V.22, 49 - 2024 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X TRABALHADORES E TRABALHADORAS NACIONAIS DO ANTIGO ABC PAULISTA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO XX 1 Lucas Silva Gazinhato 2 Marilda Aparecida de Menezes 3 Maria Gabriela Silva Martins Cunha Marinho 4 Resumo O artigo analisa trabalhadores e trabalhadoras nacionais na região atualmente conhecida como ABC Paulista entre o século XIX e início do XX, um segmento silenciado em estudos locais focados no imigrante europeu. A pesquisa, baseada em revisão bibliográfica e análise de fontes primárias, propõe uma nova compreensão sobre sua presença na região. Estruturado em duas partes, o artigo aborda a vida e ofícios desses trabalhadores em São Paulo e, em seguida, suas experiências no ABC, explorando ocupações, conflitos e confrontos, contribuindo, com isso, a novas perspectivas sobre a história local. Palavras chaves : Classe Trabalhadora, ABC Paulista, Trabalhadores Nacionais, História do Trabalho, Cultura Popular TRABAJADORES Y TRABAJADORAS NACIONALES DE LA ANTIGUA REGIÓN DEL ABC PAULISTA EN LA SEGUNDA PARTE DEL SIGLO XIX Y PRINCIPIOS DEL XX Resumen El artículo analiza a los trabajadores y trabajadoras nacionales en la región actualmente conocida como ABC Paulista, entre los siglos XIX y XX, un segmento silenciado en los estudios locales enfocados en los inmigrantes. La investigación, basada en revisión bibliográfica y análisis de fuentes primarias, propone una nueva comprensión sobre su presencia en la región. Estructurado en dos partes, el artículo aborda la vida y los oficios de estos trabajadores en São Paulo y, posteriormente, sus experiencias en el ABC, explorando ocupaciones, conflictos y enfrentamientos, contribuyendo así con nuevas perspectivas sobre la historia local. Contraseñas: Clase Obrera, ABC Paulista, Trabajadores Nacionales, Historia Laboral, Cultura Popular NATIONAL WORKERS OF THE OLD ABC REGION IN THE SECOND HALF OF THE XIX CENTURY AND BEGINNING OF THE XX CENTURY Abstract The article analyzes national workers in the region currently known as ABC Paulista, between the 19th and early 20th centuries, a segment overlooked in local studies focused on immigrants. The research, based on a literature review and analysis of primary sources, offers a new understanding of their presence in the region. Structured in two parts, the article discusses the lives and occupations of these workers in São Paulo, then explores their experiences in the ABC, examining occupations, conflicts, and confrontations, thereby contributing new perspectives on local history. Keywords: Working Class, ABC Paulista, National Workers, Labor History, Popular Culture 4 Professora Associada IV da Universidade Federal do ABC (CECS-UFABC) . Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) - Brasil. E-mail: gabriela.marinho@ufabc.edu.br . Lattes: http://lattes.cnpq.br/8368768304963502 . ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5698-0437 . 3 PhD pela University of Manchester - Reino Unido. Professora do Doutorado em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo - Brasil . E-mail; menezesmarilda@gmail.com . Lattes: http://lattes.cnpq.br/9822634790399791 . ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5815-975X . 2 Doutorando em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (UFABC), São Paulo - Brasil. E-mail: lucas.gazinhato@gmail.com . Lattes: http://lattes.cnpq.br/0957660423093301 . ORCID: https://orcid.org/0009-0008-9520-988 . 1 Artigo recebido em 23/04/2024. Primeira Avaliação em 20/08/2024. Segunda Avaliação em 03/10/2024. Terceira Avaliação em: 01/11/2024. Aprovado em 22/11/2024. Publicado em 05/12/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.62721 . 1
