V.22, 48 - 2024 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO PAULISTA E O
APARTHEID SOCIAL E EDUCACIONAL
1
Felipe Alencar
2
Resumo
3
Parte-se do referencial gramsciano de escola unitária para análise da reforma do ensino médio na
rede estadual de São Paulo, por meio do programa Inova Educação, componente de todos os
itinerários formativos do Novo Ensino Médio. Com base em documentos, indicadores educacionais e
da força de trabalho, discursos de agentes privados formuladores do programa e entrevistas com
educadores discute-se que a reforma, no contexto de austeridade e informalidade do trabalho,
institucionaliza o apartheid social e educacional ao destituir conhecimentos da formação escolar
visando ao trabalho subalterno.
Palavra-chave: Reforma do ensino médio. Inova Educação. Trabalho e educação. Políticas
educacionais. Rede estadual paulista.
LA REFORMA DE LA ENSEÑANZA SECUNDARIA DE SÃO PAULO Y EL APARTHEID SOCIAL Y
EDUCACIONAL
Resumen
Utilizamos la referencia gramsciana de la escuela unitaria para analizar la reforma de la enseñanza secundaria
en el estado de São Paulo, a través del programa Inova Educação, componente de todos los itinerarios
formativos de la Nueva Enseñanza Secundaria. A partir de documentos, indicadores educacionales y de fuerza
de trabajo, discursos de los agentes privados que formularon el programa y entrevistas con educadores, se
argumenta que la reforma, en un contexto de austeridad e informalidad del trabajo, institucionaliza el apartheid
social y educacional al remover conocimientos de la educación escolar con vistas a la formación para el trabajo
subordinado
Palabra clave: Reforma de la Enseñanza Media. Inova Educação. Trabajo y educación. Politicas educativas.
Educación del estado de São Paulo.
THE SÃO PAULO’S HIGH SCHOOL REFORM AND THE SOCIAL AND EDUCATIONAL APARTHEID
Abstract
The study is based on the Gramscian reference of a unitary school to analyse the high school reform in the state
of São Paulo, through the Inova Educação programme, a component of all the training itineraries of the New High
School. Based on documents, educational and workforce indicators, discourses by the private agents who
formulated the programme and interviews with teachers, it is argued that the reform, in the context of austerity
and informality of work, institutionalises social and educational apartheid by removing knowledge from school
education with the aim to training for subordinate work.
Keyword: High School Reform. Inova Educação. Work and education. Educational policies. São Paulo State
Education Network.
3
Este artigo foi produzido a partir da Dissertação de Mestrado, defendida em março de 2023, na Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo, com o título: Escola pública entre ditames e resistências: Inova
Educação na Rede Estadual Paulista (Alencar, 2023), sob orientação da Profa. Dra. Carmen Sylvia Vidigal
Moraes.
2
Doutorando e Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Brasil.
Pedagogo da Universidade Federal do ABC (UFABC), São Paulo - Brasil.
E-mail: alencar.felipe@ufabc.edu.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8382339312873192.
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-2011-8941. Pesquisador da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), do
Grupo de Estudo e Pesquisa em Política Educacional e Gestão Escolar (Unifesp) e do Grupo de Pesquisa em
Trabalho e Educação (USP).
1
Artigo recebido em 06/01/2024. Primeira avaliação em 08/04/2024. Segunda avaliação em 26/03/2024.
Aprovado em 28/07/2024. Publicado em 07/08/2024.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.61360
1
Introdução
Nenhum determinismo ideológico pode aventurar-se a prever o futuro, mas
parece muito evidente que este está marcado pelos signos opostos do
apartheid ou da revolução social (Oliveira, 2013, p. 119).
O título deste trabalho e a epígrafe do clássico O ornitorrinco, de Francisco de
Oliveira (2013), sugerem que a atual reforma do ensino médio faz da escola pública
um meio pelo qual se relaciona o processo de aprofundamento das desigualdades e
da divisão social do trabalho. Nossa perspectiva crítica de análise toma o referencial
do marxismo de Antonio Gramsci (2014; 2018) para conceber a escola como parte
dos diversos tipos de “instituições de elaboração colegiada da vida cultural” (2018, p.
65, Q 12 § 1),
4
e não isoladamente pedagógica ou como via de formação para
inserção profissional, mas por uma atuação conjunta de aparelhos estatais.
Para construir uma história distinta para a formação popular que supere a
marca social de formação para a subalternidade, Gramsci propõe um tipo único de
escola que conduza a juventude até a escolha profissional para formar pessoas que
sejam capazes “de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige”
(Gramsci, 2018, p. 87, Q 12 § 2). Na proposta de escola unitária, de currículo
integrado, o trabalho é princípio educativo que articula teoria e prática,
fundamenta-se nas ciências e na filosofia da práxis, com “uma linha consciente de
conduta moral” que contribua “para manter ou modificar uma concepção do mundo,
isto é, para suscitar novas maneiras de pensar” (Gramsci, 2018, p. 91, Q 12 § 3).
Sua ideia de escola unitária, elaborada em contraposição à reforma
educacional implementada pelo governo fascista italiano, consiste em esforço
analítico que contribui decisivamente até os dias atuais para o campo de pesquisa
Trabalho-Educação e para a formulação de políticas de educação integral, opostas à
escola dualista criticada por educadores democráticos, pelo fato desta promover a
cisão entre uma escola que prepara para o mundo do trabalho e outra que promove
formação científica e humanista (Moraes, 2023).
Contrariamente à proposta de escola unitária, na Itália de Gramsci e no Brasil
de hoje, vivenciamos, com a reforma do ensino médio, uma política educacional que
estimula a distinção entre escolas que são destinadas a formar os quadros
4
As citações de escritos de Gramsci (2014; 2018) neste trabalho se referem aos Quaderni del carcere
indicando-se o Quaderno (Q) e o parágrafo (§) em que a citação pode ser localizada. As traduções
foram realizadas livremente pelo autor deste artigo.
2
intelectuais e políticos do país, as do ensino privado, e aquelas que são das classes
subalternas, as das redes de ensino público, que devem se preparar tão somente
para as chamadas “profissões do novo século”. Nas palavras de Frigotto (2016),
trata-se de uma reforma “que legaliza o apartheid social na educação no Brasil”.
O objetivo do artigo consiste na análise da implantação da reforma do ensino
médio, com ênfase na relação trabalho e educação, na rede estadual de São Paulo,
a maior rede pública do país
5
e a primeira rede de ensino a adotar os parâmetros da
referida reforma por meio do programa Inova Educação, em maio de 2019. O
programa propõe uma nova matriz curricular para o ensino fundamental II e o ensino
médio, com inserção de três disciplinas: Projeto de Vida, Tecnologia e Eletivas, como
parte diversificada; ampliação do horário de permanência de estudantes nas escolas
para 5 horas e 15 minutos; sete aulas por dia; ajuste do tempo de aula de 50 para 45
minutos e previsão de atividades de formação para educadores (São Paulo, 2019). A
partir de 2021, os componentes do programa Inova Educação passam a compor
todos os itinerários formativos do Novo Ensino Médio paulista.
