais sem-terra pela consolidação da reforma agrária no Brasil. No censo PNERA – pesquisa mais recente a época do ELAA – o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) constatou que, dentre os 1,6 milhões de assentados, observam-se os respectivos índices educacionais: aproximadamente 20,4% não era alfabetizada; 38,4% frequentaram apenas as séries iniciais do ensino fundamental; 14,1% terminaram as séries finais e; menos de 6% alcançaram o ensino médio ou superior (SAMPAIO & MOLINA, 2005). Consequentemente, a questão da formação científico-técnica se exprimia em uma necessidade compreendida por líderes dos movimentos organizados desses trabalhadores, João Pedro Stédile historiciza o início de tal preocupação no III Congresso Nacional do MST:
Existe a compreensão de que o MST deve lutar contra três cercas: a do latifúndio, a do capital e a da ignorância. Esta última não no sentido apenas de alfabetizar pessoas, o que é simples, mas no sentido de democratizar o conhecimento para um número maior de pessoas. O desenvolvimento depende disso. Uma quarta fonte que impulsionou essa preocupação foi a própria evolução do programa agrário, na medida em que no período de 1993 a 1995 fizemos todo um debate ideológico, que resultou num programa agrário, aprovado no III Congresso Nacional. O programa deu o salto qualitativo de
imaginar o futuro com uma forma superior de organização da produção: nem manter o molde camponês nem aderir ao mercado capitalista. (STÉDILE; FERNANDES, 1999, p. 75).
No final da década de 1990, as comunidades que o MST provisionou assentar pela sua ocupação organizada – acelerando as concessões do INCRA – não estavam alheias ao fenômeno social do êxodo rural. Essas refletiam a inconciliação e o inevitável conflito de interesses entre o mercado capitalista e a vida camponesa. A concentração fundiária que remetia à produção automatizada em larga escala do agronegócio globalizado, especializado na produção de commodities voltadas às exportações (tal como a soja), também retirava a dinâmica econômica local interiorana, expelindo as populações do campo às periferias das grandes cidades. Em termos quantitativos, se as recentes taxas de migrações campo-cidade na década de 2000-2010 são relativamente altas com os seus 17,6%, o êxodo rural era ainda mais preocupante durante a década de 1990, atingindo os patamares de 25,1% (IBGE, 2010). Nesse sentido, os campesinos assentados concebiam a necessidade de conceder novas oportunidades aos filhos, sobretudo pela formação superior – o que os manteria perto da atividade familiar de produção e na comunidade, porém exercendo outras funções (e.g., agrônomos, advogados, professores, contadores e etc.). Foi com esse intuito que as experiências esporádicas do MST com as universidades no ensino alternado foram popularmente almejadas e, então, institucionalizadas na forma do PRONERA, no mesmo período; isso estabeleceu as bases jurídicas para a formação contínua dos campesinos em organizações como o ELAA.
Todavia, a agroecologia ainda estava sob gestação nas concepções políticas dos movimentos da classe trabalhadora rural latino-americana. No Brasil, o MST já possui quatro décadas de existência, o que implica em diferenças nas estratégias de mobilização para a reforma agrária e a melhoria das condições de seu trabalho ao longo do tempo (ALIAGA & MARANHO, 2021; STÉDILE; FERNANDES, 1999). Nos
primeiros anos de formação na década de 1980 – em decorrência da conjuntura adversa que a ditadura militar representava, dado o consentimento da violência no campo – o MST buscava a negociação governamental apoiada na Comissão Pastoral da Terra (CPT) e nos padres católicos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Só na segunda metade dessa década, as ações diretas (e.g., greves de fome, ocupações de terras e edifícios do Estado) substituem as negociações
mediadas pela CPT, refletindo uma crescente autonomia dos trabalhadores sem-terra frente às organizações religiosas (ibidem). Já o salto qualitativo mencionado por Stédile na década de 1990, refere-se às Grandes Jornadas que aumentaram o escopo institucional e de mobilização do MST, congregando uma direção clara em seus quadros quanto à relevância da formação educacional em seus novos arranjos produtivos. Isso posteriormente vai culminar no reposicionamento social dos assentamentos quanto à sua maneira de estruturação econômica, assim que no tocante ao MST é possível dizer que: “a agroecologia como orientação política foi adotada no IV Congresso Nacional em fevereiro de 2000” (ALIAGA & MARANHO, 2021, p.577).
Segundo a coordenadora pedagógica da ELAA, Simone Rezende, a escolha de sua localidade se deu por uma conjuntura de fatores como: a experiência pregressa de práticas agroecológicas na comunidade assentada, a presença de dadas autoridades estatais no V Fórum Social Mundial e, sobretudo, a proximidade da região com os professores nas instituições parceiras, já que até então – apesar de contarem com a tradição de expoentes pensadoras na área científica tal como Ana Primavesi – os saberes agroecológicos ainda eram incipientes no país (BERNADELLI, 2021). De tal modo, foi designado como campus o Assentamento do Contestado no Paraná, localizado cerca de 20 km da sede municipal da Lapa e, a 70 km da capital do Estado, Curitiba.
