V.22, 48 - 2024 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
TECNOLOGIA SOCIAL: DESAFIOS ÀS ORGANIZAÇÕES DE CATADORES DE
MATERIAIS RECICLÁVEIS
1
Ana Paula Dalmás Rodrigues
2
Sandro Benedito Sguarezi
3
Douglas Alexandre de Campos Castrillon Junior
4
Resumo
O artigo apresenta o aplicativo que está sendo construído junto às Organizações de Catadoras/es de
Materiais Recicláveis (OCMR) do Alto Pantanal Mato-Grossense. O objetivo é analisar dados de
campo, identificando os desafios pelo método da pesquisa-ação suportada pela técnica bibliográfica,
descritiva, diagnóstico socioeconômico e entrevistas junto aos sujeitos da pesquisa. Espera-se que o
aplicativo aprimore processos de comercialização direta entre as OCMR e as indústrias que adquirem
os materiais recicláveis fortalecendo o poder de barganha das OCMR.
Palavras-chave: Aplicativo; Associação; Cooperativa; Resíduos Sólidos.
TECNOLOGÍA SOCIAL: DESAFÍOS PARA LAS ORGANIZACIONES DE RECOLECCIONADORES
DE MATERIALES RECICLABLES
Resumen
El artículo presenta la aplicación que se está construyendo junto con las Organizaciones de
Recolectores de Materiales Reciclables (OCMR) del Alto Pantanal Mato-Grossense. El objetivo es
analizar datos de campo, identificando desafíos a través del método de investigación acción apoyado
en técnicas bibliográficas, descriptivas, diagnóstico socioeconómico y entrevistas a sujetos de
investigación. Se espera que la aplicación mejore los procesos de marketing directo entre la OCMR y
las industrias que compran materiales reciclables, fortaleciendo el poder de negociación de la OCMR.
Palabras clave: Solicitud; Asociación; Cooperativa; Residuos sólidos.
SOCIAL TECHNOLOGY: CHALLENGES FOR RECYCLABLE MATERIAL COLLECTOR
ORGANIZATIONS
Abstract
The article presents the application that is being built together with the Organizations of Collectors of
Recyclable Materials (OCMR) of Alto Pantanal Mato-Grossense. The objective is to analyze field data,
identifying challenges through the action research method supported by bibliographic, descriptive
techniques, socioeconomic diagnosis and interviews with research subjects. The application is
expected to improve direct marketing processes between OCMR and the industries that purchase
recyclable materials, strengthening the OCMR's bargaining power.
Keywords: Application; Association; Cooperative; Solid Waste.
4
Doutor em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS(2022), professor da Secretaria
de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado de Mato Grosso (SECITECI), Brasil.
Email: douglasjunior@secitec.mt.gov.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5726-8679.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8548335564059296.
3
Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, Professor do Programa
de Pós-Graduação em Educação e em Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), Brasil. E-mail: sandrosguarezi@unemat.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7361-8977.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6517662915137218.
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), Brasil. Email: ana.rodrigues1@unemat.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3547-0614. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2049863460867568.
1
Artigo recebido em 09/04/2024. Primeira Avaliação em 25/05/2024. Segunda Avaliação em 02/05/2024. Terceira
Avaliação: 04/06/2024. Aprovado em 01/07/2024. Publicado em 07/08/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i48
62526
1
Introdução
As reflexões aqui apresentadas em relação à Tecnologia Social que está
sendo desenvolvida junto às Organizações de Catadoras/es de Materiais Recicláveis
(OCMR) estão em consonância com os preceitos do Movimento Nacional dos
Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Apoiam-se em um diagnóstico
realizado com as OCMR atendidas, apoiadas e incubadas pela Incubadora de
Organizações Coletivas Autogestionárias Solidárias e Sustentáveis (IOCASS),
pertencente à Universidade do Estado de Mato - Grosso (UNEMAT).
Resgatando memórias institucionais entre os catadores e catadoras de
materiais recicláveis e a UNEMAT, através do Núcleo de Pesquisa, Extensão e
Estudos da Complexidade do Mundo do Trabalho (NECOMT), institucionalizado em
2004, o Núcleo teve e tem como principais ações o processo de incubação de
grupos informais ligados à coleta seletiva de materiais recicláveis e a agricultura
familiar. Um dos principais focos da época foi a organização de trabalhadores e
trabalhadoras que se encontravam em situações precárias no lixão do município de
Tangará da Serra - MT. O NECOMT alinhou-se, em 2005, com a Rede de Estudos e
Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO), com o objetivo de fortalecer das
atividades de extensão pretendidas pelo NECOMT e a criar o setor de pesquisa
sobre o mundo do trabalho.
