image

V.21, Nº 45, 2023 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X


ENTREVISTA COM OS EDITORES DA TRABALHO NECESSÁRIO1


Maria Cristina Rodrigues2

Sandra Morais3 Jaqueline Ventura4


image

Reunião do Neddate. S/d.


A revista Trabalho Necessário é resultado de muito – e qualificado – trabalho coletivo, como já demonstrado nas seções anteriores deste número comemorativo. Mas tem um grupo de pessoas cuja dedicação foi e tem sido fundamental para garantir efetivamente que, a cada número, a revista seja publicada com a qualidade e coerência teórico-metodológica dela esperadas. Falamos aqui das editoras e editores,


image

1 Entrevista recebida em 21/08/2023. Aprovada pelos editores em 22/08/2023. Publicada em 23/08/2023. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v21i45.59624

2 Professora da Escola de Serviço Social da UFF, Doutora em Políticas Públicas e Formação Humana, e coordenadora do Neddate. E-mail: mcristina@id.uff.br.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0279905252377710. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0545-2260.

3Historiadora, Doutora em Educação e vice coordenadora do Neddate.

E-mail: sandramorais1409@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9809541460730084. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9778-7257.

4 Professora da Faculdade de Educação da UFF, Doutora em Educação e vice-coordenadora do Neddate. E-mail: jaquelineventura@id.uff.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8217768981005318.

ORCID: https://orcid.org/000-0001-9548-253X.

1

com quem conversamos através de cinco perguntas comuns, que elas e eles, gentilmente, nos responderam por e-mail, entre os meses de junho e julho do corrente ano.

Novamente, a história da TN é retomada nas diversas vozes aqui presentes, onde também se percebe a dedicação, o idealismo, a análise crítica e a esperança. Em comum, todos os editores e editoras foram ou são membros do NEDDATE. Ronaldo Rosas, professor aposentado da FEUFF e José Rodrigues, também docente da faculdade, tiveram protagonismo na criação da revista e estiveram na sua editoria desde o ano de 2003 – o primeiro, até o ano de 2007; e o segundo, até sua saída do Núcleo. Luciana Requião, professora da FEUFF-Angra, esteve na editoria no período entre 2009 e 2012. Sonia Rummert e Jaqueline Ventura, ambas docentes da FEUFF, foram editoras no período entre 2013-2017. Lia Tiriba, José Luiz Antunes, docentes da FEUFF, e Maria Cristina Rodrigues, professora da Escola de Serviço Social/UFF, foram editores entre 2018 e 2021. José Luiz e Lia Tiriba seguiram na editoria e, a partir de 2022, entraram dois novos colegas, Jacqueline Botelho, também docente do Serviço Social/UFF e Regis Argüelles, docente da FEUFF.

A maior riqueza da linha editorial da revista TN é o seu referencial teórico- metodológico, o materialismo histórico. Orientador de uma visão histórica da sociedade que se fundamenta na análise da luta de classes e na busca da superação da civilização fundada na forma capital, este referencial possibilita a análise radical da Educação, compreendida como expressão concreta das disputas entre classes. Não por acaso, todos os nossos entrevistados/as destacam a importância deste referencial, como se pode ler nas respostas a seguir.


  1. Trabalho Necessário: O que te fez aceitar a editoria da revista TN e o que foi mais marcante para você no período em que a exerceu?

    Ronaldo Rosas: Em meados da década de 1990 fui um dos editores da primeira publicação eletrônica da UFF, a revista Ciberlegenda (IACS). Algum tempo depois, já transferido para a FEUFF e como membro do NEDDATE, participei da comissão interna formada com o objetivo de colocar em prática a criação de uma revista eletrônica, fato que ocorreu no ano seguinte. Tendo sido indicado para editor,


    2

    considerei a possibilidade de colocar a experiência de editoria anterior no projeto de criação da TN.

    A revista TN nasceu da necessidade de o NEDDATE ampliar o seu canal de comunicação com a comunidade acadêmica e a sociedade em geral como forma de socialização das ideias correntes nas pesquisas dos seus membros e do coletivo mesmo do Núcleo. Queríamos ampliar o debate sobre trabalho-educação, suas referências teórico-metodológicas, suas conclusões. Ao mesmo tempo, esperávamos receber contribuições que viessem acumular massa crítica, sendo esse conjunto de fatores, além das dificuldades dos primeiros anos, algo que trago de mais marcante na minha passagem pela editoria.

    José Rodrigues: Eu estava ainda no Neddate, quando em uma de suas reuniões, deliberamos coletivamente pela criação da Revista. Até aquele momento, o Núcleo editava de maneira irregular o Boletim Neddate, impresso, basicamente composto por relatos de pesquisa. Ronaldo Rosas Reis e eu aceitamos o desafio de estabelecer o projeto editorial etc. Debatemos e propusemos a estrutura geral da publicação ao coletivo, que foi paulatinamente se clareando e sendo aprovada.

    Um aspecto interessante foi o processo de escolha do título e da logomarca da Trabalho Necessário. Aliás, salvo engano, também foi nesta mesma época que Ronaldo e eu propusemos a logo do Núcleo.

    A logo do Neddate teve a sua origem estético-conceitual na obra do pintor holandês Mondrian, em particular "Composição II em Vermelho, Azul e Amarelo" (1930), por mim sugerida. Ronaldo que, além de artista plástico, domina a história das artes, foi burilando a forma até chegarmos à conhecida logo do Neddate. De alguma medida, a logomarca da Revista vem da mesma fonte.