Em um levantamento realizado em 2015 constatava-se nesse assentamento que havia 108 unidades de produção agrícola familiar, onde: “Atualmente 80 famílias participam, em maior ou menor grau, dos processos de produção agroecológica e, que se organizam em oito grupos de agroecologia” (SANTOS, 2015, p. 31). Essas famílias possuem certificação para suas hortas orgânicas e também tecnicamente exercem suas atividades em cooperativas de pequenas indústrias que associam outros agricultores da região. Este é o caso da Cooperativa Terra Livre, por exemplo, que iniciou as suas atividades neste assentamento em 2010 e, ampliou a sua atuação com a designação políticas federal em projetos como o Programa Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), garantindo demandas contínuas à agricultura familiar de pequena escala dos produtores em toda porção nacional.
A área assentada do Contestado refere-se a uma propriedade de aproximadamente 3100 hectares, algo em torno de 1,5% da extensão territorial do município da Lapa, onde 1240 hectares desses são áreas destinadas à proteção ambiental em reserva legal e preservação permanente (ibidem). Já o histórico das terras assentadas é um complexo emaranhado de eventos que envolve diferentes atores sociais. A ocupação do território se deu em 7 de fevereiro de 1999, por 52 famílias organizadas no MST, que agilizaram a concessão das terras pelo INCRA, onde foi desapropriado o lote de uma empresa com capital multinacional que mantinha diversas dívidas por impostos não pagos à União e ao Estado do Paraná (VALADÃO, 2012). A empresa mencionada era a INCEPA Brasil, um empreendimento na indústria de revestimento em porcelanato que foi estabelecida em 1952 na cidade de Campo Largo como subsidiária transnacional de outra empresa, a suíça Laufen. No caso, a matriz, especializada no ramo das cerâmicas, Laufen, foi fundada em 1892 na cidade suíça homônima. A empresa se expandiu globalmente construindo filiais nos mais diversos países até recentemente ser comprada pela concorrente espanhola Roca, que opera desde 1917 e lhe incorporou em 1999.
Neste lote da Lapa que havia sido adquirida pela transnacional em 1985, a INCEPA: “utilizou a área para o reflorestamento com espécies exóticas (pinus e eucalipto) para produção de combustível (carvão) para sua fábrica, situado no município de Campo Largo a cerca de 30 km do local” (VALADÃO, 2012, p.126). Sendo assim, ainda é possível encontrar no Assentamento do Contestado os fornos de combustão destinados ao fornecimento energético da produção industrial na região metropolitana, além de outros escombros históricos na propriedade que foram reformados pelos campesinos. Dentre esses, o mais impressionante é a estrutura do atual Centro Cultural Casarão, anfiteatro que foi feito pela reforma do MST e da ELAA em 2018, com a ex-residência de David dos Santos Pacheco, o antigo proprietário das terras, que oficialmente era denominado como o Barão dos Campos Gerais (1810-1893).
Antes dos herdeiros venderem os hectares à indústria transnacional que seria desapropriada, a propriedade era um latifúndio que levava o nome de Fazenda Santa Amélia (BERNADELLI, 2021). No caso, a atividade econômica desse lote do Barão era a produção pecuária e, também, o entreposto logístico para os tropeiros
levarem os muários, equinos e bovinos das estâncias gaúchas aos centros produtivos cafeeiros e mineradores em São Paulo (e.g., Soracaba) e Minas Gerais (e.g., Ouro Preto), ainda no século XIX (ibidem). Ao lado dessa comercialização de insumos pelas tropas dentro do ciclo de exportação agromineiro, no que concerne a realização do trabalho, a situação dessa propriedade era tipicamente compreendida pela escravização, pois: “o escravo era mão-de-obra fundamental nas fazendas, e os grandes proprietários dos Campos Gerais eram geralmente senhores de escravarias maiores dos que os das terras curitibanas” (MACHADO, 2008, p.30). No quesito, além da casa do barão, encontram-se três comunidades quilombolas na região da Lapa que foram reconhecidas pela Fundação Palmares: Feixo, Reestiga e Vila Esperança (PRIORI, et al, 2012). Nos ditos quilombos foi registrado, na data de 2012, aproximadamente 116 famílias com o total de 470 habitantes (ibidem). A preservação dessa memória ocorre em cursos ofertados pela ELAA no Centro Cultural Casarão que, também realiza outras atividades como apresentações e oficinas.
