V.22, 48 - 2024 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
A LEI ENQUANTO UM ARTEFATO TECNOLÓGICO NA
DISCUSSÃO SOBRE A EDUCAÇÃO
1
Melissa Bertolini Rodrigues
2
Francis Kanashiro Meneghetti
3
Resumo
O trabalho discute sobre a apropriação dos fundos públicos na educação pública no Brasil e o
protagonismo das grandes corporações privadas nesse âmbito. É um recorte da dissertação
defendida junto à Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em 2023 e a ideia central é a Lei
como um artefato tecnológico e seus propósitos moldados por teleologias pré-estabelecidas,
refletindo disputas de poder de uma sociedade e período. Agrega à Teoria dos Artefatos na Ciência
Jurídica e sua hermenêutica. A lei é analisada à luz das dimensões de CTS, através da análise crítica
da Lei 14.533/2023, sobre a política para a educação digital no país.
Palavra-chave: Lei; Artefato Tecnológico; Não Neutralidade; CTS.
EL DERECHO COMO ARTEFACTO TECNOLÓGICO EN EL DEBATE EDUCATIVO
Resumen
El trabajo analiza la apropiación de fondos públicos en la educación pública en Brasil y el papel protagónico de
las grandes corporaciones privadas en esta área. Es un extracto de la disertación defendida en la Universidad
Tecnológica Federal de Paraná, en 2023 y la idea central es el Derecho como artefacto tecnológico y sus fines
moldeados por teleologías preestablecidas, reflejando luchas de poder en una sociedad y un período. Se suma a
la Teoría de los Artefactos en las Ciencias Jurídicas y su hermenéutica. La ley se analiza a la luz de las
dimensiones de la CTS, a través de un análisis crítico de la Ley 14.533/2023, sobre la política de educación
digital en el país.
Palabra clave: Derecho; Artefacto Tecnológico; No Neutralidad; CTS.
THE LAW AS A TECNOLOGICAL ARTIFACT IN THE EDUCATION DEBATE
Abstract
The paper discusses the appropriation of public funds in public education in Brazil and the leading role of large
private corporations in this area. It is an excerpt from the dissertation defended at the Federal Technological
University of Paraná in 2023, and the central idea is the Law as a technological artifact and its purposes shaped
by pre-established teleologies, reflecting power struggles in a society and period. It adds to the Theory of Artifacts
in Legal Science and its hermeneutics. The law is analyzed in light of the dimensions of STS, through the critical
analysis of Law 14.533/2023, on the policy for digital education in the country.
Keywords: Law; Technological Artifact; Non-Neutrality; STS.
3
Administrador e Mestre pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil. Doutor em Educação pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Estágio Pós-Doutoral em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUC-PR), Brasil. Professor EBTT da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil,
vinculado ao Departamento Acadêmico de Gestão e Economia e aos Programas de Pós-Graduação em
Tecnologia e Sociedade (PPGTE) e de Pós-Graduação em Administração (PPGA). Membro fundador e
pesquisador do Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sociais (IBEPES). Presidente da Sociedade Brasileira
de Estudos Organizacionais (2012-2013). E-mail: francis@utfpr.edu.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8238451312475074. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0327-2872.
2
Advogada, graduanda em Letras Italiano, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Brasil, em Mobilidade
Acadêmica junto à Università degli Studi di Perugia (UNIPG), Itália e Mestra em Ciência, Tecnologia e Sociedade
pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (PPGTE/UTFPR), Brasil.
Email: melissarodrigues.2022@alunos.utfpr.edu.br. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0226560218256751.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6547-5184.
1
Artigo recebido em 08/03/2024. Primeira Avaliação em 19/03/2024. Segunda Avaliação em 05/06/2024.
Aprovado em 09/07/2024. Publicado em 07/08/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.62228.
1
Introdução
O presente trabalho visa colaborar com as discussões críticas relativas à
apropriação dos escassos fundos públicos destinados à educação pública no
Brasil e o protagonismo crescente das grandes corporações de informação e
comunicação, fundações e outras organizações privadas nesse âmbito.
A educação, como ensinou Florestan Fernandes (1989) é o principal dilema
histórico do Brasil. E enquanto um dilema, a educação, pública ou privada, sua
gestão e planejamento possuem configurações e dimensões complexas, que
envolvem uma multitude de fatores, que concorrem para sua concepção,
instrumentalização e realização efetivas.
Existem dissensos acerca da própria ontologia da educação, bem como
acerca dos objetivos e funções da escola, o que, em alguma medida, se relaciona
com a possibilidade ou existência de muitos significados para o que seja
considerado como “qualidade de ensino” (Libâneo, 2011).
Fato é que, no âmbito das políticas ditas oficiais para a educação, algumas
pesquisas conflagram a forte influência dos organismos internacionais, que
produzem impactos na própria concepção de escola, métodos e sistema de
avaliação, bem como na formulação dos currículos (Libâneo, 2016).
A partir dos anos 1980, organismos internacionais ligados a ONU
Organização das Nações Unidas e ao FMI Fundo Monetário Internacional, bem
como ao Banco Mundial ou BIRD Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento intensificaram sua atuação em processos de cooperação técnica e
financeira com relação ao designado Terceiro Mundo, voltados sistêmica e
globalmente ao crescimento econômico, garantindo, entre outros, uma função
reguladora e estabelecendo estratégias para distribuição de recursos financeiros,
notadamente em ações de longo prazo, inclusive para a educação básica.
A política e economia brasileiras foram marcadas pela ascensão do
neoliberalismo e da globalização econômica da década de 1990 e muitos dos
programas de governo da época sinalizavam a intenção de aderir ao cenário
internacional, aproximando os custos dos serviços públicos aos do mercado
internacional (Brasil/ MPOG, 1995).
2
No que concerne ao processo educacional daquela década, as diretrizes
prevalentes foram as estabelecidas na Reforma de 1995, adequadas às
determinações e diretrizes internacionais, de modo que o planejamento escolar se
afasta da sua própria localidade e, por que não, da sua brasilidade, passando a ser
orientada por projetos, cuja função do planejamento passa a ser o de fornecer
soluções para o bom desempenho da escola, em um enfoque sistêmico funcionalista
(Torre, 1997).
Os problemas, portanto, devem ser conhecidos de antemão, bem como
estabelecidos os objetos do planejamento, os quais passam a ser produtos da
escola, orientados pelas mesmas diretrizes internacionais. A base tecnicista para a
solução desses problemas planifica a realidade por si complexa, elimina alteridades
e não obstantes os muitos programas fracassados, parece insistir na política para
que o trabalho escolar seja modificado e instrumentalizado por simples negociações
técnicas (Fullan e Hargreaves, 2000).
À mente, retoma-se a célebre frase de Darcy Ribeiro sobre a educação, em
que sugere que: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”
(1986), principalmente quando, saltando no tempo, chega-se à Medida Provisória -
MP 746/16, que tratou da “reforma do ensino médio”, promulgada como primeiro ato
do governo de Michel Temer (Da Silva, 2018).
O intuito primordial daquele ato foi trazer à luz o chamado novo ensino médio,
encampado em uma reforma que de novo parece portar muito pouco, senão retomar
discursos presentes em outros atos anteriores.
Na MP referida se estabeleceu que o setor privado ofereça o itinerário de
formação técnica e profissional, ofertados em conformidade com as “possibilidades
dos sistemas de ensino” e o financiamento público para a oferta privada da
educação por meio da Educação à Distância EaD (Da Silva, 2018). Em verdade,
todavia, muito aqui da retomada do ProEMI Programa Ensino Médio Inovador,
de 2009, para citar somente um dos embolorados programas de governo para a
educação. Ou seja, a MP recupera proposições e discursos criticados dos
Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais, da mesma década uber
influenciadora dos anos 1990 brasileiros (Silva, 2008; Lopes e Macedo, 2002;
Pacheco, 2001).
3
A MP se torna posteriormente a Lei 13.415 de 2017, alterando artigos da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9.394/1996 e
instituindo a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral, entre outros.
A LDB sofreu inúmeras alterações, formando um complexo quase ininteligível
de malhas de textos legais, com sentidos textuais nem sempre coesos, entre elas,
para citar algumas das alterações sofridas, pelas Leis nºs 12.061/2009; 12.796/2913;
13. 632/2018; 14.333/2022 e finalmente pela Lei 14.533 de 2023, a qual instituiu a
Política para a Educação Digital no Brasil PNED.
