V.22, 48 - 2024 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
CONSTRUINDO UM NOVO PACTO PARA A EDUCAÇÃO: O PAPEL DA
TECNOCIÊNCIA SOLIDÁRIA
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Renato Dagnino
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Resumo
Enfoca-se aqui aspectos socioeconômicos da policy e da politics relacionados à produção do
conhecimento condicionados por um pacto, intermediado pelo Estado capitalista, entre as classes
proprietária e trabalhadora. Adotando a perspectiva dessa última, se investiga as características que
deve possuir um novo pacto “para além do capital”. Como usual na tradição crítica latino-americana, o
texto trata, primeiro e exemplarmente, a maneira como aqueles aspectos se manifestam nos países
centrais. Por estar ancorado na experiência histórica e nos anseios dos atores sociais subalternos e
orientado para a sua consecução na periferia do capitalismo, ele aponta caminho para a constituição
de um novo pacto tendo como referência os valores e interesses da economia solidária. Na sua
segunda parte, o texto apresenta o papel que pode desempenhar a Tecnociência Solidária, para
pavimentar esse caminho.
Palavras-chave: Pacto pela educação; América Latina, Política Cognitiva, Tecnociência Solidária
CONSTRUYENDO UN NUEVO PACTO PARA LA EDUCACIÓN: EL PAPEL DE LA TECNOCIENCIA
SOLIDARIA
Resumen
El texto se centra en los aspectos socioeconómicos de la politics y de la policy relacionados con la producción de
conocimiento condicionados por un pacto, mediado por el Estado capitalista, entre las clases propietaria y
trabajadora. Adoptando la perspectiva de esta última, indaga sobre las características que debe tener un nuevo
pacto "más allá del capital". Como es habitual en la tradición crítica latinoamericana, el texto trata, en primer
lugar y de manera ejemplar, la forma en que esos aspectos se manifiestan en los países centrales. Por estar
anclada en la experiencia histórica y en las aspiraciones de los actores sociales subalternos y orientada a su
realización en la periferia del capitalismo, señala el camino hacia la constitución de un nuevo pacto basado en los
valores e intereses de la economía solidaria. En su segunda parte, el texto presenta el papel que puede jugar la
Tecnociencia Solidaria para allanar este camino.
Palabras clave: Pacto por la Educación; América Latina, Política Cognitiva, Tecnociencia Solidaria
BUILDING A NEW PACT FOR EDUCATION: THE ROLE OF SOLIDARY TECHNOSCIENCE
Abstract
The text focuses on socioeconomic aspects of the politics and the policy related to the knowledge production
conditioned by a pact, mediated by the capitalist state, between the proprietary and the working classes. Adopting
the latter's perspective, it investigates the characteristics that a new pact "beyond capital" should have. As usual
in the Latin American critical tradition, it treats, first and exemplarily, the way in which those aspects appear in the
central countries. Because it is anchored in the historical experience and in the aspirations of subaltern social
actors, and it is oriented towards their achievement in the periphery of capitalism, it points the route to the
constitution of a new pact based on the values and interests of the solidarity economy. In its second part, the text
presents the role that Solidarity Technoscience, can play in paving this route.
Keywords: Pact for education; Latin America, Cognitive Policy, Solidary Technoscience
2
Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo - Brasil.
Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo - Brasil.
E-mail: rdagnino@unicamp.br. Lattes: https://lattes.cnpq.br/0864711435393000.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9625-7438.
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Artigo recebido em 01/04/2024. Primeira avaliação em 06/04/2024. Segunda avaliação em 09/04/2024.
Aprovado em 25/07/2024. Publicado em 07/08/2024.
DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.62467.
1
Introdução
Este texto adota um enfoque limitado aos condicionantes socioeconômicos da
policy e da politics relacionados à produção do conhecimento. Aqueles que dão
origem àquilo que eu costumo enfeixar, por reconhecer a forma entrelaçada como
elas estão sendo cada vez mais no mundo inteiro elaboradas, mediante o conceito
de política cognitiva: as políticas de Educação e as de Ciência e Tecnologia.
Ele está centrado nas implicações que têm sobre a política cognitiva os
valores, interesses e comportamentos das classes proprietária e trabalhadora e no
modo como se constitui entre elas um pacto, intermediado pelo Estado capitalista,
acerca da educação. A respeito dessa categorização dicotômica, binária, simplista e
para muitos ultrapassada, esclareço que sua adoção é, mais do que suficiente,
necessária para elucidar aqueles condicionantes. Privilegiando os valores e
interesses dessa última, o texto encaminha a análise no sentido da concepção de
um novo pacto coerente com um projeto societário “para além do capital”.
Seu percurso, usual na tradição intelectual crítica que tem lugar na periferia
do capitalismo, trata, primeiro e exemplarmente, a maneira como aqueles
condicionantes se manifestam nos países centrais (ou no Norte Global). Depois,
analisa a maneira como o pacto estabelecido vai se instituindo, submetido às
especificidades do contexto periférico e, particularmente, brasileiro.
O resultado deste caminho de crítica mostrado na sua quinta seção -
Sintetizando a “problemática” - utiliza o modo como o jogador Dadá Maravilha
expressou sua justa contrariedade em relação aqueles que criticam reclamando
por uma “solucionática”. Ela abre espaço para as sessões seguintes que decorrem,
justamente, da reclamação semelhante de um companheiro que leu o texto que
condensava esse resultado, que concordava com a análise da problemática, mas
cobrava uma “solucionática”. Elas tratam de um enfoque (ou proposta) construído
em torno do conceito de Tecnociência Solidária citado nas seções anteriores a
cuja elaboração venho me dedicando nos últimos anos.
Também em consonância com aquela tradição tão cara aos intelectuais
críticos latino-americanos, o texto possui um caráter francamente normativo. Por
estar ancorado na experiência histórica e nos anseios dos atores sociais subalternos
e orientado para a sua consecução, ele aponta aos governantes progressistas que
ocupam o aparelho de Estado um caminho para a constituição de um novo pacto
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tendo como referência os valores e interesses da economia solidária; aquilo que
tenho denominado Reindustrialização Solidária.
Um pouco da História dos países centrais
Lá, a política cognitiva esteve sempre pautada por um pacto entre a classe
proprietária e a classe trabalhadora que tendeu a mascarar o caráter antagônico dos
seus interesses e valores.
Complementando as considerações introdutórias, relembro que as primeiras
seções deste texto se organizam em torno de considerações a respeito de como se
estabeleceu e evoluiu este pacto, de como ele se encontra hoje fragilizado e de
como cabe à classe trabalhadora formular sua proposta orientada para uma
educação “para além do capital”.
Para a consolidação do capitalismo foi necessário proporcionar aos
trabalhadores o tipo de habilidade que a empresa demandava para satisfazer velhas
necessidades, de outras formas, e ir criando outras que se apresentavam lucrativas.
Aquela orientada a operar as inovações introduzidas no processo de trabalho que
ela controla e que, por isto, lhe permitem contrabalançar a pressão dos
trabalhadores pela redução da jornada e o aumento do salário.