Levando em consideração os traços materiais que denotam o longo percurso histórico para o desenvolvimento pedagógico da ELAA – e, sua ligação umbilical aos trabalhadores do campo – não é de se surpreender o repentino interesse científico sobre a sua atuação educativa. Nesse pequeno panorama indicamos sumariamente uma multitude de eventos e processos que refletem diferentes ações das classes sociais perseguindo conflitivamente seus interesses. Isso é: perpassa desde a alfabetização de campesinos em sua luta a direitos básicos; às suas estratégias de organização no MST durante quatro décadas de existência; além das modificações nas políticas governamentais do Estado-capitalista brasileiro; chegando até a longínqua gestão da propriedade privada da terra que, ora foi administrada por empresas transnacionais na indústria e, ora por barões do regime escravista na região. A aparência caótica da experiência empírica apenas revela a necessidade da formulação teórica para compreender seus meandros e abrangência. Quais fios de continuidade, que conectam essa experiência histórica à história do Brasil e do desenvolvimento capitalista em escala mundial, encontram-se encobertos pelo emaranhado complexo de experiências que se observa à primeira vista? A partir do exercício de abstração, torna-se possível generalizar uma concepção teórica que procure a essência dos fenômenos relatados e que, de alguma forma, possa
simplificar o seu entendimento em uma explicação científica e coesa. Por mais que a reflexão teórica represente sempre uma simplificação, ela é indispensável para uma alteração consciente da realidade supracitada, pois alguns aspectos dessa realidade só são apreensíveis por meio da sua elaboração conceitual. É com esse intuito que pretendemos prosseguir, neste artigo, tratando, agora, desse caso latino-americano como mais um epifenômeno dos problemas científico-técnicos que vem sendo discutidos no continente há mais de meio século.
As relações centro-periferia na América Latina
Trataremos das relações centro-periferia da América Latina a partir, principalmente, sob os marcos da corrente teórica conhecida por Teoria Marxista da Dependência (TMD). Essa corrente de pensamento se constitui, principalmente a partir da década de 60 do século XX, a partir de uma interpretação marxista do desenvolvimento capitalista especificamente latino-americano, e tem sua principal formalização teórica no texto Dialética da Dependência, de 1973, do brasileiro Ruy Mauro Marini. Reduzida ao seu postulado essencial, pode-se dizer que o que determina fundamentalmente a situação de dependência, segundo essa corrente teórica, é a inserção particular de uma economia nacional na divisão sócio-técnica internacional do trabalho, determinada pelo desenvolvimento capitalista e sua expansão em escala mundial. Assim, Marini (2017, p. 327) determinava a dependência como uma “relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência”.
A TMD traz consigo o termo marxista por que apreende a dependência como um fenômeno concreto e necessário do desenvolvimento capitalista em escala mundial, desenvolvimento este cujas formas gerais de movimento foram analisadas por Marx (2013, 2015, 2017) nos três volumes de O Capital. Por um lado, o modo de produção capitalista impulsiona, necessariamente, o desenvolvimento das forças produtivas, como resultado necessário da dinâmica da acumulação de capital e da concorrência entre os capitais. Pelo outro lado, o desenvolvimento das forças produtivas, ao mesmo tempo em que impulsiona o desenvolvimento das relações
capitalistas de produção, também entra em contradição com elas, o que se expressa no descenso tendencial da taxa de lucro (MARX, 2013; 2017).
Nesse sentido, ao que se refere especificamente à dinâmica concorrencial, é importante ressaltar que ela possui dois aspectos contraditórios, mas interligados. Ainda no livro I de O Capital, Marx (2013) mostra como o desenvolvimento tecnológico – dentre outras razões, como o controle do capital sobre o trabalho, que resulta na sua subsunção real em relação ao capital – é essencialmente alimentado pela busca, por parte do capital particular, do mais-valor extraordinário, de um lucro extra que emerge do fato de que o valor individual da mercadoria produzida sob condições de maior produtividade é menor do que o valor social pelo qual tal mercadoria é vendida, determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Contudo, no livro III, Marx (2017, p. 227) mostra que a generalização da produção capitalista e da concorrência capitalista que se forma entre os distintos ramos da produção dá origem à taxa média de lucro e, respectivamente, aos preços de produção, de tal maneira que a base sobre a qual os capitais concorrem pela apropriação de uma fração maior do lucro – respectivamente, do mais-valor total socialmente produzido – é constituída pela formação do lucro médio. A concorrência, portanto, enquanto fenômeno concreto, não apenas é responsável pelas diferentes taxas de lucro que vigem entre os diferentes capitais particulares, em especial dentro de cada ramo da produção, mas também por fazer com que as taxas média de lucro em cada ramo da produção se aproximem de uma taxa média geral. Isso significa que o lucro auferido por um capital particular não é de modo algum determinado, unicamente, pelo mais-valor por ele mesmo produzido por meio da exploração da força de trabalho por ele empregada, mas pelo mais-valor total socialmente produzido. Isso coloca a questão da lucratividade de qualquer capital particular nos marcos da totalidade do modo de produção capitalista e de seu desenvolvimento histórico.
A dinâmica da concorrência produzida não se reduz, contudo, aos limites de cada Estado Nacional. Ao contrário, é específico da produção capitalista a produção de um mercado mundial e, de fato, de uma totalidade econômica tal qual um sistema-mundo5. Esse processo tem como marco peculiar a conquista da América
5 A terminologia pertence a Imannuel Wallerstein (1974), não obstante, relevando outras categorias distintas essa concepção não diverge analiticamente dos preceitos da TMD como registrado pelo economista Theotônio dos Santos (1994; 2000).