Justamente nesse ponto presente, qual seja, o da Lei 14.533 de 2023 que
instituiu a política pública para a educação digital no Brasil, pretende-se colaborar
com a discussão que encabeça o presente trabalho, reafirmando que o país está
atualmente em uma momento de reconfiguração do espaço público, no qual grandes
corporações, fundações e outras organizações privadas buscam o fortalecimento da
capacidade executória do aparelho administrativo em geral e, em especial as
escolas, enquanto ao mesmo tempo, ocupa posição de interlocução direta e
privilegiada na condução e fazimento das políticas educacionais (Martins et al,
2018).
Como dito, são muitos os textos legais e as normas que alteraram a LDB e
outros artefatos legislativos relativos à educação no país, como por exemplo, a
própria BNCC Base Nacional Curricular Comum (2018). São muitas normas
instrumentalizadas nesses artefatos, os quais muitas vezes são de difícil inteligência
e interpretação, constituindo-se em um problema, um verdadeiro “emaranhado”
normativo, cujas exegeses técnico-jurídicas, podem permanecer pouco ou nada
questionados durante seu iter, o qual por si só, usualmente, é distante da
comunidade para o qual será inevitavelmente dirigido, relativamente à sua
neutralidade, linearidade, determinismo tecnológico, universalidade tecnológica ou
ainda transdução ou isomorfismo em relação às Políticas de CTI Ciência,
Tecnologia e Inovação, dimensões caras à área de estudos de CTS Ciência,
Tecnologia e Sociedade.
Dimensões críticas que transcendem à lógica tecnicista que, por sua vez, é
tida como neutra, ascética e desenvolvimentista, corolários e também produtos da
modernidade (pós-modernidade) neoliberal.
4
Justamente por conta do efeito contundente da busca e escolha do
“progresso tecnológico” pelo “progresso tecnológico”, descontextualizado
socialmente e distante da sociedade, se argumenta, pela necessidade de se atribuir
mais uma camada de legibilidade para as leis, notadamente aqui, aquelas relativas à
Educação, especificamente para a Lei 14.533 de 2023, a qual instituiu a Política
para a Educação Digital no Brasil PNED, de modo a contrapor-se à
responsabilidade flutuante no interior do corpo burocrático legislativo.
Para tanto e considerando que todo desenvolvimento tecnológico é um
produto das relações e realidades “tecnossociais” ou “sociotécnicas” e em face
dessa condição, emerge o imperativo de que essas tecnologias sejam
democraticamente disputadas (Feenberg, 2002; 2019a; 2019b), entende-se
necessário que as leis possam ser avaliadas e interpretadas segundo diapasões
também sociotécnicos, considerada em si mesma, um artefato tecnológico capaz de
ser analisada sob viés e lentes de CTS.
Escopo da Pesquisa
Essas considerações embasaram o cotejo da pesquisa realizada pela autora
durante a realização do curso de Mestrado, junto à Universidade Tecnológica
Federal do Paraná UTFPR, cuja defesa ocorreu em 30 de novembro de 2023.
A dissertação defendeu a ideia central de que a Lei é, em si mesma, um
artefato tecnológico. Considerou-se que tanto a própria lei quanto o seu propósito
são moldados por teleologias pré-estabelecidas, refletindo as disputas de poder
dentro de uma sociedade e em um período específico. Dessa forma, a pesquisa
surgiu, além de uma inquietação pessoal da pesquisadora, do desejo de enriquecer
o corpo teórico relacionado à Teoria dos Artefatos no contexto da Ciência Jurídica,
oferecendo uma nova perspectiva à hermenêutica jurídica, que vai além das
interpretações declarativas, restritivas ou extensivas.
Assim, a lei pode ser submetida a uma análise crítica à luz das diversas
dimensões da área de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), incentivando outros a
explorar os estudos da Teoria dos Artefatos na esfera jurídica, especialmente
considerando seu status incipiente em nosso país. Nesse contexto, o objetivo
principal da pesquisa foi realizar uma análise crítica do texto do Projeto de Lei (PL)
5
4.513/2020 e da Lei Ordinária 14.533/2023, que delineia a política para a
educação digital no Brasil, considerando-os como artefatos tecnológicos à luz das
teorias do campo CTS.
Os objetivos específicos incluíram a identificação e análise das
representações dos aspectos de Neutralidade, Linearidade, Determinismo
Tecnológico, Universalidade Tecnológica e a aplicação da Transdução ou
Isomorfismo das Políticas de CTI nos textos em questão.
Ao término da pesquisa, foi observada a viabilidade da concepção da lei como
uma artefactualidade tecnológica, fornecendo uma perspectiva interpretativa valiosa.
A lei como um termo polissêmico
A pesquisa percorreu o conceito de lei, o qual pode abarcar diversas
definições, seja como instituição ou instrumento da natureza social humana.
Podendo ser entendida como um artefato cultural, social, instrumental, textual e
histórico, além de ser considerada um artefato tecnológico, desenvolvido dentro da
capacidade humana de criação, não espontânea, natural ou desprovida de
finalidade.
Independentemente da capacidade ou contexto em que é mencionada, a lei é,
por sua essência, um texto, uma transcrição de um contrato social estabelecido por
legitimidade, competência e redes de poder. É também uma norma com partes
descritivas e outras que necessitam de regulamentação posterior à sua publicação e
entrada em vigor. Também uma das fontes do direito, inserida em um sistema
cultural, no qual podem surgir conflitos normativos devido às suas representações,
lacunas, contradições e prescrições.
A lei, sua formação, aplicabilidade e relação sistêmica no ordenamento
jurídico existente são elementos passíveis de interpretação, muitas vezes
necessitando da intermediação de um especialista para torná-la acessível à maioria
das pessoas.
Na pesquisa, argumentou-se que a lei é também um artefato tecnológico,
visto que é moldada por teleologias preestabelecidas e conflitos de poder em uma
sociedade e momento específicos. Para tanto, foram analisados os artefatos
6
tecnológicos do Projeto de Lei (PL) 4.513/2020, que institui a Política Nacional de
Educação Digital e altera leis relacionadas à educação nacional.
A abordagem da Lei como um Artefato tem respaldo em diversos estudos
acadêmicos, notadamente os realizados por Luka Burazin, da Universidade de
Zagreb, o qual argumenta que "A artefactualidade do direito tem uma influência não
apenas na teoria jurídica, mas na ciência jurídica em geral" (Burazin et al, 2018). Da
mesma forma, baseia-se nas perspectivas de Andrei Marmor (2018) sobre a lei
como um artefato composto, bem como nos estudos de Dicelis (2015), Malin (2013)
e Niño (2019) que a consideram um artefato cultural.
Partindo da premissa da inteligência artefactual da Lei, esta pesquisa buscou
ampliar essa concepção considerando a perspectiva tecnológica e suas diversas
dimensões de realização e manifestação, aspectos objetos de estudos e análises
dentro do campo interdisciplinar da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).
Dessa forma, realizou-se uma análise teórica através do estudo do texto de
um Projeto de Lei (PL 4.513/2020) e de sua Justificação (mens legis), assim como
a Lei Ordinária 14.533/2023. A análise examinou minuciosamente seus
conteúdos, utilizando os parâmetros estabelecidos pelos estudos de CTS como
"marcadores" dos artefatos tecnológicos, com o intuito de caracterizar a lei como tal.
Entre seus objetivos específicos, a pesquisa procurou investigar, de maneira
histórica, a formação, trajetória e a configuração legislativa do Projeto de Lei (PL)
4.513/2020, sua Justificação, culminando na promulgação da Lei Ordinária
14.533/2023, enquanto Artefatos Tecnológicos. Procurou demonstrar a existência de
processos de articulação de poder(es) anteriores e constantes na constituição e
elaboração dos Artefatos Tecnológicos, os quais tendem a favorecer determinados
grupos específicos. Procurou compreender como essas redes de poder e interesses,
envolvidas na criação e articulação dos Artefatos Tecnológicos, que se relacionam
com outros artefatos tecnológicos instrumentalizam suas ações.
Por fim, procurou identificar, ainda que de forma tangencial, um "alinhamento"
desses Artefatos Tecnológicos com outras "malhas-de-textos-legais", que originam
"redes-de-sentido-textuais", especialmente em relação às diretrizes da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB).
7
A pesquisa se organizou de modo a contemplar os referenciais teóricos para
os seguintes argumentos: Leis; Artefatos; Da Artefactualidade da Lei; Amplitude da
Perspectiva Tecnológica; Da Artefactualidade Tecnológica da Lei; Da Não
Neutralidade da Lei, enquanto Artefato Tecnológico; Do Determinismo Tecnológico;
Da Linearidade Tecnológica; Da Universalidade ou Universalização Tecnológica e Da
Transdução ou Isomorfismo das Políticas de CTI.