Em 2006, foi criado o Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Regional
Sustentável e as Transformações no Mundo do Trabalho (GDRS), que tratou de
ações de pesquisa com ênfase na coleta seletiva, trabalho associado e economia
solidária. A partir das atividades de ensino, pesquisa e extensão realizadas pelo
NECOMT e dos resultados das primeiras pesquisas do GDRS, surgiu, em 2006, a
aproximação com Catadoras e Catadores do antigo “Lixão” de Tangará da Serra -
MT, e a proposta de pré-incubação com o grupo informal, que resultou, em 2007, na
fundação da Cooperativa de Produção de Material Reciclável de Tangará da Serra
(COOPERTAN), que passou a ser incubada pelo Núcleo. Com o passar dos anos e
o aumento de atividades ligadas à incubação, em 2011, foi formalizada, dentro do
NECOMT, a Incubadora de Organizações Coletivas Autogestionárias Solidárias e
Sustentáveis (IOCASS).
Em 2012, para participar do Programa CATAFORTE II, a
UNEMAT/NECOMT/IOCASS, com apoio do Movimento Nacional dos Catadores de
2
Materiais Recicláveis (MNCR), fundou a Rede Autogestionária de Cooperativas e
Associações de Catadores de Resíduos Sólidos do Estado de Mato Grosso
(CATAMATO), que teve a COOPERTAN como proponente junto a outras duas OCMR
do Mato Grosso.
Em 2017, foi criada a rede de grupos de pesquisa a Rede de Pesquisa,
Inovação e Tecnologia Social em Gestão de Resíduos Sólidos, Sustentabilidade e
Economia Solidária (REPITES), sediada na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN), em consórcio com Universidade Federal do Pará (UFPA),
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) e a
Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Assim, a relação entre a Universidade e o
MNCR foi se constituindo em uma ação estratégica, sempre vinculada à
pesquisa-ação.
Ao longo do tempo, as pesquisas tomaram a forma de dissertações e teses,
com foco na discussão da formação em espaços formais ou informais de educação e
nas análises ambientais, sociais, culturais e econômicas, por meio da ligação
institucional com o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEDU) e no
Programa de Pós Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA), ambos vinculados
à Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). As principais pesquisas
desenvolvidas no âmbitos das OCMR, situadas no Alto Pantanal Mato-Grossense,
incluem as seguintes publicações: Arruda (2019), Carvalho (2020), Correa (2022,
2023, 2024), Martins (2016), Melo (2019, 2021, 2022, 2024), Santos (2021),
Sebalhos (2022), Senger (2022) e Sguarezi (2014, 2016, 2018, 2019, 2020).
Estas instituições facilitam a aproximação dos pesquisadores aos seus
objetos de estudo, permitindo a compreensão das necessidades reais das OCMR.
Por meio de metodologias como pesquisa-ação, entrevistas e questionários
aplicados em diversas cooperativas e associações de Catadoras e Catadores de
materiais recicláveis situadas na região do Alto Pantanal Mato-Grossense,
identificou-se que a comercialização do material reciclável é um fator limitante para o
desenvolvimento dos empreendimentos. Isso ocorre porque, em sua maioria, os
empreendimentos, não produzem material reciclável em quantidade suficiente para
realizar a comercialização direta com os compradores finais. Em geral, os materiais
recicláveis são revendidos a intermediários, que agrupam volumes de vários
empreendimentos para fechar cargas e viabilizar o transporte direto às indústrias
adquirentes.
3
A presença dos intermediadores, combinada com a baixa produção de cada
empreendimento, prejudica a venda da produção. Com base no diálogo com os
catadores sobre essa dinâmica de mercado, a tecnologia social proposta neste
artigo visa não apenas promover a comercialização direta, mas também aumentar a
escala de produção, haja vista que os empreendimentos estarão interligados em
rede
5
4
por meio de um aplicativo, o que permitirá valorizar o produto e melhorar a
negociação com as indústrias adquirentes. Atualmente, os pequenos
empreendimentos vendem os materiais pelo preço definido pelos intermediários,
sem qualquer poder de negociação.
O diagnóstico da situação dos empreendimentos, levantado pelos
pesquisadores, foi realizada por meio da pesquisa-ação, entrevistas e questionários
com os catadores de materiais recicláveis pertencentes às cooperativas e
associações de materiais recicláveis do Alto Pantanal Mato-Grossense, envolvendo
dezenove empreendimentos e onze municípios, incluindo a capital do estado de
Mato Grosso, Cuiabá-MT. No presente artigo, através do método da pesquisa-ação,
será apresentado o diagnóstico socioambiental das OCMR, pela técnica descritiva, e
após análise dos dados e revisão bibliográfica acerca do tema, propor a tecnologia
social como um instrumento de mitigação da precarização do trabalho.
Tecnologia Social: dimensões conceituais
O desenvolvimento de uma Tecnologia Social requer uma interlocução
dialógica entre o campo técnico e o político, entre a universidade e os
trabalhadores/as envolvidos enquanto sujeitos de um processo, no caso uma
incubadora e o coletivo de trabalhadores que atua no campo da reciclagem. De
acordo com Furlanetto, Vargas e Lasta (2018, p. 8):
[...] o termo tecnologia social se espalhou pelo mundo na década de
80, inspirada em empreendimentos que se caracterizam de forma
alternativa ao modelo industrial de desenvolvimento, estando em
procura do progresso interno compatível com as necessidades de
cada comunidade.
