V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
TRABALHADORES
E
TRABALHADORAS
NACIONAIS
DO
ANTIGO
ABC
PAULISTA
NA
SEGUNDA
METADE
DO
SÉCULO
XIX
E
INÍCIO
DO
XX
1
Lucas
Silva
Gazinhato
2
Marilda
Aparecida
de
Menezes
3
Maria
Gabriela
Silva
Martins
Cunha
Marinho
4
Resumo
O
artigo
analisa
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
na
região
atualmente
conhecida
como
ABC
Paulista
entre
o
século
XIX
e
início
do
XX,
um
segmento
silenciado
em
estudos
locais
focados
no
imigrante
europeu.
A
pesquisa,
baseada
em
revisão
bibliográfica
e
análise
de
fontes
primárias,
propõe
uma
nova
compreensão
sobre
sua
presença
na
região.
Estruturado
em
duas
partes,
o
artigo
aborda
a
vida
e
ofícios
desses
trabalhadores
em
São
Paulo
e,
em
seguida,
suas
experiências
no
ABC,
explorando
ocupações,
conflitos
e
confrontos,
contribuindo,
com
isso,
a
novas
perspectivas
sobre
a
história
local.
Palavras
chaves
:
Classe
Trabalhadora,
ABC
Paulista,
Trabalhadores
Nacionais,
História
do
Trabalho,
Cultura
Popular
TRABAJADORES
Y
TRABAJADORAS
NACIONALES
DE
LA
ANTIGUA
REGIÓN
DEL
ABC
PAULISTA
EN
LA
SEGUNDA
PARTE
DEL
SIGLO
XIX
Y
PRINCIPIOS
DEL
XX
Resumen
El
artículo
analiza
a
los
trabajadores
y
trabajadoras
nacionales
en
la
región
actualmente
conocida
como
ABC
Paulista,
entre
los
siglos
XIX
y
XX,
un
segmento
silenciado
en
los
estudios
locales
enfocados
en
los
inmigrantes.
La
investigación,
basada
en
revisión
bibliográfica
y
análisis
de
fuentes
primarias,
propone
una
nueva
comprensión
sobre
su
presencia
en
la
región.
Estructurado
en
dos
partes,
el
artículo
aborda
la
vida
y
los
oficios
de
estos
trabajadores
en
São
Paulo
y,
posteriormente,
sus
experiencias
en
el
ABC,
explorando
ocupaciones,
conflictos
y
enfrentamientos,
contribuyendo
así
con
nuevas
perspectivas
sobre
la
historia
local.
Contraseñas:
Clase
Obrera,
ABC
Paulista,
Trabajadores
Nacionales,
Historia
Laboral,
Cultura
Popular
NATIONAL
WORKERS
OF
THE
OLD
ABC
REGION
IN
THE
SECOND
HALF
OF
THE
XIX
CENTURY
AND
BEGINNING
OF
THE
XX
CENTURY
Abstract
The
article
analyzes
national
workers
in
the
region
currently
known
as
ABC
Paulista,
between
the
19th
and
early
20th
centuries,
a
segment
overlooked
in
local
studies
focused
on
immigrants.
The
research,
based
on
a
literature
review
and
analysis
of
primary
sources,
offers
a
new
understanding
of
their
presence
in
the
region.
Structured
in
two
parts,
the
article
discusses
the
lives
and
occupations
of
these
workers
in
São
Paulo,
then
explores
their
experiences
in
the
ABC,
examining
occupations,
conflicts,
and
confrontations,
thereby
contributing
new
perspectives
on
local
history.
Keywords:
Working
Class,
ABC
Paulista,
National
Workers,
Labor
History,
Popular
Culture
4
Professora
Associada
IV
da
Universidade
Federal
do
ABC
(CECS-UFABC)
.
Doutora
em
História
Social
pela
Universidade
de
São
Paulo
(USP)
-
Brasil.
E-mail:
gabriela.marinho@ufabc.edu.br
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8368768304963502
.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-5698-0437
.
3
PhD
pela
University
of
Manchester
-
Reino
Unido.
Professora
do
Doutorado
em
Ciências
Sociais
da
Universidade
Estadual
de
Campinas
(UNICAMP),
São
Paulo
-
Brasil
.
E-mail;
menezesmarilda@gmail.com
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9822634790399791
.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-5815-975X
.
2
Doutorando
em
Ciências
Humanas
e
Sociais
pela
Universidade
Federal
do
ABC
(UFABC),
São
Paulo
-
Brasil.
E-mail:
lucas.gazinhato@gmail.com
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0957660423093301
.
ORCID:
https://orcid.org/0009-0008-9520-988
.
1
Artigo
recebido
em
23/04/2024.
Primeira
Avaliação
em
20/08/2024.
Segunda
Avaliação
em
03/10/2024.
Terceira
Avaliação
em:
01/11/2024.
Aprovado
em
22/11/2024.
Publicado
em
05/12/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.62721
.
1
Introdução
O
artigo
busca
analisar
o
cotidiano
de
grupos
de
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
e
pobres
que
na
segunda
metade
do
século
XIX
e
início
do
XX
habitaram
a
região
atualmente
conhecida
como
ABC
Paulista
5
,
porém
denominada
na
época
Freguesia
de
São
Bernardo
e
Município
de
São
Bernardo,
a
partir
de
1889.
O
termo
“nacional”
abarca
grupos
de
trabalhadores
e
trabalhadoras
pobres
de
etnias
indígenas,
negras,
brancas
e
mestiças
que
supostamente
se
encontravam
à
margem
das
principais
dinâmicas
econômicas
predominantes
no
período
nas
localidades
analisadas.
Especificamente
para
São
Paulo,
sabidamente
se
destacaram
a
agricultura
cafeeira
e
posteriormente
o
trabalho
industrial,
que
atraiu
majoritariamente
mão
de
obra
imigrante
de
origem
europeia
(Santos,
2003).
Nesse
sentido,
e
por
oposição,
os
chamados
trabalhadores
“nacionais”,
denominados
“caboclos”
ou
“caipiras”
por
intelectuais
e
políticos
a
partir
do
final
do
século
XIX,
sobreviviam
de
atividades
de
subsistência,
como
o
extrativismo
de
madeira
e
a
pequena
agricultura
(Santos,
2003,
Naxara,
1998),
como
será
detalhado
adiante.
Os
grupos
em
questão
tornaram-se
no
final
do
século
XIX
objeto
de
controvérsias
e
discussões
políticas
e
acadêmicas.
Contudo,
na
primeira
metade
do
século
subsequente,
foram
excluídos
ou
secundarizados
pelas
pesquisas
históricas
e
sociológicas
6
,
sendo
retomados
principalmente
a
partir
da
década
de
1960
com
os
apontamentos
de
autoras
e
autores
como
Maria
Sylvia
Franco
de
Carvalho
Franco
e
Peter
Eisenberg
(Franco,
1997,
Eisenberg,1989,
Naxara,
1998).
6
Os
nacionais
são
objeto
de
discussão
de
alguns
autores
brasileiros
da
virada
do
século
XIX
para
o
XX,
como
Euclides
da
Cunha,
Manoel
Bomfim
e
Silvio
Romero,
que
expressam
opiniões
distintas
sobre
seu
posicionamento
na
sociedade
brasileira
(Naxara,
1998).
Algumas
obras
clássicas
da
sociologia
e
história
falam
de
maneira
breve
sobre
esses
sujeitos.
Caio
Prado
Jr
em
Formação
do
Brasil
Contemporâneo
os
descreve
como
“despossuídos
sociais”,
vivendo
à
margem
do
sistema
colonial
(Prado
Júnior,
1999).
Em
uma
abordagem
semelhante,
Gilberto
Freyre
comenta
sobre
uma
parcela
intermediária
da
população
brasileira
entre
os
senhores
de
engenho
e
dos
escravizados,
mal-alimentados,
doentes,
e
excluídos,
que
ele
denomina
de
“párias
inúteis”
(Freyre,
1981,
p.
36).
5
Parte
da
região
metropolitana
de
São
Paulo,
composta
pelos
municípios
de
Santo
André,
São
Bernardo,
São
Caetano,
Diadema,
Mauá,
Ribeirão
Pires
e
Rio
Grande
da
Serra.
O
termo
ABC
,
junção
das
iniciais
das
três
primeiras
cidades,
e
outros
termos
com
significados
semelhantes
como
“triângulo
de
João
Ramalho”
e
“triângulo
industrial”,
foram
cunhados
na
década
de
1950,
dentro
do
contexto
nacional
da
industrialização,
que
teve
na
região
um
de
seus
pólos
de
destaque
com
a
instalação
das
grandes
montadoras
(Almeida,
2008)
Estes
termos
foram
inicialmente
disseminados
pelo
periódico
local
Folha
do
Povo
,
que,
com
as
emancipações
de
novos
municípios
da
região,
foram
sendo
posteriormente
modificados
para
“Grande
ABC”,
ABCD,
“pentágono
indústria”
etc
(Gaiarsa,
1968,
Almeida,
2008).
2
Em
nossa
perspectiva,
entendemos
esses
“nacionais
pobres”
como
categoria
importante
na
composição
da
classe
trabalhadora.
Argumentamos
que,
apesar
do
silenciamento
da
literatura
especializada,
tais
sujeitos
compartilharam
experiências
e
foram
ativos
na
sociedade
paulista
do
período.
Sem
descuidar
do
clássico
alinhamento
conceitual
desenvolvido
por
Marx
no
século
XIX
em
torno
das
categorias
classe
trabalhadora
,
trabalho
livre
,
assalariado
e
industrial
,
incorporamos
também
a
perspectiva
de
autores
como
Marcel
Van
der
Linden.