Referencial Teórico Das Leis
As leis são, em uma das múltiplas definições, instituições ou instrumentos da
natureza social do homem (Lloyd, 2017). A sociedade ocidental moderna está
acostumada à sua concepção secular, quando uma lei precisa articular suas razões
de existência e criação, bem como oferecer à sociedade ou à comunidade a que se
destina um vislumbre da mentalidade do legislador mas é difícil conceber que em
tempos anteriores elas possuíam qualidades religiosas e até mesmo santidade
(Coulanges, 2004, p. 207; Lloyd, 2017).
Mesmo hoje, embora "dissociada" do aspecto religioso, na sociedade
ocidental, uma lei realmente é uma compreensão ou noção relacional, situada em
uma sociedade e tempo específicos, muitas vezes com significação polissêmica.
Tanto assim que ela pode ser entendida em seu sentido jurídico, histórico e religioso,
para citar alguns, mas também pode ser associada ao sujeito que a estuda, molda,
teoriza e assim a relativiza. Temos um conceito de lei em Hannah Arendt (Schio;
Peixoto, 2012), outro em Kant (Nour, 2004), outro ainda em Kelsen (Nader, 2023, p.
84) e assim por diante.
Antes de situar a noção de lei dentro do território brasileiro, é importante,
mesmo que muito brevemente, compreender melhor seus termos, identificar a
diferença entre texto legal e a norma (significado da lei) contida nele, que será
relacional, fenomenológica e interpretada pelo sujeito que a aplica, estuda e utiliza
(Müller, 1997). Lei e norma, portanto, não são a mesma coisa, embora o Positivismo
possa tê-las pretendido como tal. Como regra, todavia, esses termos são usados
como sinônimos.
Muitos estudiosos do Direito no Brasil, trataram de compor suas significações.
Para Nader (2023), as normas seriam formas de agir e “A norma jurídica exerce
8
justamente esse papel de ser o instrumento de definição da conduta exigida pelo
Estado” (Nader, 2023, p. 83) enquanto a lei “apenas uma das formas de expressão
das normas”, as quais também se manifestaram através do direito, pela
jurisprudência” (Nader, 2023, p. 83-84). Ferraz Junior (2023), esclarece as normas,
“como esquemas doadores de significado, podem manifestar uma objetividade
relativa”, de modo que sua consubstanciação enquanto tal pode divergir de grupo
para grupo (Ferraz Júnior, 2023, p. 71). Para Maria Helena Diniz (2023), a norma
jurídica, para se pretender universal, deveria abster-se de qualquer conteúdo
contingente ou variável, sendo que sua conceituação é um problema filosófico
(Diniz, 2023, p. 359).
É possível, portanto, visualizar fatores múltiplos que compõem e perpassam a
própria definição do que venha a ser Norma, Lei ou Legislação, termos também
polissêmicos, como adverte Robert Alexy ( 2016).
É possível falar em legislação em sentido amplo, em sentido filosófico,
histórico, sociológico, antropológico, educativo e ainda técnico-jurídico (Bittar, 2022,
pp. 271-272) e conforme se avolumam, as legislações formam processos de
“massificação da legislação”, “malhas-de-textos-legais”, que originam
“redes-de-sentido-textuais”, em uma quase “poluição sistêmico-normativa”, um dos
fatores de “complexificação da aplicação” do próprio direito (Bittar, 2022, pp. 273).
Parte do complexo normativo, encontram-se diversos veículos/instrumentos
ou mesmo artefatos da legislação, entre eles códigos, consolidações, compilações e
informática jurídica (Bittar, 2022, pp. 274).
Feitas essas considerações e demonstrada a polissemia dos termos em
apreço, é a proposta deste trabalho, considerar uma outra acepção para os
mesmos, qual seja, da Lei enquanto um Artefato Tecnológico. Ademais, é
importante, desde esclarecer que os processos legislativos aqui indicados, eles
mesmos artefatos tecnológicos, aderem ou são regidos por uma realidade
sociotécnica (Feenberg, 2019) e justamente por sua natureza, emerge o imperativo
de que essas tecnologias sejam democraticamente disputadas, se essa sociedade
se pretende, de fato, democrática.
9
Referencial Teórico - Dos Artefatos
Artefatos são criações humanas que mediam atividades e podem incluir
instrumentos, sinais, linguagem e máquinas (Nardi, 1996). Os artefatos culturais,
incluindo ideias, valores e emoções, são produtos da cultura humana (Geertz, 1989),
modificam os homens e são modificados por eles (Geertz, 1978).
Existem dois tipos de objetos: naturais e humanos/sociais. Os naturais
surgem naturalmente, enquanto os humanos/sociais são produzidos
intencionalmente para algum propósito (Burazin, 2016). Os artefatos podem ser
ferramentas, meios de dividir o trabalho, normas e linguagem, todos mediando
atividades humanas (Engeströn, 1999). Os artefatos legislativos, como leis e
decretos, são criados para estabelecer normas e regras na sociedade, passando por
processos legislativos específicos (Bruce, 2002). Eles são usados como base para a
interpretação e aplicação do direito e podem ser alterados de acordo com as
necessidades sociais (Nader, 2023). A interpretação desses artefatos não é neutra,
sendo influenciada pelo contexto cultural, histórico e social do intérprete (Nader,
2023).
Em resumo, os artefatos legislativos são criados para estabelecer normas na
sociedade, passando por processos legislativos específicos e sendo utilizados como
base para a interpretação e aplicação do direito. Sua interpretação não é neutra,
sendo influenciada pelo contexto do intérprete.
Referencial Teórico - Da Artefactualidade da Lei
A ideia de que instituições jurídicas são artefatos não é nova (Burazin, 2016).
No entanto, a noção de que a Lei ou os Sistemas Legais são, por sua natureza,
artefatos foi pouco explorada devido a algumas ambiguidades em investigações
filosóficas do direito (Burazin, 2016). A reflexão sobre os artefatos surgiu em
contextos em que estes não eram centrais, no entanto, o mundo contemporâneo é
predominantemente artefactual, onde até atividades mundanas dependem de
artefatos em graus variados (Dipert, 1993).
Embora a filosofia da tecnologia pudesse ter explorado esse campo,
historicamente não o fez, apesar de avanços recentes na área da filosofia da
tecnologia analítica (Franzen; Lokhorst; Van de Poel, 2018; Mitcham, 1994).
10
Artefatos institucionais, como leis, dependem de uma intencionalidade coletiva
para sua existência, criação e perpetuação (Burazin, 2015). Os sistemas jurídicos
são artefatos institucionais abstratos criados por autores coletivos com uma intenção
particular (Burazin, 2015; 2016).
Os artefatos, incluindo a legislação, são produtos do esforço humano, com
funções determinadas (Finnis, 2003). A interpretação flexível da lei é uma
característica dos artefatos, assim como sua capacidade de comunicar seu uso
(Ehrenberg, 2018). O direito, como artefato cultural, reflete e molda a cultura,
produzindo modelos de conduta (Niño, 2019).
A legislação pode ser concebida como um artefato cultural expressivo e
prescritivo, recolhendo ideias dominantes e modelando comportamentos (NIÑO,
2019) e sua natureza os torna materiais e simbólicos, parte da cultura e irredutíveis
a padrões de comportamento (Niño, 2019).
Os sistemas jurídicos, como artefatos abstratos institucionalizados,
compartilham normas e criam novas normas, conferindo estatutos especiais a
elementos em seu âmbito (Ehrenberg, 2015). A lei, como artefato composto, cria
contextos prefixados e é dependente da jurisdição, sendo um artefato
espaço-temporal (Marmor, 2018).
Entender o direito como um artefato facilita a análise funcional do direito e
permite uma compreensão dinâmica do conceito de direito. A teoria dos artefatos
destaca o papel dos conceitos humanos na determinação das características dos
artefatos e na constituição de sistemas jurídicos (Burazin, 2016).
Referencial Teórico - Da Amplitude da Perspectiva Tecnológica
A associação da Lei com tecnologia pode não ser evidente, pois
tradicionalmente referem-se à tecnologia apenas os aparatos eletrônicos, como
computadores e celulares.
