V.22, 48 - 2024 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
TECNOLOGIA E MOVIMENTOS SOCIAIS: CONSTRUÇÃO DE FERRAMENTAS
DE COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS DA REFORMA AGRÁRIA
1
Nathalia Ferreira Gonçales
2
Celso Alexandre Souza de Alvear
3
Resumo
Este artigo sistematiza as ações do projeto "Construção de Ferramentas de Comercialização de
Produtos da Reforma Agrária no Rio de Janeiro", realizado entre agosto de 2021 e dezembro de 2022
no Armazém do Campo do Rio de Janeiro, do MST. O projeto, executado como pesquisa-ação,
desenvolveu um sistema de vendas para atender diferentes regiões e núcleos de comercialização no
estado. A produção de sistemas de código aberto e a elaboração participativa permitiram criar um
ambiente virtual de comunicação entre consumidores e produtores, aproximando cidade e campo.
Palavras-chave: Tecnologia Social, Software Livre, Cestas agroecológicas, Reforma Agrária.
TECNOLOGÍA Y MOVIMIENTOS SOCIALES: CONSTRUCCIÓN DE HERRAMIENTAS PARA LA
COMERCIALIZACIÓN DE PRODUCTOS DE LA REFORMA AGRARIA
Resumen
Este artículo sistematiza las acciones del proyecto "Construcción de Herramientas de
Comercialización de Productos de la Reforma Agraria en Río de Janeiro", realizado entre agosto de
2021 y diciembre de 2022 en el Armazém do Campo de Río de Janeiro, del MST. El proyecto,
ejecutado como investigación-acción, desarrolló un sistema de ventas para atender diferentes
regiones y núcleos de comercialización en el estado. La producción de sistemas de código abierto y la
elaboración participativa permitieron crear un entorno virtual de comunicación entre consumidores y
productores, acercando la ciudad y el campo.
Palabras clave: Tecnología Social, Software Libre, Canastas Agroecológicas, Reforma Agraria.
TECHNOLOGY AND SOCIAL MOVEMENTS: CONSTRUCTION OF TOOLS FOR MARKETING
AGRARIAN REFORM PRODUCTS
Abstract
This article systematizes the actions of the "Construction of Marketing Tools for Agrarian Reform
Products in Rio de Janeiro" project, carried out between August 2021 and December 2022 at the
Armazém do Campo in Rio de Janeiro, by MST. The project, executed as action research, developed
a sales system to serve different regions and marketing centers in the state. The production of
open-source systems and participatory development allowed the creation of a virtual communication
environment between consumers and producers, bringing city and countryside closer together.
Keywords: Social Technology, Free Software, Agroecological Baskets, Agrarian Reform.
3
Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Professor do
Programa de Pós Graduação em Tecnologia para o Desenvolvimento Social (PPGTDS/NIDES/UFRJ).
E-mail: celsoale@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9785186855702461.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7979-1543.
2
Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil. Professora substituta do Departamento de Ciências
Sociais de Campos da Universidade Federal Fluminense (UFF).
E-mail: goncales.nat@gmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0041118372325700.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6934-849X
1
Artigo recebido em 25/03/2024. Primeira Avaliação em 13/07/2024. Segunda Avaliação em 11/07/2024.
Aprovado em 18/07/2024. Publicado em 07/08/2024. DOI:https://doi.org/10.22409/tn.v22i48 62413
1
Introdução
Este artigo sistematiza as ações realizadas no projeto de Emenda
Parlamentar
4
"Construção de Ferramentas de Comercialização de Produtos da
Reforma Agrária no estado do Rio de Janeiro", executado no formato de uma
pesquisa-ação, entre agosto de 2021 e dezembro de 2022, no Armazém do Campo
(AdC) do Rio de Janeiro, instrumento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) para comercialização de produtos oriundos de assentamentos e
acampamentos da reforma agrária. O projeto desenvolveu um sistema de vendas
habilitado a atender diferentes regiões e núcleos de comercialização existentes no
estado do Rio de Janeiro. A construção de conhecimentos acadêmicos relacionados
à produção de sistemas de código aberto e elaboração participativa permitiu a
consolidação de um ambiente virtual de comunicação entre consumidores e
produtores, proporcionando uma aproximação da cidade ao campo
5
.
Trabalhamos inicialmente na formação da equipe, apostando em sua
composição multidisciplinar, através de grupos de estudos e diálogos com os
integrantes do Armazém do Campo. Em paralelo à formação, realizamos reuniões
periódicas com os trabalhadores do Armazém do Campo, além de operar a partir da
observação participante para acompanhamento do processo organizacional das
cestas agroecológicas. Desta forma, levantamos os requisitos para o sistema de
comercialização e, em seguida, lançamos um protótipo do site que ficou em
funcionamento até a implantação da versão definitiva.
A segunda etapa do projeto teve como foco o desenvolvimento e a
implantação de um sistema virtual de comercialização de produtos da reforma
agrária. O desenvolvimento do sistema buscou qualificar a organização do trabalho,
melhorando a experiência entre os espaços de comercialização e os consumidores,
além de aumentar a circulação de produtos agroecológicos no estado do Rio de
Janeiro. Um dos elementos essenciais do sistema foi a premissa do Software Livre,
5
O sistema desenvolvido abrange duas frentes de trabalho: o plugin de comercialização, intitulado
"Sementes Sistema de Cestas Agroecológicas e de Grupos de Consumo Responsável", que será
apresentado ao longo do artigo, e o site do Armazém do Campo do Rio de Janeiro, disponível em:
https://rio.armazemdocampo.com.br/. Acesso em: 21 de março de 2024.