    Um dos primeiros títulos da revista em gestação foi proposto por Ronaldo – Cyberloom – inspirado no título de uma revista do IACS-UFF, em cujo título aparecia “cyber”. (Parece que cyber/kyber vem do grego e quer dizer algo como piloto, dirigente...) Era o tempo do nascimento do ciberativismo, da emergência do chamado ciberespaço, pelo menos aqui na periferia do capital. Lembro ainda que loom é uma palavra da língua inglesa – tear. Tear que remeteria à Revolução Industrial, que tem no tear um de seus ícones, e também as chaminés. Tear também diz respeito ao ato de tecer, tecer conhecimentos, saberes. Contudo, o nome era de difícil assimilação, nos pareceu. Falando em chaminés, também experimentamos uma logomarca que


    3

    sugerisse uma chaminé. Aliás, até este significante foi considerado para o título. Mas, antes mesmo de sabermos do perigo real e imediato do aquecimento global, da noção de antropoceno, muito menos de capitaloceno, intuímos: o tempo das chaminés (quase) passou. Precisa ser ultrapassado muito mais rapidamente do que todas as previsões consideradas até agora como pessimistas.

    Depois de algum tempo de debate, veio-me a noção sob a forma de uma palavra-conceito: trabalho-necessário. Talvez seja desnecessário mencionar que tal noção pode ser encontrada em O capital, de Marx, e diz respeito à quantidade de “trabalho necessário”, ou “trabalho socialmente necessário” à produção de uma mercadoria ou de qualquer bem útil. Talvez possamos dizer ainda, nesse sentido, que “trabalho necessário” se opõe ao fundamento do mais-valor (ou mais-valia), isto é, ao “trabalho excedente” apropriado pelo capital ao trabalhador. Além disso, essa expressão, palavra composta, palavra-noção poderia ser uma proclama-síntese do que precisávamos e seguimos precisando realizar: luta de classe no plano das ideias, no campo educacional. Enfim, este era o propósito da Revista, do Núcleo, de todas e todos que ali se aglutinavam em torno do materialismo histórico, do marxismo, no campo trabalho-educação.

    Luciana Requião: Minha participação no Neddate inicia em 2004, quando ingressei como doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF. Foi muito significativa essa experiência, pois, além de me proporcionar conhecer as questões e discussões sobre a universidade e a Faculdade de Educação, em particular, foi onde encontrei eco nos questionamentos que trazia e que necessitavam de interlocução. Vinha do campo da música e iniciava minha trajetória no campo do Trabalho e Educação. Em 2009 fiz concurso para o curso de pedagogia da UFF em Angra dos Reis e passo a ser professora da instituição. Aceitei a editoria da revista como uma forma de contribuir com o grupo e por entender que por meio dela seria possível ampliar o contato com pesquisadores e pesquisadoras que compartilhavam da mesma perspectiva teórico-metodológica. Pode ser considerado um marco naquele período a busca por uma nova plataforma. Lembro que fiz um curso promovido pela UFF sobre a plataforma OJS. Buscávamos uma forma mais fácil de gerenciar a revista. A minha saída da editoria, e posteriormente do Neddate, foi em consequência de meu envolvimento com o trabalho em Angra, que tornava muito difícil comparecer aos encontros do grupo em Niterói.


    4

    Sonia Rummert e Jaqueline Ventura: Ao aceitar assumir a editoria da revista, levamos em consideração alguns fatores. Em primeiro lugar, o nosso compromisso com o NEDDATE e com a sua base ético-política orientada pelo materialismo histórico. Em segundo, a coerência com a nossa compreensão de que a revista eletrônica do núcleo não poderia encerrar suas atividades por falta de editores; porque entendíamos, e entendemos, que ela cumpria, e cumpre, um papel social importante, maior que os eventuais interesses individuais: contribuir para a divulgação das pesquisas e dos debates no campo Trabalho-Educação. Em terceiro lugar, e como consequência dos anteriores, o fato de considerarmos, assim como todos que integram o NEDDATE, que a TN é o seu elo de comunicação institucional com as comunidades acadêmicas internas da Faculdade de Educação e da UFF, com a comunidade acadêmica externa e com a sociedade. Por esses aspectos, dentre outros, sua continuidade era, e é, fundamental.

    Estivemos na editoria da revista entre 2013 e 2017. Nesse período, buscamos, na medida do possível, ampliar seu alcance e seu reconhecimento social e acadêmico, bem como introduzir alguns padrões de publicação, com o objetivo de aproximá-la às exigências da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A exigência do resumo e do título dos artigos também em inglês; a ampliação do número de indexadores, com o cadastramento da revista em várias bases de dados; e a inserção do contador de visitas foram algumas das ações efetuadas nesse sentido. Para tanto, foi importante a colaboração de três estudantes do curso de Pedagogia, nossas bolsistas de Iniciação Científica à época, Débora Petrillo Flôr, Gisele Cruz e Taynara Bastos, que operavam o Open Journal Systems (OJS), padronizando e inserindo os artigos no sistema, além de auxiliarem no acompanhamento do fluxo de entrada de artigos para serem avaliados, do retorno, ou não, dos pareceres solicitados, entre outras várias atividades que precediam a publicação de cada número.

    Também contamos com preciosas contribuições de outros colegas que não podemos deixar de mencionar: André Feitosa, Camila Azevedo Souza, Luciana Requião, Maria Inês Bomfim e Ronaldo Rosas Reis. Esses companheiros de jornada, em momentos e circunstâncias diferentes, passaram a se dedicar a outros trabalhos necessários, mas deixaram marcas de suas fundamentais contribuições para o êxito da revista.