Nesse
sentido,
o
conceito
ganha
amplitude
para
abarcar
outras
experiências
das
classes
subalternas
no
interior
das
dinâmicas
do
capitalismo
mundial,
assegurando
visibilidade
e
organicidade
em
torno
de
particularidades
regionais,
como
as
categorias
de
“autônomos”,
escravizados,
lumpen,
em
suas
intersecções
e
interações
com
o
trabalho
livre
(Linden,
2005).
Desse
modo,
adotamos
como
experiência
da
classe
trabalhadora
os
preceitos
formulados
pelo
historiador
inglês
E.P.
Thompson
(Thompson,
1981,
2020,
Savage,
2011).
Ao
debater
com
o
campo
marxista
das
ciências
sociais
marcado
pela
perspectiva
estruturalista
do
filósofo
francês
Louis
Althusser,
Thompson
criticou
vigorosamente
o
caráter
a-histórico
e
teleológico
que
o
autor
francês
imprimiu
sobre
a
obra
de
Marx
(Thompson,
1981).
Portanto,
lembra
o
historiador
inglês,
relevante
nos
estudos
de
Marx
não
é
somente
a
crítica
estrutural
da
sociedade
capitalista,
mas
a
importância
da
análise
histórica
acerca
da
classe
trabalhadora
“Os
homens
e
mulheres
também
retornam
como
sujeito,
dentro
deste
termo
-
não
como
sujeitos
autônomos,
“indivíduos
livres”,
mas
como
pessoas
que
experimentam
suas
situações
e
relações
produtivas
determinadas
como
necessidades
e
interesses
e
como
antagonismo,
e
em
seguida
“tratam”
essa
experiência
em
sua
consciência
e
sua
cultura
(as
duas
outras
expressões
excluídas
pela
prática
teórica
)
das
mais
complexas
maneiras
(sim,
relativamente
“autônomas”)
e
em
seguida
(muitas
vezes,
mas
nem
sempre,
através
das
estruturas
de
classe
resultantes)
agem,
por
sua
vez,
sobre
sua
situação
determinada”
(Thompson,
1981
,
p.
182).
Assim,
para
Thompson
a
experiência
histórica
pode
ser
vista
como
aspecto
central
na
análise
sobre
a
divisão
em
classes
na
sociedade
capitalista.
O
autor
argumenta
que
trabalhadoras
e
trabalhadores
são
sujeitos
ativos
na
construção
das
experiências
que
se
expressam
a
partir
de
ações,
práticas,
símbolos,
rituais,
3
linguagens
e
pensamentos
7
.
A
centralidade
da
experiência
histórica
a
ssumida
por
Thompson
permitiu
ao
autor
desenvolver
o
conceito
de
economia
moral
,
categoria
por
meio
da
qual
identifica
e
analisa
o
conjunto
de
preceitos
morais
que
articulava
socialmente
trabalhadores
e
trabalhadoras
da
Inglaterra
pré-Industrial
(Thompson,
1998).
Ao
criticar
a
maneira
como
historiadores
e
sociólogos
europeus,
entre
os
quais
figuravam
Edmund
Burke
e
Gustave
Le
Bon,
analisavam
as
revoltas
populares
de
carestia
na
Europa
pré-industrial,
baseados
na
ideia
de
uma
turba
violenta,
reacionária
e
disforme,
Thompson
contrapôs:
“É
possível
detectar
em
quase
toda
ação
popular
do
século
XVIII
uma
noção
legitimadora.
Por
noção
de
legitimação,
entendo
que
os
homens
e
as
mulheres
da
multidão
estavam
imbuídos
da
crença
de
que
estavam
defendendo
direitos
ou
costumes
tradicionais;
e
de
que,
em
geral,
tinham
o
apoio
do
consenso
mais
amplo
da
comunidade.
De
vez
em
quando,
esse
consenso
popular
era
endossado
por
alguma
autorização
concedida
pelas
autoridades.
O
mais
comum
era
o
consenso
ser
tão
forte
a
ponto
de
passar
por
cima
das
causas
do
medo
ou
da
deferência”
(Thompson,
1998,
p.
152)
A
partir
de
suas
experiências
,
trabalhadoras
e
trabalhadores
desenvolvem
códigos
morais
e
costumes,
recorridos
e
defendidos
em
diferentes
ocasiões
8
,
como
será
analisado
na
segunda
parte
deste
artigo.
Além
disso,
tais
experiências
são
influenciadas
por
questões
sociais,
históricas
e
também
geográficas,
constituindo-se
o
território
como
uma
dimensão
igualmente
fundamental
em
tal
processo
(Savage,
2011).
Para
Mike
Savage,
ao
levarmos
em
conta
questões
territoriais,
tornam-se
evidentes
as
redes
de
sociabilidades
formadas
pelos
trabalhadores
e
trabalhadoras
(Savage,
2011).
Para
o
tema
aqui
analisado,
o
território
foi
elemento
decisivo
para
que
os
nacionais
afirmassem
valores
e
concepções
sobre
a
realidade
vivenciada
na
Freguesia
de
São
Bernardo,
a
exemplo
da
revolta
no
distrito
de
São
Caetano
em
1883,
que
será
discutida
com
detalhes
mais
adiante.
A
necessidade
de
uma
investigação
mais
sistemática
e
aprofundada
do
tema
fica
evidente
pelas
lacunas
na
literatura
especializada.
A
presença
de
nacionais
em
estudos
acadêmicos
é
esporádica
e
fragmentada,
aparecendo
circunstancialmente
em
textos
considerados
clássicos
desenvolvidos
por
historiadores,
sociólogos
e
8
Para
uma
discussão
das
críticas
e
um
balanço
da
noção
de
economia
moral
pelo
próprio
autor,
ver
Thompson,
1998.
Uma
interessante
utilização
desse
conceito
é
a
análise
feita
por
João
José
Reis
e
Márcia
Gabriela
D.
de
Aguiar
a
respeito
da
revolta
ocorrida
Bahia
no
ano
de
1858
contra
a
carestia
e
o
aumento
do
preço
da
carne
(Reis;
Aguiar,
1996).
7
A
abordagem
cultural
de
Thompson
foi
alvo
de
críticas
principalmente
por
parte
dos
historiadores
do
campo
econômico.
Para
uma
crítica
contemporânea
ao
autor,
ver
Anderson,
2004,
p.
11
e
para
uma
crítica
geral
e
novas
perspectivas
para
a
noção
de
experiência
,
ver
Savage,
2011.
4
memorialistas
que
tomaram
a
região
como
objeto.
Em
tais
estudos,
são
abordados
à
sombra
do
processo
de
imigração,
urbanização
e
industrialização
da
região
e
em
análises
do
processo
de
formação
dos
bairros
e
cidades
do
ABC
Paulista
(Medici,
1985,
1987,
1992,
Barbosa,
1975,
Botacini;
Silene,
1976).
A
notável
exceção
restringe-se
ao
sociólogo
José
de
Souza
Martins
e
seus
estudos
sobre
o
território
que
se
tornaria
no
futuro
o
município
de
São
Caetano
do
Sul
9
.
Como
será
retomado
na
segunda
parte
do
artigo,
argumentamos
que
tais
lacunas
podem
ser
explicadas
pela
construção
de
um
imaginário
social
que
considera
a
região
um
dos
pontos
de
referência
da
imigração
europeia
em
São
Paulo.
Para
tal
enquadramento,
com
a
crescente
industrialização
a
partir
da
primeira
metade
do
século
XX,
a
região
passou
a
expressar
o
crescimento
econômico
da
indústria
brasileira,
que
teria
se
valido
prioritariamente
da
mão-de-obra
europeia,
em
especial
de
origem
italiana.
Do
ponto
de
vista
das
metodologias
empregadas
na
presente
análise,
partimos
inicialmente
de
extensa
revisão
bibliográfica
sobre
o
ABC.
O
resultado
dessa
revisão
foi
confrontado
com
fontes
primárias,
em
especial
matérias
jornalísticas
de
periódicos
da
época
e
relatórios
do
período
monárquico
coletados
no
Arquivo
do
Estado
de
São
Paulo.
Por
se
tratar
de
categorias
de
trabalhadores
e
trabalhadoras
marginalizadas,
personagens
comumente
excluídos
das
pesquisas
sobre
o
ABC,
sua
presença
nos
documentos
costuma
ser
escassa
e
fragmentada.
Escritos
e
testemunhos
disponíveis
frequentemente
reproduzem
a
perspectiva
das
classes
dominantes,
razão
pela
qual
buscamos
pistas
e
indícios
que
afloram
da
documentação
(Ginzburg,
1989,
Revel
1998).
Portanto,
ao
escapar
deliberadamente
das
narrativas
oficiais
e
consolidadas,
a
busca
por
sujeitos
marginalizados
e
excluídos
pretende
trazer
novas
perspectivas
acadêmicas,
mas
também
exercitar
a
função
do
intelectual
como
membro
ativo
da
luta
de
classes
e
da
desmistificação
da
visão
dominante
da
História
(Decca,
1981)
ao
evidenciar
outras
experiências
da
classe
trabalhadora.
Como
indicado
anteriormente,
o
artigo
está
dividido
em
duas
partes.
Na
primeira,
analisamos
os
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
no
contexto
da
9
O
sociólogo
em
vários
momentos
traz
a
tona
esses
trabalhadores
nacionais
em
suas
pesquisas
sobre
a
região,
inclusive
de
um
ponto
de
vista
crítico
a
respeito
de
sua
marginalização
e
preconceitos
sofridos
(Martins,
1973,
1988a,
1988b,
1992
e
2015).
Mesmo
tendo
como
foco
principal
o
cotidiano
imigrante
na
virada
do
século
XIX
para
o
XX,
devemos
a
ele
a
apresentação
de
situações
importantes
envolvendo
os
trabalhadores
nacionais
(Martins,
1973,
1992),
em
especial
a
revolta
de
1883,
que
será
discutida
com
detalhes
na
segunda
parte
deste
artigo.