Para realizar esta discussão, no estudo, intercala-se a fonte documental do
programa, em textos escritos e discursos da Secretaria de Estado da Educação de
São Paulo (Seduc) e de agentes privados, com dados relativos à força de trabalho
no país, entre 2012-2019, e da demanda educacional na rede estadual paulista,
entre 2007-2019. Agregam-se à pesquisa realizada conteúdos de entrevistas,
6
feitas
em 2021, com quatro diretores e um professor coordenador, membros do Grupo
Escola Pública e Democracia (GEPUD), grupo que reúne comunidades de 15
escolas da rede paulista.
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7
O GEPUD foi criado em 2019, reúne profissionais da educação básica e superior pública (no caso da
superior também de instituições privadas) do estado de São Paulo para discutir a relação entre
políticas educacionais e práticas escolares. Tem se dedicado ao estudo das propostas educativas da
rede estadual paulista e à discussão de sua implementação na prática escolar, orientado pelos
princípios constitucionais do direito à educação, da gestão democrática da escola e da qualidade
socialmente referenciada da educação pública. Informações sobre o GEPUD estão disponíveis em
<gepud.com.br>. Acesso em 15 out. 2021. O processo de resistências e apropriações do GEPUD é
retratado em: Alencar; Perrella (2022); e Alencar; Moutinho Jr; Jacomini (2023).
6
Tomou-se cuidado em relação a procedimentos de ética em pesquisa, com termos de anuência das
escolas e autorização para gravação das entrevistas. Os nomes das pessoas entrevistadas e das
escolas são fictícios. Projeto aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa: 45796621.1.0000.5421.
5
A rede estadual paulista atendia, em 2019, um total de 3.656.265 de estudantes nas diferentes
etapas e modalidades de ensino, matriculados em 5.681 escolas e contava com 146.464 docentes
atuando como efetivos, por contratações temporárias ou pela Consolidação das Leis do Trabalho
(INEP, 2020). A magnitude do atendimento na rede sugere que os programas e projetos
implementados pela Seduc têm potencialidade de influenciar tanto municípios paulistas, como demais
redes estaduais e municipais em âmbito nacional.
3
Na tentativa de expor este trabalho e as ideias aqui apresentadas de uma
maneira clara, o artigo é dividido em três partes, além desta introdução e das
considerações finais. Na primeira parte, o programa Inova Educação e o Novo
Ensino Médio paulista são apresentados e discutidos com base em elementos
considerados centrais na sua proposta político-pedagógica: a perspectiva de
formação para o trabalho e a sustentação da dualidade do ensino, presentes no
cerne do programa e da reforma, e que conferem uma marca social para a escola
pública. Na segunda parte, contextualizamos que tais medidas se relacionam com
mudanças e continuidades na vida da classe subalterna no que diz respeito à
informalidade no trabalho, o convívio com a política econômica de austeridade e a
negação de direitos. Por fim, na terceira parte, as entrevistas realizadas com
educadores da rede paulista, a partir de sua práxis junto às comunidades de
estudantes, embasam o argumento de que o sentido da reforma educacional visa ao
preparo da juventude para o trabalho subalterno, informal e precário.
Dualidade do ensino e formação para o trabalho: onde está a inovação?
As reformas educacionais ao longo do século XX evidenciaram a dualidade
educacional amplamente tratada na literatura. Embora este conceito tenha
limitações explicativas para situar as desigualdades e a diversidade da juventude no
Brasil, a atual reforma do ensino médio traz à tona a validação desta conceituação
para tratar de um processo de longo prazo de democratização da escola pública.
Do ponto de vista analítico, abordar a dualidade do ensino “permite fazer uma
primeira incursão sobre a ideia de trajetórias e possibilidades formativas que passam
a compor o modo como se organiza o sistema escolar no país” (Silva; Krawczyk;
Calçada, 2023, p. 3) e consideramos profícuo e atual para a caracterização e a
crítica do apartheid educacional no estudo da implantação da reforma do ensino
médio paulista, por meio do programa Inova Educação.
“No papel”, o cerne da proposta para o Inova Educação é anunciado
ressaltando mudanças sistêmicas para o conjunto das escolas da rede estadual
paulista, nos anos finais do Ensino Fundamental e nos três anos de Ensino Médio, e
conteúdos úteis previstos para o futuro, ligados ao marco temporal do “século XXI”:
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O Inova Educação tem como objetivo tornar a escola mais conectada com
os sonhos e as necessidades dos adolescentes e jovens e os formar para
as competências do Século 21. Todos estudantes do ensino fundamental
anos finais e do ensino médio terão componentes de Projeto de Vida,
Tecnologia e Eletivas. As Eletivas serão escolhidas pelos estudantes,
conforme as possibilidades oferecidas pela escola. O novo programa coloca
os estudantes no centro do processo de aprendizagem, promovendo seu
engajamento e protagonismo. […] As mudanças têm como objetivo trazer
mais sentido para a escola e engajar os estudantes, promovendo a
aprendizagem de todos por meio de uma educação integral que trabalhe as
competências para o Século 21. A proposta é garantir que o estudante se
desenvolva plenamente, tanto a partir de habilidades cognitivas quanto
socioemocionais. O programa é uma forma de ampliar para toda a rede as
experiências exitosas do Programa Ensino Integral (PEI) e do Escola de
Tempo Integral (ETI) e as práticas bem-sucedidas implementadas por
diversas escolas da rede em período parcial (São Paulo, 2019, p. 19-20).
A evidente intencionalidade de mudar a situação presente das escolas está
ligada tanto a adequar a formação de estudantes e o trabalho pedagógico em
consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ao Currículo
Paulista, “a fim de incorporar componentes curriculares inovadores e propor
estratégias para a incorporação de práticas pedagógicas mais inovadoras e a
melhoria do clima escolar” (idem, p. 4) e à obtenção das “metas para o Ideb Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica” (ibidem, p. 16).
Como explicitado no excerto acima, o Inova Educação amplia para a rede
estadual o que havia sido experimentado em menor escala nos programas que
implantaram o tempo integral na escola, como PEI e ETI. O ETI, implantado em
2006 consiste em atividades em contraturno voltadas para desenvolver
protagonismo juvenil por meio da elaboração de projetos autorais para buscar
soluções de problemas na escola e na comunidade e conteúdos de Matemática e
leitura e produção de textos. o PEI propõe uma gestão do sistema de ensino
focado em resultados de desempenho de estudantes em avaliações externas,
redesenhando a gestão, o currículo e a concepção de educação, além de incidir
sobre a remuneração docente prevendo contratos de dedicação exclusiva, por meio
do PEI implantaram-se tanto a diversificação curricular, com disciplinas eletivas
moldadas sob as competências socioemocionais, bem como instrumentos de
funcionamento tipicamente gerenciais como Avaliação 360º.
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A Avaliação 360º “envolve todos os que participam diretamente do processo educativo. Assim, cada
professor é avaliado pelos colegas, pelo diretor e pelos professores coordenadores, pelos alunos,
5
Com o lema “Transformação hoje, inspiração amanhã” a pauta principal do
programa se auto anuncia como arrojada. Mas sua adaptação a medidas
existentes, sobretudo em relação ao controle por meio da política curricular e de
índice e metas, amplamente criticadas, exibem sua função conservadora de
padronização da educação escolar complementada com elementos de flexibilização
curricular.