O fato de que o aumento de produtividade do trabalho possibilitado pelas
inovações não precisava ser compartilhado com os trabalhadores com um aumento
de salário tornou a empresa dos países centrais, amparada pelos múltiplos
subsídios concedidos pelo “seu” Estado, um “motor de inovação”. À classe
trabalhadora, desprovida dos meios de produção, obrigada a vender sua força de
trabalho (esta mercadoria que, sendo a única que ela possui, é também a única que
adiciona valor ao produto) e sem amparo para organizar arranjos de produção e
consumo autônomos, restavam poucas alternativas.
Para evitar que a marcha desse “motor” a deixasse “para trás”, e defender sua
sobrevivência, ela foi obrigada a aceitar um processo de contínua e empobrecedora
“qualificação”; teve que se adaptar às mudanças cognitivas que ele impunha. Elas
implicavam a expropriação do conhecimento tácito por ela dominado, sua paulatina
codificação nas universidades capitalistas de modo a impedir sua desapropriação e,
como os meios de produção, transformado em propriedade privada crescentemente
monopolizada.
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Caracterizava este pacto um “cercamento”, no âmbito cognitivo, do que, no
âmbito material, o capitalismo inerentemente provoca. Não obstante, o validavam,
entre outros fatores, as oportunidades do assalariamento associada à consolidação
do projeto capitalista de organização da sociedade ocidental. Havia a expectativa de
um futuro melhor para a classe trabalhadora que contrastava com a brutalidade
feudal e com a ameaça de exclusão social que o marco inicial desse processo, a
chamada revolução industrial, havia deixado.
As iniciativas que desde o final do século XIX procuraram capacitar a classe
trabalhadora, ou estender a ela o conhecimento da classe proprietária no sentido de,
ingenuamente, promover uma apropriação para liberá-la da opressão, foram sempre
escassas. Mais ainda foram aquelas que visaram a se contrapor àquele
conhecimento gerado pela classe proprietária, “seu” Estado, e suas empresas.
A interpretação potencializada pelo processo de construção do socialismo
soviético, de que seria o desenvolvimento linear inexorável das forças produtivas o
que, ao tensionar as relações sociais de produção, levaria a modos de produção
cada vez melhores, predominou no âmbito da esquerda marxista e, por inclusão, no
movimento sindical.
Permaneceu intocado o dogma “transideológico” de que existiria uma ciência
verdadeira, intrinsecamente boa, universal e neutra (no sentido de ser funcional para
qualquer projeto político) e uma tecnologia, que poderia aplicá-la para o bem ou para
o mal. E que bastaria a apropriação pela classe trabalhadora do conhecimento
científico e tecnológico - as forças produtivas que estavam momentaneamente
sendo usadas a serviço do capital - para que ela pudesse construir o socialismo.
Essa situação inibiu o surgimento de uma visão crítica que percebesse a
artificialidade a-histórica e ideologicamente construída pelo capital em seu benefício
do apartamento ciência-tecnologia e, entendendo a tecnociência como um conceito
primitivo, permitisse o questionamento da neutralidade e do determinismo. E que, ao
compreender o caráter de construção social da tecnociência que implicava que em
seu processo de desenvolvimento ela estaria sempre contaminada com os
interesses e valores dominantes no contexto, propusesse a adequação sociotécnica
da tecnociência capitalista na direção de uma tecnociência funcional ao projeto
político da classe trabalhadora.
Assim, embora o projeto capitalista estivesse sendo seriamente contestado e
apesar da ameaça que representava o socialismo, não ocorreu, por parte da classe
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trabalhadora, um questionamento do pacto da educação. Embora a transição para o
socialismo soviético estivesse gestando um novo tipo de educação mais coerente
com os interesses da classe trabalhadora, o modo como ela estava ocorrendo,
circunscrito e limitado - por razões táticas internas e pelas pressões externas -, não
chegou a despertar a classe trabalhadora dos países capitalistas para a concepção
de uma alternativa.
Embora tenham surgido iniciativas revolucionárias de conscientização através
da educação para impulsionar a transformação de “classe em si” para “classe para
si”, elas não chegaram a formular propostas capazes de incidir no modo como se
organizava a produção e circulação de bens e serviços. Em consequência, essas
iniciativas tampouco resultaram em movimentos capazes de conduzir a propostas
que levassem à configuração de um novo pacto com a classe proprietária.
Resumindo: o comportamento da classe trabalhadora não foi apenas reativo,
no sentido de que tenha privilegiado a defesa dos interesses imediatos que possuía
sob a égide do capital. Ele também não foi proativo no sentido de conceber o
conhecimento que seria necessário para uma formação social que pudesse situar-se
“para além do capital”.
A conjuntura atual dos países centrais
O momento que vive o capitalismo nos países centrais parece estar
inviabilizando a manutenção desse pacto. Ele se encontra cada vez mais fragilizado
pela dinâmica do capitalismo ultra neoliberal que ao mesmo tempo enfraquece a
capacidade regulatória do Estado e, inextricavelmente, combina aspectos de
natureza geopolítica, econômica, social e tecnocientífica que reforçam os privilégios
da classe proprietária. Não obstante, as condições objetivas engendradas por essa
dinâmica, ao tempo que acirram as contradições de classe, parecem apontar rumos
para sua superação. Analisando o “lado” da classe proprietária, vale ressaltar três
aspectos.
No nível individual estrito, do seu negócio, a empresa, mesmo que se
dispusesse fazê-lo, é incapaz de internalizar as externalidades negativas nas
esferas ambiental, econômica e social que de modo genocida ela vem causando a
todos os que habitam este planeta. Aquela empresa que o fizer, contrariando a
lógica atomizada e intrinsecamente egoísta que a rege, será excluída do mercado
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por não conseguir transferir seu maior custo de produção ao preço. Portanto, leitora
e leitor, deixemo-nos de ilusões!
Não obstante, no nível coletivo, em que a classe proprietária atua como
classe, são cada vez mais frequentes declarações de que seria aceitável um
aumento do imposto sobre a renda e a riqueza e a adoção de “moratórias”
relacionadas às externalidades negativas causadas por desenvolvimentos
tecnocientíficos que ameaçam a manutenção dos seus negócios. Mas é no nível das
“suas” organizações não-governamentais e supranacionais que estão ocorrendo as
manifestações mais significativas para investigar as características que poderiam
assumir o novo pacto interclassista em torno da política cognitiva e, em particular, da
educação.
O exemplo mais recente é a declaração da ONU acerca da urgente
necessidade de que sejam fomentados novos arranjos econômicos-produtivos e de
consumo (enfeixados naquilo que no Brasil chamamos de economia solidária) para
enfrentar as crises sociais e ambientais.