Trazendo para a realidade brasileira, o termo foi consolidado e expandido em
2001 pela Fundação Banco do Brasil. No ano de 2004, seu conceito foi definido pelo
5
Em rede informal, interligada pelo aplicativo, que posteriormente poderá ser formalizada via
cooperativa de segundo grau (Cooperativa Central). Conforme art. 60 da Lei 5764/1971.
4
Instituto de Tecnologia Social Brasil (ITS Brasil) como um “conjunto de técnicas e
metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a
população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e
melhoria das condições de vida” (Cavalcante, 2022).
As Tecnologias Sociais se apresentam como maneiras apropriadas para
abordar questões e problemas sociais relacionados à exclusão, demandas por
inclusão e outros fatores preponderantes nas sociedades (Dagnino, 2010; Fonseca,
2010). Desta forma, a Tecnologia Social consiste na quebra de um paradigma do
modelo hegemônico, que enfatiza o desenvolvimento científico-tecnológico no
âmbito corporativo, caracterizado pelo individualismo e competitividade. Em
contrapartida, ela propõe discussões e aplicações focadas no contexto social,
inclusivo, coletivo, solidário e sustentável. As Tecnologias Sociais, portanto, são
estratégias que visam identificação e solução de problemas sociais, buscando a
superação de desigualdades por meio de processos organizacionais aplicados à
coletividade, especialmente em associações e cooperativas populares
fundamentadas na autogestão (Bocayuva, 2009).
Novaes (2007) explora a tecnologia com base nas experiências das fábricas
recuperadas na América Latina, trazendo à tona a relação entre ciência, tecnologia e
sociedade. O autor dialoga com outros estudiosos, como Dagnino (2002, 2010), no
que se refere à abordagem da adequação sociotécnica. Novaes (2007) indica a
necessidade de avançar para um novo paradigma cognitivo, que abarca tanto os
aspectos produtivos quanto tecnológicos. Introduz o conceito de Tecnologia Social,
ou Tecnociência Solidária, como vem sendo denominado por Dagnino (2019).
6
Duque e Valadão (2017) analisaram a evolução do conceito de Tecnologia
Social por meio da revisão da produção brasileira entre 2002 e 2015 e chegaram a
duas visões principais: a tecnologia como práticas sociais que proporcionam
transformações sociais em uma e por uma comunidade (construção social e
adequação sociotécnica), e a tecnologias como artefatos geradores de mudanças
sociais (tecnologias para o social).
A partir da ilustração do conceito da Tecnologia Social sob a abordagem
latino- americana, tem-se a Figura 1.
6
Para Dagnino (2019, p. 18), “Tecnociência Solidária é a decorrência cognitiva da ação de um coletivo
de produtores sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico (que
engendra a propriedade coletiva dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima o
associativismo), os quais ensejam, no ambiente produtivo, um controle (autogestionário) e uma
cooperação (de tipo voluntário e participativo), provoca uma modificação no produto gerado cujo ganho
material pode ser apropriado segundo a decisão do coletivo (empreendimento solidário).
5
Figura 1: Modelo conceitual práticas e mecanismos-chave de uma tecnologia social
Fonte: (Souza, Pozzebon, 2020)
.
As setas utilizadas entre os quadros sinalizam a interação entre os elementos
identificados pela análise e buscam transmitir uma noção de movimento na
reconfiguração sociotécnica que se apresenta. O elemento “práticas” tem como
subelementos identificados “ferramentas” e “métodos”. No contexto estudado, essa
composição de elementos configura, de acordo com o modelo apresentado, um
espaço no qual a tecnologia social se manifesta como um processo (Souza,
Pozzebon, 2020).
Neste sentido, o mecanismo chave apresentado no presente artigo é o
aplicativo a ser desenvolvido, que visa promover a reconfiguração sociotécnica das
OCMR. Como o desenvolvimento do aplicativo está se baseando na
comercialização, enquanto prática, dos catadores de materiais recicláveis, enquanto
grupos sociais, resta caracterizar a tecnologia social a ser implementada.
Organizações de Catadores de Materiais Recicláveis (OCMR)
Com base em estudos realizados pelo NECOMT/GDRS-IOCASS, foi possível
identificar que o trabalho desenvolvido pelas Catadoras/es de materiais recicláveis,
está, em sua maioria, organizado por associações ou cooperativas na região do Alto
Pantanal Mato-Grossense. Contudo, ao realizar pesquisas de campo, observa-se
que muitas vezes a organização do trabalho associado por meio de associações,
cooperativas não se traduz em um trabalho emancipatório, nem do ponto de vista da
autogestão, tampouco da emancipação econômica. As OCMR enfrentam limitações
para a consolidação da autogestão do ponto de vista teórico prático. Por exemplo,
em relação aos saberes, a limitação encontrada no campo de estudo se revela no
baixo nível de escolaridade, no contexto histórico de invisibilidade social dos
6
catadores e na falta da cultura do trabalho cooperado (Cavalcanti, 2010).
