V.22, 48 - 2024 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
ENSINO MÉDIO: PAUTA PARA DEBATE1
Paolo Nosella2
Resumo
Pautando tópicos essenciais para a reforma do Ensino Médio, o texto foi apresentado no VI
Congresso Municipal de Educação de São Paulo. O debate enfatiza a necessidade de refletir sobre
adolescência e puberdade dos jovens de 14 a 17 anos; a escolha do percurso formativo e da
profissão; e entender que o Ensino Médio unitário é o horizonte democrático a ser perseguido,
reduzindo a multiplicidade curricular. Referenciando Gramsci, define-se um tríplice objetivo ao Ensino
Médio: cultura geral elevada, autodisciplina intelectual e autonomia moral.
Palavra-chave: Ensino Médio; Reforma; Pauta para debate.
ESCUELA SECUNDARIA: AGENDA PARA EL DEBATE
Resumen
Pautando temas esenciales para la reforma de la Educación Secundaria, el texto fue presentado en el
VI Congreso Municipal de Educación de São Paulo. El debate enfatiza la necesidad de reflexionar
sobre la adolescencia y la pubertad de los jóvenes de 14 a 17 años; la elección del recorrido formativo
y de la profesión; y entender que la Educación Secundaria unitaria es el horizonte democrático a ser
perseguido, reduciendo la multiplicidad curricular. Referenciando a Gramsci, se define un triple
objetivo para la Educación Secundaria: cultura general elevada, autodisciplina intelectual y autonomía
moral.
Palabras clave: Educación Secundaria; Reforma; Pauta para debate.
HIGH SCHOOL: AGENDA FOR DEBATE
Abstract
Highlighting essential topics for high school reform, the text was presented at the VI Municipal
Congress of Education in São Paulo. The debate emphasizes the need to reflect on the adolescence
and puberty of young people aged 14 to 17; the choice of educational and professional path; and to
understand that unified high school is the democratic horizon to be pursued, reducing curricular
multiplicity. Referring to Gramsci, a threefold objective is defined for high school: high general culture,
intellectual self-discipline, and moral autonomy.
Keywords: High School; Reform; Agenda for debate.
2Doutor em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Brasil. Professor aposentado e colaborador do PPGE da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), São Paulo - Brasil. Pesquisador sênior do CNPQ. Email: nosellap@terra.com.br.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7159165045266256. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6272-9073.
1Ensaio recebido em 14/04/2024. Primeira Avaliação em 22/04/2024. Segunda Avaliação em
12/05/2024. Aprovado em 15/07/2024. Publicado em 07/08/2024.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.62289.
1
Introdução
O texto foi solicitado no VI Congresso Municipal de Educação de São Paulo,
em 04 de outubro de 2023. Trata-se de um texto atípico, no sentido de fugir do
padrão tradicional dos artigos de revista. Com efeito, solicitava-se listar e comentar
os tópicos essenciais para o debate dos educadores reunidos em Congresso em
vista da reforma do Ensino Médio que aquela Prefeitura se propunha.
Entretanto, o texto, mesmo nessa forma, suscitou algum interesse. Por outro
lado, as revistas não pretendem somente oferecer aos leitores artigos acadêmicos
originais em seu conteúdo, visam também oferecer aos leitores textos/documentos
atuais e interessantes sobre a temática. O interesse, às vezes, decorre da própria
forma de apresentação evidenciada no título: pauta para debate, considerando que
estamos vivendo, no Brasil, na atualidade, um momento de debates sobre reformas
do Ensino Médio.
Primeiramente, é preciso que os reformadores foquem na idade dos
adolescentes, de 14 aos 17 anos, sem generalizações por meio da ampla categoria
‘juventude’. É necessário refletir, junto aos especialistas da psicologia e da
sociologia, sobre os fenômenos da adolescência e puberdade Precisa-se, ainda,
superar o fácil engano sugerido pela expressão ‘médio’, oco de conteúdo próprio.
Médio pode e deve ser concebido no sentido aristotélico de equilíbrio, harmonia: in
medio stat virtus.
Ponto mais complexo é representado pela escolha do percurso formativo e da
profissão do adolescente. Não se trata de um momento cronológico e
burocraticamente preciso. Trata-se de um processo complexo, às vezes longo.
Difícil de ser conduzido até mesmo pelos educadores mais próximos e dedicados.
Em todo caso, abre-se nessa complexidade uma certeza: o acesso à cultura geral,
atualizada. A indefinição profissional é um direito do adolescente.
O texto/pauta insiste em afirmar que o estudo é o trabalho principal do jovem
adolescente, bem como na necessidade da escolarização no Brasil reduzir
progressivamente a multiplicidade dos percursos curriculares do Ensino Médio.
Afinal, pergunta-se o autor, um objetivo geral específico do Ensino Médio?
Referendando-se em Gramsci, afirma haver um tríplice objetivo: elevada cultura
geral, autodisciplina intelectual e autonomia moral. Conclui o texto afirmando haver
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grande diferença entre o objetivo do Ensino Médio Regular e o Supletivo, em que
pese alguma identidade de conteúdo.
Adolescência e puberdade (de 14 a 17 anos).
A adolescência é um fenômeno psico-sócio-cultural multiforme. Entretanto, a
puberdade, sua base orgânica, é um fenômeno ‘fisiologicamente universal, unitário’.