Retomando o assunto que interessa mais de perto, o da análise do
conhecimento em desenvolvimento, importa destacar que a pesquisa tecnocientífica
de viés empresarial, realizada majoritariamente nos conglomerados transnacionais
sempre com maciço financiamento público, não tem sido capaz de evitar o desastre
que estamos presenciando nas esferas ambiental, econômica e social. Como digo
aos meus alunos da disciplina de Ciência Tecnologia e Sociedade, a Tecnociência
Capitalista incorre em sete pecados capitais: deterioração programada,
obsolescência planejada, desempenho ilusório, consumismo exacerbado,
degradação ambiental, adoecimento sistêmico e sofrimento psíquico
No que se refere particularmente à educação, a classe proprietária não tem
como propor nenhuma mudança significativa a não ser ações pontuais para
preencher lacunas de oferta de mão-de-obra causadas pela própria dinâmica
geopolítica, econômica, social e tecnocientífica do capitalismo ultra neoliberal. Sem
falar nas propostas amorais relacionadas à privatização da educação…
Analisando o “lado” da classe trabalhadora, as ações tradicionais de caráter
reativo, até mesmo por estarem concentradas na defesa dos interesses dos
formalmente empregados, têm apresentado eficácia claramente decrescente como
resultado do fortalecimento dessa dinâmica ultra neoliberal.
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Embora seja cada vez maior a parcela da classe trabalhadora “não
empregável”, e apesar do crescimento das iniciativas europeias visando à criação de
cooperativas, é ainda muito escassa a elaboração teórica necessária para viabilizar
medidas de política cognitiva para promover a implementação de arranjos
alternativos de produção e consumo. Como resultado do maior poder dos
trabalhadores formais e sindicalizados que conservam alguma capacidade de
organização e vocalização, não tem ocorrido uma valorização da produção e
disseminação de conhecimento para apoiar aquelas iniciativas associadas ao
cooperativismo. Têm dificultado as escassas atividades realizadas nas instituições
de ensino e pesquisa com vistas a atender os interesses da classe trabalhadora e a
crescente alocação dos recursos públicos à P&D empresarial.
Embora venha crescendo entre os trabalhadores situados nessas instituições
a percepção de que a Tecnociência Capitalista, desenvolvida pela e para a empresa,
não é adequada para a sucesso daqueles arranjos alternativos, e de que é
necessário reprojetá-la, são insignificantes as tentativas de mudança das suas
agendas de ensino, pesquisa e extensão. Ainda menos significativas são as
atividades de adequação sociotécnica da Tecnociência Capitalista na direção da
Tecnociência Solidária (conceito que é tratado nas seções finais deste texto),
realizadas nessas instituições em conjunto com os trabalhadores associados a
esses arranjos.
Termino este ponto com uma brevíssima análise da correlação de forças que
permita prospectar um futuro desejável e, investigar a possibilidade de gestação de
um novo pacto.
As contradições do capitalismo ultra neoliberal, a virtual impossibilidade de
manutenção do tipo de organização da produção e do consumo que ele adota e, em
especial, as implicações do desenvolvimento tecnocientífico a ele associado para a
classe trabalhadora, fragilizam a capacidade propositiva da classe proprietária. Não
obstante, manifestações da classe trabalhadora que surgem em muitos lugares
contra os diferentes aspectos negativos e opressores do ultra neoliberalismo estão
apontando, ainda que por negação, para a construção, na esfera cognitiva, de um
cenário “para além do capital”.
À medida que a classe trabalhadora for formulando um novo projeto
societário, a economia solidária surgirá como seu elemento central. Por representar
mais do que uma utopia a ser construída, uma proposta concreta de transformação
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das relações sociais de produção baseada na propriedade coletiva dos meios de
produção e na autogestão, ela se irá materializando mediante políticas públicas
voltadas à sua expansão e consolidação. A reorientação da política cognitiva, dada
sua importância como política-meio que confere viabilidade para muitas outras
políticas-fim, terá que ser por antecipação concebida de acordo com os valores e
interesses da classe trabalhadora.
É nesse processo que irá surgir uma proposta de educação aderente ao
objetivo de consolidação da economia solidária. E será a partir dela que a classe
trabalhadora irá negociar um novo pacto pela educação com a classe proprietária.
Um pouco da História da periferia brasileira
Historicamente, na periferia do capitalismo, o pacto em torno da política
cognitiva e, particularmente, da educação, adquiriu especificidades.
A primeira, tem a ver com o modo como se deu a conquista e o saqueio do
território (o que ficou conhecido pelo eufemismo “colonização”). Ele esteve desde o
início marcado pela extração predatória de bens naturais - característica que hoje vai
sendo mundialmente denunciada - e pela exploração igualmente selvagem de
trabalho vivo (mais-valia) com a escravização dos indígenas, a expropriação da sua
terra, e o extermínio da maioria que não se deixava subjugar (estima-se que haveria
de 5 a 8 milhões e que no final do século 19 restavam menos de 500 mil). E, logo
em seguida, com o comércio de pessoas escravizadas provenientes do continente
africano (o que ficou conhecido pelo eufemismo “tráfico negreiro”).
As relações sociais de produção, que beneficiavam internamente os que
produziam na periferia os bens consumidos no centro, onde se expandia a
extração de mais-valia relativa, estiveram centradas na exploração da mais-valia
absoluta. Foi dessa forma que a classe proprietária adquiriu o costume de auferir
elevado lucro pela sua atividade que até hoje conserva. Sobre o associado à
extração da prata e o ouro que da América hispânica, todos sabemos. Conhecemos
pouco sobre o que foi a produção das “esquisitices” realizada com um custo
extremamente baixo pelos conquistadores ainda recém-chegados e que eram
vendidas a preço “internacional” a seus parentes que ficaram. Com elevadas
“eficiência” e lucratividade, eles iniciaram o primeiro complexo mundial de
agronegócio. De elevados requisitos cognitivos e envolvendo alta complexidade
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logística, a produção de açúcar de cana foi responsável pela fundação de nossa
atividade econômica.
Bem mais tarde, com a produção do café, foi montada uma infraestrutura
logística ainda mais sofisticada e custosa. Tecnologias (ou complexos sociotécnicos)
como a ferroviária, portuária, de energia e comunicação, que estavam emergindo na
Inglaterra não foram aqui apropriadas seguindo uma estratégia cognitivamente mais
adequada como a que ocorriam em países da Europa que também “substituíam
importações”. O fato de terem sido simplesmente compradas é um indício de que
nossa classe proprietária considerava ser este o modo mais lucrativo de internar
esses complexos sociotécnicos ao negócio que compartilhavam com seus parentes.
Não me parece adequado considerar que teria sido uma divisão internacional
do trabalho imposta pelos “egoístas, usurpadores e malvados” capitalistas da
metrópole o que teria obrigado os “explorados e submetidos” a se especializarem na
produção de matérias-primas e se submeterem à importação de manufaturas. O
“intercâmbio desigual” que se estabelece entre os conquistadores que aqui
operaram e seus sócios que ficaram era um negócio que permitia lucros
extraordinários aos dois lados daqueles que patrocinavam a conquista.
Todos nós sabemos da enorme quantidade de ouro, prata e outras
mercadorias que os conquistadores que para vieram proporcionaram aos seus
parentes que ficaram, e de sua importância, em especial quando trocaram de
mãos, para a consolidação do capitalismo. E, também, de como a mais-valia gerada
na periferia foi sendo transferida para o centro mediante os mutantes mecanismos
que caracterizam o “intercâmbio desigual”. Não obstante, o fato de que não parece
ter havido uma significativa diferença na qualidade da vida que levavam, pode ser
um indício de que a lucratividade nas duas pontas do negócio em que se envolviam
esses parentes era semelhante. Como estou longe de pretender revisitar a nossa
história, me atrevo a provocar quem a isto se disponha com o que escrevi num artigo
recente: “não é preciso ser economista para perceber que se temos aqui a maior
taxa de juros do mundo e ainda se produz um alfinete brasileiro é porque nossa taxa
de lucro é também a maior do mundo”.