4
Emenda Parlamentar 41600012/2019. Este projeto é uma parceria entre três grupos universitários
Núcleo de Solidariedade Técnica da UFRJ (Soltec), Laboratório Interdisciplinar de Tecnologias
Sociais da UFRJ/Macaé (LITS) e um grupo de professores e alunos da Escola de Engenharia de
Produção da UNIRIO e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
2
ou seja, seu código deveria ser aberto para todos, permitindo o uso, a distribuição e
a alteração de forma gratuita, sem a necessidade de permissão do desenvolvedor.
O sistema também visou a formação do consumidor, apresentando as etapas
que compõem o processo produtivo por detrás da mercadoria adquirida. Deste
modo, o campo e os/as agricultores/as são protagonistas do conteúdo que compõe o
site, ganhando um espaço de destaque para apresentação da trajetória de
cooperativas, coletivos e famílias assentadas e acampadas da Reforma Agrária
Popular. Esse conteúdo busca contribuir com a promoção da agroecologia, do
cooperativismo, do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos,
econômicos, sociais, culturais e ambientais das diversas comunidades do campo e
da cidade.
Com o propósito de estruturar os diferentes momentos que integram o
projeto, cuja duração se estendeu por pouco mais de um ano, dividimos o artigo em
quatro partes, incluindo essa primeira contextualização. A segunda parte está
subdividida em: desenvolvimento, testes, lançamento e monitoramento. A terceira
parte aborda os desdobramentos do projeto, como a realização do grupo de estudos
e, por fim, a quarta seção apresenta os resultados alcançados.
Desenvolvimento e Implantação do Sistema
Antecedentes
O projeto se desenvolveu no âmbito do Núcleo de Solidariedade Técnica
(Soltec), laboratório de extensão, ensino e pesquisa integrante do Núcleo
Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). O laboratório atua no campo da Economia Solidária e Tecnologia
Social desde 2003, realizando diversos projetos de extensão que desenvolvem
tecnologias junto a movimentos sociais. Desde 2014, o Soltec atua em parceria com
o MST na esfera da gestão e da organização do trabalho.
Foi criado em 2008, no Soltec, o projeto Tecnologias da Informação e
Comunicação, Democracia e Movimentos Sociais (TICDEMOS). Esse projeto vem
refletindo e desenvolvendo softwares a partir de demandas específicas dos
movimentos sociais. Em função da parceria Soltec e MST, iniciamos a atuação do
projeto TICDEMOS para assessoria no campo em 2018, desenvolvendo o sistema
de comercialização de cestas agroecológicas para a feira Terra Crioula do MST
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(Alvear et al., 2020). Tal experiência, ao lado de outras assessorias afins (Furtado et
al., 2023; Miranda, 2023), permitiram construir a Emenda Parlamentar em questão,
amplificando e fortalecendo a perspectiva do trabalho participativo.
Desenvolvimento: planejamento, organização e ferramentas
A partir do recurso disponibilizado pela Emenda Parlamentar para viabilizar as
ações aqui descritas, a equipe do projeto abriu chamada pública para
implementação de otimizações na plataforma de comercialização vigente no
Armazém do Campo. A proposta da prestadora do serviço “EITA Cooperativa de
Trabalho Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão” foi selecionada
dentre as nscritas e admitida para desenvolver melhorias indicadas no Termo de
Referência da contratação. Cabe mencionar que EITA é uma cooperativa que possui
enorme experiência de trabalho com Software Livre junto a movimentos sociais.
Software Livre é uma perspectiva de desenvolvimento de software que tem
como princípio o conhecimento aberto e o desinvestimento da sua mercantilização.
Nessa chave, todo software deveria ter seu código-fonte público, permitindo o uso, a
cópia, modificações, e distribuições livres e de forma gratuita, sem necessidade de
solicitar autorização de seus criadores (GNU, 2022). O Software Livre também pode
ser entendido como um movimento social global (Silveira, 2004) que luta contra as
grandes corporações, conhecidas como big techs, para manter a internet aberta e
diversa (Kelty, 2008).
No contexto da chamada pública, priorizamos a contratação de cooperativas
e empreendimentos da Economia Solidária. Dado que o sistema seria voltado para
fortalecer grupos auto-organizados de agricultores familiares, empreendimentos da
Economia Solidária nos quais não patrões e empregados, ou seja, funcionam
na base da autogestão (Singer, 2002) teriam maior inclinação ao desenvolvimento
de sistemas que atendessem a esses princípios. A EITA, como uma cooperativa de
Software Livre, contemplava ambos os critérios.
Após efetivar a contratação, acordou-se a realização de encontros mensais
para acompanhamento do desenvolvimento e priorização das demandas de
4
melhorias. O foco de trabalho foi fixado na criação do plugin
6
Sementes, uma
ferramenta complementar ao sistema de comercialização que permite a criação dos
ciclos
7
, a abertura e fechamento da loja, e a geração de relatórios específicos. O
Sementes foi desenvolvido, em todas as suas etapas, com Software Livre
8
. Essa
escolha estava colocada no termo de referência de contratação, dado que por
nossa experiência prévia de assessoria ao MST, definimos desenvolver o site
usando o Software Livre Wordpress e a ferramenta de comercialização
Woocommerce.