Por isso, é preciso correlacionar, dialeticamente, adolescência e puberdade.
Texto de apoio:
Vico uma interpretação política do famoso dito de Sólon, que
Sócrates depois assumiu para a filosofia: ‘Conhece-te a ti mesmo’.
Vico afirma que Sólon, com este dito, quis aconselhar os plebeus,
que acreditavam ser de origem bestial, enquanto os nobres seriam
de origem divina, a refletirem sobre si mesmos para se
reconhecerem de igual natureza humana que os nobres e, por
conseguinte, para pretenderem serem igualados no direito civil. E,
em seguida, [Solon] põe essa consciência da igualdade humana
entre plebeus e nobres como a base e a razão histórica do
surgimento das repúblicas democráticas na Antiguidade. (GRAMSCI,
2004, p.56-57).
Frequentemente, as análises sobre o fenômeno da adolescência destacam
sua diferença nas classes dirigentes e nas subalternas. Com efeito, a diferença é
grande, mas não natural, é reflexo de pertencer a uma determinada classe social.
Ao destacar essa diferença, Gramsci adverte que, de modo sub-reptício e
ideológico, pode-se justificar e ‘naturalizar a desigualdade social ao invés de motivar
a luta contra.
Função estratégica do Ensino Médio no amadurecimento individual e no
equilíbrio democrático da Nação.
É fruto de simplismo teórico a concepção do sistema escolar como sendo uma
linha homogênea, regular, ascendente e ‘infinita’ que vai da educação infantil até os
cursos de pós-graduação e de formação permanente. O sistema escolar é melhor
representado, arquitetonicamente, por uma linha curva, um arco, onde o ensino
médio é a pedra de centro que segura a abóbada (chiave di volta clef de voûte) do
processo formativo e, portanto, do sistema escolar.
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Quem me fez perceber esse equívoco ‘arquitetônico’ foi um texto de Giovanni
Maria Bertini (1857), citado por Luzio (2007), que defende, em termos claros, a
função estratégica central do Ensino Secundário (Médio) numa correta filosofia de
formação das jovens gerações e, eventualmente, na reforma dos estudos. A citação
é longa, mas vale a pena:
Alguns acreditam que a reforma da pública instrução deva começar
pelo ensino elementar. Eles se deixam enganar pelos termos: uma
vez que os estudos das ciências naturais começam pelos elementos,
acreditam que também a reforma dos estudos tenha que começar
pelas escolas elementares: e, uma vez que essas escolas se dizem
também primárias, acreditam que sua reforma tenha que ocorrer
primeiramente antes de qualquer outra. Mas, por favor, qual é a
primeira coisa a ser feita para reformar as escolas elementares?
Certamente, fornecê-las de bons mestres. E onde se formam os bons
mestres do primário? Talvez nos cursos de magistério de três, de
quatro ou também de dez meses? [...] Todos os professores
frequentaram, além da escola elementar, o curso secundário. Ora, se
neste os estudos fossem ministrados de forma que [...]
representassem para os futuros professores a melhor preparação,
tornaria realmente proveitoso o curso de magistério de dez meses e
os habilitaria no exercício de sua função. É claro, portanto, que uma
reforma do ensino secundário [...] deve preceder a reforma do ensino
elementar. (LUZIO, 2007, p.46-49).
À luz dessa concepção do ensino médio como momento estratégico do
sistema escolar e da formação geral do cidadão, a França do pós Guerra Mundial,
na reforma do ensino, priorizou o ensino secundário. Seus docentes passaram a
ganhar igual ou mais do que os do ensino superior. Conhecido exemplo é o de Jean
Paul Sartre, professor de filosofia no ensino médio francês. Não ele. Merleau
Ponty também foi professor de Ensino Médio. Muitas outras figuras ilustres da
cultura europeia, da Áustria, da Itália, etc., foram professores do Ensino Secundário.
A função estratégica do Ensino Médio justifica-se também pela função
estratégica do setor populacional médio no Estado. Existe uma íntima relação
político-cultural entre a escolarização média e a elevação social desse setor. A
atenção dada a essa fase escolar por parte do Estado depende de sua concepção
de hegemonia nacional articulada ao sistema escolar. Ora, o Brasil precisa enfrentar,
com determinação e clareza, essa problemática no momento em que o segmento
médio da população está em expansão. Qual o projeto educativo nacional?
Infelizmente, a sociedade brasileira, historicamente, esteve alicerçada na
irracionalidade dos extremos da pirâmide social, os muitos ricos e os muito pobres,
4
justamente quando o populismo político contemporiza o elitismo oligárquico com o
assistencialismo social. A presença e influência de um amplo setor médio da
população sempre foram, e continuam sendo, tênues. Elite de um lado e povo de
outro utilizam duas linguagens diferentes e antagônicas, pragmaticamente
‘acomodadas’, como dissemos, por políticas de caráter populista.
Ora, sabe-se que: “As políticas populistas imediatistas abrem flancos a
ditaduras ou a uma lidership de tipo carismático e, ainda, à formação de uma elite de
‘iluminados’, de intérpretes quase sagrados da vontade e do espírito do povo”
(Bobbio, 1990, p.835).
Uma dialética construtiva (revolucionária) entre essas duas linguagens
antagônicas seria oportunamente fortalecida pela difusão de instituições de cultura,
entre as quais, e prioritariamente, uma escola média unitária.