    5

    Ao longo dos cinco anos em que estivemos à frente da TN, muitas situações foram marcantes. Por um lado, o excesso de trabalho demandado para que cada número fosse concluído e disponibilizado na plataforma, sem que pudéssemos contar com o apoio financeiro e/ou institucional da FEUFF e, às vezes, nem mesmo do NEDDATE, garantiu-nos um período de muito aprendizado, mas também de muito esforço para manter em dia a periodicidade da revista. Por outro lado, acompanhávamos com imensa satisfação o expressivo aumento do número de visitantes contabilizado automaticamente, o envio cada vez maior de artigos a serem submetidos à avaliação, bem como o reconhecimento da importância do periódico por parte de instituições de todo o país. Também devemos assinalar que, no período em que éramos as editoras, a TN esteve presente nos primeiros encontros do Fórum de Editores de Periódicos da Área de Educação (FEPAE), sendo a única revista de Educação da UFF registrada no primeiro cadastro de periódicos elaborado pelo fórum. Lia Tiriba: O que me fez participar da editoria foi, em primeiro lugar, o compromisso político com o Neddate e, portanto, com a edição de um periódico, criado em 2003, cuja linha editorial é o materialismo histórico e dialético. Mas, não posso esconder minha fascinação pelo jornalismo/periodismo não apenas devido às considerações de Antonio Gramsci sobre “jornalismo integral” (Caderno do Cárcere), mas porque minha militância política iniciou no “Boletim dos Bairros”, em 1981 – final da ditadura empresarial-militar. O objetivo do jornal era que os militantes das associações de moradores criassem seu próprio meio de veiculação de informações e opiniões sobre a importância da “luta contra a carestia” e pelas “liberdades

    democráticas”.

    Talvez não tenha sido por acaso que, em 1993, participei da edição do “Jornal da Autogestão”, divulgando experiências de trabalho associado no Brasil. No pós- doutorado em Portugal, tampouco deve ter sido por acaso, o fato de eleger o Jornal O Combate para analisar os saberes do trabalho associado nas fábricas sob controle operário ou sob regime de autogestão durante o Processo Revolucionário em Curso

    – PREC (1974-1975). Junto com companheiros e companheiras do Neddate, a editoria da Revista Trabalho Necessário tem me proporcionado a realização de uma espécie de militância de cunho acadêmico.

    Maria Cristina Rodrigues: Apesar de ter feito o mestrado em Educação na UFF, em 2002, minha aproximação com o Neddate aconteceu mais fortemente no


    6

    período do doutorado, de 2013 a 2016. E, apesar de tê-lo feito no PPFH/UERJ, as reuniões mensais do THESE/NEDDATE/Fiocruz possibilitaram uma relação muito profícua. Assim, no ano de 2017, me tornei membro permanente do Núcleo, quando estavam acontecendo também discussões sobre a revista. Naquele momento, me senti muito mobilizada pela proposta da Lia, de organização de números temáticos em conjunto com outros núcleos e grupos de pesquisa da área Trabalho-Educação e assim, embarquei nessa rica empreitada com ela e o José Luiz. Um dos momentos especiais que destaco desse período foi a organização do nº 38 da revista (Trabalho, Gênero e Feminismos), em conjunto com a colega do Serviço Social, Tatiana Dahmer, pela própria temática e pelo diálogo que a TN pode abrir com pesquisadoras/es e militantes de várias regiões.

    José Luiz Antunes5: O convite para ingressar na editoria da Revista Trabalho Necessário se dá após a minha aposentadoria da FEUFF em 2017 (mas não do Núcleo), pela Profª Lia Tiriba, que já se acercava dessa linha de atuação. No processo que ocorre em 2002 (segundo semestre) para a materialidade da revista, que é editada a partir de 2003, eu havia participado como membro da Comissão Operacional (CO) para se pensar uma revista on-line do Núcleo, entretanto, não pude compor inicialmente seu Conselho Editorial e Comitê Científico.

    O que me levou, em 2017, a assumir a editoria da revista foi o projeto inicial pensado e formulado como nossa Política Editorial em 2002, a adoção e fortalecimento do quadro de referência teórico-metodológico: o materialismo histórico como instrumento para a leitura do real. Nos idos dos anos 2000, este referencial vinha sendo questionado, para não dizer que havia uma certa caça às bruxas/bruxos que adotaram esse referencial. Assim, minha inserção na editoria da TN, se dá pelo salto de qualidade da produção do núcleo em diferentes esferas, na luta militante diante de um quadro de referência, que em muitos momentos, se fazia a crítica, pertinente por sinal, mas, às vezes, realizada de forma superficial, sem conhecimento de causa. Esse era o embate que se dava nos idos dos anos 2000. Hoje, a TN ou o trabalho de editoria dela faz parte de uma prática militante, sem ser cega, diante das discussões para o campo do materialismo histórico como para a compreensão e intervenção na área Trabalho-Educação, especificamente para se interpretar esse


    image

    5 A entrevista completa de José Luiz Antunes está disponível na página do NEDDATE, através do link:

    https://x.gd/TCF03


    7

    campo de conhecimento e ampliar a compreensão dessas relações. Basicamente, nossa Política Editorial sustenta parte de algumas afirmações que faço.

    Regis Argüelles: Havia entrado há pouco tempo no Neddate e entendo que é importante pegar alguma tarefa quando se resolve ingressar em um coletivo. Movido pela experiência que tive em outra revista acadêmica, me voluntariei a compor a equipe de editores que, à época, passava por uma reformulação. A experiência mais marcante foi a construção do número 42, que versou sobre o empresariamento da educação, na qual tive oportunidade de compreender o processo de edição da TN em toda sua complexidade.

    Jacqueline Botelho: Na universidade somos convocados a desempenhar diferentes trabalhos para a construção do conhecimento. A revista representa uma oportunidade de participar da organização e publicização de ideias, além de nos permitir tomar contato com resultados de pesquisas e com o amadurecimento de sínteses sobre aspectos da realidade, que nem sempre o mundo acadêmico está acostumado a expor. A editoria apresentou-se como grande responsabilidade em continuar junto aos demais colegas editores o trabalho histórico desenvolvido por professores e estudantes nos anos anteriores. Nesse período em que estive na editoria, posso dizer que teve mais de um momento marcante. O contato com autores e pareceristas no processo de revisão de artigos e a participação nas atividades de lançamento dos números temáticos (verdadeiras aulas abertas sobre o compromisso dos autores com a ciência, com a história e com a Universidade pública) foram muito profícuos. Também destaco a organização do número 41 junto à professora Leonilde Medeiros (UFRRJ) e a oportunidade de assistir com a equipe de editores a homenagem aos autores (uma sessão da revista). Esta sessão apareceu para mim como forma de mantermos a memória viva de intelectuais que tanto contribuem para a produção do conhecimento. Durante o período em que estive na editoria foram muitas homenagens a figuras importantes pra educação. A mais recente foi à professora Maria Ciavatta, uma referência histórica na linha Trabalho-Educação.