Essa característica do capitalismo nascente, que beneficiava com vantagem
os europeus e as primeiras gerações de proprietários brasileiros, levou a que as
relações de produção tipicamente capitalistas, baseadas na exploração da
mais-valia relativa que a inovação e o aumento da produtividade do trabalho
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possibilitavam no centro do sistema, viessem a aparecer por aqui muito mais
tarde. Isso ocorreu, ainda que sem substituir aquelas baseadas na exploração da
mais-valia absoluta, quando aqui se difunde o padrão de organização da produção e
do consumo da empresa dos países centrais.
Por várias razões que não vou relembrar aqui, a formação econômico-social
periférica se caracteriza por uma significativa dependência em relação aos países
centrais. Nossa dependência cultural engendra um mercado interno imitativo. Sua
demanda tende a fazer com que a empresa aqui localizada produza bens e serviços
(especialmente os industriais) muito semelhantes àqueles fabricados nos países
centrais.
Nosso processo de industrialização via substituição de importações visava,
justamente, a satisfazer a demanda da classe proprietária pelos bens que ela
importava mediante os recursos que recebia das exportações que fazia. Embora
tenha havido brotes industriais em várias partes do território, o que mostra que não
existia um impedimento para tanto e sim um acurado cálculo de rentabilidade, esse
processo se intensificou em função das crises e guerras ocorridas nos países
centrais que dificultavam a importação de manufaturas.
Sua transformação num “modelo” que passou a condicionar o conjunto das
políticas públicas nacionais foi desencadeada por uma simples leitura da classe
proprietária da balança comercial do País que mostrava uma deterioração dos
termos de troca. Ao contrário do que seria adequado e do que fizeram suas
congêneres em outras latitudes, as características de nossa industrialização não
decorreram de uma avaliação acerca da melhor forma de aproveitar nossos
potenciais vantagens comparativas naturais e humanas. Nacionalistas
bem-intencionados que até hoje denunciam o fato de não haver uma “agregação de
valor” às commodities teriam que perceber que isso se trata de um irrepreensível
comportamento economicamente racional.
Numa articulação que contou com a poderosa participação do capital
estrangeiro, com seus interesses e oferendas historicamente cambiantes, ocupou o
centro dinâmico desse “modelo” o estado de São Paulo. Espaço capitalista dos
negócios que, por ser beneficiado com uma reserva de mercado para suas
manufaturas, transformou o resto do nosso território numa “periferia da periferia”
fornecedora, inclusive, de força de trabalho barata.
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Depois das escravizações indígena e africana e da importação dos europeus
famintos expulsos em função do novo modo de expansão capitalista baseado na
extração de mais-valia relativa, nossa classe proprietária concebeu um outro
“exército pré-industrial de reserva”. Agora recoberta por um verniz mais capitalista,
dado que industrializante, engendrou um outro canal de suprimento de trabalhadores
pouco exigentes e de baixo preço. Ele não implicava, como veio a ocorrer nos
países centrais, na emigração de pobres vindos das ex-colônias; aqueles que hoje,
depois de alavancar seus negócios, “criam problemas” para o funcionamento de
suas economias.
No que se chamava Região Norte e, particularmente no que depois se
denominou Nordeste, a fração “atrasada” e oligárquica da classe proprietária ia
grilando a terra indígena e concentrando a terra. Tendo isso como matriz, conviveu,
principalmente aí, mas no território como um todo, um processo reiterado em que
famílias de camponeses que produziam alimentos eram empurradas para o oeste e,
depois de desbravadas, tinham suas terras expropriadas pelo latifúndio que ocupava
a ponta local daquele negócio internacional.
O desenvolvimento urbano industrial, que se acelera a parir da quinta década
do século passado, potencializou esse processo pelo lado da demanda de força de
trabalho. Seu resultado foi o deslocamento, quase que forçado e concentrado nas
zonas mais degradadas das cidades, de mais de 40 milhões de pessoas (só entre
1975 e 2017). Assim, através de expedientes como o que ficou conhecido como
“indústria da seca” foi sendo preparado o terreno para o que viria a ser a selvagem
expansão do agronegócio e da exploração mineral.
No “Sul maravilha” a fração “moderna” e industrial recebia os trabalhadores
expelidos que passavam a desempenhar as tarefas que o modelo de
industrialização exigia. Embora imitativo, multinacionalizado e pouco intensivo em
capacitação tecnológica, ele era muito vantajoso para os interesses dessa fração,
haja vista a cobertura, intensidade e velocidade de implantação que o caracterizou.
A outra, a fração “atrasada” e oligárquica, através das articulações políticas que se
estabeleciam no âmbito do estilo nacional desenvolvimentista do nosso Estado, que
perpassou períodos civis e militares, nunca deixaram de receber seu quinhão.
Isso tudo que escrevi acima não significa que eu desconheça ou não aceite a
evidência de que a classe proprietária dos países centrais e, claro que em menor
medida, a sua classe trabalhadora, não tenham se beneficiado de nossa condição
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periférica e de sua contraparte, o imperialismo. E que isso se deu no âmbito de uma
divisão internacional do trabalho em que cabia aos, primeiramente, conquistadores a
produção de bens primários com escasso conhecimento tecnocientífico localmente
gerado. E que, aos seus parentes, cabia a produção de bens e serviços com uma
intensidade continuamente crescente de conhecimento engenheirado e que, como
eram adaptados ao caráter imitativo (dado que culturalmente dependente) do estilo
de desenvolvimento periférico, eram também aqui produzidos.
O que sim quero dizer é que não me parece correto, embora seja frequente,
interpretar essa situação como algo prejudicial ao conjunto dos habitantes de cada
país periférico. Isso porque a compreensão de que suas classes proprietárias se
beneficiaram da “oportunidade de negócio” proporcionada por essa situação, e que
este benefício nunca “transbordou” para a classe trabalhadora, é essencial para uma
correta análise da política cognitiva.
Sintetizando a “problemática”
O efeito conjunto da dependência cultural, desse modelo de desenvolvimento
desigual e combinado, da pressão do mercado para a adoção de tecnologia
proveniente dos países centrais, da relativa escassez (ou subutilização) da
capacidade tecnocientífica nacional, do poder econômico e político, e das vantagens
auferidas pelas multinacionais, e de sua penetração no tecido produtivo local,
condiciona de modo profundo as atividades concernentes à política cognitiva. O fato
de que seja economicamente irracional desenvolver internamente conhecimento
tecnocientífico para produzir algo demandado pelo mercado interno imitativo, de que
os bens e serviços que aqui geram o lucro das empresas foi engenheirado
alhures, é fundamental.