É importante o papel da Incubadora de Organizações Coletivas Solidárias e
Sustentáveis (IOCASS) em orientar, acompanhar e apoiar as OCMR para que não
se tornem, como o campo revela, mais uma forma de precarização e exploração do
trabalho, quando deveria promover a emancipação. Conforme Antunes (2007),
observa-se a erosão do trabalho contratado e estável, predominante no século XX,
com sua substituição por diversas formas de “empreendedorismo”, “cooperativismo”,
“trabalho voluntário” e “trabalho atípico”. O exemplo das cooperativas, na concepção
do autor, revela-se particularmente eloquente: as cooperativas patronais ou de
fachada contrastam com o projeto original das cooperativas de trabalhadores,
funcionando como empreendimentos que visam destruir direitos e intensificar a
precarização da classe trabalhadora. Por outro lado, o empreendedorismo resolve
problemas individuais, seguindo a lógica do individualismo, enquanto o trabalho
associado busca resolver os problemas do grupo, do coletivo e da comunidade. Daí
a importância de avançar no cooperativismo de autogestão, com base nos princípios
da Economia Popular Solidária.
A primeira cooperativa de consumo chegou ao Brasil em 1889, enquanto as
primeiras cooperativas de trabalho surgiram em 1932 formadas, formadas por mão-
de-obra semiqualificada, trabalhadores braçais, artesãos, pescadores e motoristas
de caminhão, entre outros. A partir de 1965, começam a surgir cooperativas de
trabalho com perfis qualificados, como médicos, dentistas, professores etc.,
buscando solucionar problemas de inserção e exploração intensa no mercado de
trabalho. A partir daí, as cooperativas de trabalho expandiram-se para atender às
necessidades da população urbana brasileira (Culti, 2002).
Atualmente, segundo dados do anuário do cooperativismo brasileiro, as
relacionadas à gestão de resíduos sólidos ocupam o lugar em número no estado
de Mato Grosso, representando 14% das cooperativas existentes no estado. No
âmbito nacional, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS), de 2022, com dados de 2021, as cooperativas e associações de
Catadoras/es atuaram em mais de 1.100 municípios, juntas, foram responsáveis por
mais de 35% do volume de resíduos coletados nessas localidades.
7
O trabalho associado possui características próprias que diferem da relação
de emprego definida pelo sistema normativo vigente. A relação de emprego exige o
cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo da Consolidação das Leis do
7
https://anuario.coop.br/ramos/trabalho-producao-de-bens-e-servicos
7
Trabalho, como subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade. A
subordinação é o fator que diferencia a relação de trabalho com vínculo
empregatício da relação de trabalho associado ou cooperado, oferecido pela
cooperativa ou pela associação. Essa subordinação na relação de emprego pode ser
de natureza legal, jurídica ou econômica, refletindo-se na ausência de autonomia do
trabalhador empregado, que possui jornada de trabalho e funções pré-determinadas.
Espera-se que o trabalho associado e cooperado seja autônomo, de livre
adesão, e que o trabalhador sócio ou cooperado entenda os estatutos, participe das
assembleias, exerça o direito ao voto e tenha acesso a prestação de contas,
promovendo transparência, autonomia e responsabilidade pelo sucesso ou
insucesso da organização.
Para Nardi (2007), um número significativo de pessoas que se inserem nas
cooperativas de trabalho esperam garantir os mesmos direitos que teriam caso
estivessem filiados à relação assalariada, ou seja, esperam a reprodução da lógica
empresarial, o que dificulta processos de apropriação da autogestão por parte de
muitos trabalhadores.
O cooperativismo e o associativismo buscam não apenas mitigar a
precarização do trabalho, mas também avançar em processos autogestionários que
fortaleçam o trabalho associado dentro do ambiente das cooperativas e associações
de OCMR no Alto Pantanal Mato-Grossense. As Catadoras/res de materiais
recicláveis são, em geral, pessoas marginalizadas, estigmatizadas, invisibilizadas
pela sociedade. Com frequência, possuem baixa escolaridade e veem na coleta
seletiva uma alternativa de trabalho digno, muitas vezes resultante da
impossibilidade de ingressar no trabalho formal devido a antecedentes de vida ou à
ausência de qualificação.
O diagnóstico obtido pela pesquisa de campo nos empreendimentos
investigados alinha-se com o cenário observado em empreendimentos de outras
regiões do país, especialmente no que tange à escolaridade e à renda dos
trabalhadores. No entanto, a pesquisa revela-se inédita ao avançar para a
proposição conjunta de uma inovação tecnológica que atende aos interesses das
OCMR.
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O contexto das Cooperativas e Associações do Alto Pantanal Mato-Grossense:
desafios do cotidiano
O NECOMT/GDRS-IOCASS tem se dedicado à construção de conhecimento
e à formação de alianças estratégicas com Catadoras/es para o fortalecimento da
coleta seletiva realizada por esses trabalhadores nos territórios da baixada
Cuiabana, Alto Paraguai e Grande Cáceres, no estado de Mato Grosso, Brasil. A
presente pesquisa foi conduzida em empreendimentos que incluem onze
associações e oito cooperativas, abrangendo uma área de onze municípios. A
pesquisa envolveu 344 Catadoras/es, dos quais 56,10% são homens e 43,9% são
mulheres. O estudo abrange um universo de 205 Catadoras/es sócios de
cooperativas e 139 sócios das associações (Figura 2).