A palavra “média”, em si e no senso comum, é conceitualmente vazia, mero
reflexo dos termos que intermedia. Conota, inclusive, pobreza conceitual,
mediocridade. Assim, também no sistema escolar, o Ensino Médio é considerado
entre nós mero elo entre o fundamental e as novas fases da vida, universidade ou
mercado. Portanto, é um ensino conceitualmente heterônomo. Mas, de outro ponto
de vista, o termo “médio” expressa um significado rico em si mesmo,
conceitualmente autônomo, denotando equilíbrio, estabilidade, moderação,
harmonia, resgatando, em suma, a conhecida noção de Aristóteles In medio stat
virtus [a virtude está no meio]: “Pois aqui também se trata de uma questão de
chegar ao ponto médio ou da virtude que, como Aristóteles sabia, era o ponto da
excelência, o mais difícil e elevado a alcançar” (Croce, 2006, p.201).
O leitor, com razão, dirá que não pode haver um bom Ensino Médio sem o
fundamental e infantil de elevada qualidade. Perfeito. Entretanto, destacar a
relevância máxima da fase escolar do Ensino Médio é oportuna reação ao senso
comum que, enquanto prioriza os extremos do processo escolar (elementar e
superior), minimiza o Ensino Médio como mera transição, desconsiderando seu
específico objetivo formativo.
Na contramão da história e da evolução dos estudos de psicologia do
adolescente, no Brasil, o Ensino Secundário (Médio) perdeu destaque na estrutura
do sistema escolar. Prova disso é que, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996, o sistema tradicional tripartite (primário, secundário e superior) foi
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reduzido a bipartite (básico e superior) e o ensino médio foi incorporado à primeira
parte. Não foi mera formalidade jurídica. O ensino médio/secundário perdeu
identidade conceitual, ficou despossuído de significação pedagógica autônoma e
própria. E, consequentemente, creio eu, diminuiu o grupo de pesquisadores e
especialistas sobre a temática do “Ensino Médio ou Secundário”.
Sobre a escolha do percurso formativo e da profissão.
Cabe-nos perguntar: o jovem de 14 a 17 anos opina ou decide sobre seu
percurso formativo? Sozinho ou junto com seus educadores? A decisão ocorre em
momento cronologicamente exato de sua história de vida ou ocorre durante um
processo? Enfim, quando e como o adolescente decide sobre seu percurso
formativo e profissional?
Trata-se de um processo complexo, às vezes, longo. O adolescente busca
seu rumo ético-profissional junto aos seus educadores e adultos responsáveis ou,
quiçá, nas ‘redes sociais’. Em todo caso, o direito à indefinição profissional precoce
e ao acesso à cultura geral profissionalmente indiferenciada deve ser sempre
garantido.
Exemplos3e depoimentos:
Karl Marx, aos 17 anos, disserta sobre a escolha da profissão de um
jovem4.
Texto pré-marxista? Alguns dizem que sim. Redigiu-o em Trier, durante o
exame de ‘conclusão’ do Ensino Médio visando a acessar aos estudos superiores na
Universidade de Bonn. O parecer dos avaliadores sobre a dissertação foi positivo,
com alguns reparos. Marx escreve que é importante acertar na escolha da profissão
que determinará o percurso individual de toda a vida. Pergunta: como tomar a
decisão certa? Os obstáculos que se impõem na escolha de uma profissão, sejam
eles frutos de nossas ambições fantasiosas ou de nossas limitações físicas e
sociais, podem servir para aperfeiçoar nosso senso de adequação moral e social à
profissão escolhida. Reconhece a existência de um conflito entre determinações
‘ideais’ e determinações ‘materiais’ da vida humana. Marx entende que convém ao
4Ver: Observação de um jovem na escolha de uma profissão (1835). In: Revista Universidade
Rural. Série Ciências Humanas. Seropédica, RJ, EDUR, v. 29, n. 2, p. 103-117, jul.-dez., 2007.
3Levantei exemplos de autores e pessoas familiares.
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próprio jovem examinar, primeiro junto aos pais, seus ancestrais imediatos, depois
no conjunto da sociedade, o lugar que melhor lhe cabe.
Escreve: “Nossas relações em sociedade de certo modo se iniciaram antes
mesmo que nós estivéssemos em condições de determiná-las. (...) A esfera social é
sua condição determinante que advém da relação dos homens em sociedade.
(Marx, 2007, p.114).
Para o jovem Karl, será justamente esta experiência determinante que levará
o jovem à escolha acertada de sua vocação. Entre as diferentes vocações, ele
divisa, para si próprio, a possibilidade de se tornar poeta. E é em tom poético que
encerra a redação.
Antonio Gramsci, com 19 anos, os primeiros passos na profissão
de jornalista. Frequentava, em Cagliari (Sardenha), o Ensino Médio Regular, público
(Liceu Clássico). Esmerava-se nas redações. O professor de italiano, Raffa Garcia,
chegava a ler para a classe, em voz alta, suas composições, “(...) exemplares não
somente de estilo, mas também de clareza intelectual”. (Fiori, 1977, p.64). O
professor era também diretor do jornal L’Unione Sarda. Emprestava-lhe livros e o
convidava para ir ao escritório da redação do jornal. Poucos dias antes do fim do
ano de Ensino Médio, antes de voltar para casa (Ghilarza, interior da Sardenha) para
as férias, Gramsci foi conversar com ele: “Gostaria, se possível, estrear no
jornalismo escrevendo pequenas notas, talvez breves correspondências, sobre sua
cidade” (Fiori, 1977, p. 68). Raffa concordou. Poucos dias depois, Antonio recebe a
seguinte correspondência: “Eis aqui a carteira [profissional] desejada. Será
bem-vinda sua colaboração: envie-nos, agora e no futuro, todas as informações de
público interesse e lhe seremos gratos nós e os leitores. Afetuosamente, R. Garcia”
(GRAMSCI, 2009, p.46).