O que se verifica, devido também a uma muito menor remuneração da
mão-de-obra existente na periferia, é que a empresa que aqui opera, seja nacional
ou estrangeira, assume um comportamento inovativo claramente reflexo. Imitativo,
caudatário e relativamente modesto, ele realimenta a tendência primário-exportadora
e rentista de nossa classe proprietária que, encerrando o ciclo da industrialização via
substituição de importações promoveu a desindustrialização do País. Como não
precisa efetivamente inovar, a empresa pode lucrar sem ter que se preocupar em
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“desviar” o recurso público que recebem para que seus empregados (ou
terceirizados) se “qualifiquem”.
O modo como os aspectos socioeconômicos e políticos que privilegiam nesta
análise condiciona a educação passa também pelo reconhecimento de que nossa
política cognitiva, muito mais do que nos países de capitalismo avançado, tem sido
orientada pela nossa elite científica. É ela que “diz” o que é uma criança que entra
no jardim de infância deve ir aprendendo para poder passar no vestibular de uma
universidade pública. É ela que define, em última instância e por default, devido à
nossa condição periférica que faz com que outros atores pouco participem na
elaboração desta política, as características do nosso pacto da educação.
As “antenas” dessa elite científica estiveram sempre, dada a nossa condição
periférica, orientadas pelo que fazem seus pares dos países centrais. É ali que se
origina o saber que “cultuam” nas instituições que, como um enclave, foram - à
imagem e semelhança - aqui criadas.
Como consequência da adoção de agendas de ensino, pesquisa e extensão
de provenientes, demandas cognitivas (ou tecnocientíficas) embutidas em muitas
das necessidades coletivas por bens e serviços, especialmente aquelas da classe
trabalhadora que permanecem desatendidas, permanecem inexploradas.
Entre os muitos exemplos vale citar a situação que ocorreu quando a
expropriação da terra dos pequenos agricultores produtores de alimentos e do
Estado incitou o latifúndio a potencializar o agronegócio. Ao mesmo tempo que
aqueles passaram a ter suas demandas cognitivas desatendidas devido ao
desmantelamento da extensão rural, foi criada no início dos anos setenta uma
complexa e capilarizada estrutura de geração e difusão de conhecimento para
atender ao objetivo de acumulação da classe proprietária.
Entre outros, esse exemplo serve para mostrar que em todo o mundo
baixa propensão da empresa a realizar pesquisa pode ser, também na periferia,
contrapesada. De fato, cada vez que um segmento da classe proprietária dotado de
poder político ou econômico, tinha, incorporado em seu projeto político, uma
demanda por conhecimento novo ou dificilmente obtenível, foi possível, claro que
através do “seu Estado”, desenvolvê-lo. Serve também para argumentar que devido
à sua alta complexidade e originalidade, as demandas tecnocientíficas embutidas
nas necessidades coletivas desatendidas, poderiam gerar um círculo virtuoso de
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ocupação da capacidade subutilizada de nossas instituições de ensino e pesquisa e
de sua expansão e legitimação social.
Retomando o parágrafo que se iniciava com “O que sim quero dizer...”, e
salientando que o faço muito de passagem, que aprofundar o argumento me
afastaria do assunto deste texto, é que pouco se deve hoje esperar da propensão de
nossa classe proprietária para aproveitar os favores governamentais que desde
sempre recebeu para adotar o comportamento “virtuoso” que caracteriza suas
congêneres dos países centrais. Políticas orientadas a torná-la competitiva via
agregação de valor às commodities, a facilitar sua adesão a uma transição
energética ou à adoção de comportamentos socioambientalmente sustentáveis, etc.,
dificilmente encontrarão sucesso.
Concluindo essa parte, é importante salientar que, ao contrário do que
ocorreu nos países centrais, a vigência do pacto da educação não teve como
resultado uma situação minimamente favorável à classe trabalhadora. Em função
das características que assumiu nossa formação social capitalista, o pacto aqui
estabelecido não apresentou nem mesmo os limitados benefícios alcançados.
A constatação de que o fraco “desempenho” da nossa educação, sobretudo
quando avaliada segundo os indicadores dos países centrais, é consequência do
fato de ela, sendo como é, corresponder às necessidades cognitivas demandadas
pela classe proprietária, me leva a tomar emprestado uma das frases lapidares de
Darcy Ribeiro: “A crise da educação no Brasil não é uma crise: é projeto”.
Destacando um elemento da “solucionática”
Como apontado na introdução, essas seções finais introduzem uma proposta
concebida a partir do campo dos Estudos sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade em
torno do conceito de Tecnociência Solidária, para analisar a política cognitiva e
propor sua reorientação. Sua apresentação se deve a que ela parece poder
contribuir para a superação do pacto da educação ainda vigente e a proposição de
um pacto para além do capital.
Embora me refira à Tecnociência Solidária como sendo a “plataforma
cognitiva de lançamento da Economia Solidária” (e um requisito indispensável para
viabilizar a transição social e ecológica a que se referem seus defensores), eu me
eximo aqui de discorrer sobre ela. Tampouco comento conceitos como “inovação” e
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“tecnologia” sucedidos da expressão “social” para com esses termos denotar, como
fazem mais de duas dezenas de outros, alternativas ao que denomino Tecnociência
Capitalista. Esclareço que, embora a considere igualmente pertinente, dada a
necessidade de evitar a confluência perversa causada pela “confusão” significante x
significado, não me aterei à discussão do termo social. Também não irei me referir a
apostos tergiversadores que aparecem depois de Economia e “em vez de” Solidária
como os termos de sustentável, de impacto, circular, criativa, popular, verde.
Nas minhas falas sobre Tecnociência Solidária e também em alguns dos
textos que escrevi sobre o assunto começo apresentando o conceito de tecnociência
que formulei, uma vez que ele se diferencia daquele que é usado por outros
pesquisadores do campo dos Estudos sobre Ciência Tecnologia e Sociedade. Logo
após, particularizando esse conceito genérico para o caso do capitalismo, explico
por que a tecnociência que temos hoje, que caracterizo com o aposto de capitalista,
não é adequada para a gestão pública que esta obra propõe. Em especial, aquela
que deve promover o que denominamos transição do Estado Herdado para o Estado
Necessário.
Procedendo aqui desta mesma forma, acho que conseguirei justificar, sem a
necessidade de enfronhar-me com os mitos da neutralidade da ciência e do
determinismo tecnológico (que abordei num livro quase duas décadas), por que
questiono o uso de termos como tecnologia ou inovação para fazer referência a
alternativas à tecnociência capitalista.
Por que Tecnociência?
Para responder à pergunta de “Por que tecnociência?”, aponto quatro razões
que, implicitamente, justificam por que me parece inadequado o uso de outros
termos (DAGNINO, 2019).
A primeira razão, se situa no terreno descritivo-explicativo. Ela decorre da
evidência empírica que mostra uma crescente relação, que se inicia com o advento
da Big Science, entre o que ainda se costuma chamar pesquisa científica e pesquisa
tecnológica.