A visão comum sobre tecnologia a vincula ao desenvolvimento industrial,
sendo "na aplicação do conhecimento científico para melhorar processos e criar
novos produtos" (Silva, 1986, p. 224). De forma mais ampla, a tecnologia é vista
como uma combinação útil de ciência e técnica aplicada na produção de bens e
serviços, não sendo neutra socialmente (Rocha Neto, 1995, p. 24). Inclui assim, seu
11
aspecto social e sua construção, indo além da mera aplicação prática da ciência. A
ideia de que as transformações sociais são determinadas pelo desenvolvimento
tecnológico é contestada, e seria restringir a humanidade a uma certa subserviência
e a tecnologia a uma autonomia, uma lógica interna independente daquele que a
cria ou dos fatores sociais, culturais e históricos que constituem sua criação (Bazzo
et al, 2016, p. 173).
É crucial compreender a complexidade da tecnologia em suas diversas
dimensões de realização e manifestação, como por exemplo: como objeto, como um
modo de conhecimento, uma forma específica da atividade e como volição, ou seja,
como atitude humana perante uma realidade ou clivagem transformadora e múltipla
(Cupani, 2017, p. 16).
O senso comum pressupõe uma independência entre tecnologia e relações
sociais, tratando-as como meras ferramentas com significados fixos. No entanto, a
tecnologia não existe isoladamente, mas está intrinsecamente ligada ao contexto
relacional, cultural e social. A tecnologia não é um “isso” (Bruce, 2002), que pode ser
compreendido fora de qualquer contexto relacional, cultural e social.
As relações sociais devem ser codificadas nas tecnologias e vice-versa para
compreender como ambas se influenciam mutuamente e quais as implicações desse
complexo imbricamento (Bruce, 2002).
Referencial Teórico - Da Artefactualidade Tecnológica da Lei
A Teoria Artefactual do Direito (Burazin, 2016) revela-se fundamental para
análise das características do direito, rejeitando abordagens essencialistas (Leiter,
2011; 2013; Schauer, 2012). Gardner (2004) categoriza o direito e os sistemas
jurídicos como artefatos, fornecendo novas explicações estruturais. A teoria
Intencional - Conceitual dos Artefatos (Burazin, 2015) permite mudanças conceituais
facilitando explicações jurídico-filosóficas.
A lei é um artefato cultural e tecnológico, influenciando a sociedade e as
interações humanas (Cupani, 2017; Mitcham, 1994). Os debates conceituais sobre
artefatos, incluindo a lei, são cruciais (Schauer, 2018). A maleabilidade cultural da lei
ressalta sua natureza como artefato cultural (Dicelis, 2015). Reconhecer a
contingência dos artefatos, incluindo a lei, é essencial (Schauer, 2018).
12
Enquanto instrumento com um fim ou uma função, uma comunicação, um
texto, um artefato tecnológico com cultura embarcada inerente que o acomoda e
também fomenta, reflexo da história e sujeita a ela, portador de uma norma,
inerentemente cultural, a lei é um artefato tecnológico humano, um “estranho tipo de
artefato”, dotado de propriedades peculiares, uma estrutura definida projetada ou
desenvolvida para desempenhar funções sociais específicas (Tuzet, 2018).
Uma imagem instrumentalista entende a tecnologia como uma ferramenta
para realização de tarefas, bens e serviços, reafirmando o estatuto de neutralidade a
ela imputada (Bazzo et al, 2016). É comum o uso do argumento de que determinada
Lei pode ser muito boa, mas sua utilização, muitas vezes, inadequada ou
inviabilizada. Esse tipo de argumento sugere que aquele artefato tecnológico, no
caso a Lei, seria neutro, desprovido de ideologias e quase mesmo, destacado de
fatores socioculturais que o sustentam.
Referencial Teórico - Da Não Neutralidade da Lei
A lei, enquanto instrumento de normatização social, é tradicionalmente
considerada neutra e universal. A neutralidade da ciência e da tecnologia, esta
tradicionalmente compreendida como resultado da aplicação sistemática daquela, é
uma “concepção herdada”, (Bazzo et al., 2016). Sabe-se, todavia, que o manto da
neutralidade é uma artificialidade, sendo impossível a noção de que a tecnologia
seja neutra ou regulada por lógicas autônomas em relação a seus próprios
condicionantes externos, como fatores sociais, culturais, locais, temporais,
psicológicos e ainda históricos. A neutralidade é questionável, pois as tecnologias,
incluindo a lei, refletem influências sociais, culturais e políticas (Bazzo et al, 2016).
A não neutralidade da lei pode resultar em tratamento desigual e reforçar
estruturas de poder existentes. Ademais, os artefatos têm política (Winner, 1987) e
as suas ‘soluções’ tecnológicas, mesmo aquelas construídas localmente, atendem
às demandas de grupos sociais dominantes (Cupani, 2017, p. 153), podendo ser
utilizadas para resolver questões sociais, mas também podem favorecer certos
grupos em detrimento de outros (Jacinski et al., 2019).
A legislação pode ser influenciada por diferentes forças sociais, resultando em
leis que refletem ideologias dominantes (Monreal, 1983). Uma política elaborada por
13
um Estado capitalista atenderá, via de regra, aos interesses de um grupo de atores
sociais específicos, de modo que uma Política Científica e Tecnológica PCT
elaborada nesse âmbito, poderá conter em suas orientações e suas configurações,
possíveis conflitos (Jacinsky et al, 2019).
Ora, a tecnologia não é um mero produto social, tampouco neutra. Seus usos
e instrumentalizações não escapam às relações de poder ou os modos de consagrar
algumas dessas mesmas relações sociais. As escolhas para seu uso, aplicabilidade,
bem como para a produção e pesquisa de uma determinada tecnologia são
apriorísticas, determinadas pelas relações de poder.
A produção de uma lei é um processo permeado por disputas políticas,
econômicas, culturais e sociais, visando a implementação de modelos gerais e
abstratos de consenso (Heidegger, 1981). O direito nasce, a princípio, como forma
de legitimação do poder (Weber, 2003). Para outros, considerando a pré-existência
de relações de poder na história da humanidade, o direito depende da existência de
um poder estabelecido (Reale, 1960, p. 115).
Referencial Teórico Do Determinismo Tecnológico
É relevante compreender que esse conceito aborda a ideia de que a
tecnologia exerce influência sobre a sociedade, guiando seu curso de forma
inevitável (Cupani, 2017, p. 201). Travestido de otimismo, o que não é algo novo,
remontando ao século XIX, com o desenvolvimento técnico impulsionado pela
ciência (Ellul, 1964), a técnica reflete princípios cartesianos do pensamento, tanto no
avanço tecnológico quanto na organização do Direito, refletindo um certo espírito
humano (Cupani, 2017, p. 203).
Atualmente, a técnica é caracterizada pela busca valor da eficiência,
orientando o "progresso tecnológico, ao qual os seres humanos devem se submeter,
criando uma civilização homogênea e uniforme (Cupani, 2017, p. 205). Também
marcada pela artificialidade e pelo automatismo, eliminando a escolha pessoal e
subordinando o mundo natural (Cupani, 2017). Sob a ilusão de seu próprio
aprimoramento, a humanidade se cada vez mais compelida a aceitar o caminho
técnico como o único válido, tornando-se, assim, técnicos em sua própria sociedade
(Ellul, 1964).
14
Ainda que este texto se concentre em aspectos da Educação Digital, objeto
da PL 4513/2020, é importante desde ressaltar que a adjetivação "digital" confere
à educação uma dimensão utilitária, vinculada a uma finalidade específica e
governada por uma força inexorável e homogênea (Laval, 2019, p. 17). Isso
evidencia o caráter determinista dos textos em análise, deslocando os valores
sociais, culturais e políticos do saber para uma ênfase na gestão escolar e na
profissionalização do conhecimento (Laval, 2019, p. 18).
Referencial Teórico Da Linearidade Tecnológica
O desenvolvimento tecnológico não segue uma trajetória linear de
acumulação de melhorias, mas sim um processo multifacetado de variação e
seleção, exigindo uma interpretação e análise críticas por parte da sociedade.
É importante ressaltar a inaplicabilidade do modelo linear de desenvolvimento,
que ainda parece subjazer às leis mencionadas, perpetuando a concepção clássica
de que o progresso social depende do crescimento econômico, que, por sua vez,
depende do desenvolvimento tecnológico desvinculado de interferências políticas ou
sociais. Tal visão favorece o monopólio tecnológico e a supressão da diversidade,
impedindo-nos de reconhecer o potencial emancipatório da tecnologia e a
importância da preservação da tecnodiversidade (Hui, 2020, p. 18).