O plano e o cronograma de trabalho foram elaborados em diálogo
permanente entre a cooperativa EITA e a equipe do projeto. Realizamos reuniões
periódicas com Grupos de Consumo Responsável (GCRs)
9
, usuárias do sistema e
desenvolvedoras/es da EITA e da equipe. A partir dessas interações, foi homologada
a arquitetura do sistema de comercialização, que ficou disponibilizada no GitLab do
projeto
10
. O GitLab é um gerenciador de repositório de código aberto capaz de
organizar o comando de tarefas, permitindo dar transparência ao processo e
abertura para que outras pessoas possam contribuir no projeto.
O GitLab guarda as notificações de todas as demandas de desenvolvimento e
atualizações de status de cada issue trabalhada. As issues, entendidas como
questões ou problemas ocorridos no desenvolvimento do projeto, são utilizadas no
GitLab para auxiliar a construção do sistema de forma coletiva, permitindo a
possibilidade de comentários dinâmicos. Neste espaço logístico, foi possível
organizar um plano de trabalho no qual cada ação poderia ser desenvolvida de
modo autônomo. diversas tarefas relatadas no GitLab do projeto, como, por
exemplo: desenvolvimento de aplicativo mobile para modificação facilitada dos
parâmetros do site por parte das/os administradoras/es; melhoria no desempenho do
10
Para outras informações, ver: https://gitlab.com/eita/armazem-rio/-/issues. Acesso em: 21 de março
de 2024.
9
Grupos de Consumo Responsável são iniciativas de consumidores organizados que viabilizam o
consumo de produtos agroecológicos a preços acessíveis, estabelecendo uma relação de compra e
venda entre agricultores familiares e consumidores que estimule a proximidade entre estes dois
atores ao fortalecer os circuitos curtos de comercialização. Os GCRs são baseados nos princípios da
Economia Solidária e do Comércio Justo e Solidário, como a transparência de preços e a autogestão.
8
Disponível em: https://gitlab.com/eita/sementes. Acesso em: 21 de março de 2024.
7
Os ciclos marcam as fases da comercialização on-line. Ciclo aberto é o período em que a loja fica
aberta e os itens ficam disponíveis para compra. Ciclo fechado é o período em que a loja fica fechada
e os itens ficam indisponíveis para compra.
6
Plugin é uma ferramenta que oferece soluções específicas. No caso do plugin Sementes, permite
fechar a loja quando não Ciclos Abertos, gerar relatórios e outras soluções que importam para
iniciativas de cestas agroecológicas.
5
site; formas diversas de pagamento por cartão de débito e crédito, pix, boletos,
depósito bancário, entre outros; possibilidade de destaque de produtos na página
inicial para permitir a visualização de produtos em promoção, produtos da época,
produtos que possuem grande estoque ou produtos que estão tendo dificuldade de
escoamento; existência de diversos perfis adaptados aos usuários e sua função,
como agricultoras/es, coordenadoras/es de coletivos, administradoras/es da loja.
Figura 1: Painel do GitLab com demandas e atualizações de status de cada issue trabalhado no
desenvolvimento do sistema de comercialização.
No início do desenvolvimento do sistema, identificou-se a necessidade de
encontros síncronos de programação com os estudantes integrantes da equipe, uma
vez que o Soltec aposta nas diretrizes da extensão universitária, tendo a formação
dos discentes como fundamental (Addor, 2020). Assim, incluímos a realização de
nove encontros em formato de oficinas até o final do cronograma do projeto. A
equipe de estudantes estabeleceu uma dinâmica de trabalho colaborativa e
totalmente integrada à equipe da cooperativa EITA, incidindo em sugestões,
complementações e modificações de dados no código-fonte. O desenvolvimento do
sistema nessas oficinas envolveu Wordpress, PHP, CSS e HTML.
O ambiente de realização dessas oficinas foi o Discord, uma plataforma
gratuita de comunicação virtual. Essa ferramenta permitiu, naquele momento, o
encontro dos estudantes da área tecnológica para trabalho conjunto com a equipe
da EITA, além de, futuramente, facilitar a continuidade da contribuição desses
estudantes para melhorias do sistema, mesmo após o encerramento formal do
6
projeto. A partir da reunião que marcou o princípio do trabalho, começou-se a
desenhar o plano para desenvolvimento de um sistema de comercialização de
produtos da reforma agrária. O plano é composto por sete atividades articuladas:
Arquitetura: etapa de definição e organização das funcionalidades, fundamental
para definir a estrutura inicial do software. Neste momento, buscamos resolver se
todas as funcionalidades ficariam em um único plugin ou se seriam distribuídas em
mais de um plugin, e quais funcionalidades ficariam no site específico do Armazém
do Campo e quais ficariam disponíveis de forma ampliada.
Usabilidade: etapa de qualificação dos fluxos de uso público e do painel
administrativo, bem como proposição das melhorias do template (organização visual
do site para os usuários).
Programação: trabalho dedicado ao desenvolvimento das issues, tendo como
orientação a arquitetura e a usabilidade, bem como as prioridades indicadas pela
Comunidade. Um elemento importante do Software Livre é sua Comunidade, ou
seja, todas e todos que usam ou participam do desenvolvimento. Quanto maior for a
Comunidade, maior a chance do software receber melhorias contínuas,
aperfeiçoamentos e correção de problemas. No caso do Sementes,
aproximadamente 10 grupos utilizam o plugin.