Introdução O artigo busca analisar o cotidiano de grupos de trabalhadores e trabalhadoras nacionais e pobres que na segunda metade do século XIX e início do XX habitaram a região atualmente conhecida como ABC Paulista 5 , porém denominada na época Freguesia de São Bernardo e Município de São Bernardo, a partir de 1889. O termo “nacional” abarca grupos de trabalhadores e trabalhadoras pobres de etnias indígenas, negras, brancas e mestiças que supostamente se encontravam à margem das principais dinâmicas econômicas predominantes no período nas localidades analisadas. Especificamente para São Paulo, sabidamente se destacaram a agricultura cafeeira e posteriormente o trabalho industrial, que atraiu majoritariamente mão de obra imigrante de origem europeia (Santos, 2003). Nesse sentido, e por oposição, os chamados trabalhadores “nacionais”, denominados “caboclos” ou “caipiras” por intelectuais e políticos a partir do final do século XIX, sobreviviam de atividades de subsistência, como o extrativismo de madeira e a pequena agricultura (Santos, 2003, Naxara, 1998), como será detalhado adiante. Os grupos em questão tornaram-se no final do século XIX objeto de controvérsias e discussões políticas e acadêmicas. Contudo, na primeira metade do século subsequente, foram excluídos ou secundarizados pelas pesquisas históricas e sociológicas 6 , sendo retomados principalmente a partir da década de 1960 com os apontamentos de autoras e autores como Maria Sylvia Franco de Carvalho Franco e Peter Eisenberg (Franco, 1997, Eisenberg,1989, Naxara, 1998). 6 Os nacionais são objeto de discussão de alguns autores brasileiros da virada do século XIX para o XX, como Euclides da Cunha, Manoel Bomfim e Silvio Romero, que expressam opiniões distintas sobre seu posicionamento na sociedade brasileira (Naxara, 1998). Algumas obras clássicas da sociologia e história falam de maneira breve sobre esses sujeitos. Caio Prado Jr em Formação do Brasil Contemporâneo os descreve como “despossuídos sociais”, vivendo à margem do sistema colonial (Prado Júnior, 1999). Em uma abordagem semelhante, Gilberto Freyre comenta sobre uma parcela intermediária da população brasileira entre os senhores de engenho e dos escravizados, mal-alimentados, doentes, e excluídos, que ele denomina de “párias inúteis” (Freyre, 1981, p. 36). 5 Parte da região metropolitana de São Paulo, composta pelos municípios de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. O termo ABC , junção das iniciais das três primeiras cidades, e outros termos com significados semelhantes como “triângulo de João Ramalho” e “triângulo industrial”, foram cunhados na década de 1950, dentro do contexto nacional da industrialização, que teve na região um de seus pólos de destaque com a instalação das grandes montadoras (Almeida, 2008) Estes termos foram inicialmente disseminados pelo periódico local Folha do Povo , que, com as emancipações de novos municípios da região, foram sendo posteriormente modificados para “Grande ABC”, ABCD, “pentágono indústria” etc (Gaiarsa, 1968, Almeida, 2008). 2
Em nossa perspectiva, entendemos esses “nacionais pobres” como categoria importante na composição da classe trabalhadora. Argumentamos que, apesar do silenciamento da literatura especializada, tais sujeitos compartilharam experiências e foram ativos na sociedade paulista do período. Sem descuidar do clássico alinhamento conceitual desenvolvido por Marx no século XIX em torno das categorias classe trabalhadora , trabalho livre , assalariado e industrial , incorporamos também a perspectiva de autores como Marcel Van der Linden. Nesse sentido, o conceito ganha amplitude para abarcar outras experiências das classes subalternas no interior das dinâmicas do capitalismo mundial, assegurando visibilidade e organicidade em torno de particularidades regionais, como as categorias de “autônomos”, escravizados, lumpen, em suas intersecções e interações com o trabalho livre (Linden, 2005). Desse modo, adotamos como experiência da classe trabalhadora os preceitos formulados pelo historiador inglês E.P. Thompson (Thompson, 1981, 2020, Savage, 2011). Ao debater com o campo marxista das ciências sociais marcado pela perspectiva estruturalista do filósofo francês Louis Althusser, Thompson criticou vigorosamente o caráter a-histórico e teleológico que o autor francês imprimiu sobre a obra de Marx (Thompson, 1981). Portanto, lembra o historiador inglês, relevante nos estudos de Marx não é somente a crítica estrutural da sociedade capitalista, mas a importância da análise histórica acerca da classe trabalhadora “Os homens e mulheres também retornam como sujeito, dentro deste termo - não como sujeitos autônomos, “indivíduos livres”, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismo, e em seguida “tratam” essa experiência em sua consciência e sua cultura (as duas outras expressões excluídas pela prática teórica ) das mais complexas maneiras (sim, relativamente “autônomas”) e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada” (Thompson, 1981 , p. 182). Assim, para Thompson a experiência histórica pode ser vista como aspecto central na análise sobre a divisão em classes na sociedade capitalista. O autor argumenta que trabalhadoras e trabalhadores são sujeitos ativos na construção das experiências que se expressam a partir de ações, práticas, símbolos, rituais, 3