Ou seja, o exórdio profissional jornalístico de Gramsci, antes do ano do
Ensino Médio, aconteceu de forma espontânea e ‘integrada’ à sua tendência e
valores. Obviamente, não poderia decidir, de forma burocrática, no ato da matrícula
do 1o ano do Ensino Médio.
Mais tarde, no Caderno 12 do Cárcere, com base nesse debut profissional,
escreveu: “Por isso, nesta fase [do Ensino Médio], (...) serão recolhidas as
indicações orgânicas para a orientação profissional.” (GRAMSCI, 2001, p.40).
Michael Leão, chamado Maicom, filho de Neuza, minha empregada
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doméstica. Aos 14 anos matriculou-se no ano do Ensino Médio Regular, público,
turno da manhã. No ano, queria mudar e matricular-se no turno da noite para
trabalhar de dia e dispor de algum dinheiro. Minha esposa e eu nos opusemos a
isso, dizendo: ‘o ensino do turno da noite será a antessala do abandono da escola’.
Neuza, solteira, possuía salário e casa onde vivia com o filho e a mãe. Isso, e nosso
conselho, permitiram ao Maicom completar o Ensino Médio no turno da manhã.
Infelizmente, ‘estudava’ de manhã e ‘trabalhava’ de tarde em dois tipos de
‘atividades’ desorgânicas, díspares, uma atrapalhando a outra. Ou seja, a atividade
de estudo da manhã nada tinha a ver com a outra da tarde. Uma bolsa de estudo
permitiria fazer a tarefa (lição de casa), no período do contraturno, monitorado em
estudo dirigido, portanto, em duas atividades orgânicas, correlacionadas.
Considero, todavia, que o fato de Maicom ‘estudar de manhã permitiu-lhe,
mais tarde, fazer um ‘curso tecnológico’. Desejava, confessou-me um dia, ser como
eu: trabalhar em universidade, escrever, viajar ou, então, disse num tom de tristeza,
serei tapeceiro como o tio. Sem bolsa de estudo, sem estudo dirigido no contraturno,
Maicom será encaminhado para uma prática produtiva imediata. A necessidade
matará seu direito à indefinição profissional de ao menos 4 a 5 anos, sufocando o
sonho de ‘entrar numa boa universidade’.
Qual a tendência profunda, o talento de Maicom? Vários. Mas, não haverá
tempo, nem condições materiais, para identificá-lo. Menos ainda para favorecê-lo.
Virgínia, minha filha, ao concluir o Ensino Médio, 18 anos, não queria
continuar os estudos na Faculdade. Queria ser radialista. Opus-me. Foi uma luta.
Havia encontrado alguém que a considerou com talento para essa profissão.
“Certamente, disse-lhe, poderá ser radialista. Mas, agora, vai fazer Faculdade.” -
“Essa Faculdade -retrucou- não vale nada”.
Contei-lhe uma parábola: o prédio de quatro andares estava em fogo. A
fumaça subia. O filho, na janela do terceiro andar, gritava desesperado. O pai, na
rua, com ajuda dos vizinhos, estendeu um cobertor e gritou: - ‘Jogue-se!’ O filho não
enxergava o cobertor por causa da fumaça: - ‘Não vejo nada, respondia’. O pai
gritou mais forte: ‘Se jogue, porque eu vejo’. O menino se jogou e se salvou.
Virgínia não via necessidade do Ensino Superior. Eu via. Foi difícil. Ela fez
Terapia Ocupacional na PUC de Campinas. Hoje me agradece. É uma profissional
realizada e contente.
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Berilo Luigi, meu primeiro filho (desculpem os exemplos familiares)
cursou Ensino Médio regular, de manhã, no Instituto Álvaro Guião, Escola pública
central da cidade, antiga Escola Normal de São Carlos. Excelente escola. Pertenceu
à última turma que fez ‘vestibulinho’ para conseguir vaga. Posteriormente, a seleção
foi feita por sorteio. Hoje, por residência geograficamente próxima à escola.
Pessoalmente, questiono esses critérios e escrevi sobre o assunto. Poderia, meu
filho, ‘estudar em escola particular. Não quis. Sua turma liderava o Grêmio Escolar.
Publicava um jornalzinho. Ao término do Colegial, prestou vestibular em Ciências
Sociais na UNESP de Araraquara. Passou. Era um bom Curso. Mas, antes de
concluí-lo, decidiu mudar para o Curso ‘Imagem e Som’ da UFSCar. Prestou novo
vestibular. Passou. Hoje é Professor de Teatro na Universidade Federal de São João
del Rei, Minas Gerais, especialista em ‘iluminação’.