Figura 2: Mapa identificando as OCMR investigadas.
Fonte: Autores, 2024.
A amplitude desse trabalho de incubação e Tecnologia Social das
Organizações de Catadoras/es, pode ser melhor compreendido através da Figura 3.
Esta Figura ilustra os empreendimentos atendidos, apoiados e incubados,
destacando as associações envolvidas e a quantidade atual de associados.
9
Figura 3: Associações Atendidas
Fonte: Autores, 2024.
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Nota-se que as associações apresentam características distintas no que se
refere ao quadro associativo. A principal legislação que trata do associativismo é o
Código Civil - Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. No que se refere ao número
de sócios, para fundar uma associação, são necessários, no mínimo, dois sócios, o
que facilita a formalização. No entanto, as associações apresentam baixo número de
associados, e muitas ainda estão iniciando suas atividades sem o apoio de políticas
públicas, especialmente em municípios que não implementaram a coleta seletiva.
Essa situação dificulta a consolidação dos empreendimentos, resultando em alta
rotatividade de trabalhadores, pois não assegura a autonomia econômica, tampouco
a emancipação dos trabalhadores.
Ressalta-se que as associações, como formas jurídicas de representatividade,
por serem menos burocráticas, facilitam a formalização das OCMR. Porém, a
limitação de não poder atuar no campo da comercialização impõe alguns
impedimentos formais para a atuação na cadeia produtiva da coleta seletiva. Uma
associação não possui capital social e não tem fins lucrativos, não permitindo a
distribuição de sobras. Caso ocorram sobras em suas atividades, estas são
reinvestidas em seu patrimônio, sem a distribuição entre os sócios.
Nesse contexto, o NECOMT/GDRS-IOCASS orienta que novas OCMR sejam
formadas na estrutura de cooperativa. A forma jurídica de cooperativa garante a
ação econômica, essencial para a produção e reprodução da vida, além de ser
fundamental para a autonomia política. Não existe autonomia política sem
emancipação econômica.
A Figura 4 ilustra as Cooperativas atendidas, apoiadas e incubadas pela
NECOMT/GDRS-IOCASS.
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Figura 4: Cooperativas Atendidas
Fonte: Autores, 2024.
As cooperativas, por terem legislação específica como a Lei 5.734/1971 e a
Lei nº12.690/2012, possuem requisitos mais específicos em comparação às
associações, que são regulamentadas de forma geral pelo Código Civil Brasileiro.
Essa especificidade faz com que a constituição e a gestão de uma cooperativa
sejam mais burocrática em relação à associação. No entanto, é justamente essa
estrutura normativa que assegura a transparência e facilita o processo
autogestionário dentro das cooperativas.
Entre os resultados do trabalho de incubação realizado na COOPERTAN,
12
destaca-se a ausência de uma relação hierárquica de patrão e empregado
(Sguarezi, 2019). A cooperativa realiza reuniões periódicas dos setores de produção
para implementar as adequações sociotécnicas, reuniões ampliadas com todo o
coletivo para deliberar sobre a organização do trabalho e, quando necessário,
assembleias gerais extraordinárias. A COOPERTAN se destaca como a organização
de Catadoras/es que, dentro do processo de autogestão, parece promover um
crescimento gradual de seu quadro associativo, assegurar maior transparência e,
embora com limitações, traz consigo a compreensão do mundo do trabalho que
avança em romper o paradigma do individualismo na práxis da autogestão.
De acordo com as pesquisas de campo, a Cooperativa de Produção de
Material Reciclável de Tangará da Serra- COOPERTAN tem uma relativa autonomia
política. . A cooperativa fundou o Fórum Municipal de Economia Solidária (FMES) e
tem assento no Conselho Municipal de Economia Solidária e participa em outros
espaços coletivos deliberativos. Ela também possui representação regional do
MNCR e coopera na formação de Catador para Catador junto à categoria
Catadora/o. No aspecto da emancipação econômica, a COOPERTAN fundou a Rede
Autogestionária de Cooperativas e Associações de Catadores de Resíduos Sólidos
do Estado de Mato Grosso (CATAMATO) em 2012, junto a outras duas OCMR.
Fundou o Fundo Rotativo Solidária Unidos Vivendo em Ação (FRS-UVA) junto com
mais cinco Empreendimentos de Economia Solidária-EES, e internamente, fundou e
mantém o Fundo Rotativo Solidária Catadores Andando Juntos Ambientalmente
(FRS-CAJA), quem em 2023, tinha quase R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), dos
quais aproximadamente 75% estavam emprestados aos seus sócios, que
contribuem mensalmente com uma taxa de R$ 10,00, (dez reais) além da parcela de
seus empréstimos, fazendo a rotatividade esperada de um FRS.