De fato, muitos autores renomados usam o termo tecnociência para referir-se
ao resultado do que entendem ser uma fusão contemporânea entre ciência e
tecnologia. Não existiriam mais pesquisas científicas de um lado, que buscariam
15
conhecer a realidade, produzir conhecimento puro - a ciência. E, de outro, pesquisas
tecnológicas, que o aplicariam gerando conhecimento aplicado - a tecnologia - para
produzir bens e serviços; coisas úteis. Hoje, a atividade que melhor descreveria a
produção de conhecimento é a pesquisa tecnocientífica.
Seja ela realizada, num extremo, em empresas transnacionais (onde se aplica
mais da metade de todo o recurso que se gasta em pesquisa no mundo), seja no
outro, em universidades e organizações públicas (onde se aplica 30% deste total
basicamente para capacitar pessoas para fazer pesquisa em empresas), o resultado
dessa pesquisa é denominado por esses autores de tecnociência. Mas evidência
empírica suficiente para mostrar que a dinâmica tecnocientífica global não é
controlada por essas empresas apenas quantitativamente. Seu poder junto àquelas
instituições de ensino e pesquisa se exerce de duas formas que se parecem a duas
partes de um iceberg.
uma bem visível: financiamento de projetos, joint ventures, etc. Ela seria
suficiente para evidenciar que essa dinâmica está controlada também
qualitativamente por elas. Outra, muito mais significativa, derivada do sutil poder que
exercem via o mercado de trabalho, é revelada quando se constata que a maioria
dos pós-graduados nos países avançados é por elas contratada para fazer a
pesquisa que garante o seu lucro. O perfil desses profissionais, para que possam
atender às demandas cognitivas da empresa, é fruto da “natural” e por isto pouco
considerada indução que possuem as empresas na definição das agendas de
pesquisa e de ensino daquelas instituições.
uma segunda razão: existem autores que afirmam que aquilo que os
primeiros observam não é uma simples fusão contemporânea. Para eles, o termo
traz consigo e é adotado em função de uma explicitação de que esse alegado
apartamento é tão-somente discursivo. Nunca teria existido de fato universidades
que produziam ciências alienadas do “mundo dos negócios”, nem empresas que
eram neles exitosas apenas aplicando-a para gerar tecnologia. Segundo eles, o
conhecimento para a produção de bens e serviços, que foi sendo gerado cada vez
que o ser humano “desde o início dos tempos” interveio em processos de trabalho
visando a se apropriar do resultado material desta ação, foi uma complexa e
sistêmica mistura cognitiva. E que foi a partir dos trezentos anos que durou a
desintegração do feudalismo europeu, quando foram aparecendo os significantes
que intencionalmente denotavam novos significados, que os constituintes dessa
16
mistura passaram a ser chamados de ciência, religião, artesanato, saber empírico
(popular, ancestral, não-científico, tácito, etc.), bruxaria, arte, tecnologia e, na
contemporaneidade, inovação.
Dessa mistura de conhecimentos para a produção de bens e serviços, tão
diversos aos apreensivos olhos capitalistas, mas tão por construção “coesionados”
que as sociedades pré-capitalistas nunca se preocuparam em criar termos para
designar o que na realidade sequer existia, o capital, por conveniência, absolutizou
dois deles: o que denominou ciência e tecnologia. pesquisadores, inclusive, que
consideram esse apartamento uma manipulação ideológica tranquilizadora do
capital. Ao afirmar que existe uma ciência intrinsecamente verdadeira, boa e neutra
e que apenas cabe à sociedade cuidar para que a tecnologia resultante de sua
aplicação seja realizada com ética.
De fato, era importante para o seu projeto de dominação identificar um
subconjunto desse espectro cognitivo que o capital podia controlar e monopolizar.
Inclusive pela via como era materializado em artefatos sociotécnicos cuja forma,
escala e custo de aquisição eram impeditivos para a classe trabalhadora. A esse
subconjunto, alegando sua interpretação de uma “ciência” que teria surgido na
Antiguidade do noroeste do mundo (como se os povos da África, Ásia e América não
existissem) com o objetivo de “saciar o apetite humano por conhecer a verdade”, o
capital passou a chamar ciência e tecnologia.
Foi assim que a parte tácita do conhecimento para a produção de bens e
serviços, que se mantinha propriedade do produtor direto (que passava a ser
explorado como vendedor de força de trabalho), foi relegada como saber-fazer
empírico, não-científico. Seu “apagamento” contribuía para sujeitar o trabalhador à
“qualificação” imposta pelo capital.
Se sua sistematização e apartamento do repertório cognitivo do trabalhador
direto, como tecnologia codificada, facilitou sua expropriação e monopolização, sua
categorização como uma pretensa aplicação a posteriori de uma ciência expressa
uma linguagem elitista e quase sagrada, legitimou a forma meritocrática de
exploração capitalista. Isso não significa que ao longo da história, em função do
elevado custo de operações de experimentação e escalamento de processos de
produção, da capacitação dos trabalhadores que operavam unidades cada vez
maiores, complexas e caras, e do seu desejo de transformar seus filhos em bons
empresários, a classe capitalista não tenha criado, fora das empresas, mas em
17
contato com elas, organizações de ensino e pesquisa financiadas pelo Estado. Com
suas idiossincrasias culturais, particularidades territoriais e especializações
produtivas esse processo abarcou praticamente todos os países da Europa e
engendrou o seu funcional e fértil repositório, a universidade capitalista.
Apoiado em considerações desse tipo e descartando as ideias de
apartamento e de neutralidade que formulei o conceito genérico de Tecnociência
como sendo a decorrência cognitiva da ação de um ator social sobre um processo
de trabalho que ele controla e que, em função das características do contexto
socioeconômico, do acordo social, e do ambiente produtivo em que ele atua,
provoca uma modificação no processo ou no produto gerado cujo ganho material
pode ser por ele apropriado segundo seu interesse.
Uma terceira razão para o uso do termo tecnociência remete ao fato de que
aqueles pretensamente separados dois tipos de conhecimento, ao serem
causalmente conectados conferem suporte e tornam aceitável outro encadeamento
falacioso, bem conhecido e frequentemente criticado, que legitima o capitalismo.
O aumento da produtividade do trabalhador facultado pelo conhecimento que
se originava da ação do capitalista que controlava o processo de trabalho, e cuja
apropriação como mais-valia relativa era legitimada pelo Estado, passou a ser
“vendido” como o “desenvolvimento econômico” dos países. Esse aumento de
produtividade, no âmbito de países cujas classes proprietárias competiam
ferozmente em busca da mais-valia gerada pelo trabalhador, passou também a ser
maquiado como um aumento de competitividade que beneficiava o país inovador. Ao
ser assimilado, de forma consequencial - via “transbordamento” - ao bem-estar dos
trabalhadores (pela via de emprego e salário e do acesso a bens e serviços
“melhores e mais baratos”) e ao “desenvolvimento social”, completou a falácia em
que se apoia boa parte da superestrutura ideológica capitalista.
A artificial desconsideração de outros conhecimentos necessários para a
produção de bens e serviços que eram de difícil codificação ou expropriação e a
separação sequencial do conhecimento mais facilmente elitizável e controlável em
ciência e tecnologia se consolidou como um elemento, ao mesmo tempo central e
preventivo, da manipulação ideológica do capital.