Tal elemento se confirma com a manutenção de programas e projetos
anteriores que se justapõem, desde 1995, quando o Governo do Estado de São
Paulo é encabeçado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Como a
política de avaliação externa, o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São
Paulo (Saresp), que em 2009 foi associado a bônus de remuneração por resultados
para as equipes de educadores das escolas que apresentassem mudanças no
resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo (Idesp). Bem
como o próprio programa São Paulo Faz Escola, de 2007, que consiste num
currículo centralizado distribuído em materiais hiperestruturados, denominados pela
Seduc de Cadernos do Aluno e pelas comunidades das escolas de “apostila”,
denotando seu caráter fortemente dirigido com sequências de aulas prontas
(Perrella; Alencar, 2022). Essas medidas continuam na rede estadual paulista,
coexistindo com o Inova Educação.
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A respeito de certa complementaridade desta padronização, identifica-se uma
dimensão de flexibilização na proposta do programa Inova Educação que consiste
nas disciplinas Eletivas, planejadas por docentes e que devem ser expostas no
âmbito de cada escola para a escolha de estudantes, como um “cardápio”, no que a
Seduc propôs que se denominasse “Feirão das Eletivas” (São Paulo, 2019, p. 24-5).
Ao modo da lógica do serviço público atendendo clientes, as disciplinas devem ser
executadas somente se os conteúdos forem do desejo do estudante em cursá-las.
Nos materiais da Seduc, os conteúdos propostos para as Eletivas indicam que
9
A complexidade e as contradições da trajetória da política educacional paulista, em seus vários
programas e projetos, durante os governos do PSDB em São Paulo, são analisadas em Jacomini &
Stoco (2022).
pelo supervisor de ensino e pelo professor coordenador do núcleo pedagógico”. [...] “Desenvolvido no
mundo empresarial, esse modelo de avaliação é apresentado como um importante instrumento de
aperfeiçoamento profissional, uma vez que possibilita uma avaliação a partir de diferentes sujeitos e
variáveis” (Girotto; Jacomini, 2019, p. 94-98).
6
sejam trabalhadas noções como empreendedorismo, educação financeira,
competências socioemocionais, liderança e protagonismo juvenil.
Essas determinações, nos termos do programa Inova Educação, tratam-se de
um “modelo pedagógico” que modifica os tempos e os currículos do ensino
fundamental e médio. A despeito de as alterações previstas para o nível
fundamental não serem de menor importância, é no nível médio que elas ocorrem de
modo mais dramático.
À medida que foram implantadas, na rede estadual paulista, as adequações
estabelecidas pela Reforma do ensino médio, Lei n. 13.415/2017, as disciplinas do
programa Inova Educação vieram a integrar todos os itinerários formativos. Mas no
âmbito do fatiamento do conhecimento previsto no teor da referida Reforma,
segundo a qual uma parte do currículo escolar deve cumprir a BNCC, com
disciplinas cujos conteúdos são comumente ensinados e denominados de
“formação geral básica” com o invólucro de “objetivos e direitos de aprendizagem”. E
outra parte do currículo, composta por itinerários formativos de áreas do
conhecimento escolhidas pelo estudante segundo seus interesses de inserção no
trabalho (Brasil, 2017).
Em São Paulo, os itinerários formativos foram divididos: uma parte da carga
horária de estudantes é destinada para disciplinas do Inova Educação e outra parte
da carga horária é dedicada aos Aprofundamentos curriculares das áreas do
conhecimento, no qual a educação profissional compõe um desses
aprofundamentos.
Durante o período da pandemia de Covid-19, em que as escolas ainda
estavam parcialmente esvaziadas em função das medidas de isolamento físico, em
junho de 2021, a proposta do chamado “novo ensino médio” foi assim apresentada
no site da Seduc:
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A implementação dos itinerários formativos nas escolas estaduais passa
pelos três componentes curriculares propostos pelo Inova Educação
(Projeto de Vida, Eletivas, Tecnologia e Inovação) e pelo aprofundamento
curricular apenas na segunda e terceira séries. Este item é composto por
quatro opções nas áreas de conhecimento (Linguagens, Matemática,
Ciências Humanas e Ciências da Natureza) e seis opções de áreas
integradas (Linguagens e Matemática, Linguagens e Ciências Humanas,
10
Disponível em <educacao.sp.gov.br...> acesso em 15 jul. 2021.
7
Linguagens e Ciências da Natureza, Matemática e Ciências Humanas,
Matemática e Ciências da Natureza, além de Ciências Humanas e Ciências
da Natureza). O estudante ainda poderá optar pela formação técnica e
profissional.
“Ação humana e suas consequências”, “Tradições e heranças culturais”, “A
tecnologia nas narrativas das relações sociais”, “Compromissos com o
Patrimônio cultural e ambiental”, “Como se tornar um resolvedor de
problemas?” e “Com quantas estratégias chegamos a uma solução?” são
alguns exemplos de aprofundamento, que variam conforme as áreas de
conhecimento e áreas integradas definidas (São Paulo, 2021, s/p).
Os itinerários formativos no ensino médio têm paulatina redução da carga
horária de formação geral comum ao longo dos três anos, como prossegue a Seduc:
Na proposta, a divisão de 1.050 horas ocorre desta forma:
série: 900 horas de formação geral básica e 150 horas para os itinerários
formativos (Inova Educação)
série: 600 horas de formação geral básica e 450 horas de itinerários
formativos (300 horas de aprofundamento curricular + 150 horas do Inova
Educação)
série: 300 horas de formação geral básica e 750 horas de itinerários
formativos (600 horas de aprofundamento curricular + 150 horas do Inova
Educação) (São Paulo, idem).
O argumento utilizado pela equipe da Seduc é equivalente ao utilizado para
justificar a implantação da reforma do ensino médio. Nas palavras do então
secretário da educação paulista Rossieli Soares: “dar outras opções para os nossos
estudantes, para que eles possam querer aprender. […] É através da competência
socioemocional, da motivação, que vamos conseguir engajar mais estudantes” (ibid).
E mesmo uma leitura mais estereotipada de que rigidez e não
flexibilidade nos currículos e conhecimentos componentes da formação de nível
médio, como disse o chefe da Coordenadoria Pedagógica da Seduc, com histórico
de empreendedor, Caetano Siqueira: “Desejamos um Ensino Médio menos rígido e
mais flexível, voltado ao projeto de vida individual e que contribua ainda mais no
caminho escolhido para a sequência da vida” (ibid).
Qual caminho é o escolhido pelo estudante da escola pública? Numa outra
sessão de apresentação das reformas na educação paulista, com as quais se
relaciona o programa Inova Educação, o ex-secretário estadual de educação de São
Paulo Rossieli Soares é explícito:
[…] Ensino médio não é preparatório para vestibular, ele é parte disso para
aqueles que têm esse projeto de vida. Mas ele precisa ser um auxílio para a
8
realização dos sonhos, para a ida para o mercado de trabalho. Nós não
podemos simplificar, somente para aqueles que querem ter o caminho para
o vestibular que todos têm que seguir exatamente esta mesma trilha
(Anúncio sobre o Ensino Médio de São Paulo, 2021).
Assim, a mudança educacional na rede paulista é sustentada pela
compreensão do ingresso no mundo do trabalho como um sonho e a continuidade
dos estudos na universidade uma atividade para poucos.