    8

    Pessoas sentadas ao redor de uma mesa de escritório

Descrição gerada automaticamente

    Mundo do trabalho em imagens - A educação do olhar e a memória do trabalho. Neddate, 2001.


  2. TN: Sobre a Linha Editorial da revista, qual a sua importância para a Educação, em especial para a área Trabalho-Educação?

    Ronaldo Rosas: Acredito que os princípios e finalidades que há duas décadas pautaram o NEDDATE na criação da revista mantêm-se íntegros, e nesse sentido eu não teria nada a acrescentar. Entretanto, me parece importante destacar o que está colocado logo no início da apresentação da sua linha editorial, sobre reconstruir, no plano teórico, as mediações sociais que constituem a relação entre o mundo do trabalho e a educação, elegendo como referencial teórico-metodológico o materialismo histórico.

    Luciana Requião: Aos poucos descobri que somos poucos os/as que trabalham sob a perspectiva marxista. Para este grupo, já seria suficiente afirmar a importância de uma revista cuja linha editorial pauta-se “pelo esforço de compreensão e reconstrução, no plano teórico, das diferentes mediações sociais constitutivas da relação entre o mundo do trabalho e a educação, elegendo como referencial teórico- metodológico o materialismo histórico, norteador da crítica da economia política, que conduz a uma visão histórica da sociedade de classes”. Para a Educação de forma geral, a revista representa um meio de divulgação, interlocução, ampliação e incentivo aos estudos da área Trabalho-Educação e da resistência política que a área representa.

    Sonia Rummert e Jaqueline Ventura: A maior riqueza da linha editorial da revista TN é o seu referencial teórico-metodológico: o materialismo histórico. Esse referencial crítico põe em xeque o “metabolismo social” e orienta a uma visão histórica

    9

    da sociedade, que se fundamenta na análise da luta de classes, buscando sua superação. Desse modo, o materialismo histórico possibilita a análise radical da Educação, uma vez que a compreende como uma expressão concreta das disputas entre classes e um terreno fértil de exploração – a favor da classe trabalhadora – das contradições inerentes ao sistema dominante.

    Hoje, nós, e acreditamos que todos que compõem o Nedatte, temos orgulho da TN por ter se tornado um periódico política e socialmente relevante, sendo reconhecida por sua qualidade acadêmica, sua significativa legitimidade e sua contribuição para a área Trabalho-Educação.

    Lia Tiriba: Como processo de trabalho e processo educativo caminham de mãos dadas, é impossível desconsiderar o princípio educativo do trabalho, nas suas dimensões histórico-ontológicas. Assim como acontece na Revista, os pesquisadores/as do GT Trabalho e Educação da Anped e do campo Trabalho- educação, em geral, começam, ainda que timidamente, a considerar a educação em todas as dimensões da realidade humano-social, ou seja, na sua totalidade, tendo em conta suas particularidades e singularidades. A revista avançou, mas assim como ocorre no GT, pouco aparecem as experiências educativas não escolares. As dimensões educativas dos movimentos sociais populares, das ações coletivas e das diversas formas de resistência também precisam vir à tona, caso contrário a categoria “contradição” permanece oculta e/ou inoperante. Afinal, a educação não apenas reproduz!

    Além disso, como lembra Hobsbawm, ao invés do trabalho, deveríamos eleger os homens e mulheres trabalhadoras como objeto-sujeitos de nossa análise. Olhar para eles, e não apenas para papéis e decretos...

    Maria Cristina Rodrigues: Sou do Serviço Social, embora tanto o meu mestrado quanto o doutorado tenham sido na área da educação. E considero que ter o materialismo histórico-dialético como referencial teórico da revista (e do Núcleo) é fundamental para a crítica da sociabilidade burguesa, especialmente considerando a área Trabalho-Educação. Os estudos e pesquisas com os quais temos contato a partir deste referencial têm sido relevantes para pensarmos sobre as transformações no mundo do trabalho, sobre a constituição e ações da classe trabalhadora – suas lutas e resistências – e também sobre os rebatimentos na educação, em toda a sua complexidade.


    10

    José Luiz Antunes: A grande contribuição de nossa Política Editorial se dá em diferentes dimensões. O primeiro exemplo disto refere-se ao diálogo permanente entre o quadro de referência adotado – o materialismo histórico, com outros referenciais trazidos dos mais variados campos do conhecimento, especificamente das Ciências Sociais e Humanas e vice-versa. Ou seja, a interlocução das teorias críticas realizando um possível diálogo com o materialismo histórico, como uma via de mão dupla, o que tem exigido a realização de um exercício para o aprofundamento e amadurecimento do método adotado pelos pesquisadores em relações com outros referenciais.

    O segundo grande mérito para o campo da educação e da área Trabalho- Educação está nas possibilidades de temáticas relacionadas ao trabalho, à formação humana e aos modos de vida criados nos Mundos do Trabalho e da Educação, o que, em certa medida, fortalece também os diferentes grupos de TE, presentes no GT 09 – Trabalho-Educação da ANPEd (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação). (...) Isso é um ganho nacional. Internacionalmente, (...) se aproximar das produções da América Latina ou de países de fala luso e/ou hispânica tem ampliado as questões trazidas, permitindo a circulação da revista fora do espaço nacional como trazendo pesquisadores de outros rincões, o que, dentro do possível, fortalece as discussões sobre internacionalização e Ciência Aberta. Isso só foi, ou é permitido, pela organização do respectivo periódico em Números Temáticos, adotada a partir de 2018.