Traduções: etapa de revisão de termos que precisam de tradução e adequação
para o português.
Reuniões com a Comunidade: mobilização envolvendo iniciativas usuárias do
plugin, equipe do projeto, desenvolvedoras/es interessadas e a EITA. A partir da
experiência de uso do sistema, a Comunidade buscou indicar as melhorias
substanciais, a priorização das issues e a especificação ou a validação, quando
necessário. Foi criado um canal no Telegram para facilitar a comunicação com a
Comunidade.
Manuais: elaboração de manuais com as orientações para gestão do sistema,
trazendo conteúdos explicativos e diretrizes para a instalação das funcionalidades.
Oficinas de formação: qualificação de usuários/as como forma de ampliar o
conhecimento das funcionalidades do sistema que contribuem para a gestão da
oferta da produção e seu escoamento. A mobilização para estas atividades teve foco
nas iniciativas que usam o sistema, no entanto, as oficinas foram abertas a
pessoas interessadas em conhecer a ferramenta.
7
As sete etapas que compõem o desenvolvimento do sistema foram realizadas
em paralelo a reuniões periódicas entre as equipes de trabalho da EITA e do projeto,
sendo organizadas conforme a demanda das atividades acima apresentadas. Os
encontros serviram como um espaço de trabalho coletivo e validação dos produtos
realizados. Além disso, diversos encontros com a Comunidade do sistema foram
efetuados, no intuito de apresentar a nova versão do plugin com atualizações que
contemplavam solicitações de usuárias/os apresentadas em reuniões anteriores.
Nos encontros com a Comunidade, buscou-se introduzir as usuárias/os ao
"Manual de Uso do Sistema" e também propagar o endereço para acesso e
avaliação, localizado na loja do Wordpress. O objetivo do diálogo com os GCRs se
deu igualmente no sentido de coletar impressões e demandas de melhorias,
apresentar demandas identificadas, além de priorizar issues expostas pelas
iniciativas que utilizam o sistema de comercialização. Esse empreendimento reforça
a importância de desenvolver uma ferramenta de livre acesso e distribuição para ser
utilizada por um número ilimitado de coletivos de comercialização.
Figura 2: Reunião entre a cooperativa EITA, Soltec/UFRJ e representantes de Grupos de Consumo
Responsável que utilizam o sistema de comercialização.
As oficinas on-line de formação de pessoas para uso do sistema trabalharam
a edição e criação de páginas e menus no plugin. Ao longo da construção do
projeto, foram realizados diversos ciclos curtos de especificação, utilizando
metodologias ágeis (Sommerville, 2007) com foco no desenvolvimento e entrega de
um sistema virtual de compra on-line para comercialização de produtos oriundos da
8
reforma agrária. O objetivo desses ciclos curtos é desenvolver de forma rápida as
funcionalidades mais urgentes, testá-las junto aos usuários e verificar quais são as
próximas necessidades de cada ciclo. Diferente dos métodos tradicionais de
Engenharia de Software, que levam um grande tempo especificando todas as
funcionalidades para depois desenvolver o sistema, nas metodologias ágeis
busca-se um desenvolvimento mais interativo (Fowlwe; Highsmith, 2001).
Esse trabalho envolveu visitas e reuniões semanais ao local de
comercialização presencial, a loja do Armazém do Campo do Rio de Janeiro,
oficinas presenciais para formação da equipe, além de visitas aos assentamentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado. Além disso, utilizamos
de metodologias participativas, como o design participativo (Schuler; Namioka,
1993), para incorporar as demandas dos interlocutores no software.
Importante destacar que, mesmo quando se pretende participativo, o
desenvolvimento tradicional de sistemas tende a envolver apenas os gerentes ou os
clientes/consumidores da plataforma (Bria; Morozov, 2020). No nosso caso,
priorizamos dialogar com os trabalhadores do Armazém do Campo, além de projetar
um sistema que valorizasse os agricultores no próprio processo de levantamento de
requisitos, modelagem e desenvolvimento, e nas etapas de pesquisa-ação.
O trabalho dedicado ao desenvolvimento do sistema organizou-se em dois
fluxos progressivos: 1) Reformulação do sistema existente, criando um novo fluxo de
uso e melhorias no acesso e uso da ferramenta; 2) Criação da funcionalidade de
ciclos de pedidos restritos a determinados produtos/produtoras/es. Com a entrega
dessas duas fases, o Wordpress aprovou o sistema como um novo plugin da
plataforma. Esse momento marcou um avanço importante ao trabalho desenvolvido:
a publicação em repositório aberto, como Software Livre, com créditos no
código-fonte com o fim de informar que foram desenvolvidos com recursos da
Emenda Parlamentar que financiou este projeto.
Plugin Sementes
O plugin “Sementes Sistema de Cestas Agroecológicas e de Grupos de
Consumo Responsável” foi desenvolvido para oferecer diversas melhorias à
plataforma Woocommerce, tornando-a adequada para uso em Grupos de Consumo
Responsável e Cestas Agroecológicas. uma questão importante que precisa ser
9
mencionada quando falamos de ferramentas de comercialização de produtos
agroecológicos, e que foi determinante para o desenvolvimento do plugin: o tempo
de produção no campo. As premissas da agroecologia devem considerar os ciclos
da natureza no que concerne à sazonalidade, aparência e variedade dos alimentos
(Alatier, 2012).