5
sociedade
paulista
do
século
XIX.
Partimos
dos
estereótipos
das
elites
políticas
e
econômicas
para
confrontá-los
em
relação
ao
cotidiano
cultural
e
político.
Na
segunda
parte,
discutimos
as
experiências
desses
nacionais
na
região
do
ABC
paulista
a
partir
da
segunda
metade
do
século
XIX
e
início
do
XX.
Destacamos
na
análise
aspectos
do
cotidiano,
cultura,
relação
com
os
imigrantes
europeus
e
a
revolta
ocorrida
em
uma
fazenda
em
1883,
na
região
que
fazia
parte
do
distrito
de
São
Caetano.
Trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais:
contexto
histórico
e
social
na
sociedade
paulista
do
século
XIX
Antes
de
analisarmos
o
cotidiano
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
do
ABC
Paulista,
tecemos
algumas
considerações
acerca
dessa
categoria
no
interior
da
sociedade
paulista
do
século
XIX.
Trata-se
de
um
percurso
complexo
em
razão
da
heterogeneidade
do
grupo,
escassez
das
fontes
e
multiplicidade
das
vivências,
entre
outros
aspectos.
Diante
de
tal
complexidade,
desenvolvemos
uma
“abordagem
reversa”,
ou
seja,
localizar
tais
personagens
a
partir
da
construção
de
antíteses
em
relação
ao
imigrante
europeu.
Sob
tal
perspectiva,
emergem
na
segunda
metade
do
século
XIX,
em
sincronia
com
o
crescimento
dos
fluxos
imigratórios,
as
denominações
de
“caipira”
ou
“caboclo”,
cunhadas
por
políticos
e
intelectuais
para
os
nacionais,
empregadas
frequentemente
com
sentido
pejorativo.
Etnicamente,
o
trabalhador
nacional
na
sociedade
paulista
era
composto
por
brancos,
indígenas,
negros
e
mestiços
pobres
presentes
no
ambiente
social
desde
a
expansão
econômica
do
período
colonial.
As
bandeiras,
com
o
intuito
de
expansão
territorial,
invasão
de
aldeias
e
escravização
de
indígenas
no
século
XVI,
forçaram
o
deslocamento
de
grandes
levas
de
povos
de
etnias
distintas,
como
tupinambás
e
guaranis,
retirados
de
seus
locais
de
origem
para
o
trabalho
forçado,
em
especial
na
economia
rural
de
subsistência
(Monteiro,
2022).
Além
do
litoral
e
sertão
paulista,
indígenas
de
outras
regiões
do
país,
como
o
nordeste
e
o
centro-oeste,
foram
igualmente
retirados
de
suas
terras
e
trazidos
para
São
Paulo
(Monteiro,
2022).
Por
outro
lado,
missões
catequéticas,
como
os
jesuítas,
com
objetivos
também
econômicos,
ao
se
valerem
da
mão
de
obra
indígena,
converteram
e
alteraram
muitas
aldeias
nos
chamados
aldeamentos
-
comunidades
6
rurais
com
o
intuito
de
introduzir
os
povos
originários
ao
mundo
“civilizado”
(Monteiro,
2022,
Jecupé,
2020).
Com
o
endurecimento
das
leis
contra
a
escravização
de
indígenas
no
século
XVII
e
o
enfraquecimento
das
expedições
bandeirantes,
muitos
dos
ex-escravizados
e
mestiços
formaram
o
campesinato
pobre
da
sociedade
paulista.
Vivendo
às
margens
das
grandes
propriedades
rurais
e
nos
próprios
aldeamentos,
continuaram
a
viver
em
condição
similar
a
escravidão
no
status
de
administrado
.
Da
mesma
forma,
brancos
que,
na
condição
de
pequenos
proprietários,
sem
capital
para
a
aquisição
de
escravizados
africanos,
com
o
fim
da
mão
de
obra
indígena
ingressaram
na
pobreza
(Monteiro,
2022,
Jecupé,
2020).
A
partir
do
século
XIX,
muitos
ex-escravizados
negros,
vindos
diretamente
do
continente
africano
ou
descendentes,
passaram
a
compor
grupos
de
trabalhadores
nacionais,
vivendo
também
das
atividades
rurais
de
subsistência
e
ofícios
artesanais,
nas
proximidades
dos
locais
onde
foram
escravizados
(Moura,
1988).
O
trabalho
pioneiro
de
Maria
Sylvia
de
Carvalho
Franco,
Homens
Livres
na
Ordem
Escravocrata
,
analisa
grupos
de
trabalhadores
nacionais
no
ciclo
do
café
presentes
do
interior
de
São
Paulo,
na
divisa
com
o
Rio
de
Janeiro,
ainda
no
período
da
escravidão
no
início
do
século
XIX.
Como
não
faziam
parte
da
agricultura
de
monocultura
e
não
eram
a
mão-de-obra
escravizada,
esses
grupos
produziam
atividades
de
subsistência,
como
plantação
de
alimentos
para
consumo,
extrativismo,
caça
e
prestação
de
serviço
para
os
grandes
fazendeiros,
como
agregados
e
pistoleiros
(Franco,
1997).
Vivendo
em
pequenos
bairros,
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
viviam,
segundo
a
autora,
um
cotidiano
marcado
pela
violência,
mediado
por
momentos
de
solidariedade,
como
mutirões
para
as
construções
de
casas
e
festividades
locais
(Franco,
1997).
Apesar
do
pioneirismo
de
seu
trabalho,
Maria
Sylvia
observa
esses
nacionais
sob
a
perspectiva
de
exclusão
e
marginalidade
frente
à
monocultura
agrária,
valorizada
pela
ordem
patronal
na
sociedade
interiorana
paulista
(Franco,
1997).
Embora
se
possa
identificar
certa
exclusão
econômica
associada
a
uma
condição
social
de
“marginalização”,
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
e
pobres
estavam
em
boa
medida
integrados
dentro
da
economia
paulista.
Afinal,
vendiam
e
trocavam
nas
cidades
ou
centros
comerciais
as
mercadorias
por
eles
produzidas,
sobretudo
alimentos
colhidos
nos
roçados,
lenha
cortada
ou
derivados
da
caça
(Moura,
1998).
7
Dependentes
dos
ciclos
da
natureza,
como
o
período
de
plantio
e
colheita,
meses
corretos
para
o
corte
de
madeira,
tais
grupos
possuíam
uma
rotina
de
trabalho
diversa
da
realizada
nas
grandes
propriedades
rurais.
Tais
práticas
incidiam
diretamente
nas
concepções
de
mundo
e
de
cultura,
como
as
festas
religiosas:
São
João,
em
junho,
encerrava
o
ciclo
agrícola,
enquanto
São
Roque,
em
agosto,
reiniciava
(Moura,
1998
,
Tessari,
2012).
As
rotinas
sazonais
destoavam
da
perspectiva
estabelecida
pela
construção
da
disciplina
laboral
assentada
no
tempo
cronológico,
horários
fixos
e
dias
certos
de
trabalho
orientada
pelo
capitalismo
industrial
em
ascensão
na
Europa
10
(Moura,
1998
,
Tessari,
2012).
Entre
outros
motivos,
e
em
meio
a
temporalidades
distintas,
tornou-se
comum
o
trabalhador
nacional
ser
visto
como
“preguiçoso”,
“vadio”
e
inapto
para
o
trabalho
na
sociedade
moderna
capitalista
(Moura,
1998
,
Naxara,
1998,
Tessari,
2012).
Mas
esse
trabalhador
não
ficava
imóvel
durante
a
sazonalidade
de
suas
atividades:
buscava
sustento
como
mão
de
obra
temporária
nas
grandes
propriedades,
a
exemplo
da
mencionada
função
de
agregado
(Moura,
1998).
A
partir
da
segunda
metade
do
século
XIX,
com
a
proibição
do
tráfico
internacional
de
escravizados
em
1850,
a
pressão
inglesa
e
o
avanço
do
movimento
abolicionista,
a
questão
da
substituição
do
escravo
pelo
trabalhador
livre
tornou-se
uma
pauta
constante
nos
debates
das
elites
políticas
brasileiras
11
.
Os
debates
sobre
quem
assumiria
o
trabalho
livre
se
dividiram
entre
os
“nacionais”,
incluindo
futuros
libertos,
ou
a
introdução
massiva
de
mão
de
obra
imigrante,
em
especial
europeia,
pelo
chamado
regime
de
colonato
(Azevedo,
1987).
A
partir
dos
estudos
raciais,
que
advogavam
a
superioridade
dos
povos
europeus,
sugeria-se
que
o
trabalhador
nacional
não
estava
apto
para
a
lógica
de
trabalho
livre
na
dinâmica
capitalista.
Com
base
nos
estereótipos
atribuídos,
inclusive
pela
“má
influência”
dos
negros
africanos
e
dos
indígenas
na
composição
racial
brasileira,
venceu
a
corrente
defensora
da
contratação
de
imigrantes
(Moura,
1988).
11
Para
um
debate
detalhado
dos
projetos
em
torno
não
só
do
fim
da
escravidão,
como
também
da
inserção
dos
ex-escravizados
na
economia
brasileira,
ver
Azevedo,
1987.
10
Sobre
as
diferentes
visões
de
tempo
no
desenvolvimento
da
noção
industrial
de
trabalho
na
Inglaterra,
Thompson
enfatiza:
“Essa
mediação
incorpora
uma
relação
simples.
Aqueles
que
são
contratados
experienciam
uma
distinção
entre
o
tempo
do
empregador
e
o
seu
“próprio”
tempo.