    O terceiro elemento importante, trazido pela revista e sua política editorial é a expressão ou presença das discussões teórico-metodológicas realizadas no Intercrítica, o que tem permitido o amadurecimento e aprofundamento do método adotado no foco/escopo da revista. Três foram as produções da TN que trouxeram as discussões realizadas nos Intercrítica, entre 2003 e 2021.

    Regis Argüelles: Acho que a TN ocupa hoje um lugar de destaque na divulgação da produção acadêmica marxista que se ocupa da problemática da educação. Ela é, sem dúvida, referência para muitos pesquisadores brasileiros, e até mesmo estrangeiros. Basta ver a qualidade e a diversidade dos artigos publicados a cada edição, além das temáticas abordadas pelos dossiês, todas muito atuais e relevantes.


    11

    Jacqueline Botelho: A importância da linha está na construção do conhecimento, tomando como referência o materialismo histórico, comprometido com as lutas da classe trabalhadora e com a transformação da realidade. Considerando que a teoria revolucionária é uma construção fundamental à prática revolucionária, a revista dialoga com respeito à filosofia da práxis, nascida nas periferias do campo e da cidade, e na denúncia das opressões, com publicização de experiências de educação contra-hegemônicas, que nos ajudam na leitura da relação trabalho- educação desde os fundamentos ontológicos até as contradições impostas pela alienação na sociedade capitalista.


  3. TN: Considerando os sistemáticos ataques à produção científica e às universidades públicas, qual o papel que cumprem (ou deveriam cumprir) os periódicos científicos, dentre eles a revista Trabalho Necessário, na produção de conhecimento socialmente referenciado?

    Ronaldo Rosas: Vivemos numa cultura na qual o comportamento rebarbativo de parte significativa da sociedade é a expressão visível, palpável, da crise sistêmica do capitalismo, em especial nos países onde movimentos contraditórios como libertarismo anarquista e o liberalismo conservador parecem hoje dominantes, ou quase isso. Nesse sentido, os periódicos com essa e outras características progressistas cumprem o papel de resistir ao negacionismo destruidor da razão, o que é muito triste, pois tal esforço, se não impede, limita as possibilidades de a cultura científica avançar.

    Luciana Requião: Acredito que os periódicos cumprem uma função específica para a produção de conhecimento, conforme destaquei acima (divulgação, interlocução, ampliação e incentivo aos estudos da área, resistência política), e, no caso de uma revista contra hegemônica como a TN, que preza pela superação da sociedade produtora de mercadorias, é, literalmente, um trabalho necessário.

    Sonia Rummert e Jaqueline Ventura: Periódicos científicos qualificados, críticos e progressistas, que dialogam com o mundo a partir da perspectiva do materialismo histórico e da crítica da economia política, têm a missão de construir respostas às questões postas pela realidade que expressem os limites das instituições burguesas e fortaleçam a compreensão da necessidade de uma sociedade para além da forma capital. Não há dúvidas de que a ciência respeitada na sociedade burguesa


    12

    é aquela que se limita à ótica do capital, ou seja, que potencializa o conhecimento segundo interesses produtivos. Os ataques à ciência, à educação e ao servidor público patrocinados pela extrema-direita são, em última instância, um ataque do capital.

    Lia Tiriba: Prosseguir na sua linha editorial, no diálogo com as teorias críticas, o que tem sido possível com a interlocução com grupos de pesquisas. Essa prática tem possibilitado a ampliação dos campos de conhecimento para além do campo trabalho-educação, o que pode nos aproximar da “unidade do diverso” (Marx).

    Sem dúvida, a luta contra a mercantilização do conhecimento pressupõe a defesa da ciência aberta e a não cobrança de taxas para autores e leitores, e tampouco para pagamento de indexadores. A universidade pública precisa ser pública e gratuita, tanto em ensino, pesquisa, extensão, como também nas diversas formas de veiculação e socialização da produção científica. Taxa zero!

    A avaliação é uma questão seríssima, mas como reverter o produtivismo acadêmico que têm pautado a política da Capes? O Qualis Capes criou uma verdadeira armadilha! Alçamos A3, o que tem estimulado que pesquisadores/as renomados, mestrandos e doutorandos queiram socializar seus resultados de pesquisa. Em última instância, poderíamos dizer que a Revista estimula a produção acadêmica fundamentada no materialismo histórico, ou seja, que temos conseguido ampliar a concepção materialista da história e da cultura no campo de pesquisa em trabalho-educação. Sendo assim, devemos prosseguir a luta contra os atuais critérios Capes de qualidade ou abandonar a Capes? Afinal, qual o objetivo de nossa Revista? Tornar-se uma “revista de massa” ou uma revista da vanguarda militante da pesquisa em MHD? Ou nem uma coisa, nem outra? Essas são perguntas que não tenho elementos para responder. Só o Neddate, como coletivo de pesquisadores/as, pode responder.

    Maria Cristina Rodrigues: Pensando a escola – em qualquer um de seus níveis – como um espaço de disputa entre diferentes concepções de mundo e, portanto, também de educação, os periódicos têm, sim, um papel relevante para a reflexão crítica, na medida em que reúnem, ou devem reunir, reflexões advindas de pesquisas atualizadas sobre as questões fundamentais da contemporaneidade. Se tomarmos a realidade recente do Brasil, assolado pelo fundamentalismo religioso e por um conservadorismo político ultra-neoliberal, com discursos e práticas que


    13

    afrontam o conhecimento científico, esse desafio torna-se ainda mais importante no sentido de manter e aprofundar estudos que façam a crítica e, ao mesmo tempo, anunciem a possibilidade da transformação social.