Para melhor explicar esse argumento legitimador do capitalismo, vale
ressaltar que para que ele funcione os trabalhadores e a sociedade têm que
acreditar na separação entre ciência e tecnologia. Isto é “meio caminho andado”.
18
A outra metade, advém de uma outra antiga crença engendrada pelo Iluminismo no
seu combate à “religiosidade obscurantista”. A de que existe uma ciência
não-dogmática, intrinsecamente verdadeira e universal porque desvelava através do
método científico não contaminado por valores ou interesses os segredos do planeta
para todos os seus habitantes. E, que, por isso, ela tinha duas características
politicamente importantes para desideologizar e justificar seu apoio pelo Estado. Ela
era neutra - capaz de viabilizar quaisquer projetos políticos -, e que quando sua
aplicação levava a tecnologias “más”, este resultado devia ser considerado atípico;
um aético “acidente de percurso”.
Apoiada nessa cadeia argumentativa legitimadora, a estrutura capitalista
passava incólume às críticas que os partidários do socialismo, que diga-se de
passagem, em função de uma leitura equivocada de Marx, não chegavam a criticar a
neutralidade e o determinismo da tecnologia. A percepção de que a
responsabilidade pelo “mau uso” da ciência cabe a uma falta de ética - enferma e
limitada àquele que a aplica para desenvolver tecnologia - e nunca ao modo de
funcionamento característico daquela estrutura, incluindo a maneira como gera a
sua tecnociência, a Tecnociência Capitalista, permanece atravessando fronteiras
ideológicas entre a direita e a esquerda.
que destacar, nesse sentido, que a evidência empírica de que a realidade
é muito distinta do modelo idealizado. Sua tentativa de implementação e de
emulação daquela dinâmica tecnocientífica global que materializa os valores e
interesses do capital através de políticas-meio (política cognitiva) e políticas-fim
(econômico-produtivas, geoestratégicas, etc.) não está levando ao resultado
prometido.
Costumo caricaturar a tecnociência produzida pelas e para as empresas como
portadora de sete pecados capitais: deterioração programada, obsolescência
planejada, desempenho ilusório, consumismo exacerbado, degradação ambiental,
adoecimento sistêmico e sofrimento psíquico. E conduzindo a tendências de jobless
growth economy (quando a economia cresce não se gera emprego) e de jobloss
growth economy (quando a economia cresce e desaparecem postos de trabalho)
cada vez mais social e economicamente insustentáveis.
A partir de argumentos dessa natureza é possível particularizar aquele
conceito genérico de tecnociência para o caso do capitalismo. A Tecnociência
Capitalista é a decorrência cognitiva da ação do capitalista sobre um processo de
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trabalho que ele controla e que, em função de um contexto socioeconômico (que
engendra a propriedade privada dos meios de produção) e de um acordo social (que
legitima uma coerção intermediada pelo mercado de trabalho e pela superestrutura
político-ideológica mantida pelo Estado) que ensejam, no ambiente produtivo, um
controle (imposto e assimétrico) e uma cooperação (de tipo taylorista ou toyotista),
permite uma alteração do valor de troca da mercadoria produzida) passível de ser
por ele apropriada (sob a forma de mais-valia relativa).
Uma quarta razão para o uso do termo tecnociência, que cruza a fronteira
entre os terrenos descritivo-explicativo e normativo, remete ao seu qualificativo de
solidária que, como escrevi no início, me eximo de aprofundar. Ela deriva da
verificação de que a tecnociência do capital não serve para a construção da
sociedade que segmentos conscientes e responsáveis da comunidade internacional
vêm reclamando.
Para evitar o que interpretam como uma crise sistêmica do capitalismo
associada ao esgotamento do capitaloceno, eles apontam o fato de que no nível
individual estrito, do seu negócio, a empresa, mesmo que se dispusesse fazê-lo, não
é capaz de internalizar as externalidades negativas que a vem causando. No que
tange à crise climática, por exemplo, a empresa que o fizer, contrariando a lógica
atomizada e intrinsecamente egoísta que a rege, será excluída do mercado por não
conseguir transferir seu maior custo de produção ao preço.
Resgatando experiências contra hegemônicas históricas de organização da
produção e consumo de bens e serviços baseadas na propriedade coletiva dos
meios de produção e na autogestão, esses segmentos vêm ressaltando no ambiente
internacional da politics e da policy o que por aqui denominamos Economia
Solidária.
Por que Tecnociência Solidária?
É nesse contexto que adquire pertinência crescente a particularização
daquele conceito genérico. Tecnociência Solidária: decorrência cognitiva da ação de
um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho que, em função de um
contexto socioeconômico (que engendra a propriedade coletiva dos meios de
produção) e de um acordo social (que legitima o associativismo), os quais ensejam,
no ambiente produtivo, um controle (autogestionário) e uma cooperação (de tipo
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voluntário e participativo), provoca uma modificação no produto ou processo gerado
cujo ganho material pode ser apropriado segundo a decisão do coletivo.
Como fica claro, ele contrasta radicalmente de conceitos como o de
Tecnologia Social (“qualquer técnica, método ou produto surgido da interação entre
os conhecimentos popular e científico que atenda aos quesitos de simplicidade,
baixo custo, fácil aplicabilidade (e replicabilidade) e impacto social comprovado”)
que, apoiando-se nos mitos do apartamento e da neutralidade, sugerem que para
alavancar a Economia Solidária bastaria usar de outra forma o conhecimento
científico. O qual, combinado com o popular resolverá problemas “sociais” que, por
alguma discriminatória razão, devem ter um baixo custo de resolução. E também
com o de inovação social, oximoro que contrapõe, por substituição, o social ao
tecnológico, adscrito ao sentido original de inovação (de uma invenção que gera
lucro para a empresa) como se satisfazer as necessidades materiais dos pobres não
demandasse complexos e originais conhecimentos tecnocientíficos.
Ademais, ao empregar um qualificativo difuso (social), resultante da
consideração de aspectos que transcenderiam o econômico - forma eufêmica que
frequentemente se emprega para evitar o termo lucro - dão a entender que os
empreendimentos solidários não precisam ser competitivos em relação às
empresas.
Ao tentar construir hegemonia incluindo arranjos econômico-produtivos
baseados na propriedade privada e na heterogestão que se passam a se “adequar”
a esses termos, cria-se uma situação que inviabiliza, inclusive em termos
estritamente cognitivos, as ações que teríamos que, com intelectuais, devemos
impulsionar.
Essa ambiciosa empreitada, que vai desde uma inédita convergência entre as
ciências “desumanas” e “inexatas” em torno da explicitação e processamento das
demandas cognitivas embutidas nas necessidades materiais coletivas, até uma nova
política de alianças com os atores sociais, não teria sentido não fosse o objetivo de
conceber uma nova forma de produzir conhecimento mais adequada à vida dos
seres humanos e ao próprio planeta que eles habitam. Ela envolve, por um lado, a
sedução de nossos pares das instituições de ensino e pesquisa, ainda abduzidos
por uma política cognitiva que, acobertada pelo manto da ciência neutra, emula a
dinâmica tecnocientífica capitalista. E, por outro, a exposição de nossos colegas e
alunos a uma crítica às agendas de Ensino, Pesquisa e Extensão periféricas que
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transcenda a mera denúncia do seu caráter imitativo em relação aos países de
capitalismo avançado. Uma crítica que, baseada na reconfiguração do ensino da
tecnociência, seja capaz de orientá-las de modo mais certeiro e eficaz “para além do
capital”.