Além disso, devemos refletir sobre a questão da não linearidade tecnológica
como uma contribuição para uma perspectiva decolonial, desconstruindo a ideia de
superioridade do modelo europeu e enfatizando a necessidade de uma educação
intercultural ampla e inclusiva (Candau, 2013, p. 159). A transformação operada pela
tecnologia é permeada por leituras ideológicas e modificações na experiência
humana em diferentes aspectos, incluindo o papel da lei, que regula e determina
variações na vida daqueles que estão sujeitos a ela (Cupani, 2017).
Ademais, é crucial compreender que o Estado e a legislação também sofrem
transformações em uma sociedade tecnológica, tornando-se parte de um "enorme
organismo técnico", onde os políticos são meras engrenagens da máquina e a lei é
utilizada como instrumento de eficiência em vez de justiça (Ellul, 1964).
15
Referencial Teórico Da Universalidade/Universalização Tecnológica
Em uma sociedade tecnológica, todos os problemas e desafios são
interpretados como questões técnicas que devem ser solucionadas exclusivamente
por meio da tecnologia (Winner, 1977, p. 128-129). Nesse contexto, busca-se
identificar e resolver dificuldades e metas por meio de soluções técnicas que são
consideradas homogêneas e eficientes, levando à universalização de sua aplicação
quando parecem eficazes em determinadas situações específicas (Cupani, 2017, p.
188).
No entanto, quando prevalece a "racionalidade instrumental", os objetivos são
muitas vezes negligenciados ou presumidos antecipadamente, resultando na
eliminação das complexidades em prol da homogeneização seletiva. Dessa forma,
ao estabelecer certos objetivos previamente, a tecnologia inevitavelmente descarta
ou ignora outros, promovendo uma cultura tecnicista que prioriza o "como" em
detrimento do "porquê", caracterizando um reducionismo da vida (Hui, 2020, p. 174).
Embora o reducionismo não seja intrinsecamente negativo, torna-se
extremamente prejudicial quando considerado como única realidade. A tecnologia é
fundamentalmente um suporte para o pensamento e meio no qual ele é moldado e
transformado, sendo essencial para a biodiversidade e diversidade de modos de
vida, que devem resistir à homogeneização imposta pela tecnologia moderna (Hui,
2020, p. 132).
Apesar de ser internacional, a tecnologia não é universal (Hui, 2020, p. 41).
Portanto, repensar o papel da tecnologia é fundamental para uma abordagem mais
diversificada e pluralista, reconhecendo a multiplicidade de cosmoéticas e
tecnicidades (Hui, 2020, p. 89).
Ao rejeitar a homogeneidade associada à tecnologia, especialmente quando
relacionada à educação, podemos explorar criticamente o poder transformador da
heterogeneidade (Hui, 2020, p. 91). Os textos normativos, assim como outros
artefatos tecnológicos, tendem a ter uma única teleologia marcada pela
sincronização e homogeneidade, características típicas das tecnologias modernas.
Além disso, é interessante notar que a universalização da tecnologia, aplicada
aos artefatos tecnológicos normativos, se confunde com a própria noção de
Transdução ou Isomorfismo das Políticas de CTI, em que a justificação de projetos
16
de lei se baseia em referências europeias para validar sua universalidade, sem
considerar ajustes ou diferenças contextuais (Hui, 2020, p. 46).
Referencial Teórico da Transdução ou Isomorfismo das políticas de CTI
A supressão de diversas epistemes e, consequentemente, da
tecnodiversidade, fortalece a hegemonia sincronizada inerente à singularidade
tecnológica. Ao imitar acriticamente outras nações e suas políticas de CTI,
fortalecem-se os processos de colonização, reforçando as disparidades de poder
(Hui, 2020, p. 83), onde os mais tecnologicamente poderosos exportam
conhecimento e valores para os mais fracos, eliminando possíveis alteridades (Hui,
2020, p. 62).
A incapacidade de integração entre localidade e tecnologia, juntamente com
um pensamento ecológico padronizado de origem europeia, são alguns dos grandes
fracassos do século XX. É crucial pensar na decolonização a partir de uma
perspectiva tecnológica (Hui, 2020).
A experiência universal não deve ser aceita acriticamente, sendo necessário
abordar o estudo de problemas sociais dentro de seus contextos locais, sem
desconsiderar a experiência universal, mas sem aceitá-la como verdade absoluta
(Varsavsky, 1969, p. 26). Além disso, a ciência é construída e situada culturalmente,
exigindo a incorporação de conhecimentos locais em uma ecologia de práticas e
saberes coletivos (Velho, 2011; Santos, 2003).
O mecanismo de "transdução", presente na elaboração de políticas de CTI e
em outros aspectos, baseia-se na capacidade de vocalização e poder político,
imitando e adaptando modelos de ciência e tecnologia de países centrais, o que
reforça uma posição periférica e influencia diretamente o processo de formulação de
políticas, mesmo quando desconectado da realidade local (Cabral Neto et al, 2013).
Nas políticas de educação digital analisadas, não consideração para a
localidade ou a incorporação de conhecimentos locais. Pelo contrário, uma clara
referência à superioridade da proposta europeia de competência digital, conhecida
como DigComp (Brasil, 2020, p. 3), sem levar em conta as diversas realidades que
uma política nacional de educação digital precisa considerar.
17
Essa interconexão teórica parece estar ligada a outros aspectos, revelando a
não neutralidade de ideologias que ainda consideram o Brasil uma colônia europeia,
e sugerindo que devemos buscar soluções em modelos estrangeiros para nosso
progresso. Isso também está conectado à questão do Determinismo, que apresenta
um único modelo ideal como solução para nossos problemas de desenvolvimento.
Essa interseccionalidade entre os aspectos parece constituir uma teleologia
multifacetada dos artefatos tecnológicos, revelando a complexidade e os
entrelaçamentos presentes nessas questões.
Procedimentos Metodológicos
A pesquisa realizada é de natureza qualitativa, bibliográfica, documental e
descritiva. Apesar da escassez de referências nacionais sobre o tema, foram
identificados alguns trabalhos relevantes, como o artigo de Luka Burazin e sua obra
"Law as an Artifact". As palavras-chave mais utilizadas incluíram "Artefatos",
"Artefactualidade da Lei", "Neutralidade da Lei" e outras.
A pesquisa documental focou nas legislações relevantes, especialmente o PL
4.513/2020 e a Lei 14.533/2023, analisando seus textos originais, diferenças e
contextualização.
A pesquisa é descritiva e segue as orientações de Bardin (1977) para
compreender as relações entre fenômenos categorizados e seus contextos sociais,
políticos e ideológicos (Stake, 1995).
A revisão da literatura abordou a Lei como um Artefato Tecnológico, com
referências a estudos de diversos autores, incluindo Luka Burazin (2018), Andrei
Marmor (2018) e outros. A autora enfrentou dificuldades para encontrar um corpus
significativo, mas revisou todos os referenciais encontrados.
Os dados foram coletados por meio da leitura dos textos, comparação entre
os mesmos e visitas a páginas oficiais e plataformas digitais, entre eles, os sites da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal Brasileiro e do MCTI.
Na fase de análise, a partir do estudo do caso formado pelos artefatos
tecnológicos mencionados, foram selecionados trechos para identificação e
categorização, os quais foram confrontados com representações consagradas na
literatura de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), especialmente relacionadas à
18
Não Neutralidade da Lei, Determinismo Tecnológico, Linearidade Tecnológica,
Universalidade/Universalização Tecnológica e Transdução ou Isomorfismo das
Políticas de CTI.
Apresentação e Análise dos Resultados
O PL 4.513/2020, passou por várias etapas na Câmara dos Deputados. A
proposta original visava instituir a Política Nacional de Educação Digital e modificar a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 2020).
É importante ressaltar que, apesar do escopo inicialmente proposto para a
educação digital, o PL parece restringir seu conceito e alcance, enfatizando
habilidades e competências em detrimento de outros aspectos essenciais da
educação, como destacado por autores como Laval (2019) e Freire (2022).
Abordagem que parece refletir uma lógica neoliberal na educação, desconsiderando
sua complexidade e diversidade, e enfatizando uma visão utilitarista e
mercadológica da mesma (Laval, 2019).
Sequencialmente, produziu-se um cotejo comparativo, artigo a artigo, entre os
artefatos tecnológicos do PL, sua Justificação, Vetos Presidenciais e a Lei que
consubstanciou a PNED.