A particularidade do tempo de produção agroecológica, somada à
necessidade de valorização dos trabalhadores rurais e de uma maior conexão entre
produtores e consumidores, incide na necessidade da criação de circuitos curtos no
escoamento desses produtos. Um circuito curto ou regional de comercialização pode
ser caracterizado, entre outras coisas, pelo respeito aos processos de cultivo
camponeses e à biodiversidade, além da aproximação do produtor com o
consumidor através da venda direta de seus produtos, fortalecendo a autonomia do
trabalhador rural (Maluf, 2004.). Segundo Addor e Almeida (p. 117, 2021), “no geral,
quanto maior a cadeia, menor é a atuação dos agricultores na comercialização dos
produtos e mais baixa é a renda destinada para esses trabalhadores”. Nos canais
curtos, a venda direta envolve no máximo um intermediário engajado no processo,
garantindo a relação com o produtor de origem, sua identidade territorial e as
informações que orientam o sistema produtivo (Retiére, 2014).
Esta estratégia de escoamento da produção agroecológica, que busca a
consolidação dos sistemas de produção da agricultura familiar, quando transferida
para ferramentas de comercialização on-line, geralmente, se organiza em ciclos. No
âmbito virtual, o ciclo é o período em que a loja fica aberta e seus itens estão
disponíveis para compra. Um ciclo tem um momento específico de oferta dos
produtos à disposição para compra na loja virtual e outro momento de preparação
para entrega dos pedidos. Nesse segundo momento, a loja virtual segue exibindo os
produtos, mas não é permitido ao cliente fazer compras.
A demanda por uma análise minuciosa dos rendimentos da comercialização
distribuídos por ciclos resultou na criação de relatórios específicos, contendo
informações detalhadas por pedido, fornecedor, local de retirada, etc. Ao extrair
esses relatórios, que podem ser baixados em planilhas no formato PDF ou XLSX, a
intenção é viabilizar uma análise das vendas de forma cruzada e dinâmica,
respeitando os princípios de escalas pequenas presentes nos circuitos curtos de
10
comercialização. Atualmente o plugin encontra-se disponível para download
gratuito
11
na loja do WordPress.
Figura 3: Painel de administração do Wordpress com a loja de plugins aberta, indicando o
"Sementes" na ferramenta de busca que antecede sua instalação.
Painel Simplificado
Um dos principais eixos de trabalho que mobilizaram o projeto foi a
simplificação de recursos que, se convertidos em mecanismos fáceis, poderiam
auxiliar nas atividades de comercialização de grupos com pouca ou nenhuma
familiaridade com sistemas tecnológicos. Alvear (2014) aponta que é essencial
facilitar os painéis de administração dos sistemas voltados para movimentos sociais,
de forma a reduzir a necessidade de uma assessoria técnica externa. Para
materializar esse caminho de simplificação, desenhamos um painel de
administração a partir das demandas do Armazém do Campo e de Grupos de
Consumo Responsável, com as funções mais utilizadas por seus usuários, com o
objetivo de eliminar à primeira vista funções dispensáveis ao cotidiano da loja e
descomplexificar o manuseio do sistema elaborado.
Realizamos uma reunião concentrada em discutir e elaborar um novo painel
de administração para o sistema, partindo do entendimento de que o painel vigente
estaria sobrecarregado de informações e recursos que, na prática, seriam pouco
11
Para instalação, basta realizar uma busca pelo termo “Sementes” na loja de plugins do WordPress.
Em seguida, deve-se clicar em “Instalar agora” e “Ativar”
(https://wordpress.org/plugins/sementes-cas-gcrs/).
11
utilizados pelo administrador. O instrumento básico de uma cesta agroecológica é
pensar a dinâmica que envolve os ciclos: atualização de estoque (preço e
quantidade); cadastro de produtos novos; abertura do site; acompanhamento dos
pedidos (pagamento); fechamento de ciclo; download de relatórios; liquidação de
estoques. Deliberou-se o esboço de um painel de administração inteligível, capaz de
descentralizar a função de gerenciamento da loja ao possibilitar uma ampliação do
seu manuseio.
Deste modo, transpomos o desenho elaborado em papel para a tela do
computador, em um diálogo permanente entre a equipe de desenvolvimento do
sistema e seus principais usuários. A implementação de um painel simplificado -
chamado de Painel de Admin Fácil - divide a tela em seis comandos básicos: 1)
atualizar produtos; 2) cadastrar produtos; 3) formas de entrega; 4) gerenciar ciclos;
5) gerenciar pedidos; 6) relatórios. Além disso, o botão “Painel Simplificado” esconde
o menu à esquerda, deixando disponível para o usuário apenas as funções
essenciais para administração da comercialização.
Figura 4: Painel de Admin Fácil do plugin Sementes no modo avançado (com o menu à esquerda
aparecendo para o usuário).
O Painel de Admin Fácil tem como objetivo tornar o gerenciamento do site
amigável para pessoas com pouca ou nenhuma familiaridade com sistemas
tecnológicos, permitindo o gerenciamento das principais funcionalidades do
12
processo de comercialização necessárias para a tarefa de um gerente de loja,
agregando as funções de cadastro de produtos, controle de estoque, abertura e
fechamento da loja, emissão de relatórios, cadastro e gerenciamento de
consumidoras/es, realização de pedidos, controle de pagamento, possibilidade de
entregas, dentre outras.