E
o
empregador
deve
usar
o
tempo
de
sua
mão
de
obra
e
cuidar
para
que
não
seja
desperdiçado:
o
que
predomina
não
é
a
tarefa,
mas
o
valor
do
tempo
reduzido
a
dinheiro.
O
tempo
é
agora
moeda:
ninguém
passa
o
tempo,
e
sim
o
gasta
”(Thompson,
1998,
p.
272).
8
Além
disso,
mudanças
na
estrutura
agrária
decorrentes
da
Lei
de
Terras,
também
de
1850,
limitaram
a
posse
a
propriedades
juridicamente
comprovadas,
adquiridas
por
compra.
Tal
exigência
expulsou
pequenos
proprietários
nacionais
e
suas
famílias
que
perderam
a
posse
das
terras
que
habitavam,
expropriações
marcadas
pela
ilegalidade,
pistolagem,
violência
e
grilagem
(Martins,
1992).
Vitorioso,
o
projeto
de
imigração
promoveu
em
larga
escala
a
substituição
do
trabalho
escravizado
pelo
livre,
principalmente
no
Sul
e
Sudeste
do
país.
Para
Clóvis
Moura,
dois
motivos
explicam
a
decisão.
Primeiro,
pela
teoria
do
embranquecimento,
concepção
muito
difundida
por
intelectuais
como
Sílvio
Romero
e
Nina
Rodrigues,
fundamentava-se
na
premissa
de
que
a
introdução
do
europeu
em
massa
na
sociedade
brasileira
iria
“embranquecer”
o
povo
brasileiro,
mitigando
a
influência
negativa
de
africanos
e
etnias
autóctones
12
,
como
apontado
anteriormente
(Moura,
1988).
Segundo,
pelo
fator
econômico,
já
que
o
processo
de
imigração
tornou-se
bastante
lucrativo
para
o
Estado
Monárquico
e
grupos
privados
encarregados
de
gerir
a
contratação,
o
transporte
e
a
fixação
de
estrangeiros
no
país
(Moura,
1988).
Por
outro
lado,
o
próprio
nacional
estava
inserido
no
processo
de
migrações
internas.
Ao
analisar
o
oeste
paulista,
Denise
Soares
de
Moura
revela
a
presença
de
um
número
aproximado
de
9
mil
indivíduos
de
outros
estados
que
migraram
para
a
região
entre
1854
e
1874
(Moura,
1998).
Entre
os
exemplos,
figuram
contingentes
oriundos
do
Nordeste,
cerca
de
3
mil
naquele
período,
em
sua
maioria
cearenses,
que
trabalharam
em
fazendas
localizadas
nos
municípios
de
Guaratinguetá,
Rio
Claro
e
proximidades
(Moura,
1998).
A
figura
do
trabalhador
nacional
e
seus
estereótipos
negativos
foram
difundidos
por
políticos
e
intelectuais
brasileiros
ao
longo
do
século
XIX
e
início
do
XX,
colocados
em
contraste
com
o
imigrante
europeu.
Exemplo
conhecido
é
o
personagem
Jeca
Tatu,
criado
por
Monteiro
Lobato
no
artigo
Urupês
13
de
1914,
retratando
negativamente
o
trabalhador
brasileiro,
destacando
como
características
inerentes
sua
ignorância,
atraso
cultural
e
intelectual,
além
do
parasitismo,
alcoolismo,
má
formação
física
e
portador
de
doenças
(Naxara,
1998).
Em
13
Interessante
citar
que
a
palavra
Urupê
vem
do
tupi
para
designar
um
tipo
de
fungo
que
surge
em
árvores.
Analogia
que
Lobato
usou
para
a
representar
o
parasitismo
que
via
no
trabalhador
rural
brasileiro
(Naxara,
1998)
12
Sobre
a
discussão
em
torno
da
figura
do
“caboclo”
nas
páginas
das
publicações
do
Instituto
Histórico
e
Geográfico
Brasileiro
(IHGB)
no
século
XIX,
influenciada
pelos
estudos
raciais,
ver
Silva,
2014.
9
contraponto,
o
imigrante
europeu
era
representado
como
forte,
inteligente,
sadio,
”moderno”
e
dotado
de
espírito
desbravador
(Naxara,
1998)
14
.
A
seguir,
veremos
com
mais
detalhes
o
exemplo
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
na
região
do
ABC.
A
pesquisa
empírica
indica
a
existência
desse
grupo
como
sujeitos
ativos
no
processo
de
expansão
econômica
de
São
Paulo,
perspectiva
que
contraria
o
mito
estabelecido
de
uma
região
formada
por
migrantes
no
contexto
da
industrialização
e
urbanização.
O
cotidiano
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
no
ABC:
trabalho,
conflitos
com
imigrantes
e
revolta
A
inauguração
das
linhas
ferroviárias
na
Freguesia
de
São
Bernardo
a
partir
de
1867,
com
as
estações
de
Paranapiacaba,
Santo
André
e
Rio
Grande
da
Serra,
atraiu
a
atenção
de
empresas
e
empresários
do
nascente
ramo
industrial
para
a
instalação
de
fábricas
na
região.
A
proximidade
do
Porto
de
Santos
e
da
capital
paulista,
além
do
interesse
adicional
da
ferrovia
para
atrair
trabalhadores
e
transportar
matérias
primas
e
produtos
contribuíram
para
a
expansão
da
região
(Martins,
1992).
Inicialmente,
prevaleceu
o
trabalho
fabril
de
imigrantes
europeus
e
seus
descendentes,
mão-de-obra
majoritariamente
empregada
até
o
declínio
da
imigração
e
o
processo
de
migração
interestadual,
que
se
intensificou
a
partir
da
década
de
1940
para
a
região
Sudeste
(French,
1985,
Gomes,
1988).
As
origens
da
imigração
europeia
no
ABC
Paulista,
em
especial
italiana,
encontram-se
ligadas
a
formação
de
espaços
coloniais
para
o
trabalho
no
regime
de
produção
agrícola
em
pequenas
propriedades
rurais,
a
partir
dos
núcleos
de
São
Bernardo
e
São
Caetano,
criados
no
ano
de
1877
15
(Martins,
1992,
Santos,
1992).
A
chegada
dos
grupos
de
imigrantes,
somada
a
decadência
das
atividades
rurais,
promoveu
o
grande
escoamento
dessa
mão-de-obra
para
o
trabalho
nas
indústrias,
como
apontado
acima.
O
primeiro
grande
advento
industrial
na
região,
segundo
John
French,
foi
a
fábrica
de
tecidos
do
Ipiranguinha,
fundada
no
final
do
século
XIX
no
distrito
de
Santo
André,
então
subsidiário
do
recém
fundado
Município
de
São
Bernardo
(French,
1985).
15
O
núcleo
colonial
de
Ribeirão
Pires
foi
fundado
posteriormente,
em
1888
(Santos,
1992,
2007).
14
Importante
frisar
que
não
estamos
aqui
colocando
o
imigrante
europeu
como
um
sujeito
que
não
sofreu
dificuldades
quando
imigrou
para
o
Brasil,
especialmente
para
a
região
sul
e
sudeste.
Foram
igualmente
submetidos
a
péssimas
condições
de
trabalho,
castigos
físicos
e
privações,
principalmente
nas
primeiras
experiências
de
trabalho
nas
fazendas
de
café
paulista
(Janotti,
1999).
10
A
continuidade
do
fluxo
de
imigrantes
europeus
para
a
região
no
final
do
século
XIX,
e
o
crescente
processo
de
urbanização
e
industrialização
incrementado
pelas
estações
ferroviárias,
são
apontados
como
elementos
relevantes
para
a
expansão
econômica
do
ABC,
a
fundação
dos
bairros
e
criação
cidades
(Medici,
1985,
1987,
Botacini;
Silene,
1976).
Tais
aspectos
são
recorrentes
na
construção
da
memória
local
do
ABC
Paulista
e
se
encontram
vinculados
com
a
noção
de
progresso
local.
A
concepção
se
fortaleceu
a
partir
da
década
de
1950,
quando
o
expressivo
desenvolvimento
industrial
decorrente
da
instalação
das
montadoras
permitiu
que
o
ABC
Paulista
se
destacasse
no
processo
de
regionalização
metropolitana
da
capital
(Almeida,
2008).
Para
José
de
Souza
Martins,
a
construção
da
memória
local
foi
marcada
pelo
triunfalismo.
Nessa
direção
cita,
por
exemplo,
a
formação
de
uma
“memória
triunfalista”
na
região
de
São
Caetano
do
Sul,
sobretudo
a
partir
de
1927
com
o
cinquentenário
do
núcleo
colonial.
Naquele
contexto,
ruas
e
praças
foram
renomeadas
para
homenagear
os
“pioneiros”
da
imigração,
em
particular,
os
de
maior
sucesso
econômico,
como
o
Conde
Matarazzo
e
seus
empreendimentos
industriais
(Martins,
1992).
Apesar
da
fabricação
de
uma
memória
positiva
aliada
ao
desenvolvimento
industrial
e
urbano,
a
vida
dos
imigrantes,
especialmente
nas
primeiras
décadas,
não
foi
gloriosa.
Muitos
dos
que
chegaram,
vindos
da
região
de
Vêneto,
não
encontraram
as
oportunidades
prometidas,
enfrentaram
demora
e
obstáculos
para
a
posse
dos
lotes
e
sofreram
com
fome
e
doenças,
a
exemplo
das
mortes
causadas
pela
varíola
nos
núcleos
de
São
Caetano
e
São
Bernardo.
As
diferentes
adversidades
enfrentadas
desencadearam
uma
série
de
revoltas
e
evasões
da
região
(Martins,
1992)
16
.