Embora pautado pelo protagonismo juvenil nas escolhas, a oferta dos
itinerários pelas escolas dependeu, centralmente, das condições materiais das redes
de ensino, mais que das aspirações individuais de estudantes para escolherem os
itinerários. Como demonstram Cássio e Goulart (2022, p. 528), escolas cujas
comunidades possuíam nível socioeconômico mais elevado tiveram maior liberdade
de escolha: “a implementação de uma reforma curricular de grandes proporções
sem uma alteração substantiva das condições materiais das escolas resulta no
reforço de desigualdades escolares que existem como desigualdades sociais”.
O Inova Educação, por seu turno, visa incluir jovens no mundo do trabalho por
meio das competências do século XXI: “As competências para o Século 21 estão
relacionadas ao sucesso na vida e a uma inserção mais qualificada em um mercado
de trabalho, o qual está em constante mudança em função das transformações
tecnológicas” (São Paulo, 2019, p. 22). O programa é ofertado sob aparente aposta
no reforço do individualismo e do mérito para atingir o sucesso de inserção no
mercado de trabalho.
A combinação do discurso das competências e da flexibilidade como
argumento para justificar o hiperfatiamento do conhecimento em itinerários
formativos reproduz a limitação prescritiva do currículo e “não permite o aprendizado
e o exercício da reflexão com a profundidade que a formação cultural exige” (Silva,
2018, p. 12).
A escola de formação humanista e científica tem seu currículo empobrecido,
são esvaziadas suas atribuições de socialização do conhecimento e passa a
assumir, sem mediação, a finalidade de formar tão somente para o trabalho. Mas,
qual trabalho?
9
Trabalho e educação: da austeridade à informalidade contínua
As propostas relativas ao cerne do programa Inova Educação obedecem a um
percurso lógico de criação de um novo tipo de jovem com as “competências
relevantes para a vida no século XXI” que repetem o seguinte “mantra”:
flexibilidade na escola para oferta de disciplinas do interesse do estudante,
desenvolver tomada de decisão, garra, determinação, perseverança,
esforço e resiliência, autoconhecimento, autocuidado, autoestima,
autoconfiança e autoeficácia (SÃO PAULO, 2019, p. 10).
Elementos todos que compõem o discurso comportamental para induzir a
legitimidade da política econômica de austeridade
11
que, após a crise internacional
de 2008, voltou a ter destaque no debate econômico.
Com origem na filosofia moral, o termo austeridade foi assimilado por
economistas para exaltar o comportamento associado a rigor, disciplina, parcimônia
e também para repreensão de comportamentos dispendiosos, insaciáveis etc. Em
períodos anteriores, como das grandes guerras mundiais, também foi utilizado por
governos que buscavam legitimar o racionamento e a regulação do consumo privado
em favor da mobilização de recursos para a atuação na guerra. A intuição do
argumento é que, em tempos de crise, políticas fiscais restritivas podem ter efeito de
aumento do crescimento econômico (Rossi; Dweck; Arantes, 2018).
Nos contornos dos efeitos da contração fiscal, a austeridade pode ser definida
por seu instrumento, o ajuste fiscal em especial o corte de gastos governamentais,
e seus objetivos, gerar crescimento e promover equilíbrio das contas públicas
(Rossi; Dweck; Arantes, 2018).
No Brasil, é possível afirmar que a austeridade é uma política de longo prazo
que está aliada também aos pequenos ciclos econômicos de formação de mercado
de trabalho formal, em que coexistem distintos tempos históricos, mas que têm
predominância da informalidade: “se no polo dinâmico formalizado a luta do
11
Cf. Mark Blyth (2020), nos países de subcapitalismo foi implantada uma versão do neoliberalismo
que punha a austeridade em primeiro lugar como política do dia, cortesia do consenso de
Washington, com medidas que foram reelaboradas por John Williamson. Em países da OCDE, até
1999, não se seguiam essas políticas em grau significativo. Foram instituições sediadas em
Washington, como FMI e Banco Mundial, que, de fato, adotaram completamente tais ideias e
buscaram testá-las no mundo inteiro, trataram de formular e aplicar para países da América Latina
políticas de austeridade durante um período de inflação crônica que se seguiu à crise da dívida da
década anterior.
10
‘trabalhador coletivo’ por direitos que depois se individualizam, na informalidade
vigora a luta de indivíduos cuja conquista se materializa coletivamente fora da
relação salarial e se espraia” (Secco, 2020b, s/p).
Com o fim da Nova República,
12
que tem como marco o golpe que levou ao
impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, no primeiro mês de governo, Michel
Temer apresentou a proposta de “Novo Regime Fiscal” que se converteu na Emenda
Constitucional n. 95/2016 que instituiu uma austeridade permanente, fazendo
retroceder 20 anos os poucos avanços do país em termos de consolidação dos
direitos sociais (Dweck; Silveira; Rossi, 2018).
Para Fagnani (2018), o período de 2015 a 2018 apresentou ameaças de
dissolução do breve e inédito ciclo de construção de uma cidadania no Brasil,
iniciado com a Constituição Federal de 1988 e que foi encoberto com o imperativo
do ajuste fiscal.
No bojo das recentes medidas de austeridade, a reforma trabalhista, Lei n.
13.467, de 13 de julho de 2017, sancionada por Temer, altera de modo significativo o
modo de ingresso no trabalho e direitos garantidos, mesmo anteriormente à
Constituição de 1988. Parte desse pacote de desmonte foi implantado com vistas a
alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sob o discurso hegemônico que
aborda a legislação como rígida e incompatível com a contemporaneidade cada vez
mais globalizada. Seria possível, com essa alteração, promover geração de
empregos, incrementar a produtividade e a competitividade com base na
flexibilização das normas das relações de trabalho (CESIT, 2017).
A política econômica de austeridade e a reforma trabalhista possuem
correspondência com a reforma do ensino médio, uma das primeiras ações no
campo educacional do governo Temer (2016-2018). Com a diminuição progressiva
dos recursos disponibilizados para as políticas sociais, todos os níveis de ensino
público são atingidos, sobretudo com a abertura para iniciativas de privatização “seja
por meio da criação de escolas charter (escolas públicas com gestão privada), seja,
o que tem se ampliado bastante, por meio da oferta de consultorias ou pela
participação em parcerias” (Krawczyk; Ferretti, 2017, p. 42).
12
Caracterizamos o fim da Nova República em consonância com Secco (2020a).
11
No enfraquecimento do papel público do Estado na regulação e orientação
dos sistemas de ensino, agências multilaterais, ONGs e interesses e influências de
empresas constituem, separadamente ou em conjunto, alternativas de política para o
fracasso do Estado. E, assim, novas redes e comunidades de políticas propagam
determinados discursos e conhecimentos e ganham legitimidade e credibilidade.
Ball (2020) denomina este processo de privatização endógena que ocorre
através da política educacional, que confere um crescente e ativo papel de agentes
privados na formulação de políticas, no qual
cada vez mais essas empresas atuam como dispositivos de ligação,
“intérpretes” de políticas operando entre o Estado e as organizações do
setor público tornando as reformas sensatas e administráveis (Ball, 2020,
p. 157-158).
Nesta perspectiva, a escola se mantém pública, estudantes não pagam para
ter sua matrícula, o patrimônio segue estatal, mas o conteúdo da escola é, em
grande medida, advindo do privado.