    José Luiz Antunes: Os ataques relacionados aos cortes de verbas para as Universidades e os Institutos de Pesquisa e o destaque de concepções sobre construção das Ciências e a socialização do conhecimento científico têm interferido de maneira brutal no trabalho de editoração dos Periódicos, tendo em vista o processo de mercantilização da Ciência, as formas de avaliação dos periódicos – com critérios determinados de forma internacional e que em muito não cooperam para o crescimento e sustentação da materialidade de cada número. O avanço das políticas neoliberais, o processo de competição e individualismo e a produtividade exacerbada, introduzindo critérios que mais excluem do que possibilitam a convivência democrática dos periódicos, têm interferido e prejudicado muitos periódicos, que, para a sua sustentabilidade, acabam se adequando ou sendo influenciados pelo canto da sereia do Deus Mercado, a serviço dos representantes do capital. Isso acaba reconfigurando o trabalho dos periódicos, que acabam perdendo a sua essência ou perfil para o qual foram criados.

    (...) Os fatos descritos acima, em certa medida, se fizeram presentes no recente processo de avaliação dos periódicos e dos Programas de Pós-graduação, do quadriênio de 2017-2020 e trouxeram, e trazem, desafios para os editores dos diferentes campos do conhecimento. Como possível resposta das revistas que compõem o GT 09 da ANPEd, em 2020 foi elaborado o Manifesto do GT 09 – "Trabalho e Educação" Da ANPEd – Por uma avaliação de periódicos pautada nos interesses soberanos da maioria da população brasileira, como forma de defender uma avaliação concebida diferentemente, como resposta do desafio no processo para a produção de conhecimento socialmente referenciado. (...) Diante do explicitado, o papel que cabe ao conjunto dos periódicos e de seus respectivos editores na busca justa e necessária da defesa de seus princípios, diretrizes, presentes em sua Política Editorial para a qualidade de sua produção/publicação, é fundamental.

    Regis Argüelles: Os periódicos comprometidos com a divulgação do conhecimento crítico e socialmente referenciado cumprem um papel fundamental na defesa da pesquisa financiada pelo Estado, na garantia da publicização dos


    14

    resultados, e no fortalecimento da universidade pública e das agências de fomento. A revista possui um claro compromisso com essas pautas, que são inegociáveis. Acredito que vivemos um momento em que o sentido da produção de conhecimento precisa ser submetido a um profundo escrutínio, diante de duas ameaças: a subsunção da ciência à forma mercadoria, que retira dela todo o potencial democrático e revolucionário, e o discurso negacionista/fundamentalista, que encapsula a capacidade humana de refletir sobre si e sobre o mundo que a cerca.

    Grupo de pessoas posando para foto em frente a mesa

Descrição gerada automaticamente

    Jacqueline Botelho: O compromisso está na leitura crítica de ideologias que sustentam a dominação capitalista, onde podemos citar a relação entre meritocracia, competitividade, racismo e sexismo como elementos de uma totalidade baseada na exploração da força de trabalho para obtenção do lucro por capitalistas. A revista, em seu compromisso com a produção da ciência, se debruça sobre os temas candentes da atualidade, recuperando a história do passado e do presente e as mediações necessárias à superação das opressões. Esperamos que tais conteúdos cheguem cada vez mais aos professores das Universidades e da Educação Básica, onde as contradições se mostram no concreto, a fim de subsidiarmos práticas educativas de superação de relações sociais hierárquicas, desiguais, pautadas pela dominação burguesa.


    Projeto Integrado: A formação do cidadão produtivo. Neddate, 2004.


  4. TN: Ainda considerando o cenário exposto acima, mas também as profundas mudanças atuais no campo da educação, que desafios estão postos à TN e, de forma geral, aos periódicos científicos, para se manterem importantes e necessários?



    15

    Ronaldo Rosas: Dado o que respondi anteriormente cabe repetir sem qualquer acréscimo: resistir, resistir, resistir...

    Luciana Requião: Periódicos científicos como a TN são campos de resistência fundamentais à luta por uma universidade inclusiva, pautada no tripé extensão, pesquisa e ensino, e comprometida com a formação humana. Está localizada no campo de disputas por projetos políticos, econômicos, culturais, sociais. A Educação vem sofrendo ataques constantes que ferem sua autonomia e fragilizam sua institucionalidade. Os periódicos científicos ainda representam (por sua autonomia) a possibilidade de comprometimento com as lutas de que tanto necessita a área, no combate aos movimentos neoliberais que apontam para a plataformização do trabalho, para o empreendedorismo, para a privatização do ensino, só para citar algumas questões.

    Sonia Rummert e Jaqueline Ventura: São sabidas as dificuldades enfrentadas pelos periódicos da Área de Humanas, em especial, as do campo marxista. A Trabalho Necessário é, por princípio ético-político, uma revista gratuita, ou seja, que não cobra nenhum tipo de pagamento para publicação. Existe, há vinte anos, devido ao trabalho voluntário, coletivo e solidário dos seus participantes. Todavia, são muitas as dificuldades enfrentadas pelas revistas não “profissionalizadas” e que se mantêm praticamente sem recursos públicos específicos. Apesar disso, são submetidas às mesmas métricas e aferições de impacto das publicações científicas que contam com profissionais especializados: tradutores, revisores, técnicos em TI, aporte financeiro de diferentes ordens etc. Nessa perspectiva dominante, no mais das vezes, o trabalho orgânico e socialmente reconhecido pela relevância de sua contribuição sociopolítica e teórica não é considerado como valor qualificável e quantificável.

    Lia Tiriba: Mudanças ou acirramento das contradições entre trabalho e capital? O capital avança à revelia de sua crise estrutural, ameaçando todos os elementos da natureza e, portanto, ameaçando a vida no planeta e a própria humanidade. O projeto civilizatório se esgotou! No entanto, historicamente, outras formas de produção da existência têm persistido. Como disse Nancy Frase, a luta anticapitalista é uma luta transambiental, e, portanto, requer considerar todos os espaços/tempos da vida social. Nesse sentido, penso que a revista do Neddate deveria se debruçar, ainda mais, sobre outras formas de produção da existência humana, que não o modo


    16

    capitalista. Além disso, debruçar-se sobre as diversas formas de resistência da classe trabalhadora, ainda que homens e mulheres não se identifiquem como classe trabalhadora.