Latina e a expansão colonial do período que corresponde à época do capitalismo comercial (DOS SANTOS 1994). É precisamente essa inserção específica das economias latino-americanas na economia-mundo fundada pelo desenvolvimento global capitalista, uma vez que se tenham dado os processos de independência política dessas nações, que determina a sua situação de dependência. É assim que, em Dialética da Dependência, Ruy Mauro Marini diz:
Desenvolvendo sua economia mercantil, em função do mercado mundial, a América Latina é levada a reproduzir em seu seio as relações de produção que se encontravam na origem da formação desse mercado, e determinavam seu caráter e sua expansão. Mas esse processo estava marcado por uma profunda contradição: chamada para contribuir com a acumulação de capital com base na capacidade produtiva do trabalho, nos países centrais, a América Latina teve de fazê-lo mediante uma acumulação baseada na superexploração do trabalhador. E nessa contradição que se radica a essência da dependência latino-americana (MARINI, 2017, p. 337).
Como mostra o autor brasileiro, passado o período do capitalismo comercial e realizados os processos de independência formal dos países latino-americanos, a dinâmica concorrencial que se forma com a integração dessas economias à expansão capitalista mundial – agora definitivamente alimentada pelo desenvolvimento produtivo, técnico e industrial do século XIX, em especial o da Inglaterra – se exprime, inicialmente, principalmente no fenômeno da troca desigual. Este primeiro estágio de desenvolvimento capitalista mundial corresponde ao padrão de reprodução do capital denominado por Jaime Osório (2012, p. 44) como “padrão agromineiro exportador (até a segunda década do século XX)”. Aqui, apresenta-se a situação mais simples da relação entre centro e periferia na economia mundo capitalista, em que algumas economias nacionais figuram como centros de desenvolvimento industrial (as economias imperialistas, que se defrontam pelo domínio do mercado mundial, das colônias e do desenvolvimento tecnológico), enquanto a maior parte do mundo se encontra na função de alimentar o desenvolvimento capitalista das economias imperialistas pela exportação de produtos primários e com baixa complexidade. Essa é precisamente a função da América Latina neste momento, e é por isso que à produção do mais-valor extraordinário nas economias centrais – vinculado ao desenvolvimento tecnológico – corresponde a superexploração da força de trabalho nas antigas colônias latino-americanas.
Podemos observar, portanto, de que modo essas determinações gerais aparecem na história da ELAA e, reciprocamente, de que forma da história da ELAA constitui como um fenômeno particular que compõe a realidade concreta da sua região implicada pelo desenvolvimento capitalista. No caso, a sua localização se dá na antiga Fazenda Santa Amélia, que como propriedade do Barão dos Campos Gerais fornecia suprimentos vitais às atividades agromineiras de exportação no país. Porém, esse vínculo interno entre o passado da localidade em que o ELAA se encontra com a história das relações centro-periferia, tendo em vista a América Latina e, principalmente, o Brasil, não para por aqui. A venda dessas terras do entreposto logístico tropeiro no século XIX para a indústria transnacional de cerâmicas na década de 1980 representa um desenvolvimento que envolve a passagem do padrão de reprodução do capital agromineiro exportador para o padrão industrial de reprodução do capital na América Latina – subdividido em uma industrialismo pela “etapa internalizada e autônoma” (até os anos 1940) e “etapa de integração ao capital estrangeiro” a partir dos anos 50 (OSÓRIO, 2012, p. 44).
No que concerne este período, o que devemos mencionar é que algumas economias latino-americanas, como o Brasil, a Argentina e o México – ainda que cada qual com a sua história específica, pense-se no impacto que a Revolução Mexicana teve sobre a sua trajetória, em oposição ao domínio oligárquico jamais rompido em terras brasileiras –, desenvolveram, a partir, principalmente dos anos 30, uma indústria interna e pretensões de um desenvolvimento capitalista autônomo. Politicamente, e no caso do Brasil, é a chegada ao poder de Getúlio Vargas que demarca esse salto qualitativo no desenvolvimento capitalista nacional. Do ponto de vista internacional, deve-se fazer referência à desorganização provocada pela Primeira Guerra Mundial e, posteriormente, à catastrófica crise capitalista precipitada em 1929, como os condicionamentos principais dessa transformação. Como mostra Marini (2017), em Subdesenvolvimento e revolução (livro de 1967), esse cenário mundial tem repercussões graves sobre a economia baseada no domínio das oligarquias cafeeiras e na sua hegemonia política. As bases de sustentação do período conhecido como República do Café com Leite colapsam e se instaura um novo período de desenvolvimento capitalista no Brasil, que se estende até meados de 1950. O desenvolvimento de uma indústria nacional, fomentada internamente, dá origem às ideologias do desenvolvimentismo, ou seja, a idealização abstrata e
disparatada da realidade em que seria possível gerir um suposto capitalismo brasileiro autônomo. Porém, nota-se que as condições objetivas em que ocorre esse desenvolvimento industrial são completamente distintas daquelas em que se deu o processo de industrialização das economias imperialistas.