A análise da Justificação do PL é de igual relevância porque permite
identificar seus valores constitutivos (Bruce, 2002) e, em si, um artefato tecnológico,
pode incorporar valores desde o momento de sua criação, sofrendo mudanças ao
longo do tempo, diferentes contextos de uso (Kroes, 2012; Houkes; Vermaas, 2010;
Kroes; Verbeek, 2014; Winner, 1980).
Foram definidas grandes categorias analíticas, como indicadas e os 32
códigos destacados, foram agrupados em subcategorias e 5 categorias analíticas,
demonstrando a relação entre as políticas de CTI e os valores inerentes aos
artefatos tecnológicos.
Na categoria da Não Neutralidade da Lei como Artefato Tecnológico,
observou-se a presença de ideologias liberais e neoliberais, especialmente ligadas à
Revolução 4.0 e suas ramificações, como a criação de redes de professores i4.0 e
Indústria 4.0 (Laval, 2019). A linguagem utilizada destaca princípios empresariais de
performance e investimento, sugerindo um único caminho disruptivo para o
19
progresso (Laval, 2019). A Educação é tratada como um bem essencialmente
privado, com valor econômico e regida por relações de mercado (LAVAL, 2019). Os
artefatos tecnológicos refletem essa visão ao promoverem treinamentos de
habilidades, formação de professores i4.0 e outras medidas que priorizam a
competitividade (Laval, 2019).
Esses artefatos contribuem para a visão da escola como uma antessala da
vida econômica e profissional, negligenciando a formação cidadã e a igualdade de
oportunidades (Laval, 2019). A educação permanente é promovida para adaptar os
trabalhadores à tecnologia, alinhando-se aos interesses das organizações
capitalistas (Faria; Meneghetti, 2009).
Na Segunda Categoria, do Determinismo Tecnológico, percebeu-se a ideia de
que a tecnologia exerce uma influência determinante na sociedade, orientando seu
curso de maneira inexorável (Cupani, 2017), aspecto que remonta ao século XIX,
impulsionado pela intenção técnica do Estado e pela busca de lucro da burguesia
(Ellul, 1964).
O progresso técnico é autodirigido e o ser humano é reduzido a aceitar a
opção tecnicamente melhor, tornando-se cada vez mais técnico em sua sociedade
(Ellul, 1964). Os trechos destacados para essa categoria refletem a forte presença
do Determinismo Tecnológico.
Em relação à Terceira Categoria, da Linearidade Tecnológica, importa
evidenciar a não linearidade tecnológica, conquanto a natureza social da mudança
tecnológica em questão, quais sejam, o letramento digital, capacitação digital para o
mundo do trabalho, inclusão digital, emancipação do trabalhador, desenvolvimento
social e tecnológico, entre outros objetivos dos ordenamentos aqui repetidamente
citados, e portanto, em última análise, a eficácia e êxito daquelas legislações, para
além de mera positividade, não estão definidos de antemão, tampouco podem ser
frutos de importação ou empréstimo de outros países (Transdução ou Isomorfismo
das Políticas de CTI) ou de fórmulas prontas a priori. Estabelecendo-se que o
desenvolvimento tecnológico não é um processo linear de acumulação de melhoras,
mas processo multidirecional e quase evolutivo de variação e seleção. Motivo que
nos faz conclamar sua própria interpretação e análise críticas.
A concepção linear de desenvolvimento, baseada na ideia de que o progresso
social depende do crescimento econômico, que por sua vez depende do
20
desenvolvimento tecnológico sem interferências políticas ou sociais, não é aplicável
na sociedade atual (Ellul, 1964). Essa linearidade favorece o tecno-monopólio e a
eliminação da diversidade, prejudicando a manutenção da tecnodiversidade (Hui,
2020).
Além disso, é relevante considerar a contribuição da não linearidade
tecnológica para um horizonte de decolonialidade, desconstruindo a ideia de
superioridade do modelo europeu e destacando a importância da educação e
formação intercultural (Candau, 2013). A transformação operada pela tecnologia
afeta diversas áreas da experiência humana e também modifica o Estado e a
legislação em uma sociedade tecnológica (Ellul, 1964).
A centralidade em relação aos temas da inovação nos textos concorre com a
tendência mundial para tanto para a composição de políticas públicas de CTI, em
detrimento do próprio uso da tecnologia e, considerando que a atividade inovadora é
muito mais concentrada geograficamente do que a produção da tecnologia e sua
própria difusão (Edgerton, 1999, p. 7), é possível inferir que a construção do artefato
tecnológico em si orienta-se linearmente pelas produções de países centrais na
produção do que hegemonicamente se entende por ciência. A leitura da
transformação, em diversos níveis, operada pela tecnologia, é um uma leitura
ideológica (Cupani, 2017, p. 199). Além do mais, a experiência humana, nos mais
diversos aspectos, modifica-se ao passar pela intermediação de um artefato
(Cupani, 2017). Como é o caso da Lei, que regula, determina e representa
variações, com graus diferentes de intensidade, na vida daqueles sob sua égide.
O PL proposto, não obstante suas alterações (11 emendas ao total) ocorridas
durante seu iter constitutivo-formativo, até a sua culminação na Lei 14.522/2023
(que instituiu a PNED), altera disposições da Lei 9.394/1996 (LDB), bem como
das Leis nºs 9.448/1997 (transforma o INEP em autarquia federal e outras
providências. A alteração insere, como dito anteriormente, o inciso X a essa Lei do
INEP, com a proposição de instrumentos e avaliação, diagnóstico e recenseamento
estatístico do letramento e da educação digital nas instituições de educação básica e
superior) 10.260/2001 (Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do
Ensino superior e da outras providências FIES. A Lei atual do PNED, inseriu na Lei
do FIES, a questão da priorização dos programas de imersão de curta duração em
técnicas e linguagens computacionais no âmbito da Política Nacional de Educação
21
Digital) e 10.753/2003 (Que institui a Política Nacional do Livro). A alteração inicial
propunha a ampliação daquilo que seria considerado livro, para os fins da lei. Como
descrito anteriormente, acabou vetado).
A centralidade em relação aos temas da inovação nos textos concorre com a
tendência mundial para tanto para a composição de políticas públicas de CTI, em
detrimento do próprio uso da tecnologia e, considerando que a atividade inovadora é
muito mais concentrada geograficamente do que a produção da tecnologia e sua
própria difusão (Edgerton, 1999, p. 7), é possível inferir que a construção do artefato
tecnológico em si orienta-se linearmente pelas produções de países centrais na
produção do que hegemonicamente se entende por ciência.
A Não Linearidade do Desenvolvimento Tecnológico em relação ao
desenvolvimento linear científico, enquanto degraus necessários e últimos para o
desenvolvimento social e econômico é bastante ligada à Categoria do Determinismo
Tecnológico, por quanto resguarda certos valores que indicam haver somente um
caminho a ser seguido, uma lógica única específica e determinante.
Na Quarta Categoria, da Universalidade Tecnológica e da utilização do
Isomorfismo ou Transdução das Políticas de CTI na Lei enquanto um Artefato
Tecnológico, destacam-se várias referências importantes.
Inicialmente, são identificados os Paradigmas da Política de CTI (Velho,
2011), como Ciência como Motor do Progresso, Ciência como Solução e Causa de
Problemas, Ciência como Fonte de Oportunidade Estratégica e Ciência para o Bem
da Sociedade. Observa-se também a emulação do modelo europeu, particularmente
o modelo português, como fonte de inspiração para as diretrizes das políticas de CTI
(Brasil, 2020).
A crítica ao isomorfismo das políticas de CTI era percebida como um
problema desde o início dos anos 2000, notabilizando-se o PLACTS - Pensamento
Latino-Americano em Ciência, Tecnologia e Sociedade, originado nos anos 1960
(Elzinga; Jamison, 1995; Dagnino, Thomas, 1999; Guston, 2000; Kuhlman, 2001;
Laredo; Mustar, 2001; Velho, 2004), o qual não deveria ser a regra (Vellho, 2011).
Ademais, essa ideia de que ao se adotar uma tecnologia estrangeira, sujeitamo-nos
apenas a uma pequena dependência é um engano (Hui, 2020).
Os artefatos aqui analisados parecem confluir para a tendência da
internacionalização da Política de CTI, cuja difusão ocorrer através das relações
22
internacionais em Política de Ciência, Tecnologia e Inovação, normalmente
mediadas por organizações internacionais e organismo multilaterais, cujo
direcionamento ou modelo a ser seguido é linear e associa-se estreitamente ao
conceito dominante e hegemônico do que seja ciência (Velho, 2011). Entretanto, é
necessário descartar a ideia universal da tecnologia, reconhecendo-a como
internacional, não universal (Hui, 2020).