    Seria interessante que as pesquisas sobre classe/raça/ gênero/etnia, bem como sobre as mediações primárias nas relações entre seres humanos e natureza ganhassem corpo na TN. Vamos atrás desses pesquisadores/as? Em que grupos de pesquisa estão?

    Com certeza, não podemos optar por um periódico elitista que, em nome de um fator X, Y ou Z, publica meia dúzia de artigos de autores renomados. Por outro lado, não podemos perder a perspectiva do rigor teórico que marca o campo trabalho- educação. Ao mesmo tempo, favorecer que os pesquisadores e pesquisadoras garantam suas vozes, ainda que discordantes e/ou em processo de construção (o que caracteriza o processo de conhecimento).

    Maria Cristina Rodrigues: As dificuldades têm sido grandes para manter os periódicos, tanto pela pequena infraestrutura garantida, quanto pelo crescimento das exigências de avaliação, que impõem um sobretrabalho aos editores, e também ao conselho editorial e comitê científico. Em meio a esse produtivismo acadêmico, muitas vezes se perde o sentido mais genuíno dos periódicos, que é a socialização e o compartilhamento das reflexões mais avançadas sobre a vida social. Nesse sentido, penso que os desafios principais são encontrar formas de manter o trabalho coletivo e a troca com os variados grupos e núcleos de pesquisa das áreas afins e se manter capaz de “ler” criticamente a realidade, mantendo a aproximação com os movimentos e as lutas da classe trabalhadora.

    José Luiz Antunes: Para a realização do cumprimento da função social da Universidade nas atividades de ensino, pesquisa e extensão e, especificamente para o processo de socialização do conhecimento, muitos desafios se encontram postos, mas não dados definitivamente. (...) O grande problema para os periódicos e seus editores é não se deixar levar pelas respostas prontas e rápidas frente ao processo de socialização /divulgação do conhecimento científico, que não deixam de estar vinculados às necessidades do mercado e do capital em prol de uma mercantilização exacerbada. (...) Para tentar acabar com essa lógica perversa só se fortalecendo coletivamente nas associações, comissões, fóruns nacionais e internacionais, e em suas/ nossas instituições que contemplem a formulação de políticas para editoração


    17

    eletrônica que fuja das amarras impostas pelo mercado e pelo capital. (...) Dizer não para o individualismo e competitividade crescentes. Não basta aceitar que os periódicos do campo da educação são muitos e por isso, precisam ser repensados, como tive a oportunidade de escutar em um evento. Há uma variedade de produção que é rica e que demonstra os vários lugares de sua produção, que advêm, muitas vezes, das experiências do ensino, da pesquisa e da extensão, que refletem seu próprio caminhar e contribuem para a função social das universidades ou institutos de pesquisa. É bom ser lembrado que a pesquisa, como carro chefe das instituições, faz parte de um tripé. Não existe pesquisa sem ensino, não existe ensino sem pesquisa, não existe extensão sem pesquisa e pesquisa sem extensão. A saída para a crise posta, não se trata de uma disputa daqueles/las que são considerados/das os melhores porque se adequam mais ou menos aos critérios do mercado. Não é possível ceifar o processo de constituição dos diversos periódicos, da mesma forma que ceifar o processo ou etapas da formação de muitos/as cidadãos/cidadãos da classe trabalhadora. Isso tudo só reflete a perversidade do sistema em que estamos imersos, que mais mata – física e simbolicamente – do que gera vida.

    Para além disso, a busca de apoio institucional (nos variados setores de nossas instituições), como a criação de experiências solidárias e não solitárias de editores/as, avaliadores/as, autores/as estejam nos nossos horizontes e se concretizem. Por quê? Porque os periódicos não podem ser entendidos ou colocados como o elefante branco das instituições. E porque, para sublinhar a questão, os processos de formação humana não podem ser ceifados nas/pelas instituições. O conhecimento científico é um Bem Comum e como Bem Comum é um direito de todos/as/es.

    Regis Argüelles: O desafio principal é a hegemonia daquilo que Laval denomina de regime neoliberal de produção de conhecimento. No campo da educação, esse fenômeno tem se manifestado de diversas formas, dentre as quais destaco as epistemes que defendem as “políticas baseadas em evidências” ou a ideia de “conhecimento útil para a vida”. Essas duas perspectivas mobilizam toda sorte de aventuras reformistas, como é o caso da BNCC e do Novo Ensino Médio. Além disso, o produtivismo é uma praga generalizada, que confunde quantidade com qualidade, e estimula a mercantilização da divulgação científica. Entendo que uma revista como a Trabalho Necessário é um farol de resistência contra essas práticas utilitaristas e, portanto, um periódico profundamente necessário na atual conjuntura.


    18

    Jacqueline Botelho: O desafio de lutar na universidade e na sociedade pela construção de uma carreira docente que não seja pautada pelo produtivismo. Essa luta viva, que é da universidade, escolas públicas e movimentos sociais, não permitirá que os periódicos fiquem engessados por padrões de avaliação externos, mas que solidifiquem o trabalho de qualidade forjado pelo tempo lento de produção e organização das ideias. Nesse processo, é fundamental que os professores possam contar com a garantia de um tempo adequado para dedicação às revistas. Os docentes hoje vivem sobrecarregados com a precarização do ensino superior e aumento das exigências para ingresso nas pós-graduações, pautadas, em grande parte, pela lógica produtivista. Editais de fluxo contínuo para o subsídio ao trabalho editorial e apoio das pós-graduações, com o envolvimento dos professores e estudantes são elementos urgentes que ajudariam na manutenção das revistas.


  5. TN: Acrescente o comentário que considerar importante sobre a sua experiência na editoria da revista TN ou mesmo sobre a própria revista, no geral.