Vitor Petinelli Mariotto, 30 anos. Morador de Américo de Campos,
interior do Estado de São Paulo, hoje cidade de cerca de 6.000 habitantes. Menor de
dois irmãos. O pai faleceu quando Vitor tinha dez anos. Ao completar o Ensino
Fundamental em Escola Pública, matriculou-se no Ensino Médio, infelizmente, em
turno noturno: “No Colegial, estudava de noite e trabalhava de dia em atividades
totalmente diferentes uma da outra. Após 4 meses, fui forçado a abandonar a
Escola para trabalhar de ajudante de pintor” (Depoimento oral ao autor).
A mãe insistia para ele continuar o Ensino Médio, mas Vitor queria algum
‘dinheirinho’ para ajudar a mãe e adquirir alguma coisa para si. Com efeito, para as
despesas pessoais, a mãe não poderia ajudá-lo. Fez curso na SUVINIL e na
SHERWIN-WILLIAMS. Passou a ser pintor profissional: “Sempre amei pintar e
desenhar. Eu era bom nisso.” Presumivelmente, desenhar era sua tendência
fundamental: “se tivesse bolsa de estudo” - admite “e escola em tempo integral
com ajuda para fazer as lições de casa, teria terminado o Ensino Médio e, mais
tarde, faria um curso superior na área artística” (Depoimento oral ao autor).
Hoje, Vitor é uma pessoa contente, um excelente pintor de residências. Mas,
talvez, o Brasil deixou de ‘explorar melhor o talento de um seu cidadão: - “Poderia
ser um pequeno Portinari...” disse-lhe, brincando e encerrando a entrevista
(Depoimento oral ao autor).
Geraldo Basso, 57 anos. Também é morador de Américo de Campos,
interior de São Paulo. Profissão: ajudante pintor de Vitor. Antepenúltimo de sete
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irmãos. Pai lavrador. Mãe “do lar que também trabalhava na roça quando
necessário.” Até a oitava série estudou na Escola Estadual Francisco de Vilar Horta.
Em seguida, um irmão o chamou para trabalhar numa oficina mecânica. Tinha 14
anos. Matriculou-se no Colegial (Ensino Médio). Infelizmente, no turno da noite.
Fez matrícula ‘de teimoso’, isto é, contra a opinião do entorno social que o
considerava estudado, diplomado, ou seja, que não precisava mais estudar.
Entrava na oficina às 7 da manhã e permanecia até às 18 horas. Mas,
quase sempre, serviços de urgência o obrigavam a permanecer até mais tarde.
Corria para casa (3 km), banhava-se um pouco, engolia um arroz e corria para a
Escola Pública de Ensino Médio, onde ficava até às 22 horas. Retornava à
residência (morava no sítio) para, no dia seguinte, voltar à oficina às 7 horas. Vida
impossível! Geraldo aguentou isso um mês. Saiu da Escola, abandonou o Ensino
Médio noturno. Na oficina, recebia muito pouco. Mudou de muitas atividades.
Atualmente, ajuda seu colega pintor. Ou seja, tornou-se pintor ‘profissional’ também
ele: “gostaria de ter feito o colegial, entrar na Faculdade! Se tivesse uma bolsa de
estudo, certamente, teria cursado os três anos do Ensino Médio.”
Sonhos profissionais? Policial Militar ou, quiçá, licenciado em História e
Geografia.
Sua filha mais velha fez magistério. A mais nova fez faculdade, formada em
Fisioterapia na UNIFEV. (Depoimento oral ao autor).
Valdeci Croti, 59 anos. Nasceu em Boa Esperança do Sul/SP. De nove
irmãos, quatro mulheres e cinco homens, ele é o penúltimo. Ainda pequeno
transferira-se para a Fazenda Sant’Ana, entre Ribeirão Bonito e São Carlos, onde
fez os primeiros três anos do primário. Veio morar em São Carlos quando tinha 8
anos e aqui completou o primário, na Escola Bispo Dom Gastão e na Elídia Benetti,
no período da manhã. De tarde brincava.
Com 14 anos começou a trabalhar como auxiliar de tipógrafo. Aprendia na
prática. Profissionalmente, passou a ser tipógrafo. Com 24 anos casou. Ajudava o
irmão pedreiro. Em pouco tempo sabia de tudo, até assentava tijolos. Com trinta
anos, fez o curso de Elétrica Residencial no SENAI. Assim, ajuntou às práticas de
pedreiro, eletricista e tipógrafo. Trabalhou por 35 anos como autônomo para se
aposentar. Hoje, presta serviços vários, é um fac totum excelente. Por brincadeira, é
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chamado marido de aluguel. Inclusive, por mim. Não sentia vontade de estudar,
mas aprendia facilmente.
Facilidade na aprendizagem e muita engenhosidade na solução de
problemas: um pequeno ‘Leonardo da Vinci’, disse brincando e encerrando a
entrevista. (Depoimento oral ao autor).
Sueli Maria Tizolin, 55 anos, minha diarista. Originária de um sítio no
Paraná. Família de 6 irmãos: duas mulheres e quatro homens. Ela é a
segundogênita. No sítio, cursou quatro anos do primário na Escola Pública Castro
Alves, no período da tarde. De manhã, carpia, colhia café, arrancava feijão,
quebrava milho: “Não continuei a estudar, porque os pais da gente achavam que
os homens tinham que estudar”.