Além disso, a COOPERTAN é um centro de produção de conhecimento,
através de estágios, monografias ou trabalhos de conclusão de cursos (TCC),
dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos científicos, livros, capítulos de
livros, visitas técnicas e outros processos de educação ambiental, atendendo às
demandas tanto da universidade quanto dos Catadores/as.
Sguarezi, Sguarezi e Souza (2018), com base na práxis junto às OCMR na
região Centro-Oeste, refletem sobre os diferentes resultados do processo de
incubação, elencando fatores como autonomia, auto estima, compromisso com a
qualidade dos produtos, aprendizado sobre o processo de trabalho e articulação com
os movimentos sociais. Para os autores, o processo de incubação pressupõe a
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educação unitária, aquela que se constrói no cotidiano diante ao enfrentamento das
contradições entre capital e trabalho. Criar um empreendimento coletivo, uma
associação, uma cooperativa não é o desafio principal; o verdadeiro desafio está em
organizar processos autogestionários que superem relações de produção
hegemônicas, numa perspectiva emancipatória.
Embora as cooperativas não sejam a maioria dos empreendimentos
investigados, oito cooperativas em relação às onze associações, elas possuem mais
integrantes, totalizando 205 sócios (duzentos e cinco), enquanto as associações
somam 139 (cento e trinta e nove associados) associados no total das OCMR
investigadas. Os resultados da pesquisa indicam um menor número de cooperativas,
o que aponta para uma orientação equivocada de alguns gestores públicos, do
MNCR e da própria Defensoria Pública para a formalização de associações. Isso é
preocupante, pois a figura jurídica associação não é a mais adequada para fins
econômicos, pois a associação não tem finalidade econômica, o que pode criar
entraves burocráticos, principalmente na hora da comercialização.
Sendo assim, para encontrar soluções, observa-se que várias OCMR, devido
às orientações inadequadas, recomendam que seus sócios e dirigentes criem uma
personalidade jurídica de Microempreendedor Individual (MEI). Essa operação nem
sempre é revestida de transparência, porque o MEI assume o controle sobre a
comercialização. Isso pode degringolar desvios dos recursos e impedir a
participação das associações em Programas de Logística Reversa (PLR) , devido à
falta de emissão de notas fiscais (registro de comercialização pela associação). Essa
situação impede que as associações recebam créditos da logística reversa, gerando
uma série de problemas e transtornos para os sócios e sócias das OCMR.
Ainda existe uma linha muito tênue entre o embrionário trabalho associado,
vincado à autogestão, e a lógica hegemônica do empreendedorismo individual. A
realidade de campo mostra o que a lógica hegemônica tende a prevalecer. Esses
aspectos são objeto de construção de conhecimento, problematizados pela
Incubadora de Tecnologia Social junto às OCMR, promovendo a consciência e o
exercício da autogestão, uma verdadeira pedagogia autogestionária. A Cooperativa
dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis do Mato Grosso
(COOPEMAR), fundada em 1994, e a COOPERTAN, fundada em 2007, são as
cooperativas mais antigas, o que contrasta com a realidade da COOPERVIDA, por
exemplo, que ainda está em fase formalização, com aproximadamente 90
Catadoras/es oriundos do antigo “lixão” de Cuiabá-MT.
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A COOPERTAN, formada por Catadoras/es oriundos do antigo lixão de
Tangará da Serra-MT, contou com o apoio da NECOMT da UNEMAT desde 2005, na
fase de diagnóstico, pré-incubação, formação e educação para o cooperativismo.
Apesar das contradições, a COOPERTAN se mostra mais consolidada em diferentes
aspectos: aumento do número de postos de trabalho gerado de 22 na fundação para
68 em 2023, um crescimento de mais de 300% em 17 anos; a autogestão é utilizada
como processo de aprendizagem, aplica a prática da politecnia
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entre cargos de
gestão e operacional na linha de produção. Em termos de estrutura, a cooperativa
possui sede própria; caminhões, máquinas e equipamentos; promove a produção e
socialização de conhecimentos entre catadores utilizando a metodologia “de
Catador para Catador” e a metodologia Cosme & Damião juntos aos técnicos. A
cooperativa também possui autonomia econômica, com um dos melhores contratos
de prestação de serviços ambientais do Brasil, embora ainda se mostra precário, em
vários aspectos, como a dependência de políticas governamentais, em vez de
políticas de Estado.
A COOPERTAN, é considerada uma cooperativa de referência entre os
dezenove empreendimentos que participam da pesquisa, destacando-se nos fatores
de produção, renda e autogestão. Por outro lado, a pesquisa sugere que a
tecnologia social do aplicativo pode ser uma ferramenta importante para melhorar a
comercialização dos materiais recicláveis, sobretudo dos pequenos
empreendimentos. Um exemplo disso é Cáceres-MT, uma cidade com 94.861
habitantes segundo o censo de 2020, que atualmente possui três empreendimentos
que não conseguem comercializar diretamente seus produtos com a indústria, não
possuem equipamentos próprios suficientes para produção, e cujo maior
empreendimento conta com apenas 24 associados. Tais características impactam
diretamente na renda dos catadores, que não conseguem atingir um salário mínimo
mensal, evidenciando a precarização do trabalho.