Marini (2017), em Dialética da Dependência, mostra como o desenvolvimento do capitalismo industrial na América Latina e no Brasil não pode ser compreendido a partir de analogias com o desenvolvimento das economias imperialistas, tampouco derivado a partir apenas das leis gerais de movimento do capital. Assim, tendo por base as necessidades de consumo das classes abastadas, o processo de substituição de importações posto em movimento como estratégia de desenvolvimento industrial teve por base, em um primeiro momento, a produção de mercadorias de consumo suntuário e de bens não-duráveis. O processo se orienta, posteriormente, à produção de bens de consumo duráveis e à constituição de uma base de indústria pesada para sustentá-lo e apenas na década de 60 há um impulso para substituição também de maquinário (DOS SANTOS, 2000). Essa cronologia é inversa àquela que se observa no desenvolvimento das economias imperialistas.
Não apenas a cronologia é inversa, mas os determinantes da economia-política também são qualitativamente distintos. Em primeiro lugar, no que se refere à situação interna do Brasil e ao primeiro período da industrialização (que vai até 1950), o desenvolvimento industrial não se opôs ao latifúndio (como, na Europa, o capital industrial se opôs às estruturas feudais), mas, criou-se uma aliança (tensa) entre capital industrial e latifúndio (valeria comentar que não era incomum que um latifundiário se tornasse, com seu capital acumulado, também capitalista industrial, comercial, banqueiro etc.). O capital industrial na periferia se desenvolve desde o início sob a dependência da importação de mercadorias estrangeiras, de tal modo que as divisas geradas pela agroexportação não poderiam deixar de ser essenciais a este processo, principalmente na forma pela qual ele se deu, representada pelo processo de substituição de importações acima narrado. Pelo outro lado, especialmente após o término da Segunda Guerra Mundial, as economias imperialistas possuem capital liberado (tanto monetário quanto na forma de capital fixo – máquinas, equipamentos etc.), o que portanto lhes permite buscar locais de aplicação e valorização além de suas fronteiras nacionais. É nesse movimento, por exemplo, que a partir de 1950 o processo de desenvolvimento
capitalista no Brasil orientado pela indústria recebe, em doses crescentes, o capital estrangeiro6, que é aplicado nos setores mais dinâmicos da produção. Os setores então chamados de tradicionais da indústria permanecem em larga medida sob propriedade de capital nacional, porém experienciam um desenvolvimento tecnológico muito mais reduzido.
Assim, em uma análise mais pormenorizada realizada por Marini em Plusvalia extraordinaria y acumulación de capital (1979), o autor mostra como a essência da dependência se reproduz, agora, neste segundo padrão de reprodução do capital, de forma qualitativamente distinta. É o setor industrial e interno o principal centro de acumulação de capital, não mais o setor agroexportador orientado pelo mercado externo (que se mantém relevante, como vimos). Porém, por um lado, sua constituição interna específica se dá de tal modo que o mercado consumidor dos setores mais dinâmicos é formado não pela massa da população trabalhadora, mas por aqueles que vivem da apropriação de parte do mais-valor. Pelo outro lado, ele se dá de tal forma que esses setores mais dinâmicos são também aqueles com maior desenvolvimento tecnológico (logrado a partir do investimento do capital estrangeiro e da importação da tecnologia estrangeira), com maior grau de oligopolização e maiores vantagens concorrenciais. Desse modo, reproduz-se, agora internamente, as relações de troca desigual, de forma que os setores chamados tradicionais da economia industrial experienciam uma perda de mais-valor análoga àquela observada no fenômeno da deterioração dos termos de troca das mercadorias primárias no mercado mundial na passagem do século XIX para o século XX. Com efeito, relacionando esse tópico com crítica da economia-política de Marx, devemos observar que a queda tendencial da taxa de lucro (resultado ela mesma do desenvolvimento industrial), não se realiza de maneira homogênea e equânime entre os setores da produção. Precisamente a dinâmica da concorrência distribui essas perdas desigualmente.
Nesse contexto, situa-se tanto o desenvolvimento quanto o descenso da indústria transnacional que se instalou no local onde hoje se encontra a ELAA e, seria desapropriada por dívidas não pagas ao Estado-capitalista brasileiro, entre
6 A INCEPA Brasil, no caso se estabelece em Campo Largo em 1952 como filial da transnacional suíça Laufen. Isto é, perfaz o tradicional ciclo industrial mencionado, antes de ter comprado o lote na Lapa em 1983 e ser posteriormente desapropriada para as famílias que formaram o Assentamento do Contestado, onde está situado a ELAA.
outros fatores7. Os desenvolvimentos tecnológicos, principalmente nas áreas das tecnologias de informação e comunicação, viabilizam o início de uma reestruturação qualitativa da produção capitalista no mundo, que dará origem ao período que comumente se denominou de globalização nos 1990, ou, nos termos de Osório (2012), à mundialização do capital. Essa crise capitalista mundial, contudo, já havia sido precipitada com essas tecnologias nos anos 70, onde as formas de automação e administração computadorizada possibilitam uma gestão de outsourcing, deslocalizando a indústria do centro para as regiões periféricas, pois estes buscavam extrair os seus lucros pela diferença regional dos salários que eram forçosamente menores (já que muitas vezes a prática sindical era proibida ou inócua diante das ditaduras militares que as repreendiam e se espalhavam continentalmente junto a essas indústrias transnacionais estrangeiras, o que contrastava com a situação dos trabalhadores no centro); soa, assim, novamente o sinal de mais uma grande reorganização da economia mundial.