“O processo de universalização funciona de acordo com diferenças de poder:
o poder tecnologicamente mais forte exposta conhecimento e valores para o mais
fraco, e como consequência destrói interioridades” (Hui, 2020, p. 62). Isso é
evidenciado pela predominância dos paradigmas europeus nas políticas de CTI
brasileiras, enquanto se negligencia a identidade nacional e regional (Brasil, 2020).
Assim, apesar das diferenças no desenvolvimento tecnológico, que definem
as fronteiras entre culturas e poderes, os olhos continuam voltados para a Europa,
mesmo que as realidades sociais, econômicas, culturais, educacionais e
tecnológicas sejam distintas.
Confluíram ainda na composição da análise, para além das categorias
resumidamente indicadas acima, a ausência de participação popular direta na
realização daqueles Artefatos Tecnológicos mencionados. Levou-se em conta
também a Consulta Pública para a revisão da estratégia Brasileira para a
Transformação Digital, o E-Digital, realizada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação em setembro de 2021, cujos temas e colaboradores ativos, alguns dos
quais consultores para gestão e performance para desenvolvimento de talentos no
Brasil, foram reforçados e trazidos em diversas postagens em redes sociais pela
propositora do PL inicial.
O imbricamento evidenciado pela pesquisa parece reforçar, através da
composição dos seus atores aquele elemento humano na categorização da teoria
Intencional - Conceitual dos Artefatos, de Burazin (2016) e como ela ajuda a explicar
o papel da comunidade ‘relevante’ na própria constituição e participação de outras
regras jurídicas secundárias em um sistema jurídico. De modo que é possível dizer
que sua “essência” não é “real”, natural ou ontologicamente objetiva, sendo sua
“natureza” constituída por conceitos e intenções, declaradas ou não, de seus
criadores e a partir delas serão determinadas suas características relevantes para
que um artefato seja de um ou outro tipo (Burazin, 2016, p. 386).
23
Diga-se ainda, que, tendo por consideração as postagens realizadas pela
então propositora, é possível perceber a todo momento, os aspectos triunfalistas
ligados à tecnologia, como se oferecessem sempre e somente “soluções
prometeicas” (Hui, 2020).
Além de certo caráter autopromocional e autoral do PL conflagrado, não
qualquer tipo de questionamento crítico com relação à compactação da educação ao
digital ou, como a terminologia reducionista do capital requer, à educação 4.0.
Parte-se da premissa inquestionável e irrefutável, de que a tecnologia aqui,
constituinte e voltada à educação digital, seja de fato benéfica e única via possível
para o seu “desenvolvimento”, conforme padrões internacionais a serem alcançados.
Aliás, a ausência de questionamentos em relação ao tema é também
verificável ou, em verdade, inverificável, porquanto ausente, durante os “debates”
realizados nas Comissões Permanentes específicas junto à Câmara dos Deputados,
permanecendo a constância mítica e irretocável associada à tecnologia. Não
esse questionamento em todo seu percurso, por qualquer partido político ou algum
dos seus pareceristas, nem mesmo por aqueles que também se designavam como
Professores.
Como questiona Sarewitz; Pielke (2007), como sabemos se um determinado
portifólio de investigação é potencialmente mais eficaz que outro para justificar as
escolhas que concerne às políticas científicas e tecnológicas? Muitas vezes, uma
escolha política científica não é necessariamente mais eficiente ou melhor em
relação a outras, mas sua acolhida e fomento político pode residir na confluência de
tecnologia avançada, ciência de “alto prestígio”, incentivos do mercado e mesmo
ideologias (Sarewit; Pielke, 2007, p. 6).
Conclusões
A pesquisa apontou para uma necessidade de uma nova perspectiva para a
interpretação da lei, de modo a torná-la mais acessível para aqueles que da
tecnicidade jurídica prescindem. Ao aproximar os estudos de Ciência, Tecnologia e
Sociedade da Ciência Jurídica, novas possibilidades para uma interpretação mais
acessível e crítica se somam ao cabedal da exegese jurídica e talvez possamos falar
em exegese jurídica e sociedade (Rodrigues, 2023). Embora não exaustiva,
24
evidenciou-se a inevitabilidade do valor da eficiência, inquestionado nos textos
analisados durante todo o seu processo de realização, assim como, a partir das
categorias analisadas, um reforço tecnocrático jurídico, um distanciamento de
participação popular e códigos técnicos que permeiam a composição dos artefatos
em apreço.
Por fim, havia ainda o desejo de evidenciar mais profundamente a relação dos
artefatos tecnológicos com a questão da educação, uma vez que alteram
disposições da Lei 9.394/1996 (LDB) e outras relativas às Políticas de Educação
Nacional, formando “malhas-de-textos-legais” e “redes-de-sentido-textuais”, com as
mesmas. Porém gostaria de registar, não obstante, que o PNED parece confluir com
as estratégias e incidência empresarial na apolítica educacional brasileira,
contribuindo para a reconfiguração do espaço público na condução de políticas
educacionais. Aspecto que considero importante para a própria caracterização
artefactual da lei, ou seja, conhecer suas intenções, declaradas ou não.
Referências
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Plano
Plurianual 1996-1999. Brasília: Câmara Legislativa, 1995.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases
da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. Seção 1, p.
27833.
BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC,
2015.
BRASIL. Governo digital. Estratégia do governo digital 2020-2022, 2020.
BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações MCTIC.
Estratégia Brasileira para a transformação digital. Brasília: 2022a. 108 p.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4.513 de 09 de setembro de
2020. Institui a Política Nacional de Educação Digital e insere dispositivos no art.
da Lei 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional.
BRASIL. Lei Federal 14.533 de 11 de janeiro de 2023. Institui a Política Nacional
de Educação Digital e altera as Leis 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), 9.448, de 14 de março de 1997, 10.260,
de 12 de julho de 2001, e 10.753, de 30 de outubro de 2003.
25
ALEXY, R. La institucionalización de la justicia. Traducción de José A. Seone;
Eduardo R. Sodero; Pablo Rodríguez; Alfonso Ballesteros. 3 ed. Granada: Editorial
Camares, 2016.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 1977.
BAUMAN, Z; LYON, D. Vigilância líquida. Editora Zahar, 2013.
BAZZO, W. A.; PEREIRA, L. T. V.; LINSINGEN, I. V. Educação Tecnológica:
enfoques para o ensino de engenharia. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2016.
BITTAR, E. C. B. Introdução do estudo do direito: humanismo, democracia e
justiça. 3 ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022.
BRUCE, B. C. Technology as Social Practice. Educational Foundations, v. 10, n. 4,
51-58. 2002.
BURAZIN, L. Practical Concepts of Law as an Artifact Kind, 2015.
BURAZIN, L. Can There Be an Artifact Theory of Law? Ratio Juris, v. 29, n. 3, 2016.
BURAZIN, L. et al. Law as an Artifact. 2018.
CABRAL NETO, A. C.; CASTRO, A. M. D. A. A expansão da pós- graduação em
cenários de globalização: recortes da situação brasileira. Revista Inter Ação,
Goiânia, v. 38, n. 2, 2013.
CANDAU, V. M. F. Educación Intercultural Crítica: construyendo caminos. In:
WALSH, C. (ed). Pedagogías decoloniales: Prácticas insurgentes de resistir,
(re)existir y (re)vivir. Tomo I, Ediciones Abya-Yala, Quito, 2013, pp. 145-161.
COULANGES, F. A cidade antiga. Martins Fontes. São Paulo. 2004.
CUPANI, A. Filosofia da tecnologia: um convite. Florianópolis: ed da UFSC, 2017.
DAGNINO, R.; THOMAS, H. La politica cientifica y tecnológica en América Latina.
Redes, v. 12, n. 6, p. 49-74, 1999.
DICELIS, R. R. O. Manifestaciones del derecho en la cotidianidad em uma
escuela pública bogotana, uma mirada desde la Antropología Jurídica. 2015.
DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do direito. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.
DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à Teoria
Geral do Direito, à filosofia do direito, à sociologia jurídica, à norma jurídica e a
aplicação do direito. 28.ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023.
DIPERT, R. Artifacts, Art Works and Agency. Temple University Press, 1993.
26
EDGERTON, D. From innovation to use: ten ecletic theses on the history of
technology. History and Technology, v. 16, 1999, p. 1-26.
ELLUL, J. The technological society. New York: Vintage Books, 1964. Trad. De La
technique ou l’enjeu du siècle, 1964.