O Produto Tecnológico
A Tecnologia Social proposta atenderá às necessidades das OCMR e seus
trabalhadores/as, permitindo-lhes melhor apropriação dos processos de
comercialização e garantindo maior valor ao material reciclável a ser comercializado.
8
Conceito de politecnia [...] postula que o trabalho desenvolve, numa unidade indissolúvel, os aspectos
manuais e intelectuais. [...] Todo trabalho humano envolve a concomitância do exercício dos membros,
das mãos e do exercício mental, intelectual. Isso está na própria origem do entendimento da realidade
humana, enquanto constituída pelo trabalho (Saviani, 1989, p. 15).
15
Atuando de forma interligada com as demais cooperativas e associações que
atendam o mesmo município ou região, será possível obter uma maior renda na hora
da venda. Neste sentido, um dos projetos em desenvolvimento pelos pesquisadores
é a criação de um produto tecnológico na forma de um aplicativo. Este aplicativo
facilitará a interligação entre as associações e cooperativas de materiais recicláveis
localizadas no Alto Pantanal Mato-Grossense e as indústrias que compram essa
matéria prima, eliminando a necessidade de atravessadores. Com a comercialização
direta e em rede, haverá maior poder de negociação e, sobretudo, valorização do
produto final.
O projeto está sendo desenvolvido com o financiamento da Fundação de
Amparo à Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT), dentro do Programa de
Pós-Graduação de Ciência Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), como parte de uma tese de doutorado. Os pesquisadores envolvidos
são integrantes do NECOMT/GDRS-IOCASS.
O potencial impacto do produto tecnológico consiste em um compromisso da
ciência com a possibilidade de transformação da realidade social. O aplicativo,
baseado na Tecnologia Social, terá um efeito emancipatório aos sujeitos da
pesquisa, garantindo mais transparência que levará ao fortalecimento da
autogestão. Também permitirá a ampliação da comercialização dos resíduos sólidos,
aumento da produtividade e da competitividade dessas organizações. O aplicativo
contribuirá aumentando a renda dos catadores de materiais recicláveis, trazendo
mais dignidade e satisfação ao trabalho associado, além de melhorar a qualidade de
vida e garantir a emancipação econômica.
A Tecnologia Social proposta contribuirá para a ampliação da coleta seletiva
de materiais recicláveis, impactando positivamente na preservação ambiental e
aumentando a vida útil dos aterros sanitários. Com o aumento da produtividade e
competitividade das cooperativas e associações, será possível agregar valor aos
produtos comercializados, indicar formas de verticalização, com a industrialização,
gerando aumento da renda das Catadoras/es e valorização do trabalho, o que abre
possibilidade para ampliar o número de postos de trabalho nessas organizações,
fortalecendo essa categoria.
O aplicativo permitirá melhor governança da cadeia produtiva da reciclagem e
da autogestão interna das organizações de Catadoras/es de materiais recicláveis.
Essas organizações poderão ampliar ações de educação ambiental e desenvolver
projetos institucionais que visem a captação de recursos para melhoria da coleta
16
seletiva de resíduos sólidos. Pela lógica da economia circular,
9
esses produtos
serão reinseridos na cadeia produtiva da reciclagem, diminuindo a demanda por
matéria prima virgem extraída da natureza. Logo, o projeto está comprometido com
a conservação ambiental, a inclusão socioeconômica produtiva, trabalho decente e
digno, pelo reflexo imediato do trabalho que vem sendo desenvolvido, mas também
apresenta seu compromisso com a sustentabilidade e a agenda 2030/ODS.
Desta forma, o aplicativo visa impactar pequenos empreendimentos, uma vez
que permitirá a comercialização direta com a indústria e uma interligação entre os
empreendimentos que possibilita a venda em maior escala, a negociação do preço e
a valorização do produto. Como os empreendimentos se situam em locais próximos,
na região do Alto Pantanal Mato-Grossense, como demonstrado no mapa
apresentado, o aplicativo também se encarregará de elaborar a logística da rota de
transporte do material reciclável que sai dos barracões dos empreendimentos de
forma direta até as indústrias que adquirem, conforme Figura 4.
Figura 4: telas do App
Fonte: Autores, 2024.
Pelo aplicativo, a indústria adquirente terá acesso à informação sobre o
material produzido por cada empreendimento, permitindo a aquisição de produtos
em diversas cooperativas. Com esses dados, será possível organizar o frete para
retirada do material, incentivando a indústria a adquirir produtos com maior
frequência e em maior quantidade. Isso não apenas evita que os empreendimentos
incorram em gastos desnecessários com armazenamento , mas também minimiza o
risco de incêndio, uma vez que o material é comercializado com mais regularidade.
Além dos benefícios sociais, como a melhoria da qualidade de vida dos
catadores, tem-se ainda o impacto ambiental. A partir do momento que a profissão
9
Economia circular é o conceito de uma economia sustentável, que funciona sem resíduos, poupa
recursos e atua em sinergia com a biosfera. Em vez de encarar as emissões, os subprodutos e os bens
danificados ou indesejados como “resíduos” ou “lixo”, esses itens, na economia circular, tornam-se
matéria-prima e insumos para um novo ciclo de produção” (Weetman, 2019).