Ronaldo Rosas: O comentário possível é um agradecimento aos companheiros que fizeram a revista nascer, crescer e se manter por todo esse tempo. A oportunidade de ter feito parte dessa história é algo que foi além da minha expectativa quando entrei para o Neddate-UFF.

José Rodrigues: Enquanto os inimigos da classe trabalhadora não cessarem de vencer, sabemos que nem os mortos descansarão em paz. Portanto, segue sendo um trabalho necessário compreender o inimigo, organizar nossas ideias e forças sociais e dar combate sem trégua àqueles que levam a humanidade à barbárie. Dar- lhes combate em todos os terrenos, inclusive, no campo das ideias, no campo da formação humana, escovando à contrapelo a história e arrancando alegrias ao futuro, segue sendo o nosso trabalho necessário.

Luciana Requião: Minha passagem foi bastante rápida pela editoria. Para mim, em particular, foi uma experiência formativa importante, pois tardiamente comecei a conhecer e a estudar Marx e o marxismo. Foi ali naquele contexto que meus estudos sobre o trabalho no campo da música começam a ser compreendidos sob a perspectiva do materialismo histórico-dialético, na qual persisto até os dias de hoje e que dão sentido à toda a minha produção acadêmica e ao meu trabalho docente.


19

Sonia Rummert e Jaqueline Ventura: Nossa experiência nos leva à convicção de que, num momento em que a reflexão histórica, porque essencial e revolucionária, é virulentamente atacada, a existência da TN, bem como sua forma de existir, deve continuar a constituir um exercício permanente de resistência à alienação, à submissão encantada ao fetiche da métrica acima de tudo e aos feudos acadêmicos que tentam tomar para si períodos, temas e formas de construção do conhecimento. Além disso, e como expressão dessa convicção, entendemos ser fundamental sublinhar que fica para nós a memória da rica experiência vivida, do trabalho harmonioso e coletivo desenvolvido ao longo dos cinco anos em que estivemos à frente da TN. Fica, também, a necessidade de agradecer aos companheiros que criaram a revista e que nos antecederam, aos que, mencionados acima, contribuíram conosco, bem como àqueles que assumiram posteriormente a editoria da revista, pois que, apesar das dificuldades e dos desafios cotidianos, a Trabalho Necessário chegou aos seus 20 anos. E que venham muitos outros pela frente!

Lia Tiriba: Inspirada em E. P. Thompson, acredito que, mais cedo ou mais tarde, toda ‘experiência vivida’ acaba se tornando ‘experiência percebida’ e, em seguida, ‘experiência modificada’ (quando não é promovida à ‘cultura costumeira’). Experiência e educação se constituem como pares dialéticos, por isso a experiência é sempre experiência histórica, como acontece com a Revista Trabalho Necessário.

Toda experiência é uma experiência individual e, ao mesmo tempo, coletiva. De minha parte, percebo o quão educativo tem sido o compartilhamento da editoria com pessoas queridas do Neddate. O porvir da experiência modificada será resultado do diálogo fecundo entre conselho editorial, comitê científico, editores/as, editores adjuntos, assistentes de edição, e fundamentalmente, entre os membros do Neddate.

Maria Cristina Rodrigues: O período em que estive na editoria da TN foi de muito trabalho e aprendizado – sobre aspectos da educação, antes desconhecidos, mas, mais do que isso, sobre a realidade brasileira e latino-americana em seus inúmeros recortes. Além disso, o contato com pesquisadores de núcleos espalhados pelo Brasil também nos trouxe muitas novidades e a certeza de que o trabalho coletivo tem uma potência enorme e alimenta nossos sonhos e ideais de uma sociedade igualitária. Assim, desejo que a TN tenha muitos mais anos de existência e de produção de conhecimento necessário!


20

image

Reunião mensal do Neddate, 2013.

José Luiz Antunes: Para finalizar nossa conversa é de fundamental importância que reconheçamos as atividades de editoração de periódicos como parte de nossas atividades acadêmicas, seja para o quadro docente ou discente (na graduação ou na pós-graduação), ainda que não computadas ou pontuadas nos Lattes ou RADs da vida. A Atividade de editoração é extremamente enriquecedora e educativa para a formação de todos/as/es que se encontram no campo acadêmico, sejam estes na condição de editores, avaliadores ou autores, ainda que tenhamos que enfrentar embates e pensamento divergente. Dentre os muitos projetos que estive envolvido na academia, a editoração do periódico “Trabalho Necessário” só fortaleceu a minha formação humana, que vai para além do pesquisador e do educador, assim como fortaleceu e fortalece o núcleo a que pertenço, o Neddate.

Regis Argüelles: Gostaria apenas de parabenizar e agradecer a todo o Neddate pelo aniversário da TN e pela colaboração essencial que todes vêm prestando para que ela se mantenha relevante ao longo desses anos. Vale também uma menção especial às organizadoras deste número comemorativo, que se dedicaram com muita seriedade à tarefa.

Jacqueline Botelho: Há um trabalho invisível feito pelos editores. Deixo aqui meu agradecimento a José Luiz Antunes, Lia Tiriba e Regis Argüelles, com quem pude aprender e partilhar dessa experiência na equipe de editores. Entrar por dentro do sistema, realizar as devolutivas aos autores, verificar o cumprimento de normas para publicação, contactar os pareceristas para a avaliação às cegas, garantir devolutivas aos autores, colocar a revista no ar, convidar organizadores para a construção do


21

número Temático junto aos editores são elementos que exigem uma disponibilidade de tempo desafiadora aos docentes.

Trata-se de uma revista com publicações riquíssimas, que podem e devem subsidiar estudos futuros. Sem esse esforço coletivo não seria possível. A perspectiva da revista é sempre a de entregar o que há de mais atual dos temas abordados, explicitar os conflitos, mostrar as divergências, quando existem. A intencionalidade é servir como um braço importante dessa universidade viva, crítica e comprometida com a transformação societária. Portanto, viva a Trabalho Necessário e seus 20 anos de história!


22