O que desse contexto aqui nos interessa principalmente é a posição da América Latina na divisão internacional do trabalho, determinada pelo desenvolvimento capitalista em escala mundial, que é novamente transformada. Isso originará a um novo padrão de reprodução do capital na região denominado por Osório como “padrão exportador de especialização produtiva” e, que para o autor consolidaria-se efetivamente em meados dos anos 1980 seguindo vigente até os dias hoje (OSÓRIO, 2012, p. 44). Essa especialização produtiva, por sua vez, diz respeito a um retorno à centralidade do capital exportador fundado na produção especializada de mercadorias primárias. É patente que, desde a década de 80, a participação da indústria de transformação no produto nacional é, via de regra, decrescente8. Assim similarmente, Marini (2008 [1997], p. 260, tradução nossa), em seu último texto, no qual analisa o processo da globalização, já colocava:
Dessa maneira a economia globalizada, que estamos vendo emergir nesse final de século e que corresponde a uma nova fase do desenvolvimento do capitalismo mundial, põe sobre a mesa o tema de uma nova divisão internacional do trabalho que, mutatis mutandis, tende a reestabelecer, em um plano superior, formas de dependência que pensávamos desaparecidas com o século XIX.
7 Aqui também foi vital a ocupação das 52 famílias de trabalhadores do campo, como a ação coordenadora do MST que ajudou na identificação dessas dívidas quanto na sua aceleração do processo burocrático ao INCRA.
8 Ver ILAESE (2019, p. 64-65).
É decisivo, contudo, observar que dizer que há um restabelecimento de “formas de dependência que pensávamos desaparecidas com o século XIX” – a saber, a regressão produtiva representada pela nova ênfase na exportação de produtos primários – é, na verdade, fazer uma analogia. A especialização produtiva que corresponde ao padrão atual de reprodução do capital no Brasil e na América Latina não é, de modo algum, resultado de um desenvolvimento capitalista apenas incipiente na região, mas a forma atual do máximo desenvolvimento capitalista até aqui atingido, que, historicamente, reservou à região um papel coadjuvante – ainda que extremamente importante – e, portanto, relembra a posição precária daquele do final do século XIX e início do XX no continente.
Mais uma vez, observamos no processo histórico de constituição do Assentamento do Contestado – agora no que diz respeito ao seu surgimento efetivo – as repercussões desse processo mais geral acima narrado. A indústria então instalada, em lugar do latifúndio de um Barão, vê-se – como tantas outras – endividadas ou em processos de falência que remetem a reestruturação patrimonial pela apropriação ou venda condicionada. Todavia, essas transformações econômicas vinculadas à esfera das inovações tecnológicas no plano da concorrência internacional não estão dissociadas das relações conflitivas no mundo laboral dos trabalhadores. Neste ponto, cabe observar o processo que se instala sob a ótica da classe trabalhadora, em seu defrontamento com as contradições suscitadas pelo capitalismo contemporâneo.
A classe trabalhadora e a questão científico-técnica
Paradoxalmente, em termos científico-técnicos, o que é chamado de desenvolvimento no capitalismo é completamente antagônico ao interesses sociais daqueles que executam o trabalho neste modo de produção. O desenvolvimento capitalista é marcado pela contradição específica entre suas relações de produção e as forças produtivas que engendra para si, como vimos anteriormente. Tal contradição se exprime, em última instância, no descenso tendencial da taxa de lucro. A queda da taxa de lucro é correspondente à formação de uma economia cada vez mais socializada, o que se exprime, aqui, no processo de mundialização do capital e, no rompimento relativo das barreiras impostas pela temporalidade e pela
espacialidade; aspectos cruciais para a constituição concreta de seu funcionamento enquanto um sistema-mundo e, que marca a sua inerente desigualdade em todos os aspectos da vida social. A queda da taxa de lucro é correspondente, portanto, ao desenvolvimento – nas suas mais variadas formas, como as ainda atuais Cadeias Globais de Valor – da grande indústria e da grande produção. Com efeito, no livro III d’O Capital, lê-se:
Os limites nos quais unicamente se podem mover a conservação e a valorização do valor de capital, as quais se baseiam na expropriação e no empobrecimento da grande massa dos produtores, entram assim constantemente em contradição com os métodos de produção que o capital tem de empregar para seu objetivo e que apontam para um aumento ilimitado da produção, para a produção como fim em si mesmo, para um desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais do trabalho9. O meio – o desenvolvimento incondicional das forças produtivas sociais – entra em conflito constante com o objetivo limitado, que é a valorização do capital existente. Assim, se o modo de produção capitalista é um meio histórico para desenvolver a força produtiva material e criar o mercado mundial que lhe corresponde, ele é, ao mesmo tempo, a constante contradição entre essa sua missão histórica e as relações sociais de produção correspondentes a tal modo de produção (MARX, 2017, p. 348).