Finalizo apresentando a maneira como a Tecnociência Solidária é entendida
em certos âmbitos do movimento de Economia Solidária: modo como
conhecimentos devem ser agenciados visando à produção e ao consumo de
bens e serviços orientados à satisfação de necessidades coletivas em redes
de economia solidária. Esclarecendo: modo (original, aberto, mutante e
adaptativo)... como conhecimentos (de qualquer natureza - científico “desumano”
ou “inexato”, religioso, empírico, tecnológico ancestral e origem - academia,
empresas, povos originários, movimentos populares, excluídos)... devem ser
agenciados (usados, prospectados, ressuscitados, combinados, reprojetados via
adequação sociotécnica a partir da tecnociência capitalista, concebidos)... visando à
produção e ao consumo de bens e serviços orientados (prioritariamente) à
satisfação de necessidades coletivas (ao atendimento das compras públicas e à
reconversão industrial)... em redes de economia solidária (respeitando seus
valores e interesses - propriedade coletiva dos meios de produção e autogestão e
promovendo seu adensamento, prolongamento, sustentabilidades, autonomia e
competitividade) (Dagnino; Cavalcanti; Costa, 2016).
Preparando um novo pacto para a educação brasileira
No final da seção “A conjuntura atual nos países centrais” tratei das
características do cenário desejável, do novo projeto societário, do papel que dentro
dele irá assumir a economia solidária e como, a partir de sua implantação, se irá
gestando uma proposta a ser negociada com a classe proprietária para o
estabelecimento de um novo pacto.
Depois de ter apresentado a proposta a Tecnociência Solidária, faço agora
menção a mais alguns desafios de nossa realidade que ela é um elemento central
para enfrentar. Apesar da importância de fazê-lo, visto que é assim que se pode
conceber ações, o faço de forma muito sintética uma vez que tenho escrito bastante
sobre isso na mídia de esquerda.
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No que se refere aos aspectos socioeconômicos e políticos que
simplificadamente entendo como condicionantes da evolução que terá o pacto, estão
presentes na cena brasileira duas estratégias que, embora não excludentes,
delimitam cursos de ação bem distintos em termos, entre outras, da política
cognitiva.
De um lado, encontra-se a estratégia do “emprego e salário” baseada no
estímulo à atividade empresarial para geração de crescimento econômico. Muito
alinhada com o nacional-desenvolvimentismo que por décadas orientou nossa
política pública, e apesar de ter sido relativamente bem-sucedida 20 anos atrás, ela
é crescentemente considerada insuficiente para combater o legado de iniquidade,
injustiça e degradação ambiental que recebeu o atual governo de esquerda.
Inspirada nas experiências de “revolução industriosa” e no potencial de
geração de desenvolvimento da economia solidária, ganha força a estratégia do
“trabalho e renda”. Sem pretender exclusividade e compreendendo que a relação de
forças manterá o privilegiamento da “reindustrialização empresarial” e a captura
privada do poder de compra do Estado, seus partidários ressaltam a conveniência
de complementar, através da proposta da “reindustrialização solidária”, a estratégia
do “emprego e salário”.
Entre seus argumentos, apontam que dos 170 milhões de brasileiras e
brasileiros em idade de trabalhar e que que constituem a nossa classe trabalhadora,
apenas 37 têm carteira assinada”; e que existem 80 que nunca tiveram e
provavelmente nunca terão emprego. E chamam a atenção para a experiência
histórica internacional dos governos de esquerda que fracassaram na
implementação de suas políticas socializantes. A dedicação desses governos em
fazer funcionar o Estado e a economia capitalistas para obter recursos para custear
a reorientação da política teria sido uma das causas históricas do seu insucesso.
Para evitar que as políticas sociais se tornem reféns do bom funcionamento
do capitalismo e possam reconstruir a democracia, dizem, semelhantemente ao que
vem ocorrendo no Norte, ser necessário outra governança que fomente arranjos
produtivos e de consumo baseados na propriedade coletiva dos meios de produção,
na solidariedade e na autogestão.
Partindo da constatação de que a desindustrialização foi uma opção de nossa
classe proprietária, de que o fomento da inserção de suas empresas no mercado
global implica privilégios desmedidos, e de que estas não se interessam pelo nosso
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potencial de conhecimento tecnocientífico, os partidários da estratégia “do trabalho e
renda” e da proposta da “reindustrialização solidária” defendem uma radical
reorientação da política cognitiva.
Para isso, para que seja possível atender aquelas demandas cognitivas
embutidos nas necessidades materiais coletivas insatisfeitas, propõem que a
elaboração da política cognitiva incorpore, além da elite científica (cujas “antenas”
tenderão a seguir orientadas para o Norte), um ator até agora pouco escutado. Esse
ator, as trabalhadoras e trabalhadores do conhecimento, que atuam na docência,
pesquisa, planejamento e gestão da política cognitiva é o que detém nosso
significativo e crescente potencial tecnocientífico (Dagnino, 2022).
Por ser o efetivamente responsável pela sua operacionalização, esse ator é o
que poderá promover a reorientação necessária. Isso por ser, por um lado, o que
melhor poderá identificar aquelas necessidades por bens e serviços e decodificá-las
como demandas tecnocientíficas (muitas delas de evidente originalidade e elevada
complexidade), e “trazê-las” para o ambiente onde se definem as agendas de
ensino, pesquisa e extensão de nossas instituições. E, por outro, o que melhor
poderá representar o interesse público junto ao governo e aos demais atores
envolvidos com a política cognitiva.
Concluindo, resta dizer que o caminho que me parece mais adequado está
assinalado. As condições para que ele seja de imediato trilhado estão dadas. Entre
elas, chamo a atenção para uma auspiciosa convergência. Muitas daquelas
trabalhadoras e trabalhadores do conhecimento defendem a estratégia do “trabalho
renda” e a proposta da “reindustrialização solidária”. E defendem também que a
política cognitiva esteja solidamente ligada aos interesses e valores da classe
trabalhadora.
Tudo isso implica que, de imediato, nossa educação deva estar focada no
atendimento às demandas cognitivas da economia solidária. É elevada sua
capacidade de acumulação de forças políticas e, muito importante no prazo
imediato, de fiança de governabilidade para o atual governo. É a partir do potencial
do conhecimento que possuem seus integrantes que se irá gestar o novo pacto que
a classe trabalhadora irá conceber.
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Referências
DAGNINO, R. Para explicar a tempestade e sulear a bonança. edição,
Campina Grande - Paraíba: Eduepb, 2022.
DAGNINO, R. Tecnociencia Solidária: um manual estratégico. edição.
Marília-SP: Editora Lutas Anticapital, 2019.
DAGNINO, R; CAVALCANTI, P. A; COSTA, G. Gestão Estratégica Pública.
edição. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2016.
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