Por meio de uma rede política denominada Movimento Inova, promovida pela
Seduc com vários agentes privados, que foram os think tanks da reforma
educacional, a difusão da agenda contrarreformista, com o programa Inova
Educação, alcançou amplitude na rede estadual paulista.
No segundo semestre de 2019 foi realizado um evento do Movimento Inova,
na Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do
Estado de São Paulo “Paulo Renato Costa Souza” (Efape), com objetivo de
promover vivências dos três novos componentes curriculares do programa, contando
com a participação de estudantes e equipes das escolas, membros da Seduc, do
ex-governador do estado de São Paulo João Dória (PSDB) e de vários palestrantes
do setor privado,
13
representantes das fundações empresariais que formularam o
Inova Educação e a reforma do ensino médio.
No Movimento Inova, os discursos se pautam pela inserção do léxico do
mercado, as formas “educativas” do setor corporativo com palestras motivacionais,
13
Dentre os agentes privados estavam: Ashoka Empreendedores Sociais, Fundação Telefônica,
Inspirare, Instituto Ayrton Senna (IAS), Instituto de Corresponsabilidade pela Educação, Mathema,
Microsoft, Mundo Maker, Palavra Aberta, PROA, Quebrando o Tabu, Rede Brasileira de
Aprendizagem Criativa, Reúna, Singularidades e Tríade Educacional.
12
teor de autoajuda, e defesa do empreendedorismo, da empresa como modelo
pedagógico e empobrecimento do currículo para propiciar, de modo antiético, a
denominada inovação educativa.
Haroldo Rocha, o ex-secretário executivo de educação de São Paulo,
apresentou a perspectiva da Seduc ao implantar o Inova Educação:
14
“2 milhões de
estudantes terão uma escola totalmente diferente, mas o prédio vai ser o mesmo”.
Enfatiza-se um caráter pragmático de ensinar de acordo com os objetivos individuais
dos projetos de vida de estudantes com previsão de parceria com agentes
privados:
Estamos conversando com uma startup que é uma espécie de Linkedin para
estudantes, para todo mundo fazer seu projeto de vida e ir administrando
seu projeto de vida [...] e atuando na escola de acordo com seu projeto de
vida (Movimento Inova Palestra “Educação para o Século XXI, 2019).
Viviane Senna, do Instituto Ayrton Senna, confere à escola o papel de
treinamento flexível para o trabalho, caracterizando um momento diferenciado que
não é meramente uma evolução na história do capitalismo, de necessidade de
reformas escolares para o ajustamento da juventude a esse distinto período.
60% dos alunos que estão sentados hoje nas salas de aula, eles vão
trabalhar em empregos que não existem […]. Como você vai preparar esse
aluno para o emprego que você nem sabe que existe, que forma ele vai ter?
Não para preparar do mesmo jeito, concorda? Eles vão precisar de
habilidades como abertura, criatividade, flexibilidade, capacidade de se
adaptar a mudanças cada vez num volume maior (Movimento Inova
Palestra “Competências Socioemocionais”, 2019).
Na fala de Anna Penido, coordenadora do Instituto Inspirare, noções de
competência, liderança, flexibilidade, trabalho em grupo, capacidade de resolver
problemas, de comunicar-se etc são reiteradamente reforçadas como habilidades do
mundo do trabalho traduzidas para práticas escolares, utilizando-se da BNCC como
validação de uma formação supostamente integral para a atuação no mercado.
A formação para o trabalho hoje demanda mais competências humanas do
que simplesmente a operação de apertar botão, de apertar parafuso. A
gente precisa formar profissionais, não formar necessariamente um técnico
14
Em junho de 2021 Haroldo Rocha abandonou o cargo de secretário-executivo de educação
de São Paulo para assumir função de líder da organização privada denominada Profissão Docente,
cujos mantenedores são Fundação Lemann, Itaú Social, Instituto Natura, Instituto Península e
Instituto Unibanco. <profissaodocente.org.br> Acesso em 24 nov. 2022.
13
em alguma coisa específica [...] (Movimento Inova - Palestra “Adolescências
e Juventude”, 2019).
A fala de Débora Garofalo, assessora de tecnologia da Seduc, no referido
evento, enfatiza o trabalho com tecnologia associado à criatividade, reiterando que
não é necessário aplicar recursos nas escolas. Aponta-se que a mudança passa por
conceber o estudante como ponto central, mas prescindindo de condições
adequadas de estudo e trabalho.
Trazer uma aprendizagem diferenciada, que envolva criatividade, que
envolva inovação, que envolva paixão porque ser criativo também envolve
isso, envolver amor. […] Disponibilizar altos recursos tecnológicos e
ambientes virtuais de aprendizagem não garantem aos alunos
aprendizagem efetiva. […] Para ensinar robótica a gente não precisa ter
altos recursos, mas a gente precisa ter muita vontade. (Movimento Inova
Palestra “Por uma educação criativa a todos”, 2019)
O Instituto Proa é um dos agentes que incidiu diretamente na disciplina
eletiva, propondo uma intersecção com a disciplina projeto de vida. Em sua
proposta, importa que a escola ensine estudantes a fazerem seu currículo e os
aproximem, o máximo possível, da empresa.
Primeiro começar com eletivas voltadas para o comportamental […] que
possam proporcionar essa entrada no mercado de trabalho. […] simular
entrevistas [...] simulações de dinâmicas. […] O jovem até consegue ser
empregado, mas muitas vezes não consegue se manter. Então a gente
investe fortemente na questão comportamental. […] Uma outra experiência
[...] é fazer parcerias com empresas [...] propor uma empresa que receba
vocês. […] Eles [os estudantes] vivenciarem uma empresa. (Movimento
Inova Palestra “Eletivas e sua ligação com o Projeto de Vida”, 2019).
Nesse ajustamento que reside a intencionalidade rebaixada e instrumental da
competência de que o jovem precisa, nas palavras das palestrantes do instituto:
“como atender telefone”; “como fechar um caixa” (Movimento Inova Palestra
“Eletivas e sua ligação com o Projeto de Vida”, 2019). Com o entrelaçamento das
disciplinas Eletivas e Projeto de vida, a primeira ação é o ajustamento
comportamental, como exposto, que tenha a subordinação do trabalho educativo
à empresa. O currículo escolar deve ser veículo de uma parte das experiências do
ambiente empresarial mais competitivo: a seleção de novos empregados.
Assim, da competição por uma vaga de emprego ao ajustamento
comportamental do jovem, a escola pública deve passar a funcionar exatamente
como os agentes privados recomendam, sujeitar as propostas pedagógicas ao que o
mercado julga relevante para selecionar alguns e excluir muitos.
14
Se o propósito é inserir o jovem no trabalho, envolvendo-o na proposta de
empreendedorismo, a que tipo de trabalho se induz? Vejamos, então, alguns dados
da admissão no mundo do trabalho por setor de atividade. Conforme a Tabela 1,
predominância do setor de serviços, seguido pelo comércio, indústria, agricultura,
construção e administração pública. Na Tabela 2 constam informações de que
demanda por jovens na força de trabalho, ainda que num contexto de
desindustrialização.