As
precárias
e
desumanas
condições
de
trabalho
na
indústria
mobilizaram
operários
que
formaram
grupos
de
ajuda
mútua
e
se
engajarem
nas
lutas
operárias,
como
as
greves
de
1906
na
fábrica
do
Ipiranguinha
e
a
de
cortadores
de
pedras
em
Ribeirão
Pires,
na
década
de
1910
(French,
1985,
Medici,
1987)
17
.
17
Esse
período
de
lutas
de
operários
imigrantes
na
região
foi
muito
marcado
pelo
assassinato
do
tecelão
Constantino
Castellani,
de
apenas
18
anos,
pela
polícia
em
5
de
maio
de
1919
,
enquanto
participava
de
uma
manifestação
em
apoio
a
greve
na
fábrica
do
Ipiranguinha.
O
fato
mobilizou
uma
série
de
reações
e
tornou-se
referência
nas
lutas
políticas
do
início
do
século
XX.
Em
2019,
no
16
Sobre
o
núcleo
de
São
Caetano,
José
de
Souza
Martins
traz
alguns
dados.
Das
70
famílias
italianas,
dezessete
(24,3%)
venderam
suas
terras
antes
de
passados
11
anos
de
seu
recebimento,
seis
dos
quais
as
venderam
menos
de
5
anos
depois
de
recebê-las”
(Martins,
1992,
p.
31).
11
Contudo,
além
da
presença
europeia
e
das
disputas
decorrentes
da
industrialização
e
da
urbanização
local,
outras
experiências
de
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
foram
relevantes
no
processo
de
formação
social,
cultural
e
política
do
ABC
Paulista.
Nesse
sentido,
é
possível
recuperar
a
presença
desses
grupos
na
composição
da
região
desde
o
século
XVIII,
quando
a
população
já
habitava
a
localidade,
então
conhecida
como
Borda
do
Campo.
Para
o
século
XIX,
há
registros
de
modesto
crescimento
da
população
com
a
chegada
de
mestiços
livres,
além
da
vinda
de
escravizados
fugidos
de
outras
localidades
(Martins,
1973).
Segundo
Octaviano
Gaiarsa,
em
1822
a
população
da
Freguesia
de
São
Bernardo
contava
com
1.916
habitantes,
sendo
864
brancos,
465
pretos
e
587
mulatos
(Gaiarsa,
1968).
Pelos
registros,
uma
quantidade
significativa
de
pessoas
se
dedicava
à
pequena
agricultura.
Havia
também
a
manufatura,
representada
pelo
trabalho
de
escravizados
nas
olarias
das
duas
fazendas
beneditinas
em
São
Bernardo
e
São
Caetano,
onde
eram
produzidos
tijolos,
telhas,
vasos
e
outros
objetos
(Martins
1988a,
1988b)
18
.
Em
1874,
três
anos
antes
da
formação
dos
núcleos
coloniais,
a
população
era
de
2.787
habitantes
(French,
1985).
Em
referência
ao
ofício
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais,
segundo
José
de
Souza
Martins,
três
eram
as
principais
atividades
na
freguesia
de
São
Bernardo
em
meados
do
século
XIX:
tropeiros,
foreiros
e
lenhadores
(Martins,
1973).
A
primeira
se
desenvolvia
em
torno
do
Caminho
do
Mar,
com
o
aluguel
de
veículos,
animais
e
condutores
para
transporte
de
mercadorias,
atividade
muito
utilizada
até
a
construção
das
ferrovias
na
região
a
partir
da
década
de
1860
(Martins,
1973).
Por
demandar
investimentos,
a
atividade
era
controlada
por
indivíduos
mais
abastados,
que
realizavam
a
contratação
local
dos
nacionais
(Martins,
1973).
A
segunda
atividade
necessitava
de
menos
estrutura
e
capital,
sendo
realizada
com
uma
simples
carroça,
um
animal
de
tração
e
um
curral,
espaço
18
Mesmo
com
o
vasto
crescimento
econômico
da
indústria
na
região,
a
partir
do
início
do
século
XX,
alguns
autores
reconhecem
as
olarias
como
a
primeira
atividade
significativa
pelo
caráter
industrial
(Martins
1988a,
Staschower,
2023).
A
produção
nas
olarias
pelos
escravizados
atingia
um
mercado
intraregional,
sendo
comercializada
em
São
Paulo,
muitas
vezes
transportada
por
via
fluvial,
utilizando
canoas
que
navegam
pelo
rio
Tamanduateí
(Martins
1988a,
Staschower,
2023).
Havia
também
antes
das
fábricas
um
mercado
significativo
de
serrarias
no
decorrer
do
século
XIX
(“O
Ciclo
das
Serrarias
em
São
Bernardo”,
disponível
em:
”
https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/o-ciclo-das-serrarias-em-sao-bernardo?inheritRedirec
t=true
.
Acesso
em
05
de
janeiro
de
2024.
centenário
de
sua
morte,
várias
atividades
culturais
e
políticas
foram
organizadas
com
o
intuito
de
homenagear
a
memória
de
Constantino
(Costa,
2020).
12
beneficiado
pelo
caráter
de
uso
comum
de
algumas
partes
da
terra
local,
aspecto
que
será
discutido
com
detalhes
mais
adiante
(Martins,
1973).
A
extração
de
lenha
já
era
realizada
em
São
Caetano
desde
o
século
XVIII
19
(Martins,
1992)
e
há
registros
da
atividade
em
outras
localidades
da
região.
Por
exemplo,
além
do
consumo
próprio,
muitos
desses
lenhadores,
chamados
de
“caboclos”
e
habitantes
da
futura
cidade
de
Mauá,
vendiam
a
lenha
em
mucutas
,
conjuntos
de
madeiras
cortadas
e
amarradas
em
cipó,
que
eram
mandadas
para
São
Paulo
(Medici,
1987).
O
transporte
das
mucutas
para
a
capital
também
era
realizado
por
carreiros,
dada
a
incerteza
do
trabalho
na
terra
em
alguns
períodos
(Martins,
1973).
Podemos
observar
aqui
a
sobreposição
de
atividades
antigas
e
enraizadas,
que
atendiam
a
subsistência,
mas
também
integravam
relações
comerciais
e
econômicas
mais
ampliadas.
O
relatório
do
engenheiro
José
de
Cupertino
Coelho
Cintra
apresentado
ao
inspetor
geral
de
terras
e
colonização
Bernardo
Augusto
Nascente
de
Azambuja,
datado
de
2
de
setembro
de
1876,
descreve
os
futuros
núcleos
coloniais
de
Santana,
Glória,
São
Caetano
e
São
Bernardo,
os
dois
últimos
localizados
nas
citadas
fazendas
da
ordem
Beneditina.
Ao
comparar
a
fazenda
de
São
Bernardo
em
relação
a
São
Caetano,
o
documento
aponta:
“Sobre
a
qualidade
das
terras,
me
parece
que
se
lhes
pode
aplicar
as
mesmas
considerações
que
acima
fiz,
é
porém,
muito
maior,
tem
ainda
restos
de
grandes
mattos,
e
apesar
das
terras
serem
interiores
tem
muitos
moradores,
que
geralmente
se
ocupam
com
a
plantação
de
cereais,
e
corte
de
madeira”
(Grifos
nossos)
20
Pelo
relato,
confirma-se
a
atividade
do
corte
de
madeira
em
paralelo
à
agricultura
de
subsistência
como
atividades
comuns
aos
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais,
como
apontado
anteriormente.
Por
outro
lado,
havia
também
sitiantes
em
torno
das
fazendas
dos
monges
beneditinos
que
em
alguns
casos
não
contestavam
a
permanência,
entre
os
quais
de
escravizados
e
recém
libertos,
mediante
cobrança
de
foro
(Martins
1988b)
.
Em
1871,
pela
pressão
e
resistência
de
escravizados,
a
ordem
beneditina
concedeu
a
liberdade
a
todos
os
20
Fundo
Secretaria
da
Agricultura,
Apesp,
C.O.
7214.
19
Sobre
o
corte
de
madeira,
esses
trabalhadores,
chamados
na
região
de
“caboclos”,
estavam
inseridos
em
atividade
muito
comum
localmente,
que
o
historiador
Jorge
Jacobine
chama
do
ciclo
das
serrarias,
com
registros
das
primeiras
atividades
do
corte
de
lenha
desde
1798.
“O
Ciclo
das
Serrarias
em
São
Bernardo”
disponível
em:”
https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/o-ciclo-das-serrarias-em-sao-bernardo?inheritRed
irect=true
.
Acesso
em
05
de
janeiro
de
2024.
13
cativos
sob
seu
jugo,
posteriormente
vendendo
suas
terras
para
o
Estado
(Martins,
1988a).
Há
registros
também
de
pequenos
proprietários
afetados
por
sesmeiros,
além
da
cobrança
de
foro
que
os
beneditinos
tentaram
realizar
em
algumas
propriedades
(Martins,
1973)
21
.
Com
a
formação
dos
núcleos
coloniais
de
São
Caetano
e
São
Bernardo
em
1877,
instalados
nas
regiões
das
antigas
fazendas
beneditinas,
a
dinâmica
da
região
se
modificou
progressivamente.
Contudo,
dada
a
demora
na
distribuição
dos
lotes
coloniais,
as
primeiras
levas
de
imigrantes
padeceram
de
pobreza
profunda,
como
indicado
acima.
Mesmo
com
a
obtenção
do
lote,
muitos
não
lograram
sucesso
na
produção
agrícola
por
várias
razões.
A
plantação
de
uva
para
a
fabricação
de
vinho
em
São
Caetano,
por
exemplo,
foi
a
primeira
atividade
que
teve
breve
rentabilidade
mas
acabou
afetada
pela
propagação
de
pragas
(Martins,
1973,
1992).