Testes, implantação e homologação
Ao final do período de desenvolvimento, realizamos uma simulação do
processo de comercialização, para que o sistema pudesse ser testado e
homologado pelo grupo de acompanhamento. Criamos uma série de perfis fictícios
com endereços de usuários diferentes e pedidos variados. A fase de testes
empreendida pela equipe realizou sucessivos pedidos com entrega em bairros
heterogêneos, organizados por zonas da cidade, no intuito de verificar se o
funcionamento da comercialização, tanto para o cliente quanto para o administrador
da loja, estava apresentando alguma debilidade. O grupo buscou efetuar compras,
checar a produção de relatórios e garantir a viabilidade do uso do sistema antes da
inauguração oficial da nova loja on-line do Armazém do Campo.
Tendo sido aprovado, o sistema foi instalado no site do Armazém do Campo,
após um período de migração dos dados de clientes antigos, que constavam no
banco de cadastro. Neste sentido, mesmo com a alteração do sistema de
comercialização, a plataforma preservou as informações de acesso dos clientes que
possuíam um registro prévio.
Lançamento do site
No dia 01 de junho de 2022, lançamos o novo site do Armazém do Campo. O
sistema de comercialização da loja do Rio de Janeiro seguiu funcionando por meio
do mesmo endereço: http://rio.armazemdocampo.com.br. Atualmente, o site está
com tema atualizado e desenvolvido especificamente para a comercialização de
produtos agroecológicos, além de atender a critérios para que seja responsivo e
amigável aos usuários e clientes. As funcionalidades implementadas no sistema
correspondem às demandas do Armazém do Campo, que foram recolhidas por meio
de um diálogo contínuo com a equipe, em incursões semanais ao espaço físico da
13
loja. O sistema busca atender alguns pontos fundamentais para o funcionamento da
loja virtual, a saber: simplificar o painel de administração, facilitando o
gerenciamento total do processo de comercialização, controle de estoque, cadastro
de novos produtos, abertura e fechamento da loja, emissão de relatórios específicos,
controle de pagamento, entre outras funcionalidades.
Figura 5: Site após o lançamento de 01 de julho de 2022.
Destacamos também a presença da seção “Produtoras”
12
, que contém
informações de diferentes parceiros do Armazém do Campo, e busca fortalecer o
protagonismo camponês no site, visibilizando os/as agricultores/as, coletivos e
demais trabalhadores/as responsáveis pelo fornecimento e transporte dos produtos.
O objetivo dessa parte do site é proporcionar aos consumidores uma aproximação
com os temas da agroecologia, soberania alimentar, consumo consciente e Reforma
Agrária Popular. Para isso, uma bolsista da área de comunicação criou conteúdos
12
Disponível em: https://rio.armazemdocampo.com.br/produtoras/. Acesso em: 21 de março de 2024.
14
informativos, recuperando a trajetória de coletivos e cooperativas parceiros que, em
alguns casos, ainda não possuíam nenhum espaço virtual de visibilidade sobre sua
história e contribuição na luta pela reforma agrária. Uma das questões importantes
na comercialização de produtos agroecológicos é a politização do consumo
(TANAKA; PORTILHO, 2019), capaz de desfetichizar a mercadoria para estabelecer
uma relação de solidariedade entre o consumidor, o produtor e a própria natureza.
Figura 6: Página das produtoras.
No total, reunimos 19 fornecedores e parceiros que contribuem com sua
produção e integram a loja do Armazém do Campo. O processo de entender “quem”
está por trás do produto foi nosso ponto de partida, encurtando pontes entre o
campo e a cidade, criando um rosto e uma história particular para cada mercadoria
comercializada na loja. Além de reunir iniciativas de famílias assentadas e
cooperativas que extraem da agroecologia sua fonte de renda, buscamos indicar
que é possível construir uma economia solidária através de uma perspectiva capaz
de ampliar a percepção do consumidor para um diálogo de proximidade com o
produtor e sua terra. O material que consta no site foi posteriormente impresso e
15
compõe parte das prateleiras da loja do Armazém do Campo, com conteúdo
informativo referente às produtoras.
Uma das atividades realizadas pelo projeto, ainda na fase de diálogo com as
produtoras, foi a visita ao Assentamento Roseli Nunes, localizado em Piraí, região
Sul do Estado do Rio de Janeiro. Realizamos uma roda de conversa com um grupo
de mulheres do território. Fomos apresentados ao Coletivo Alaíde Reis grupo
formado por núcleos de famílias dos assentamentos Roseli Nunes, Terra da Paz e
Irmã Dorothy, localizados no Sul Fluminense –, que coopera na organização da
produção e comercialização de alimentos agroecológicos, avançando no
escoamento da agricultura familiar local. Atualmente, o Coletivo Alaíde Reis se
organiza através da venda de cestas da reforma agrária para o Sindicato dos
Professores da região, para a Rede Ecológica, e da venda de seus produtos para a
loja do Armazém do Campo. A representante do Coletivo enfatizou a importância da
implementação do site desenvolvido pelo projeto para a facilitação do sistema de
comercialização dos produtos do coletivo.