O desenvolvimento da produção cada vez mais socializada e mundializada, bem como o desenvolvimento das forças produtivas que correspondem a esse estágio da produção social da existência, é a “missão histórica” do modo de produção capitalista, na medida em que dessa forma ele cria as condições objetivas que tornam necessária a sua superação histórica, a saber, torna objetivamente necessária uma revolução social orientada pela transformação qualitativa das relações sociais de produção. Por outro lado, é claro que as necessidades capitalistas que dão forma à tecnologia contemporânea são qualitativamente distintas daquelas que emergiriam com o advento de uma transição para outro modo de produção, como o socialista, por exemplo (especialmente pensando-a enquanto tal, isto é, em termos internacionais). Resta, aqui, portanto, uma primeira contradição na relação entre classe trabalhadora e desenvolvimento científico-técnico, uma vez que este está inteiramente orientado à reprodução das necessidades do capital,
9 “O verdadeiro obstáculo à produção capitalista é o próprio capital, isto é, o fato de que o capital e sua autovalorização aparecem como ponto de partida e ponto de chegada, como mola propulsora e escopo da produção” (MARX, 2017, p. 348).
levando em consideração sua estratificação internacional. É nesse sentido que o economista brasileiro, Theotônio dos Santos, diria que:
Consequentemente, as novas práticas científicas e tecnológicas passam por uma reforma do capitalismo contemporâneo que possibilite a emergência de uma estrutura mais concentrada, centralizada, monopolista, com maior participação estatal e com um nível superior de internacionalização do capital e do sistema produtivo. Dessa estrutura emergirá então uma nova divisão internacional do trabalho, concentrando os setores mais avançados da revolução científico-técnica nos países dominantes e deslocando para as zonas periféricas e dependentes as fases intermediárias das forças produtivas no capitalismo contemporâneo (DOS SANTOS, 1983, p.159).
Em suas obras sobre a revolução científico-técnica (DOS SANTOS, 1983; 1987), Theotônio denota a expansão da utilização da ciência vinculada à técnica como precondição, não somente para o desenvolvimento das forças produtivas no pós-guerra, mas também a obtenção do lucro em todas as expertises e áreas de especialidade. Isto é, culminaria marcadamente na criação da robótica, automação computadorizada, mas também agregaria a biogenética, a química para produção de novos fertilizantes e outros equipamentos (particularmente aqueles que compreendem a assim chamada revolução verde). Assim, por exemplo, a grande produção agroexportadora atual não é de modo algum, como fora antes, no século XIX, um ramo da produção pouco desenvolvido, de baixa composição orgânica do capital e pouco produtivo. Ao contrário, é atravessado por tecnologias de todos os tipos, desde seu maquinário até os químicos na fertilização e nos agrotóxicos, constituindo tecnologias que, via de regra10, são monopolizadas pelas economias imperialistas e importadas pelo capital exportador fincado em terras nacionais. Cria-se, então, uma circunstância em que se pode observar como a forma atual de produção massiva dos produtos primários – predatória em todos os sentidos – é, ao mesmo tempo, condição necessária para uma possível transformação qualitativa das relações de produção, mas também está em contradição direta com as necessidades da própria classe trabalhadora.
É por esse fator que vemos fenômenos como o êxodo rural ou as altas taxas de analfabetismo e baixa escolaridade nas terras agrárias, porque a automatização
10 Obviamente há exceções nessa produção científico-técnica, como o surgimento da EMBRAPA no Brasil, contudo a monopolização das empresas transnacionais no território latino-americano confirmam a regra (e.g., Monsanto, Bayer, Syngenta, Dow Chemical, Cargill e etc.).
e essas outras formas técnicas de produção dispensam os trabalhadores do campo sem lidar com as consequências sociais, tal como o desemprego massivo ou a especialização em monoculturas de exportação. Decorre daqui uma segunda contradição entre a classe trabalhadora e o desenvolvimento científico-técnico, a saber: a classe trabalhadora é expelida de suas funções produtivas pelo processo de desenvolvimento capitalista e tem de viver em seus interstícios, lutando pela construção de seus modos de vida e de sobrevivência.