Tabela 1: Pessoas ocupadas por setor de atividade, Brasil, 2012-2019
Ano
Agricultura
Indústria
Construção
Comércio
Administração
pública
Serviços
Mal definidas
2012
10.239.474
12.840.330
7.041.963
16.361.987
5.651.481
35.458.360
38.280
2013
9.943.739
12.883.482
7.573.246
16.766.789
5.814.230
36.010.211
7.132
2014
9.551.068
12.937.465
8.001.145
17.389.180
5.802.825
37.082.006
18.769
2015
9.464.348
13.185.619
7.607.102
17.350.248
5.275.042
38.666.314
6.813
2016
9.359.500
11.678.786
7.522.376
17.363.981
5.071.109
39.211.032
9.334
2017
8.606.005
11.342.470
6.809.468
17.142.300
4.919.412
39.745.052
14.109
2018
8.415.290
11.584.438
6.536.846
17.415.981
4.998.167
41.267.376
54.048
2019
8.421.893
11.667.136
6.518.284
17.542.238
5.038.573
42.612.055
62.867
Fonte: Elaboração própria com base em dados da PNAD Contínua/IPEA (1º trimestre).
Tabela 2: Pessoas na força de trabalho por faixa etária, Brasil, 2012-2019
14 a 24 anos
25 a 59 anos
60 anos ou mais
19.134.021
70.434.308
5.622.966
18.746.029
72.079.971
5.876.375
18.129.173
73.657.836
5.996.304
17.892.434
75.118.274
6.427.413
18.064.788
76.500.095
6.673.782
18.375.667
77.512.210
6.796.376
18.394.588
78.165.690
7.346.257
18.135.457
79.202.009
7.912.376
Fonte: Elaboração própria com base em dados da PNAD Contínua/IPEA (1º trimestre).
Alguns dados específicos da faixa etária de estudantes da rede estadual
paulista fazem-nos crer que estes jovens que ocupam uma cadeira na sala de aula
da escola pública também ocupam alguma vaga na força de trabalho, lutando por
sua sobrevivência, pois a maioria de estudantes está na faixa etária compreendida
entre 15 e 17 anos de idade.
15
Gráfico 1: Faixas etárias de estudantes da rede estadual paulista, 2007-2019
Fonte: Censo Escolar. Microdados organizados no Laboratório de Dados Educacionais/UFPR
<dadoseducacionais.c3sl.ufpr.br/#/indicadores/matriculas>
As situações de sobreposição entre trabalho e estudo podem ocorrer em
distintos contextos de trajetórias de vida de jovens. Embora algumas décadas
tenha se estendido a permanência de parcela significativa da juventude na escola
brasileira, estudar e trabalhar não se configuram como etapas sucessivas, mas
concomitantes e tal sobreposição pode significar experiências muito diversas
(Abramo; Venturi; Corrochano, 2020).
Com a proposição do empreendedorismo, como parte dos conteúdos
estruturantes do Inova Educação, o tema do trabalho da juventude adquire uma
dimensão mais explícita que diz respeito à difusão de uma cultura empreendedora
que busca “moldar um determinado tipo de personalidade, em tese ajustada ao
espírito do capitalismo: concorrencial, individualista, focado na responsabilização
das pessoas” (Tommasi; Corrochano, 2020, p. 354).
Deste modo, deparamo-nos com um novo contexto de processos de criação e
de transformação dos tipos de ensino que identificam articulação entre mudanças
sociais e mudanças educacionais, como designado por Celso Beisiegel (2009), na
qual os serviços de educação encontram as determinações de sua evolução
circunscritas num processo global de mudanças sociais.
Por sua multidimensionalidade, o processo educativo pode ser investigado
sob diversificadas perspectivas e ângulos diferentes: do ponto de vista estritamente
16
pedagógico, de suas repercussões na economia, dos métodos de ensino.
Concordando com Beisiegel (2009, p. 63): “é no campo da política que se
esclarecem as suas determinações mais significativas”, porque os vários
movimentos de educação “só ganham pleno sentido no âmbito das ideologias em
que se exprimem as orientações dos grupos no poder”.
A contextualização com as recentes modificações do ciclo econômico
corroboram a apreensão das relações da reforma na educação com dimensões
econômicas, ideológicas e sociais como parte de uma luta política mais ampla.
Preparo da juventude para o trabalho subalterno
O programa Inova Educação implica uma adequação do conteúdo da escola
às condições econômicas e sociais da sociedade capitalista e da política neoliberal.
Visa à preparação para o trabalho subalterno, acentuando a dualidade do ensino e
as dificuldades de atuação das classes trabalhadoras, na situação de
hiperexploração e subalternidade, visto que as condições delas são “politicamente
mais restritivas do que as leis de necessidade histórica que dirigem e condicionam
as iniciativas das classes dominantes” (Gramsci, 2014, p. 2286, Q 25 § 4).
Disciplinas como Empreendedorismo, Educação Financeira e Economia
Criativa, exemplos de disciplinas eletivas do Programa, tornaram-se eixos da política
educacional paulista. Elas forjam a ideia de sucesso, mas, na essência,
constituem-se em um dos mecanismos da classe dirigente/dominante, por meio dos
seus aparelhos de hegemonia, de produzir um consenso em torno de uma formação
direcionada a conhecimentos limitados e voltados ao saber-fazer. Em detrimento da
apropriação das condições em que se este “fazer”.
Embora o vínculo com trabalho se explicite na implantação do programa, uma
das medidas organizativas previstas no seu cerne é o reajuste da duração das aulas
de 50 para 45 minutos. A inclusão de mais uma aula por dia, resultando em 15
minutos a mais de permanência do estudante na escola.
Para o estudante trabalhador, esta medida foi um problema. Conforme os
relatos dos educadores, o aumento de horário de permanência nas escolas foi feito
desconsiderando a situação da dupla jornada do estudante trabalhador.
17
Não deu tempo pra perceber, mas eu tenho certeza que iria chover pedido
pra sair mais cedo, assim, vira e mexe os pais vão lá, querem autorização
pro filho sair mais cedo (Clarice, Diretora da EE Anis).
Uma boa parte dos estudantes do EM no ano começam a trabalhar, ou
fazem cursos à tarde. Nós da gestão tínhamos vários desafios para
implementar como foi. Primeiro problema: passar a ser sete aulas e
aumentar o tempo do aluno na escola em mais 15 minutos, passou a sair
12h35. Para que esses estudantes do ano do EM que tinham problema
em sair da escola 12h20 por conta da correria para ir para o seu curso ou ir
trabalhar para entrar 13h no serviço. Isso teve um impacto muito grande
(Adriana, Diretora da EE Íris).