O
corte
de
lenha
realizado
pelos
nacionais
era
tido
como
atividade
marginal,
socialmente
rebaixada,
sinal
de
decadência.
Porém,
a
situação
extremamente
precária
de
muitos
imigrantes
obrigou
que,
em
busca
de
sobrevivência,
se
voltassem
também
para
essa
a
atividade
(Martins,
1973,
1992
,
Barbosa,
1975)
Um
desses
exemplos
é
o
caso
de
Francesco
Bortoloni,
proprietário
do
lote
colonial
n°30,
denunciado
em
1880
por
não
utilizar
o
terreno
e
realizar
corte
de
madeira
em
propriedade
de
terceiros
(Martins,
1973,
Santos,
1992)
22
.
As
disputas
entre
nacionais
e
imigrantes
nos
núcleos
coloniais
e
nas
proximidades
redundaram
em
hostilidades.
Em
1881,
habitantes
de
São
Bernardo
reclamaram
à
câmara
de
São
Paulo
sobre
a
construção
de
um
Moinho
pelo
imigrante
italiano
Palharini
Veneri,
que
obstruía
a
vida
da
população
ao
impedir
o
acesso
às
águas
de
um
afluente
do
Tamanduateí
(Santos,
1992).
A
câmara
municipal
apoiou
Palharini
Veneri,
desconsiderando
o
uso
comum
de
certas
áreas
da
freguesia
(Martins,
1973).
Dois
anos
depois,
em
janeiro
de
1883,
a
propriedade
de
Palharini
foi
ocupada
e
um
grande
grupo
de
homens
e
mulheres
destruíram
os
22
Em
ofício
de
4
de
Dezembro
de
1879,
respondendo
aos
pedidos
de
realização
de
aberturas
e
manutenção
de
estradas
pelos
colonos
de
São
Bernardo,
o
engenheiro
Leopoldo
José
da
Silva,
encarregado
do
núcleo,
diz
não
serem
necessárias
tais
obras.
O
autor
ainda
afirma
que
os
pedidos
foram
assinados,
entre
outros,
por
indivíduos
que
não
são
do
núcleo
colonial
e
alguns
colonos
que
não
estão
produzindo
em
seus
lotes
e
que
“querem
derrubar
e
entregar-se
à
vendagem
somente
da
madeira
existente
em
seus
lotes”.
Ofício
N°680,
Fundo
Secretaria
da
Fazenda,
Apesp,
C.O.
7216.
21
Ainda
em
1854
a
Câmara
Municipal
atendeu
o
pedido
de
uma
moradora
de
São
Bernardo
que
julgou
o
campo
como
local
público
para
moradores
e
foreiros.
Negando
o
apelo
de
foro
dos
monges
beneditinos,
essa
interpretação
se
baseou
na
sesmaria
que
delimitava
o
campo
para
o
pasto
concedida
a
Amador
de
Medeiros
pelo
Capitão
de
São
Vicente
em
1571
(Martins,
1973).
14
cercamentos
feito
pelo
colono
que
bloqueavam
o
acesso
ao
rio
23
.
Por
outro
lado,
muitos
colonos
tiveram
desavenças
com
proprietários
antigos
da
região,
a
exemplo
do
ocorrido
com
Samuel
Mesquita,
envolvido
em
brigas
constantes
dos
italianos
com
os
funcionários
de
suas
olarias
(Martins,
1992).
Ademir
Medici
recolheu
depoimentos
de
moradores
antigos
da
cidade
de
Mauá,
em
sua
maioria
imigrantes
europeus
e
descendentes
que
relataram
hostilidades
entre
imigrantes
e
nacionais.
Membros
da
família
Cyrillo
e
Fiorellini,
por
exemplo,
diziam
ter
comprado
as
terras
que
possuíam
na
região
no
início
do
século
XX
de
Brasileiros.
Segundo
o
autor,
por
um
preço
baixo,
400
mil
réis,
já
que
supostamente
os
donos
não
davam
valor
para
as
terras.
Teria
sido
comum
na
época,
aponta
o
relato,
afirmar
“que
os
proprietários
vendiam
suas
terras
a
troco
de
uma
garrafa
de
pinga,
um
lenço
vermelho
e
um
chapéu
largo”
(Medici,
1987,
p.
75).
A
afirmação
reproduz
estereótipos
apontados
anteriormente,
associando
grupos
de
nacionais
à
ignorância
com
o
relato
de
comércio
da
terra
em
trocas
irrisórias
como
bebidas
e
adereços.
A
suposta
passividade
e
ignorância
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
perante
a
propriedade
rural
permite
questionar
a
veracidade
do
relato,
sobretudo
pela
centralidade
do
trabalho
na
pequena
agricultura
e
nas
atividades
extrativistas
correlatas.
A
dimensão
dos
conflitos
então
existentes
pode
ser
dimensionada
a
partir
de
evento
ocorrido
em
São
Caetano
em
1883
e
analisado
em
diferentes
oportunidades
por
José
de
Souza
Martins
(Martins,
1973,
1992,
2015).
Além
do
material
coligido
e
analisado
por
Martins,
acrescentamos
informações
coletadas
no
jornal
A
Província
de
São
Paulo
e
procuramos
observar
os
fatos
descritos
sob
a
ótica
dos
nacionais
e
da
noção
de
moral
popular,
como
antecipado
na
introdução.
O
evento
em
questão
foi
assim
reportado
na
edição
de
05
de
abril
de
1883
de
A
Província
de
São
Paulo
24
Fato
Revoltante
No
dia
1°
do
corrente
ano
foi
na
localidade
de
S.Caetano,
assaltado
o
sítio
do
sr.
dr.
Paulo
Hamelin,
por
uma
phalenga
(sic)
de
vagabundos
que,
sem
causa
alguma
justificativa
,
invadiu
aquela
propriedade,
levando
na
frente
desfraldada
uma
insígnia
representada
por
uma
vara
com
um
lenço
de
tabaco
na
ponta:
foi
debaixo
de
tão
significativo
emblema,
que
essa
chusma,
dando
pasto
24
A
mesma
reportagem
foi
reproduzida
no
jornal
Correio
Paulistano
.
Disponível
em:
http://memoria.bn.br/pdf/090972/per090972_1883_07969.pdf
.
23
Ofício
do
subdelegado
João
Antonio
de
Camargo
para
o
il.mo
Ex.mo
Sr
Dr
Chefe
de
Polícia
da
Capital
,
2
de
Abril
de
1883.
Fundo
SSP
Polícia,
APESP,
CO
2623.
15
às
iras
que
lhe
acendia
o
álcool,
quebrou
uma
porteira,
entupiu
vallos
e
demoliu
uma
casa.
levando
sua
audácia
ao
ponto
de
intimar
um
empregado
do
sítio
que
se
retira-se
quanto
antes
com
sua
família
da
casa
que
ocupava,
dando-lhe
d’isso
conhecimento
sem
perda
de
tempo,
a
fim
de
continuar
ella
na
sua
obra
de
demolição.
Pasma
vê
tão
estupendo
e
vandálico
ataque
à
propriedade
particular,
cometido
em
um
subúrbio
da
capital
da
província
de
S.
Paulo,
por
uma
horda
de
vadios,
intitulando-se
“povo
que
exerce
sua
soberania”!
É
com
pesar
que
registramos
tão
triste
acontecimento;
e,
se
o
fazemos,
é
com
o
único
fim
de
inteirar
o
público
e
as
autoridades,
do
perigo
que
todos
corremos:
pedindo
a
estas
uma
desafronta
aos
foros
de
civilização
de
que
gosa
esta
capital,
e
aquele,
que
se
acautele
contra
semelhantes
agressões,
que
só
visam
roubar
a
garantia
ao
proprietário,
menosprezando
a
lei
e
ameaçando
a
paz
do
lar
doméstico.
S.
Paulo,
4
de
abril
de
1883”
(Grifos
nossos)
25
O
relato
da
revolta
não
descreve
fisicamente
os
seus
atores.
Contudo,
é
possível
inferir
a
partir
do
vocabulário
empregado:
vagabundos,
chusma,
vadios
,
adjetivos
que
fazem
referência
direta
aos
estereótipos
associados
aos
grupos
nacionais,
como
apontado
anteriormente.
Cabe
destacar
que
não
havia
equivalência
com
a
linguagem
utilizada
para
descrever
revoltas
protagonizadas
por
imigrantes
no
mesmo
período
e
local
26
.
Além
disso,
a
simbologia
descrita,
vara
com
o
lenço
de
tabaco
na
ponta
,
pode
ser
associada
a
elementos
da
bandeira
imperial,
sugerindo
a
identificação
como
brasileiros,
inclusive
pelos
dizeres
“
povo
que
exerce
sua
soberania
”.
Por
outro
lado,
é
possível
também
analisar
mais
detidamente
a
passagem
“
sem
causa
alguma
justificativa”
.
José
de
Souza
Martins
aponta
para
como
a
noção
de
terra
na
região
se
modificou
após
a
implantação
da
Lei
de
Terras
em
1850.
Lembra
o
sociólogo,
que
desde
o
século
XVI
a
terra
era
vista
como
um
bem
comum,
inclusive
com
respaldo
jurídico
no
caso
do
campo,
de
modo
a
assegurar
o
pasto
para
animais
(Martins,
1973,
1992).
26
José
de
Souza
Martins
compara
essa
notícia
com
outra,
de
1878,
postada
no
Diário
de
São
Paulo
,
na
qual
grupos
de
imigrantes
se
rebelaram
em
reação
às
péssimas
condições
que
viviam
no
núcleo
Colonial
de
São
Caetano
(Martins,
1992).
Na
reportagem,
não
são
atribuídos
aos
revoltosos
adjetivos
negativos
relacionados
a
vadiagem,
desordem
ou
algo
similar.