É neste contexto que se inserem as novas lutas no campo pelo direito à terra. Esses movimentos são o que marcam o surgimento dos IALAS (Institutos Latino Americanos de Agroecologia), nas quais também se coloca a ELAA com a sua ilustrativa história. Vemos assim que na sua primeira experiência com o Assentamento do Contestado, criam-se novas relações sociais de produção (SANTOS, 2015) – porém, baseadas em técnicas produtivas de menor escala, que correspondem às circunstâncias objetivas no qual se encontram a fração rural da classe trabalhadora precarizada latino-americana. Tanto na memória quanto palavras da coordenadora pedagógica do ELAA, Simone Rezende afirma pelo MST que:
(…) a principal diferença, é que no espaço da ELAA os tensionamentos se acirram porque há um espaço coletivo pra voltar e aprofundar essas questões [em referência ao Assentamento do Contestado]. Por isso que a gente imagina que técnico na agroecologia tem que vir junto com o processo de formação das comunidades camponesas, por isso que fala: técnico militante pedagogo educador em agroecologia. Esse termo tão grande. Ele é grande porque é afirmar com esses sujeitos que não dá nesse contexto pra ele se colocar pra ser uma coisa, não cabe, na proposta de mundo de transformação que os movimentos têm. Não cabe na nossa realidade, eu só fazer assistência técnica. É impossível eu olhar e fazer uma assistência técnica assim – independente que eu seja um ótimo especialista em agroecologia. Mas se eu fizer uma assistência sem olhar pras outras dimensões da vida e organização da comunidade, de como se situa… da história, do que a gente projeta... É a gente fazer uma assistência técnica falseada de agroecologia! É por isso que essas escolas, os IALAS surgem. Essa é a síntese do porquê que os IALAS surgem… Porque esse não é só um problema do Brasil. É um problema de como a prestação da assistência técnica foi colocada na América Latina e, que o Paulo Freire trabalha muito bem na Extensão e Comunicação. (BERNADELLI, 2021, p. 79-80).
Vista sob esse prisma, a experiência da Escola Latino-Americana de Agroecologia e, a história que esta perfaz, abarca alguns dos desafios mais importantes de nosso tempo. Assim, se a produção dos saberes agroecológicos pela ELAA oferece muito mais que apenas técnicas na produção de alimentos orgânicos, pois garante meio materiais para novos modos de existência nessa porção trabalhadora – ao mesmo passo, ela esboça o drama social entre a artificial separação da classe trabalhadora com os meios de produção em larga escala. Assim as iniciativas de combate a essa lógica, tal qual a pedagogia agroecológica-militante da ELAA e dos IALA’s se exprimem em novos modos de vida, novas relações sociais e novas técnicas de produção (por parte dessa fração da classe trabalhadora); contudo, elas também se encontram restritas a uma escala reduzida quando colocados em comparação à questão da revolução social.
Isto porque, mesmo em outras experiências como os IALA’s, ela ainda corresponde a uma forma microssocial de combater efeitos de problemas macrossociais na América Latina, tal como: a reprimarização econômica avinda das relações comerciais entre centro-periferia; sua repercussão na precarização laboral e, no êxodo rural – fenômenos que se originam da aplicação internacional de uma matriz científico-técnica no capitalismo que é amplamente hostil aos interesses da classe trabalhadora. É claro que os desafios que aqui se colocam, principalmente quando se observa a questão não apenas a partir de apenas um caso específico, mas na articulação total entre todos os ramos da produção, são imensos. Porém, parece-nos que se tomarmos este exemplo, em sua particularidade, como representação de um problema geral que se refere à relação entre classe trabalhadora e desenvolvimento científico-técnico, poderíamos formular este problema em duas dimensões: 1) a dimensão clássica da questão da propriedade dos meios de produção, porém, vista aqui sob a ótica da grande produção tal como estabelecida pelo capitalismo contemporâneo. Como vemos, a ELAA representa um caso em que uma fração da classe trabalhadora toma, pela luta e à força, meios de produção para si, porém apenas em uma escala reduzida; 2) a dimensão da transformação das formas tecnológicas atuais, de modo a alterá-las qualitativamente e dar a elas um conteúdo sócio-histórico distinto. Assim, por exemplo, a grande produção agrária atual, na forma em que se encontra, de modo nenhum está pronta para servir a um processo de transformação social almejável e, ao mesmo tempo,
não obstante, é uma base objetiva fundamental de tal processo. A solução, aqui, talvez se possa procurar no encontro entre os modos de vida qualitativamente novos que a classe trabalhadora produz para si nas mais variadas situações e, a partir de suas próprias necessidades – como no caso da ELAA –, uma transformação da produção em larga escala, o que exige uma modificação em sua orientação política.
Na nossa perspectiva, o que este caso indica e revela é que se trata de unir a grande produção a necessidades qualitativamente distintas que, entretanto, talvez não emerjam, imediatamente, de um grandioso processo totalizante, mas do interior das vidas e das lutas desses sujeitos da classe trabalhadora que produzem novas condições de existência. É da concretude dessas necessidades, e dos conhecimentos que aí são produzidos – tal como a agroecologia – em conexão com a grande produção, de fato movendo a transformação qualitativa das forças produtivas que a sustentam, que talvez se encontre uma das chaves de compreensão dos processos radicais de transformação que estejam por vir no século presente, por mais que, atualmente, não apareçam à primeira vista. Exemplos como a ELAA, entretanto, além de revelar contradições imanentes ao desenvolvimento capitalista em geral, talvez também revelem que tais processos radicais de transformação não são inexistentes, mas estão apenas em uma forma subterrânea, embrionária e, ainda, desarticulada. O trabalho de pesquisa científica, nesse sentido, pode contribuir para a tomada de consciência a este respeito, de tal modo que as possibilidades que se apresentam à nossa frente possam ser reveladas e, quiçá, atualizadas.
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