Ainda no sítio, casou com 18 anos e teve os dois primeiros filhos. Com 23
anos, transferiram-se para São Carlos onde começou a trabalhar de doméstica. Aqui
teve mais uma filha. Havia o EJA noturno. Aconselhada, frequentou o EJA por um
ano e meio, completando assim os oito anos do Fundamental. Recebeu diploma EJA
com cerca de 40 anos. Disse:
No EJA, posso falar a verdade? Éramos 20 alunos na classe.
Chegava o Professor. Sentava e perguntava: - o que fizeram durante
o dia? E conversava com a gente. Nós ficávamos contentes,
porque assim a aula não era cansativa. No final, recebíamos o
diploma. (Depoimento oral ao autor).
Concluindo: Karl Marx, Antonio Gramsci, Michael Leão, Virgínia Deiró,
Berilo Luigi, Vitor, Geraldo, Valdeci, Sueli Maria etc., todos vivenciaram o drama da
escolha do percurso escolar e da profissão: uns decidiram cedo, outros mais tarde;
outros ainda num vaivém por anos; outros se matriculam no noturno antes de
abandonar a escola; outros, simplesmente, ‘não decidiram’ ou frequentaram para
receber diploma etc.
É humanamente impossível, salvo raros casos, para um adolescente definir,
precocemente e com data marcada, o percurso escolar do Ensino Médio adequado
às suas profundas tendências pessoais. É fonte de mal-entendido pensar
prioritariamente nas necessidades do mercado ou nas possibilidades materiais da
família. A psicologia ensina que essa decisão, ocorre, na grande maioria dos casos,
naturalmente, num processo complexo e ao longo de vários anos. Educadores,
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familiares e o Estado precisam acompanhar o jovem, observá-lo com sensibilidade e
paciência, ministrando-lhe, todavia, de forma determinada e didaticamente rica, a
indispensável cultura geral, ampla e atualizada, profissionalmente indiferenciada.
A violação do ritmo vital do adolescente na escolha do seu percurso escolar e
da profissão causará frustração, sofrimento e até desvios de personalidade. O jovem
é o amanhecer da Nação, promissor e renovador, mas também, infelizmente, poderá
ser um cidadão frustrado quando não uma trágica bomba relógio5.
O estudo é trabalho.
A linguagem de senso comum reza: ‘você estuda ou trabalha’? Ou seja: para
o senso comum, ‘estudar não é ‘trabalhar’: é alternativa ao trabalho ou, no máximo,
‘preparação' ao trabalho.
Entretanto, estudar é uma forma de trabalho. Assim como pedreiro,
dona-de-casa, carpinteiro, eletricista, vendedor, jornalista, administrador,
caminhoneiro, pesquisador, radialista, professor etc., são diferentes formas de
trabalho. Mais ainda: para o adolescente de 14 a 17 anos, o estudo é a principal
forma de trabalho. Estudar é trabalho disciplinado, frequentemente, duro, difícil,
porque envolve ambiente adequado, vontade, cérebro, músculos e nervos. Resumir
um pequeno texto custa mais de aprendizagem, atenção e esforço físico-mental do
5Comentário: No dia 5 de novembro de 2023, no Espaço Aberto do jornal Estado de S.Paulo, no
artigo ‘Por que enguiça a formação profissional?’, o educador/escritor Cláudio de Moura Castro
compara Países de sucesso (Suíça, Alemanha, Japão) com o Brasil. Ora, penso eu, quando o
contexto geral é tão díspar, como comparar? “A [nossa] culpa - continua ele - está na cultura que
desvaloriza o trabalho. (...) Precisa mudar os valores da sociedade” conclui. Sim, correto, mas muito
impreciso. Da sociedade toda ou de algum setor dela? Lembro de um comentário de um empresário
italiano: “Não entendo o brasileiro: gasta horrores para adquirir a melhor máquina do mundo, mas,
para pagar o trabalhador responsável pelo funcionamento da máquina, considera suficiente um
salário-mínimo ou pouco mais. Entretanto, a máquina sem o maquinista não funciona.” Claudio de
Moura Castro citou o repetido ‘preconceito brasileiro’: - “somos um País de bacharéis!”. Ora, Cláudio
é doutor, pós-doutor e estranha e condena que a maioria dos brasileiros queira faculdade. Com efeito,
prezado Cláudio, a maioria quer faculdade porque sabe que assim ganhará mais e, ainda, porque
intui que o estudo faz bem, dilata o espírito. Intuem que a escola não ensina um ofício, mas
também educa a ser mais: ninguém a Ilíada para aprender a construir cavalos de Troia, mas para
saborear poeticamente a descrição da revolta de Aquiles contra Agamemnon. Sim, o difuso desejo
popular de bacharelado é também uma oculta forma de luta de classe: “Por que - dizem os operários
mais conscientes - não ensinaram também a nós as poesias e a literatura dos clássicos?” De sobra, o
estudo ajudará a melhorar as profissões e a própria tecnologia, a inventar, fortalecendo e elevando a
qualidade do ‘trabalho’, conforme se no Manifesto “A utilidade do inútil” de Nuccio Ordine (Ed.
Zahar).
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que empacotar mercadorias em supermercados ou vender refrigerantes e sorvetes
nas praças etc.
No Brasil, enquanto o debate teórico sobre educação infantil avançou e
conseguimos difundir a ideia de que a brincadeira é o trabalho principal da
criança, sério, essencial, formativo, com referência aos adolescentes,
infelizmente, não conseguimos difundir a ideia de que o estudo (Ensino Médio) é o
trabalho principal do adolescente.