Registra
em
tom
de
denúncia
a
situação
precária,
indicativo
da
maneira
como
os
imigrantes
eram
vistos
pelas
elites
paulistas.
O
evento
atraiu,
inclusive,
a
atenção
do
presidente
da
câmara
de
São
Paulo
e
inspetor
do
sistema
de
imigração
Antônio
da
Silva
Prado,
que
compareceu
ao
núcleo
e
prestou
ajuda
aos
colonos
(Martins,
1992).
25
A
Província
de
São
Paulo
,
05
de
abril
de
1883,
p.
1.
Disponível
em
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18830405-2412-nac-0001-999-1-not
.
Acesso
em
29
de
setembro
de
2023.
16
Após
a
implantação
da
lei,
mesmo
alguns
posseiros
possuindo
o
registro
de
terras,
grandes
proprietários
da
região,
como
Hermann
Juncker
e
o
próprio
Paulo
Harmelin
passaram
a
negociar
várias
parcelas
do
território,
impondo
perdas
a
muitos
nacionais
(Martins,
1992).
Hamelin,
por
exemplo,
engenheiro
de
família
nobre,
desfrutava
de
elevado
prestígio
social
e
afirmava
que
havia
comprado
as
terras
de
Antônio
Maria
no
chamado
sítio
do
Moinho
Velho,
região
posteriormente
anexada
à
capital
(Martins,
2015).
Um
elemento
que
contribui
para
elucidar
essa
revolta
pode
ser
encontrado
nos
apontamentos
de
E.P.
Thompson,
em
suas
análises
sobre
as
revoltas
camponesas
na
Inglaterra
pré-industrial.
Trata-se
do
conceito
de
Economia
Moral
que,
como
indicado
na
introdução,
aborda
a
quebra
de
acordos
antigos
e
informais
estabelecidos
pela
população
nacional
a
respeito
dos
territórios
de
uso
comum
da
freguesia
e
proximidades,
como
o
campo
para
pasto.
Além
disso,
a
produção
nas
pequenas
propriedades
e
atividades
extrativistas
realizadas
por
nacionais
“caboclos”,
libertos
ou
ainda
escravizados
nas
posses
beneditinas,
formavam
um
pequeno
mercado
de
subsistência
local.
Com
a
venda
das
terras
beneditinas
e
com
a
implantação
da
Lei
de
Terras,
a
noção
de
uso
comum
permaneceu
na
cultura
da
população
camponesa,
mas
em
conflito
com
a
crescente
quebra
do
consenso
implícito,
perante
a
perda
do
acesso
com
a
chegada
dos
colonos
europeus.
Portanto,
mais
que
mera
reação
às
perdas,
identifica-se
também
a
reivindicação
da
legitimidade
dos
acordos
informais
estabelecidos
previamente.
A
quebra
de
pactos
implícitos
contribui
para
explicar
a
ênfase
dos
revoltosos
na
perda
de
soberania,
como
apontado
acima.
Tais
eventos
podem
ser
visto
como
elos
de
uma
cadeia:
além
da
citada
quebra
dos
cercamentos
para
beneficiar
o
moinho
do
colono
Palharini
Veneri,
outra
nota
na
mesma
edição
de
05
de
abril
de
1883
27
indica
que
situação
semelhante
teria
ocorrido
pouco
tempo
antes
nas
terras
de
Gracia
Amzalak,
moradora
do
Cambuci
28
.
28
Em
06
setembro
de
1882,
o
jornal
O
Estado
de
São
Paulo
denunciava
que,
na
madrugada
do
dia
05,
a
propriedade
de
Gracia
Amzalak,
localizada
na
antiga
colônia
da
Glória,
havia
sido
invadida
e
depredada
por
uma
“legião
de
canibais
enfurecidos
”
.
Os
invasores
quebraram
por
volta
de
240
metros
de
cercamento
e
causaram
danos
em
pequena
caserna
que
a
proprietária
havia
estabelecido
naquele
local,
quase
a
demolindo
completamente.
“Ato
de
Vandalismo”.
A
Província
de
São
Paulo,
06
de
Setembro
de
1882,
p.2.
Disponível
em
27
A
Província
de
São
Paulo
,
05
de
abril
de
1883,
P.
2.
Disponível
em
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18830405-2412-nac-0002-999-2-not
.
Acesso
em
29
de
setembro
de
2023.
17
Desse
modo,
a
questão
do
direito
à
terra
ressurge
quando
o
ocorrido
de
1°
de
abril
é
retomado
na
edição
do
dia
21
do
mesmo
mês
Direito
de
Propriedade
Há
cerca
de
quinze
dias
noticiamos
a
violência
que
havia
sido
vítima
em
sua
casa,
em
S.
Caetano,
o
dr
Hamelin.
Uma
horda
de
desordeiros
e
malfeitores
açulados
por
alguém
que
se
esconde,
e
com
o
estúpido
pretexto
de
reivindicar
a
tiro
os
logradouros
publicos
que
dizem
usurpados
por
terceiros
,
atacou
a
propriedade
d’aquelle
cavalheiro
-
devastando
cercas
e
porteiras
e
destruindo
completamente
uma
casa
à
qual
deitaram
fogo.
Deram
ao
feitor,
por
causa
da
família,
o
prazo
de
oito
dias
para
se
mudarem,
devendo,
disseram
eles,
avisar
logo
que
a
mudança
se
efectuou
a
um
dos
malfeitores,
cujo
nome
deram,
para
voltarem
a
completar
a
sua
obra
de
destruição.
Este
facto
deu-se
aqui
em
S.Caetano,
quase
dentro
da
cidade.
Narramos
o
facto
e
chamávamos
para
ele
a
atenção
do
sr.
dr.
chefe
de
polícia,
pois
que
é
realmente
revoltante
em
um
centro
civilizado
e
que
paga
bem
cara
a
sua
polícia,
vêr
desrespeitada
e
saqueada
a
propriedade
alheia
-
sem
que
se
lhe
siga
o
prompto
e
immediato
correctivo.
Correm
agora
boatos
de
novas
tentativas;
não
sabemos,
porém,
até
hoje,
de
medida
alguma
tomada
neste
sentido,
e
o
dr.
Hamelin
e
sua
família,
sob
a
ameaça
de
ver
voltar
os
bandidos,
vive
assustado
e
sem
confiança
na
proteção
que
tem
o
direito
de
esperar
para
si
e
para
sua
propriedade.
Consta-nos
que
já
mais
de
uma
vez
tem
sido
mandada
tropa
para
S.
Caetano,
por
denuncia
de
novo
assalto.
Quer-nos
parecer,
porém,
que
o
proceder
da
polícia
deveria
ser
outro
-
assim
sujeita-se
a
uns
repetidos
passeios
que
podem
ser
muito
higiênicos
para
as
praças,
mas
que
de
modo
algum
garantem
a
propriedade
do
dr.
Hamelin.
Pois
não
saberá
ainda
a
polícia
o
nome
desses
desordeiros?
talvez
a
vítima
possa
fornecer-lhe
alguns,
quantos
bastem
para
as
lhe
cahir
em
cima
com
todo
o
peso
da
lei
-
mas
logo
sem
delongas
nem
contemplações,
de
modo
a
dar
um
exemplo
prompto
e
efficaz,
que
torne,
de
uma
vez
por
todas,
uma
realidade
na
capital
da
província
de
S.
Paulo,
o
que
parece
que
só
por
convenção
se
chamou
até
hoje
-
direito
de
propriedade.”
(Grifos
iniciais
nossos)
29
A
notícia
introduz
novos
elementos
e
perspectivas
sobre
os
fatos
narrados.
A
parte
grifada
qualifica
a
invasão
da
propriedade
como
“
estupido
pretexto
de
reivindicar”
o
acesso
a
área
de
interesse
público
e
contrasta
ostensivamente
com
o
direito
atribuído
ao
proprietário.
Além
disso,
indica
a
perda
do
território
por
terceiros,
29
A
Província
de
São
Paulo
,
21
de
abril
de
1883,
p.
2.
Disponível
em
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18830421-2426-nac-0002-999-2-not
.
Acesso
em
07
de
março
de
2024.
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18820906-2242-nac-0002-999-2-not
.
Acesso
em
14
de
agosto
de
2024.
18
enfatizando
a
ideia
da
prevalência
do
direito
de
propriedade
sobre
os
usos
antes
costumeiros.
Um
ano
depois,
na
edição
do
dia
26
de
abril
de
A
Província
de
São
Paulo
,
uma
nota
retorna
o
caso
às
páginas
do
jornal,
indicando
a
acusação
de
34
pessoas,
defendidas
pelos
advogados
Carlos
Garcia
e
Evaristo
Costa,
que
assinam
o
comunicado.
O
documento
é
vago
na
descrição
dos
acusados,
apontando
a
condição
de
pobreza
e
destacando
que
as
seguidas
audiências
e
perseguições
jurídicas
significavam
“a
penúria,
o
sofrimento,
as
privações,
visto
não
poderem
trabalhar,
e
ser
o
seu
trabalho
cotidiano
o
único
recurso
de
que
dispõem”
30
.
Segundo
José
de
Souza
Martins,
sem
elucidar
em
detalhes
as
fontes,
as
34
pessoas
foram
descritas
como
“pobres
lavradores
e
jornaleiros”
pelo
advogado
Carlos
Garcia
(Martins,
2015).
Para
Martins,
a
defesa
assumida
pelos
dois
advogados
teve
como
pano
de
fundo
disputas
políticas
nas
elites
paulistas,
já
que
Hamelin
era
membro
do
Partido
Conservador,
enquanto
Garcia
era
político
republicano
(Martins,
2015).
Os
advogados
realizaram
uma
investigação
sobre
a
veracidade
da
posse
de
algumas
partes
da
região
do
Moinho
Velho
sob
a
propriedade
de
Hamelin
(Martins,
2015)
31
.