[…] também mexeu com a vida dos alunos, 80% da nossa escola vêm de
bairros periféricos da cidade de Guarulhos. E por quê que eles vêm? A
nossa escola está localizada no centro expandido da cidade, eles têm o
interesse, é claro que eles se apegam a uma questão de uma nota melhor,
de ter estudado numa escola que tem um bom histórico na cidade, mas isso
ajuda a vida do aluno porque ele trabalha nas mediações, então ele estuda
de manhã na escola e, geralmente, ele pega esses 20 minutinhos finais e
ele pede pra ir embora, ele fala assim: “Diretor, eu preciso ir embora”, eu
falo: “Por quê que você vai embora meu filho?”, e ele fala o seguinte: “Olha,
eu trabalho na loja tal, eu faço estágio na loja tal, eu ajudo tal pessoa”,
então, enfim, ali também é um caminho pra ele chegar mais rapidamente ao
estágio ou ao trabalho. Então o aluno, antes, ele saía meio dia, agora ele
sai... Ele continua saindo meio dia, que ele perde 35 minutos de aula,
antes ele perdia um pedacinho da aula, agora ele perde praticamente a aula
inteira, e se você insistir muito e falar assim: “Não, você tem que optar pela
escola”, isso promove uma evasão escolar, porque entre o emprego e a
escola, esse aluno que necessita ajudar a complementar a renda na sua
casa, ele opta por esse emprego, ainda que esse emprego seja um
emprego, assim, que não lhe as garantias, que seja bem precário
(Itamar, Diretor da EE Íris).
Os contextos de vida e de empregos dos jovens estudantes informam a
condição de vulnerabilidade socioeconômica, e mesmo a dissociação do próprio
programa com a realidade dos jovens da rede estadual paulista. Se o Inova
Educação se ornamenta de uma roupagem de ensino flexível, adequado às
expectativas dos jovens, o que se manifesta é a dissimulação da coerção da
própria condição do trabalhador sob o capital: o permanente processo de
expropriação (da terra e de direitos que subjaz como condição fundamental
à produção capitalista de braços ‘livres’ é novamente naturalizado (Fontes,
2018, p. 219).
A implantação da proposta de preparo para o trabalho é revestida pelo tema
da disciplina Projeto de vida e pelas competências socioemocionais que levam as
comunidades a interpretarem de modo associado ao contexto de crise
socioeconômica, aumento de violência e uma indução à passividade dos jovens
diante das desigualdades.
18
E o Inova, eu acho que é essa coisa, ele virou band-aid pra Suzano,
band-aid para as complicações da escola […]. A sociedade está mudando
muito rapidamente, a gente não consegue acompanhar, as redes sociais
tiveram um papel fundamental nessa questão, o bolsonarismo com as
violências, eu acho que a gente até... A pandemia nos poupou isso, que a
gente não saberia como é que estariam nossos alunos, meninos e meninas,
assim, né? Com essa beligerância do bolsonarismo de pegar e matar, não
sei como é que seria no físico aqui (Nara, Diretora da EE Rosa).
Da resiliência, eu quero cair duro quando eu ouço resiliência: “Não, a gente
tem que ser resiliente”, eu: “Ah não, fale tudo menos resiliência gente, né?”,
que é esse espaço de conformação do sujeito, ah, aceita tudo, se adapta a
tudo, então veio o perrengue, mas se adapte, lide com isso, não é assim
gente, tem hora que... eu lembro do Paulo Freire de novo falando da justa
ira, tem hora que a gente tem que ficar com raiva, a Seduc não fala de raiva,
não fala de medo, não fala de angústia, é tudo happy, tudo êêê, todo mundo
feliz… (Geraldo, Professor coordenador da EE Dália).
[…] a grande lógica quando você reduz 3.000, que é o que tinha no currículo
da nossa escola, pra 1.800 na formação geral básica, eu vejo uma
gravidade tremenda, é diminuir o conhecimento dos alunos nos aspectos
científicos, é diminuir arte na escola, é diminuir o diálogo e implementar uma
proposta tarefeira, ainda que tenha tecnologia implementada, mas é uma
tecnologia reduzida a operar os aplicativos, ou seja, às demandas de
precariedade que o mercado exige desse novo cidadão, o eu
empreendedor, é o pensamento individual, tudo é eu na proposta, e ela
simplesmente não é uma proposta educacional, eu entendo que seja um
raciocínio, uma lógica para o novo modelo de sociedade que não garante
mais os direitos mínimos para as pessoas, então a escola, ela é espaço, ela
é palco pra isso (Itamar, Diretor da EE Íris).
As competências socioemocionais elas têm que ser UM [ênfase] elemento
para se pensar a educação, porque vivemos num mundo hoje em que o
socioemocional é importante. […] O centro da educação não tem que ser as
competências socioemocionais e a preparação para esse mundo uberizado.
[…] vêm esses projetos mirabolantes que invertem: porque nós
precisamos ter uma mão-de-obra flexibilizada para se encaixar em qualquer
trabalho que tiver, não é formação, é qualquer trabalho. […] Eu acho que é
um modelo de educação que não vai formar nossos estudantes para a
necessidade deles, vai formar nossos estudantes para uma necessidade do
capital. Você vai estar desempregado, mas você vai ser formado para ser
empreendedor se você quiser. e empreenda, assim você está bem na
vida (Adriana, Diretora da EE Tulipa).
Alguns pontos se destacam nos relatos acima: que o contexto de repressão
também possui reproduções no âmbito escolar. Como citado pela diretora Nara, o
caso de uma escola estadual na cidade de Suzano onde houve um atentado de
atiradores, resultando em estudantes e servidores mortos.
15
Um fato como este
marca gerações. Não à toa que os temas da resiliência, da felicidade a qualquer
custo permeiam atividades promovidas pela Seduc sob a ideologia de competências
15
O atentado ocorreu em escola estadual na cidade de Suzano que deixou 10 pessoas mortas,
incluindo os dois atiradores que eram ex-alunos. Disponível em <brasil.elpais.com > Acesso em 11
ago. 2021.
19
socioemocionais, elemento difundido pelos organismos econômicos vinculados ao
capital que induzem a formação de um consenso de que
assim como realizam-se investimentos nas capacidades cognitivas
buscando alcançar determinados resultados (o que é sustentado pela teoria
do capital humano), também os traços de personalidade poderiam ser alvo
de investimento e intervenção no sentido de buscar determinados
resultados econômicos e sociais (Accioly; Lamosa, 2021, p. 714).
Pelos depoimentos dos educadores, o programa não se configura como uma
abordagem somente pedagógica, mas como a inculcação de uma racionalidade a
serviço de uma alternativa política desse contexto de crise que mantenha a
exploração da força de trabalho.
Estudantes são observados pelos educadores como membros da
comunidade que precisam da escola para a socialização e para instruir seu acesso à
cultura e ao emprego. Mas também relatam as contradições a respeito da orientação
profissional para um trabalho futuro, quando, na realidade, os jovens são
economicamente ativos com empregos que, embora mal remunerados, contribuem
para garantir-lhes sustentação financeira e existência.
[…] é difícil você falar de um emprego melhor pra um adolescente que quer
ter as coisas, que precisa trabalhar, que precisa ajudar em casa e que vai
ver naquele emprego ali a solução dos problemas dele naquele momento,
que é o que importa, aquele momento, viver aquele momento (Clarice,
Diretora da EE Anis).
Eu falo porque a escola não é o conhecimento, a escola é o levantar
cedo pra ir se arrumar, é passar o batom, aqui na Terra Firme
16
[bairro
periférico onde se localiza a EE Rosa] você viu, nós somos muito ruins de
localização, então os meninos passeiam na escola. […] Aqui ninguém
consegue sair pra ir ali porque não tem nada pra ir ali, o ônibus é muito
difícil, a condução é cara para os meninos, né? Eu tenho 200 meninos do
Bolsa Família, pensa, pobreza, extrema pobreza, de 870 [alunos]…. É muita
gente... [...] É vinte e cinco por cento da escola que mora mal, então a
escola é o evento, essa coisa (Nara, Diretora da EE Rosa).