Por que não conseguimos? Porque identificamos ‘trabalho’ e salário. Com
efeito, certa identificação, mas não adequada, pois a categoria ‘trabalho’
transcende a de ‘salário’6.
O estudante de Ensino Médio, dependendo de sua situação socioeconômica
e do seu desempenho escolar, deve ser contemplado com bolsa de estudo e
didaticamente monitorado nas lições de casa, no contraturno do período escolar.
Cabe observar, no entanto, que, se é verdade que ‘estudar é trabalhar’,
também é verdade que ‘o estudo é um trabalho sui generis, um trabalho especial’.
Com efeito, ‘estudar é trabalhar em dois sentidos ou direções: no sentido direto,
quando o aluno aprende o que a humanidade conhece, visando a executar
operações socialmente praticadas; no sentido indireto, quando o aluno estuda
algo aparentemente ‘inútil’, mas que dilata e enriquece seu espírito, estabelecendo
com o trabalho transformador uma relação ‘criadora’ na medida em que consegue
inventar o que nunca a humanidade havia feito, isto é, resolver problemas que ainda
não foram resolvidos. É a relação focada no Manifesto A utilidade do inútil de
Nuccio Ordine (Ed. Zahar Editora, 2016).
Ensino Médio unitário ou multiforme?
‘Escola Unitária’ e ‘Escola única’ não são expressões/conceitos sinônimos: o
primeiro conota processo histórico da política-educacional, o segundo conota
identificação burocrático-formal. A unitariedade do Ensino Médio é consequência de
6Outro exemplo: pergunta-se à mulher se trabalha ou é ‘do lar’, pois ‘dona de casa ‘não seria
trabalho. Com efeito, nem os afazeres ‘do lar’, nem o estudo do ‘aluno’ recebem salário. Em suma:
existe no senso comum uma relação identificadora entre ‘trabalho’ e ‘salário’. São conceitos e práticas
capitalistas. A conclusão lógica, humanista, é: tanto as donas de casa quanto os alunos adolescentes
de Ensino Médio devem receber salário ou bolsa de estudo, dependendo, obviamente, de avaliação
positiva. Inclusive, para donas de casa, é preciso computar esse tempo como tempo de
aposentadoria.
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determinada reforma escolar em paralelo com a democratização
sócio-econômico-cultural da Nação7.
No Brasil, a unitariedade linguística nacional é um dado de fato e um valor. A
unitariedade econômico-cultural, entretanto, é meta longínqua e ainda não
corresponde a um projeto político nacional. Em todo caso, para alcançar essa meta,
a função estratégica do Ensino Médio é indiscutível.
O passo-a-passo de uma política educacional unitária, referente ao Ensino
Médio, grosso modo, é o seguinte:
a) Primeiro: matricular todos os jovens de 14 a 17 anos no Ensino Médio regular.
b) Segundo: estabelecer para essa fase escolar um unitário objetivo de
formação geral. A saber: tornar o aluno uma pessoa capaz de pensar, estudar
e dirigir ou controlar quem dirige.
c) Terceiro: organizar, visando a esse objetivo geral, percursos curriculares
pedagogicamente adequados às diferentes condições socioculturais e
materiais dos matriculados.
Tarefa hercúlea, mas necessária.
O antigo ministro da Educação, Cristóvão Buarque, quando pensava
federalizar o Ensino Médio, visava, mais ou menos, uma reforma nessa direção.
A redução progressiva da multiplicidade dos percursos curriculares do Ensino
Médio evidenciaria que o Brasil está se movendo em direção à sua unitariedade.
Infelizmente, estamos indo em direção oposta, pois a multiplicidade dos percursos
escolares de Ensino Médio aumenta cada vez mais8.
8Existem: Ensino Médio Regular, Integrado, Inovador, destinado a jovens e adultos (EJA), EJA
integrado à formação profissional (PROEJA), voltado à educação escolar quilombola e do campo,
destinado à educação especial. Tais modalidades podem ser oferecidas pelo setor público (estadual,
municipal ou federal), privado ou misto, como é o caso do Sistema “S” (SENAI, SENAC, SESI etc.)
que recebe recursos públicos mesmo sendo privado. Os cursos podem ocorrer em turnos da manhã,
tarde, noite, sendo presenciais, semi presenciais, à distância, entre outras modalidades. Além disso, a
recente Reforma do Ensino Médio determina que os sistemas de ensino estaduais se tornem
responsáveis por definir as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, desde que respeitem os
conhecimentos essenciais da BNCC. Isso implica que, além da diversidade mencionada, existem,
atualmente, 26 modelos estaduais distintos de Ensino Médio, mais o Distrito Federal.
7Na Itália do final do século XVIII, recém unificada (1860), a questão da ‘unitariedade nacional cultural
e linguística’ era da máxima importância e urgência.
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Objetivos gerais do Ensino Médio.
Os objetivos gerais do Ensino Médio são, fundamentalmente, três: a) oferecer
para o adolescente elevada cultura geral, atualizada e profissionalmente
indiferenciada; b) desenvolver sua autodisciplina intelectual (saber estudar e
pesquisar) e c) desenvolver sua autonomia moral (saber se dirigir e comportar na
vida).
No próprio estudo aprenderá a ‘trabalhar com criatividade e dedicação
disciplinada.