Garcia
averiguou
que
o
território
havia
sido
adicionado
em
um
complexo
processo
de
compra
e
venda
de
sesmarias
e
a
região
do
conflito,
tida
como
terras
de
“bem
comum”,
fora
equivocadamente
anexada
(Martins,
2015)
32
.
Desse
modo,
um
interessante
comentário
dos
advogados
foi
incluído
na
nota
de
29
de
abril:
Os
acusados
nunca
pensaram
em
negar
que
destruíram
os
vallos
(sic)
que
o
dr
Hamelin
acabava
de
fazer
nesses
terrenos.
Foi
um
acto
consciente
,
o
que
praticavam:
vendo
um
dia
cercados
esses
terrenos,
que
eram
de
propriedade
do
estado
e
de
uso
e
gozo
das
particulares,
e
de
cujo
uso
e
gozo
elles
acusados
por
tantos
annos
se
serviram
;
achando
cortada
por
esses
vales
até
a
própria
estrada
que
vae
de
S.Caetano
à
estrada
de
Santos;
usaram
de
meio,
unico
que
32
A
Província
de
São
Paulo
,
29
de
abril
de
1884,
p.1.
Disponível
em:
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840429-2731-nac-0001-999-1-not
.
Acesso
em
05
de
abril
de
2024.
31
A
Província
de
São
Paulo
,
29
de
abril
de
1884,
p.1.
Disponível
em
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840429-2731-nac-0001-999-1-not
.
Acesso
em
05
de
abril
de
2024.
30
A
Província
de
São
Paulo
,
26
de
abril
de
1884,
p.
2.
Disponível
em
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840426-2729-nac-0002-999-2-not
.
Acesso
em
05
de
abril
de
2024.
19
na
occasião
tinham
,
destruiram
os
vallos,
repondo
as
cousas
em
seu
estado
anterior
(por
exemplo)
33
A
consciência
e
a
deliberação
do
ato
nas
supostas
propriedades
de
Paulo
Hamelin
demonstram
a
execução
de
uma
economia
moral
,
assentada
na
prerrogativa
de
uso
das
terras
por
vários
anos
e
o
conhecimento
que
dispunham
de
seu
caráter
público.
Em
seu
conjunto,
tais
elementos
contribuem
para
corroborar
o
argumento
aqui
desenvolvido,
acerca
da
condição
de
nacionais
daqueles
que
por
longo
tempo
utilizavam
a
terra
e
conheciam
o
caráter
público
de
acesso
àquele
território.
Afinal,
os
imigrantes
haviam
se
fixado
na
região
há
menos
de
seis
anos
e
não
dispunham
dos
elementos
que
embasavam
a
atuação
e
reivindicação
dos
grupos
nacionais.
O
caso
não
retornou
para
as
páginas
do
jornal
A
Província
de
São
Paulo
e
deixou
de
ser
do
conhecimento
geral
(Martins,
2015).
A
última
notícia
a
respeito
foi
publicada
por
meio
de
nota
do
dia
28
de
junho
de
1884.
Nela,
os
advogados
de
defesa
obtiveram
o
adiamento
do
julgamento,
dada
a
ausência
de
testemunhas
chaves
presentes
na
sessão
do
dia
anterior
34
.
Em
21
de
julho
de
1888,
Paulo
Hamelin
faleceu
no
Rio
de
Janeiro,
vítima
de
um
acidente
na
estrada
de
ferro
Pedro
II
(Martins,
2015).
O
caso
abordado
indica
como
a
terra
era
elemento
decisivo
para
essa
categoria
da
classe
trabalhadora,
constituindo-se,
portanto,
como
fundamental
para
o
processo
de
fazer-se
(Savage,
2011).
Não
era
apenas
importante
pelo
modo
de
vida
e
sustento,
como
as
relações
comerciais
praticadas
no
Caminho
do
Mar,
conforme
analisado
anteriormente.
O
uso
comum
de
partes
do
território
da
Freguesia
de
São
Bernardo
era
ponto
de
referência
no
estabelecimento
de
acordos
e
compartilhamento
de
experiências,
tendo
sido
a
ação
contra
a
propriedade
de
Paulo
Hamelin
um
meio
de
afirmação
coletiva
desses
fundamentos.
O
evento
somou-se
ao
conjunto
das
tensões
entre
nacionais
e
imigrantes
e
sua
análise
permite
desvendar
como
a
região,
muito
antes
da
industrialização
plena,
desenvolvia
relações
sociais,
culturais
e
políticas
complexas.
Aponta,
ainda,
como
categorias
de
uma
classe
trabalhadora
em
constante
“fazer-se”
tem
sido
34
A
Província
de
São
Paulo
,
28
de
junho
de
1884,
p.2,
disponível
em
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840628-2780-nac-0002-999-2-not
.
Acesso
em
05
de
abril
de
2024.
33
A
Província
de
São
Paulo
,
29
de
abril
de
1884,
p.1.
Disponível
em:
https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840429-2731-nac-0001-999-1-not
.
Acesso
em
05
de
abril
de
2024.
20
desdenhada
no
processo
de
construção
da
memória
e
história
local,
a
exemplo
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais
analisados
ao
longo
do
artigo.
Considerações
finais
A
região
de
municípios
paulistas
conhecida
como
ABC
Paulista
tem
um
longo
histórico
de
experiências
políticas
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras.
Mas
sua
memória
e
história
mais
evidenciada
reteve
uma
construção
centrada
no
processo
de
industrialização
e
urbanização,
frutos
da
expansão
econômica
do
século
XX,
referenciada
sobretudo
na
prevalência
da
mão
de
obra
imigrante.
Em
decorrência,
firmou-se
uma
versão
“triunfalista”
do
progresso
caudatário
da
imigração
europeia
na
região.
Concepção
enraizada
que
transita
de
figuras
míticas,
como
a
do
quinhentista
João
Ramalho,
desbravador
português
que
supostamente
teria
iniciado
o
marco
civilizatório
local
com
a
fundação
da
Vila
de
Santo
André
da
Borda
do
Campo,
até
o
imigrante
europeu
colonizador
idealizado,
detentor
do
trabalho
honesto
e
do
progresso.
Contudo,
como
argumentou-se
ao
longo
do
artigo,
outros
personagens
históricos
estiveram
presentes,
ainda
que
silenciados
e
invisibilizados
na
historiografia.
Trabalhadores
e
trabalhadoras
nacionais,
no
contexto
paulista
do
século
XIX,
eram
categorias
ativas
da
classe
trabalhadora.
A
partir
de
dinâmicas
econômicas,
culturais
e
sociais
próprias,
desenvolveram
uma
rica
e
complexa
rede
de
relações
sociais
e
políticas.
Como
observamos,
no
interior
da
Freguesia,
posterior
município
de
São
Bernardo
que
aglutinaria
as
futuras
cidades
do
ABC
Paulista,
esses
nacionais
elaboraram
códigos
e
estratégias
próprias
de
cotidiano
e
sobrevivência
por
meio
do
trabalho
na
pequena
agricultura,
no
extrativismo
de
madeira,
na
economia
de
subsistência,
integrados
aos
ciclos
econômicos
de
seu
entorno.
Mesmo
com
a
maciça
política
em
torno
da
imigração
e
o
fortalecimento
de
estereótipos
raciais
negativos,
observamos
sua
capacidade
de
resistência
e
reivindicação,
conforme
o
exemplo
analisado
a
partir
da
revolta
de
05
de
abril
de
1883.
Referências
ALMEIDA,
C.
C.
T.
de.
O
grande
ABC
paulista:
o
fetichismo
da
região.
2008.
336f.
Tese
(Doutorado
em
Geografia
Humana)
-
USP,
São
Paulo.
21
ANDERSON,
P.
Linhagens
do
Estado
Absolutista
.
São
Paulo:
Brasiliense,
2004.
AZEVEDO,
C.
M.
M.
de.
Onda
negra,
medo
branco
:
o
negro
no
imaginário
das
elites.
Rio
de
Janeiro:
Paz
e
Terra,
1987.
BARBOSA,
N.
A.
M.
Imigração
italiana
em
São
Bernardo
.
São
Bernardo
do
Campo:
Prefeitura
Municipal,
1975.
BOTACINI,
R;
SILENE,
M.
Cem
anos
de
colonização
italiana
no
ABC
.
Ribeirão
Pires:
Editora
Combrig,
1976.
COSTA,
J.
Constantino
Castellani,
o
primeiro
rebelde
.
Santo
André:
Editora
Estranhos
Atratores,
2020.
DECCA,
E.
de.
O
Silêncio
dos
Vencidos
.
São
Paulo:
Brasiliense,
1981.
EISENBERG,
P.
Homens
esquecidos:
escravos
e
trabalhadores
livres
no
Brasil
-
séculos
XVIII
e
XIX.
Campinas:
Editora
da
Unicamp,
1989.
FRANCO,
M.
S.
de
C.
Homens
Livres
na
ordem
escravocrata
.
São
Paulo:
Fundação
Editora
da
Unesp,
1997.
FRENCH,
J.
D.
Industrial
Workers
and
the
Origins
of
Populist
Politics
in
the
ABC
region
of
Greater
São
Paulo,
Brazil,
1900-1950
.
1985.
696f.
Tese
(Doutorado
em
Filosofia)
-
Yale
University,
New
Haven,
1985.
FREYRE,
G.
Casagrande
&
Senzala:
formação
da
família
brasileira
sob
o
regime
da
economia
patriarcal.
Rio
de
Janeiro/Brasília:
Livraria
José
Olympio
Editora,
1981.
GAIARSA,
O.
A.
A
cidade
que
dormiu
três
séculos:
Santo
André
da
Borda
do
Campo,
seus
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