Figura 7: Visita ao Assentamento Roseli Nunes, localizado em Piraí, região Sul do Estado do Rio de
Janeiro.
16
Formação e monitoramento
Após a implantação do sistema, que foi, por fim, colocado em uso com a
supervisão da equipe de Tecnologia da Informação, iniciamos a fase de treinamento
e formação da equipe do Armazém do Campo com o novo plugin. Nessa etapa do
projeto, foi elaborado o Manual de Uso do Sistema
13
para auxiliar na utilização do
plugin. Desenvolvemos vídeos em formato de tutorial, com gravação de tela do
painel de administração e narração como forma de conduzir o usuário a
funcionalidades específicas do plugin, tais quais: relatórios, análise de clientes,
dados brutos, produtos, habilitar margem, habilitar local de retirada, entre outros.
Como forma de fortalecer a autonomia do Armazém do Campo sobre o
processo de gestão da cesta e do sistema, realizamos diversas formações para que
a equipe pudesse dominar a extração de relatórios e análise dos dados. Esse foi um
dos elementos apontados como centrais na Tecnologia Social (DAGNINO et al,
2004), que seria não discriminatória entre patrão e empregado (no caso do
Armazém do Campo, no sentido de dar autonomia aos trabalhadores e não
centralizar apenas nos gerentes), adaptada a pequeno tamanho, libertadora do
potencial criativo do produtor direto, etc.
Entre os dados de gestão importantes para se analisar estão os números de
cestas vendidas por mês, de faturamento, de acompanhamento do número de
clientes, do número de fornecedores para diferentes produtos, entre outros. A
possibilidade de gerar relatórios e gráficos sobre todos os indicativos apontados
anteriormente permite aos gerentes e funcionários da loja um manejo específico
sobre a gestão das vendas, possibilitando mapear os pontos altos e baixos da
comercialização, bem como realizar análises cruzadas entre o fornecimento de
produtos e o volume da demanda. Concede também uma análise do desempenho
dos clientes no site em função das métricas, possibilitando o direcionamento do
marketing e das operações da loja em diálogo com a tecnologia desenvolvida pelo
projeto.
13
Manual de Uso, vídeos, relatórios completos da Emenda e outros materiais podem ser encontrados
em:
https://nides.ufrj.br/index.php/projetos-soltec/20-programas/soltec/soltec-projetos/555-construcaofera
mentas. Acesso em: 21 de março de 2024.
17
Pontes entre a teoria e a prática: formação dos integrantes do projeto
Para dar suporte teórico à continuidade do projeto, foi fundamental que a
equipe pudesse debater conceitualmente algumas ideias que estruturaram a
organização do trabalho de desenvolvimento do sistema. Os participantes do projeto
deram sequência ao grupo de estudos, introduzido desde o começo das ações,
enquanto formação essencial à aplicação prática do trabalho, através da leitura de
textos acadêmicos, dossiês e outros materiais informativos, como vídeos e podcasts,
reforçando o caráter da formação dos estudantes envolvidos no projeto,
preocupação central da ação extensionista do Soltec/UFRJ.
Abordamos questões relativas à Economia Solidária e autogestão, pensando
nos termos de um modo de produção alternativo à economia capitalista (Singer,
2002). No âmbito das comunidades de Software Livre, focando principalmente no
Wordpress, sistema de gerenciamento de conteúdo utilizado pelo projeto, buscamos
problematizar o discurso do global presente nessas Comunidades (Primo, 2017),
inspirados pela desconstrução da ideia de uma ciência universal, defendida por
autores dos Estudos CTS (Ciências-Tecnologias-Sociedades). As comunidades de
Software Livre se identificam como globais, sendo compostas por pessoas
distribuídas por todo o mundo. A ideia difundida parte da afirmativa de que a
participação nestes grupos seria aberta a todos, tornando irrelevante o local de
residência dos colaboradores. Tal premissa reforça o mito de uma ciência universal
desvinculada de um território de produção, noção problematizada pela equipe deste
projeto.
Acreditamos que, ao desconstruir a universalidade da ciência, abre-se
caminho para pensar uma ciência latino-americana comprometida com os problemas
locais. Valorizando a importância do local na produção de software, e entendendo
que uma das características dessa indústria é justamente a concentração em
poucas zonas, partimos para leituras sobre o papel fundamental do contexto
particular no qual as várias ciências estão inscritas.
Os territórios que concentram a produção tecnológica e científica estão
situados no que poderíamos chamar de Norte Global. Assim, ao refletir que a
tecnologia não é neutra, pois está atrelada aos interesses daqueles que a controlam,
passamos a nos fazer as seguintes perguntas: Como a tecnologia é parte da luta de
classes e da dinâmica de acumulação do capital? Quem investe em tecnologia para
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o pequeno agricultor? As big techs, grandes empresas de tecnologia que dominaram
o mercado nos últimos anos, reorganizaram as dinâmicas de trabalho? Como a
tecnologia digital está afetando o mundo do trabalho? E como ela está chegando no
campo? (Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, 2021).