Na transição do ensino fundamental, prioritariamente ‘dogmático’, para o
ensino médio mais ‘investigativo’, o aluno identificará, aos poucos, sua tendência
criativa mais profunda, conforme o dito socrático: “Conhece-te a ti mesmo”:
O problema fundamental se coloca com respeito à fase da carreira
escolar representada pelo ensino médio, que em nada se diferencia,
atualmente, como tipo de ensino, das fases escolares anteriores (...).
De fato, a Escola Unitária deveria ser organizada como Escola em
Tempo Integral, com vida coletiva diurna e noturna, liberta das atuais
formas de disciplina hipócrita e mecânica e o estudo deveria ser feito
coletivamente, com a assistência dos professores [ou monitores] e
dos melhores alunos, mesmo nas horas do estudo individual etc.
(GRAMSCI, 1975, p.1536).
Didaticamente, as aulas expositivas no Ensino Médio devem ser substituídas
progressivamente pelos seminários.
Nota: A disciplina ‘Moral e cívica’ dos governos militares, em muitos
casos, representava para eles um ‘tiro no pé’, tanto que os militares pretendiam
reformular a proposta. Isso significa que a disciplina possui um potencial formativo
ambivalente: doutrinário e formativo. Isso deve ser analisado pedagógica e
politicamente e, se for o caso, utilizado.
O Ensino Médio Supletivo difere do Ensino Médio Regular.
A idade mínima para ingressar no ensino médio supletivo é 18 anos. Ou seja,
a idade em que o jovem não é mais um adolescente em busca de sua identidade e
sim um trabalhador em busca do valor e sentido do seu trabalho.
Salvo em alguns conteúdos, os dois sistemas de ensino médio (regular e
supletivo) diferem radicalmente nos objetivos e no método, simplesmente porque o
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momento formativo do adolescente é diferente do adulto trabalhador. Com efeito, o
adulto, aluno do Ensino Médio Supletivo, não prioriza o socrático “conhece-te a ti
mesmo” como ocorre com o adolescente de 14 a 17 anos.
Obviamente, a idade é um fator muito importante. Os educadores, ao
alfabetizarem um adulto, sabem que seu aluno conhece o mundo, ‘trabalha’ por
salário, talvez, formou uma nova família e tem filhos, enfim, não é mais um
adolescente. Logo, não podem utilizar com alunos adultos os instrumentos didáticos
que utilizavam na alfabetização, nas aulas do Ensino Fundamental 2 ou do Ensino
Médio regular. Alguns conteúdos formais são os mesmos, mas o método didático é
radicalmente diferente.
Conclusão
Hoje, finalmente, o Ensino Médio voltou a ganhar centralidade.
Mas logo percebemos ser dificílimo definirmos conteúdos, formas didáticas e
métodos de pesquisa adequados aos nossos alunos hipnotizados pelo encanto dos
meios eletrônicos de comunicação. Talvez, seja esse o desafio maior que a
sociedade da informação põe à escola.
Lembro-me de minhas aulas, em São Paulo, em 2015/16. Turno noturno. Sala
com cerca de 70 alunos. Pretendia eu explicar o mito da caverna de Platão. A maior
parte dos alunos fixava os celulares. Senti-me perdido. Disse: ‘quem quer olhar o
celular, por favor, fique na esquerda da sala; quem quiser ouvir minha aula, fique na
parte direita’. Nesta, ficou uma dúzia de alunas. Tentei explicar o mito da caverna.
Mas, dentro de mim, repetia: esta situação, nas aulas de didática no meu curso de
Pedagogia, não fora colocada, nem analisada e resolvida.
Com Tullio De Mauro (2001), hoje, pergunto-me: o homo sapiens
transformou-se em homo currens, sempre atrás de novidades? Como superar essa
triste alternativa? Faço minhas as palavras do autor:
Ohomo sapiens precisa encontrar, mais uma vez, o modo de
controlar, para melhor, as tecnologias que, nós mesmos, procurando
o melhor, desenvolvemos. Não se trata nem de capitular diante do
Grande Irmão (a TV), nem de destruir as redes telemáticas e os
satélites. Trata-se de desenvolver a capacidade de controlar
criticamente os fluxos informativos, dos quais, hoje, as sociedades
precisam para viver e produzir. (DE MAURO, 2001, p. 160).
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Referências
BOBBIO, N. et alii. Dizionario di politica. Verbete ‘populismo’. Torino: UTET, 1990.
CROCE, B. História como história da liberdade. Trad. Julio Castañon Guimarães.
Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.
DE MAURO, Tullio. Minima Scholaria. Roma: Laterza, 2001.
FIORI, G. Vita di Antonio Gramsci. Roma: Editori Laterza, 1977.
LUZIO, A. S. La scuola degli italiani. Bologna: Il Mulino, 2007.
NOSELLA, P. Ensino médio à luz do pensamento de Gramsci. Campinas, SP:
Alínea, 2016.
GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere: Antonio Gramsci: os intelectuais; o
princípio educativo; jornalismo. Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho;
co-edição de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. v. 2. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001.
GRAMSCI, A. Socialismo e cultura. In: Escritos Políticos. Ed. Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
GRAMSCI, A. Quaderni del carcere. Torino: Einaudi, 1975.
GRAMSCI, A. Epistolario 1. Gennaio 1906-dicembre 1922. Roma: Istituto della
Enciclopedia Italiana, 2009.
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