EHRENBERG, K. M. Functions of Law. Oxford University Press, New York, 2016.
EHRENBERG, K. M. Law is an Institution, an Artifact and a Practice. 2018.
ENGESTRÖM, Y. Activity Theory and Individual and Social Transformation. In:
ENGESTRÖM, Y. et al. (ed.) Perspectives on Activity Theory. Cambridge:
Cambridge University Press, 1999. p.19-38.
FARIA, J. H.; MENEGHETTI, F. K. Gênese e estruturação da organização
burocrática na obra de Maurício Tragtenberg. Gestão e Sociedade, v. 3, n. 6, p.
167-203, 2009.
FEENBERG, A. Transforming technology: a critical theory revisited. Oxford: Oxford
University Press, 2002. (Ed. revisada de Critical theory of technology, 1991).
FEENBERG, A. Entre a razão e a experiência: ensaios sobre tecnologia e
modernidade. Tradução: E. Beira, C. Cruz e R. Neder. Vila Nova de Gaia: Inovatec,
2019a (2010).
FEENBERG, A. Tecnossistema: a vida social da razão. Tradução: E. Beira e C.
Cruz. Vila Nova de Gaia: Inovatec, 2019b (2017).
FERNANDES, F. O desafio educacional. São Paulo: Cortez, 1989.
FERRAZ JUNIOR, T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação. São Paulo. Atlas. 2023.
FULLAN, M; HARGREAVES, A. A escola como organização aprendente. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2022.
FINNIS, J. ‘Natural Law and Legal Reasoning’. In: GEROGE, R. P. Natural Law
Theory: Contemporary Essays. Oxford: Oxford University Press, 1992.
FINNIS, J. Law and What I Truly Should Decide. The American Journal of
Jurisprudence, v. 48, 2003, pp. 107-108.
FRANSSEN, M.; GERT-JAN, L.; IBO VAN, P. “Philosophy of Technology”. The
Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2018 Edition), 2018.
GARDNER, J. The Legality of Law. Ratio Juris, v. 17, n. 2, 2004.
27
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. 1978.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1989.
GUSTON, D. Between politics and science. Cambridge: Cambridge University
Press, 2000.
HEIDEGGER, M. Todos nós… ninguém. Em enfoque fenomenológico do social.
Trad. Dulce Mara Critelli. São Paulo, Moraes, 1981.
HILPINEN, R. “Artifacts and Works of Art”, Theoria, v.58, n.1, 1992.
HILPINEN, R. “Artifact”. The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2011
Edition), 2011.
LIBÂNIO, José Carlos. Políticas educacionais no Brasil: desfiguramento da escola e
do conhecimento escolar. In: Cadernos de Pesquisa, v. 46 n. 159 p. 38-62, jan/mar.
2016.
HOUKES, W.; VERMAAS, P. Technical functions. On the use and design of
artefacts. Dordrecht: Springer Netherlands, 2010.
HUI, Y. Tecnodiversidade. Traduzido por Humberto do Amaral. São Paulo: Ubu
Editora, 2020.
LLOYD, D. A idéia de lei. Martins Editora, 2017.
JACINSKI, E.; LINSINGEN, I. V.; CORRÊA, R. F. Cidadania Sociotécnica, Tecnologia
Social e Educação CTS. In: CASSIANI, S.; LINSINGEN, I. (Orgs.). Resistir,
(re)existir e (re)inventar a educação científica e tecnológica. Florianópolis:
UFSC/CED/NUP, 2019.
KROES, P. Technical Artefacts: Creations of Mind and Matter. A Philosophy of
Engineering Design. SpringerLink Bücher, vol. 6. Dordrecht: Springer Netherlands.
2012.
KROES, P; VERBEEK, P. P. (Eds.). The Moral Status of Technical Artefacts (Vol.
17). Dordrecht: Springer Netherlands. 2014.
KUHLMAN, S. Governance of innovation policy in Europe: three scenarios.
Research Policy, v. 30, n.6, p.953-76, 2001.
LAREDO, P; MUSTAR, P. Research and innovation policies in the new global
economy: an international comparative analysis. Chelteham: Edward Elgar, 2001.
LAVAL, C. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino
público. Boitempo editorial, 2019.
28
LEITER, B. ‘The Demarcation Problem in Jurisprudence: A New Case for
Skepticism’. In: BELTRÁN, J. F. et al. (eds.), Neutrality and Theory of Law
(Dordrecht: Springer, 2013) 161, 164.
LOPES, A. C. e MACEDO, E. Disciplinas e Integração Curricular. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002.
MALIN, A. M. B. Interessados e interesses no regime de acesso à informação
pública no Brasil. Coleção Estudos da Informação, v. 3, p. 1-13, 2013.
MARMOR, A. Law, Fiction, and Reality. In: Law as an Artifact. 2018.
MARTINS, E. M; KRAWCZYK, N. R. Estratégias e incidência empresarial na atual
política educacional brasileira: O caso do movimento ‘Todos Pela Educação’.
Revista Portuguesa de Educação, v. 31, n. 1, p. 4-20, 2018.
MITCHAM, C. Thinking through tecnology: the path between engineering and
philosophy. Chicago: the University of Chicago Press, 1994.
MÜLLER, F. Methodik, Theorie, Linguistik des Rechts. Berlim: Ducker und
Humblot, 1997.
NADER, P. Introdução do estudo do direito. 45 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
NARDI, B. A. "Studying context: A comparison of activity theory, situated action
models, and distributed cognition." Context and consciousness: Activity theory and
human-computer interaction. 1996.
NĪNO, L. C. P. Consideraciones teórico-metodológicas para el abordagem de la
paternidade desde uma perspectiva historiográfica. Revista Angelus Novus. USP
Ano X, n. 15, p. 53-82, 2019.
NOUR, S. O legado de Kant à filosofia do direito. Prisma Jurídico, n. 3, p. 91-103,
2004.
PACHECO, J. A. Competências curriculares: as práticas ocultas nos discursos das
reformas. 24a Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG, 2001.
REALE, M. Teoria do Direito e do Estado. São Paulo. Ed. Martins. 1960.
ROCHA NETO, I. Agentes de inovação tecnológica. Conceitos básicos:
simulação. Apostila (Semana do Design e da Competitividade). Florianópolis:
SEBRAE, out. 1995.
RODRIGUES, M. B. A lei como artefato tecnológico: análise do Projeto de Lei
4.513/2020 que institui a educação digital, com foco no letramento digital. 2023.
161f. Dissertação (Mestrado em Ciência, Tecnologia e Sociedade) UTFPR,
Curitiba.
29
SAREWITZ, D; PIELKE JR, R. A. The neglected heart of science policy: reconciling
supply of and demand for science. Environmental Science & Policy, v. 10, n. 1, p.
5-16, 2007.
SCHAUER, F. Is There a Concept of Law? In: GIZBERT-STUDNICKI, T.;
STELMACH, J. (eds.), Law and Legal Cultures in the 21st Century Diversity and
Unity, 23rd IVR World Congress Plenary Lectures, Wolter Kluwer Polska, Warsaw,
2007, p. 21.
SCHAUER, F. Law as a Malleable Artifact. In: Law as an Artifact. 2018.
SCHAUER, F. On the Nature of the Nature of Law. Archiv fur Rechts - und
Sozialphilosophie, v. 98, n. 4, 2012.
SCHIO, S. M.; PEIXOTO, C. O conceito de lei em Hannah Arendt. ethic@-An
international Journal for Moral Philosophy, v. 11, n. 3, p. 289-297, 2012.
SILVA, M. A. A percepção da tecnologia por quem ensina tecnologia o caso da
UFPR. Revista de Ensino de Engenharia, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 223-231,2.
sem.1986.
SILVA, M. R. Currículo e competências: a formação administrada. São Paulo:
Cortez, 2008.
SILVA, M. R. DA. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado
discurso. Educação em revista, v. 34, p. e214130, 2018.
TORRE, S. de la. Innovación educativa. Madrid: Dykinson, 1997.
VARSAVSKY, O. Ciencia, política y cientificismo. CEAL, 1969.
VELHO, L. Conceitos de Ciência e a Política Científica, Tecnológica e de Inovação.
Sociologias, Porto Alegre, ano 13, 26, jan./abr. 2011, p. 128-153.
VELHO, L. Research capacity building for development: from old to new
assumptions. Science, Technology and Society, v.9, n. 2, p.172-207, 2004.
WEBER, M. Ciência e Política: duas vocações. Trad. Jean Melville. São Paulo,
Martin Claret.
30