Tais reflexões, elaboradas de forma coletiva por intermédio da leitura de
textos e demais materiais, contribuíram para a solidificação de uma postura crítica
em relação ao trabalho que estava sendo executado. Ao partir do princípio
metodológico da Tecnologia Social (Dagnino et al, 2004; Dagnino, 2014), que
orientou a realização deste trabalho, temos a busca pela interação do conhecimento
acadêmico com o conhecimento popular como uma das múltiplas dimensões do seu
processo, a fim de fortalecer sistemas tecnológicos alternativos e dar visibilidade aos
atores sociais a partir de um trabalho associativo e dialógico. Nesse sentido, o
desafio de desenvolver um sistema de comercialização alinhado a esses preceitos
seria incorporar o protagonismo do agricultor e seu território ao plano de trabalho.
Nos encontros do grupo de estudos, buscamos aprofundar o debate dessas
questões, tendo como base a indagação central do papel do/a engenheiro/a na
democratização do desenvolvimento tecnológico, entendendo os projetos de
extensão universitária como instrumentos fundamentais no engajamento entre
saberes acadêmicos e populares e como ferramenta de luta pela reforma agrária.
Resultados alcançados
O projeto se concentrou no desenvolvimento de um sistema de
comercialização de produtos para o Armazém do Campo, espaço de
comercialização organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) no Rio de Janeiro. A premissa principal desse processo foi o desenvolvimento
participativo entre pesquisadores da UFRJ, coletivos e cooperativas que
comercializam produtos da reforma agrária e equipes de desenvolvedores, de modo
a atender as demandas de trabalho dos grupos apoiados, facilitando seu cotidiano.
O processo de desenvolvimento desse sistema, capaz de ser seguro para
comercialização e apto para atender diferentes regiões e núcleos existentes no
estado do Rio de Janeiro, procurou fortalecer o uso de tecnologias por
assentados/as e acampados/as.
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O resultado da entrega do plugin e do desenvolvimento do site trouxe
resultados visíveis no faturamento da loja do Armazém do Campo, principal
instrumento de comercialização dos assentamentos do Rio de Janeiro, ainda no seu
primeiro ciclo de vendas do mês. O primeiro ciclo contou com 34 pedidos,
totalizando R$4.639, indicando 38% de aumento em comparação ao primeiro ciclo
do mês anterior. Ao final do projeto, realizamos uma análise comparativa de vendas
pelo site nos meses que compreendem o período de setembro de 2021 a julho de
2022:
Na avaliação Cestas vendidas por mês, observamos uma média de
aproximadamente 120 cestas mensais, tendo como pontos altos dezembro de 2021,
em função das cestas promocionais de Natal, e março de 2022;
Na avaliação Faturamento por mês, observamos uma média entre R$15.000 e
R$20.000, tendo como meses de maior receita setembro de 2021 e dezembro de
2021;
Na avaliação Número de produtos vendidos por mês, observamos uma média de
aproximadamente 1.200 produtos, tendo como pontos altos setembro de 2021 e
março de 2022;
Na avaliação Número de usuários cadastrados no site, observamos uma média de
aproximadamente 75 novos usuários por mês. Os últimos meses do projeto apontam
para um aumento significativo do número de cadastros.
Por fim, realizamos um encontro de avaliação final sobre o percurso do
projeto, o que permitiu à equipe a possibilidade de debater e refletir sobre o
desenvolvimento das ações realizadas ao longo de pouco mais de um ano de
trabalho. Consideramos que seria importante futuramente ter um site em cada região
o que exigiria a consolidação da organização do trabalho das cestas em cada
território e que houvesse integração entre as bases de dados para ser possível
emitir relatórios sobre a comercialização de todos os assentamentos do estado. Com
essa perspectiva, elaboramos um manual para criação de novos sites.
Avaliamos que seria importante também avançar para sistemas que
fortalecessem outras etapas da cadeia produtiva, desde o planejamento da
produção, e da reprodução, ou seja, da produção para autoconsumo e troca entre
agricultores, da logística dos produtos saem do campo para as cidades, e da gestão
20
de outros canais de comercialização, como os meios institucionais em forma de
PNAE
14
e PAA
15
, vendas para restaurantes, supermercados e outras cestas.
Enquanto um projeto do campo das tecnologias comprometidas com a
realidade social da população brasileira, estabelecemos um diálogo estreito em
relação aos movimentos sociais envolvidos com a redistribuição de terras e a justiça
alimentar no país. Essa imersão permitiu a reflexão crítica dos/as alunos/as e
bolsistas sobre as desigualdades que atravessam a disputa pela terra e a produção
de alimentos livres de agrotóxicos, fortalecendo o desenvolvimento participativo de
tecnologias engajadas com os territórios de atuação.
O projeto Construção de Ferramentas de Comercialização de produtos da
reforma agrária no estado do Rio de Janeiro” cumpriu um duplo papel a partir do
financiamento da Emenda Parlamentar. Por um lado, entregou um sistema de
comercialização elaborado a partir de uma perspectiva tecnológica implicada na
ampliação do trabalho realizado pelos movimentos sociais. Nesse sentido,
fortalecemos o lastro de atuação e alcance dessas organizações comunitárias,
habilitando-as para o uso de novas tecnologias. Por outro lado, o projeto apoiou o
desenvolvimento da ciência, da tecnologia e de inovações por meio de uma
dinâmica interdisciplinar, contribuindo na formação de estudantes e técnicos
envolvidos em prol da pesquisa, extensão e ensino, estimulando a universidade
pública ao cumprimento de um de seus objetivos fundamentais, a saber, a produção
de conhecimentos orientados para as demandas populares.
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