
capitalismo do liberalismo clássico de Adam Smith ou um produtor das sociedades
industriais clássicas. Ademais, a “racionalidade neoliberal” desenvolvida entre os
anos 1980-1990 não é a simples implementação da doutrina “neoliberal” elaborada
nos anos 1930, numa condição de passagem de “teoria para a prática”. Ela é o
resultado de uma “multiplicidade de processos heterogêneos (Dardot e Laval, 2016,
p. 33-34).
A racionalidade neoliberal reconfigura a perspectiva de sociedade, que passa
a ser idealizada plenamente como um mercado, onde cada pessoa é concebida
como uma empresa em constante concorrência. A empresa de si mesmo é uma
“entidade psicológica e social, e mesmo espiritual” (p. 335)
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. Logo, a competição se
internaliza e a vida pessoal passa a ser percebida como um capital a ser
continuamente valorizado, processo no qual o sujeito social passa a ser o
empreendedor de si mesmo (Dardot e Laval, 2016).
O mercado se constitui como um artifício que emprega motivações
psicológicas e competências particulares, apresentando uma dinâmica auto
formativa, onde o sujeito econômico se auto educa e aprende a se administrar
(Dardot e Laval, 2016, p. 140)
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. Agora, esse sujeito é envolvido por uma ordem de
desempenho e gozo, flexível, precária, imprecisa, competitiva e fluida. Valoriza-se,
destarte, a instabilidade e adaptabilidade infinita do sujeito. Tal subjetividade impõe o
desenvolvimento, pelo indivíduo, da capacidade para “reagir rápido, inovar, criar,
‘gerir a complexidade numa economia globalizada’”, como um intérprete da
incerteza; nesta complexidade incontrolável, “o domínio de si mesmo e das relações
comunicacionais aparece como contrapartida” (Dardot e Laval, 2016, p.342).
Importante reiterar que a subjetivação determinada pela forma societária
capitalista não foi inaugurada pelo neoliberalismo. Processos históricos de
normatizações e técnicas de construção do sujeito social foram uma necessidade da
sociedade industrial e mercantil, condicionando a educação, a moradia, o descanso
e o lazer. No entanto, para Dardot e Laval (2016, p. 324), “a nova normatividade das
sociedades capitalistas impôs-se por uma normatização subjetiva de um tipo
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Para os autores, o novo sujeito precisa necessariamente “naturalizar” as regras do jogo neoliberal,
isto é, se adaptar, por exemplo, ao cenário do Estado-empresarial, no qual educação, saúde,
previdência e lazer se definem apenas como mercadoria e a privatização destas esferas sociais
possibilita a assim chamada liberdade de escolha.
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Como uma normativa generalizada, desde o Estado até a subjetividade, ela se reproduz na relação
do sujeito consigo mesmo, como um “capital humano que deve crescer indefinidamente, isto é, um
valor que deve valorizar-se cada vez mais” (Dardot e Laval, 2016, p.31-34).