Este elemento é importante porque as relações do jovem com a produção
social são mediadas pelo território da comunidade à qual o jovem pertence. Então
centro e periferia são tomados de forma orgânica, pelo fato da escola ser um polo
cultural fixo mas com pessoas em trânsito. Ali, o jovem possui parte da sua jornada
de interação com o mundo.
16
Nome fictício atribuído ao bairro para evitar identificação da escola e dos sujeitos participantes da
pesquisa.
20
Se o próprio cerne do programa admite que é preciso preparar jovens para
profissões ainda inexistentes, por que a intenção de antecipar uma situação
vindoura? Ou os agentes privados e políticos formuladores do programa têm
previsão de futuro para os jovens da classe subalterna?
O quanto o Novo Ensino Médio vai corroborar com uma situação que
existe, você entende? Eles são a mão de obra barata, eles são os que
vão trabalhar [...] sendo mão de obra barata mesmo o resto da vida, e
quando a gente pensa empreendedorismo, o máximo que eles vão ter,
assim [...] é uma loja de capinha de celular, sabe? (Clarice, Diretora da EE
Anis).
O que nos interessa ressaltar é que a condição de classe determina a
inserção precoce na População Economicamente Ativa. Condiciona-se não somente
o nível de escolaridade, contudo, também, o seu significado, tanto para crianças,
jovens, adultos e suas famílias, em contextos nos quais escolhas e não escolhas
possuem sua dialética. Mas para as classes subalternas prepondera a opção pelo
trabalho (Ferretti, 1988).
No contexto de modificações superestruturais, jurídico-formais do Estado, no
que diz respeito ao desmonte de direitos trabalhistas, para Virgínia Fontes (2017)
estas se realizam por um duplo movimento de reduzir a intervenção na reprodução
da força de trabalho empregada, quanto de ampliar a contenção da massa crescente
de trabalhadores desempregados. Tendo-se como finalidade o preparo para a
subordinação direta ao capital, sem a mediação de deveres do patronato para com a
classe trabalhadora. Estas ações desembocam na educação uma forma mais
incisiva da noção de empreendedorismo que visa ao apoio resoluto ao empresariado
no disciplinamento da força de trabalho, para que seja naturalizado o desemprego
não como mais uma ameaça, mas como uma condição normal.
Permanentemente são postos em prática procedimentos empresariais e/ ou
políticos para bloquear a emergência das tensões geradas por essas
contradições. […] o estímulo ao empreendedorismo, como apagamento
jurídico fictício da relação real de subordinação do trabalho ao capital, que
se apresenta como igualdade entre… capitalistas, sendo um deles mero
“proprietário” de sua própria força de trabalho (Fontes, 2017, p. 50, grifos no
original).
O Inova Educação se associa à iniciativa, fomentada por think tanks e
apoiada pela Seduc, de contribuir com a aceleração da transformação da relação
empregatícia com direitos em trabalho isolado diretamente subordinado ao capital,
21
sem mediação contratual e desprovido de direitos. A intencionalidade tende pela
formação de um novo tipo humano resiliente, flexível, autônomo, decidido e capaz
de se reinventar para inserir-se num mundo do trabalho de contratos precários, de
informalidade, de extensão de horários e com uso intenso da tecnologia.
A introdução do léxico do empreendedorismo transforma a relação da
juventude e dos trabalhadores da educação com a atividade educativa de
apropriação da cultura humano-histórica para uma simplificação instrutiva de
adequação comportamental para ações laborais precárias.
Destaca-se o tipo de conformismo que reforça a condição de subalternidade
dos estudantes da rede paulista. O deslocamento do conteúdo para aprendizagem é
efetivado por meio da produção de um consenso do fracasso da escola e a solução
é apresentada pela privatização também dos processos pedagógicos.
Com o esvaziamento da teoria, a formação da juventude é voltada para
práticas e para “escolhas”, para eleição das disciplinas de acordo com a vocação,
para busca do emprego precário e conquista do “mercado de trabalho”,
demarcações utilizadas para propiciar naturalização das condições de
hiperexploração do trabalho precário e do individualismo como única alternativa de
melhoria de vida.
Considerações finais
Sob aparência de modernização, inovação e de “competências para o século
XXI”, a reforma do ensino médio levada a cabo na rede estadual paulista pretende
educar para a incorporação de tecnologias sem saber para que e de onde vieram;
para o controle ideológico e emocional característico da contenção social; para o
preparo do trabalho subalterno, aprisionando a juventude a um eterno presente, sem
refletir sobre o passado e o futuro; para a manutenção da dualidade do ensino, que
separa teoria e prática, diminuindo a apreensão e o aprofundamento dos
conhecimentos, gerando bloqueios para o acesso à formação na universidade.
Identificamos esta dissimulação do real no cerne do Inova Educação e do
Novo Ensino Médio como parte dos objetivos da classe dominante. De uma luta
política mais ampla, que tem seu contexto circunscrito pelo processo de desmonte
22
dos direitos trabalhistas que conduziam a uma certa cidadania salarial, de aumento
das desigualdades produzido pela política econômica de austeridade e pela
articulação entre neoliberais, conservadores e fascistas na agenda política,
ideológica e cultural do país.
O conjunto de retrocessos levado no período simultâneo ao de uma política
educacional que, apesar de possuir a inovação na sua denominação, indica um
ajustamento e conformismo da juventude à ideologia de competências
socioemocionais. Quando os problemas reais eram atravessados pelas
desigualdades sociais e a destruição da natureza. Trata-se de uma contrarreforma a
serviço do capital sob a égide do neoliberalismo.
Neste cenário de desmonte da educação pública nacional e de violenta
invasão do setor privado na educação, é imperativa a revogação do Novo Ensino
Médio, por este institucionalizar o apartheid social e educacional.
Apenas mudanças curriculares não elevam padrões de qualidade do ensino e
o desempenho estudantil. São necessários recursos públicos orçamentários para a
educação pública, valorização da carreira e da remuneração de educadores,
melhores condições de trabalho, escolas bem equipadas, suporte tecnológico, corpo
técnico estável e projeto pedagógico integrado e de formação humana de base.
Nessa direção, seria fundamental ampliar o ensino técnico integrado ao
ensino médio, uma conquista dos educadores democráticos e dos movimentos
populares e sindicais concretizada nos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia. Paralelamente, são necessárias políticas relativas às diferentes
dimensões da sociedade, pois a qualidade da escola e a aprendizagem de
estudantes relacionam-se às condições de vida da população, a seu direito ao
trabalho, ao emprego qualificado e bem pago, ao direito à saúde pública, à cultura.
O que, por sua vez, exige a reafirmação da democracia no país e a reconstituição
dos direitos sociais.
Não basta somente a igualdade de acesso, mas também a igualdade de
objetivos intelectuais fundamentais, o acesso universal ao domínio da cultura, da
ciência, do conhecimento para que a juventude, a classe trabalhadora e os povos
oprimidos possam de fato inovar, com a construção de uma nova hegemonia.
23
Referências
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escola pública: experiências da Rede Estadual Paulista. Revista de Administração
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