17
de catador proporciona uma renda considerável e é desenvolvida em um ambiente
autogestionário, ela passa a ser vista como uma verdadeira opção de trabalho digno,
atraindo mais pessoas para o setor. A pesquisa de campo também aponta que um
maior número de catadores trabalhando nos empreendimentos resulta em maior
produção e, consequentemente, em uma redução do volume dos rejeitos destinados
aos aterros sanitários. Isso contribui para aumentar a vida útil dos aterros e elevar a
quantidade de materiais recicláveis, resultados que trarão um impacto ambiental
positivo.
Outro resultado apontado pela pesquisa de campo é a confiança das
Catadoras/es pelo trabalho desenvolvido pela Incubadora. Apenas desenvolver o
aplicativo e disponibilizar para os empreendimentos não se mostra suficiente, dado
que os catadores possuem resistências a novas tecnologias e mudanças, até que se
produza um resultado efetivo, novas idéias são rejeitadas. É por essa razão que o
projeto se destaca dos demais projetos e aplicativos até então existentes. A trajetória
dos pesquisadores, através dos grupos de pesquisa em que estão inseridos,
aproxima os sujeitos da Tecnologia Social.
Se faz necessário realizar treinamentos, visitas constantes, e o maior desafio:
conquistar a confiança dos trabalhadores, demonstrando que a Tecnologia Social
tem o objetivo de facilitar a comercialização e trazer melhorias aos processos
internos. É por essa razão que o projeto, desenvolvido pela Incubadora, que atua
desde 2011 junto com esses empreendimentos, é particularmente adequado para
implementar essa Tecnologia Social.
É necessário compreender que o processo de incubação, visto em Eid (2004),
tem como aspecto ser contínuo, longo e complexo. Assim, cada empreendimento
enfrentará o desafio de amadurecer, aprender a implementar e executar a
tecnologia social e, principalmente, promover o trabalho associado. Essa jornada
inclui se apropriar de conhecimentos que favoreçam a emancipação econômica e
política por meio da práxis da autogestão.
Considerações finais
As Organizações de Catadores de Materiais Recicláveis (OCMR) operam por
um novo paradigma de produção e de um novo paradigma científico. Por uma lado a
organização pela autogestão dentro das OCMRS e por outro a interdisciplinaridade
fundamental para problematizar a realidade e junto com esses trabalhadores
construir outras possibilidades. Para Sguarezi (2020), é fundamental superar a
18
cultura do ‘eu’, do individualismo e do MEI. A cultura individualista da lógica
hegemônica depõe contra o processo de consolidação da autogestão. Por outro
lado, a cultura do trabalho livre e associado e a práxis da autogestão se apresenta
como um instrumento de identidade de classe e do real sentido do cooperativismo
autogestionário.
As organizações de Catadores/as ultrapassam as questões de coleta seletiva
e da conservação ambiental, assumindo um papel sócio econômico, político e
ambiental como protagonistas de uma nova realidade. As Catadoras/es,
organizados, produzem uma nova cultura: a cultura do trabalho associado e livre.
Essa categoria, geralmente relegada à invisibilidade, é deixada à margem da
sociedade, excluída do mercado de trabalho formal e vítima do desemprego
estrutural. É composta por pessoas de faixa etária mais avançada, com baixa
escolaridade e limitações para a utilização de novas tecnologias. Mesmo assim, elas
reexistem e demonstram que outro mundo é possível desde o lixo - resíduos sólidos
- que se tornou a principal matéria prima para essas trabalhadoras/es construir
outras possibilidades. Possibilidades emancipatórias.
A maioria dos empreendimentos investigados ainda não passou pelos
processos de pré-incubação, nem de incubação. O atendimento ainda está na fase
de aproximação e diagnóstico. São OCMR que se encontram isoladas pelo poder
público, com renda inferior a um salário mínimo e sem contratos de prestação de
serviços ambientais. É evidente a discrepância entre os empreendimentos
investigados, a diversidade e o interesse pelo apoio da Incubadora IOCASS, e o
desejo de participar da construção de uma Tecnologia Social, sob a forma de um
aplicativo, que pretende organizar a comercialização do material produzido.
Não é um aplicativo com base no interesse do mercado. Ele dialoga com o
mercado, com os compradores e com a cadeia produtiva da reciclagem, mas está a
serviço de uma rede de OCMR. Será construído entre a Incubadora e as
Catadoras/es. O mais importante talvez não seja o aplicativo em si, a ferramenta,
mas o processo de criação coletiva desse aplicativo, o processo de construção, o
processo de aprendizagem, trocas horizontais de saberes, a criação e a apropriação
de conhecimentos que possibilitem uma práxis que leve a uma prática, a um modo
de produção e reprodução da vida mais justo, sustentável, democrático
autogestionário, entendendo a autogestão como forma de radicalizar a democracia
política e econômica.
19
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