linguagens e pensamentos 7 . A centralidade da experiência histórica a ssumida por Thompson permitiu ao autor desenvolver o conceito de economia moral , categoria por meio da qual identifica e analisa o conjunto de preceitos morais que articulava socialmente trabalhadores e trabalhadoras da Inglaterra pré-Industrial (Thompson, 1998). Ao criticar a maneira como historiadores e sociólogos europeus, entre os quais figuravam Edmund Burke e Gustave Le Bon, analisavam as revoltas populares de carestia na Europa pré-industrial, baseados na ideia de uma turba violenta, reacionária e disforme, Thompson contrapôs: “É possível detectar em quase toda ação popular do século XVIII uma noção legitimadora. Por noção de legitimação, entendo que os homens e as mulheres da multidão estavam imbuídos da crença de que estavam defendendo direitos ou costumes tradicionais; e de que, em geral, tinham o apoio do consenso mais amplo da comunidade. De vez em quando, esse consenso popular era endossado por alguma autorização concedida pelas autoridades. O mais comum era o consenso ser tão forte a ponto de passar por cima das causas do medo ou da deferência” (Thompson, 1998, p. 152) A partir de suas experiências , trabalhadoras e trabalhadores desenvolvem códigos morais e costumes, recorridos e defendidos em diferentes ocasiões 8 , como será analisado na segunda parte deste artigo. Além disso, tais experiências são influenciadas por questões sociais, históricas e também geográficas, constituindo-se o território como uma dimensão igualmente fundamental em tal processo (Savage, 2011). Para Mike Savage, ao levarmos em conta questões territoriais, tornam-se evidentes as redes de sociabilidades formadas pelos trabalhadores e trabalhadoras (Savage, 2011). Para o tema aqui analisado, o território foi elemento decisivo para que os nacionais afirmassem valores e concepções sobre a realidade vivenciada na Freguesia de São Bernardo, a exemplo da revolta no distrito de São Caetano em 1883, que será discutida com detalhes mais adiante. A necessidade de uma investigação mais sistemática e aprofundada do tema fica evidente pelas lacunas na literatura especializada. A presença de nacionais em estudos acadêmicos é esporádica e fragmentada, aparecendo circunstancialmente em textos considerados clássicos desenvolvidos por historiadores, sociólogos e 8 Para uma discussão das críticas e um balanço da noção de economia moral pelo próprio autor, ver Thompson, 1998. Uma interessante utilização desse conceito é a análise feita por João José Reis e Márcia Gabriela D. de Aguiar a respeito da revolta ocorrida Bahia no ano de 1858 contra a carestia e o aumento do preço da carne (Reis; Aguiar, 1996). 7 A abordagem cultural de Thompson foi alvo de críticas principalmente por parte dos historiadores do campo econômico. Para uma crítica contemporânea ao autor, ver Anderson, 2004, p. 11 e para uma crítica geral e novas perspectivas para a noção de experiência , ver Savage, 2011. 4
memorialistas que tomaram a região como objeto. Em tais estudos, são abordados à sombra do processo de imigração, urbanização e industrialização da região e em análises do processo de formação dos bairros e cidades do ABC Paulista (Medici, 1985, 1987, 1992, Barbosa, 1975, Botacini; Silene, 1976). A notável exceção restringe-se ao sociólogo José de Souza Martins e seus estudos sobre o território que se tornaria no futuro o município de São Caetano do Sul 9 . Como será retomado na segunda parte do artigo, argumentamos que tais lacunas podem ser explicadas pela construção de um imaginário social que considera a região um dos pontos de referência da imigração europeia em São Paulo. Para tal enquadramento, com a crescente industrialização a partir da primeira metade do século XX, a região passou a expressar o crescimento econômico da indústria brasileira, que teria se valido prioritariamente da mão-de-obra europeia, em especial de origem italiana. Do ponto de vista das metodologias empregadas na presente análise, partimos inicialmente de extensa revisão bibliográfica sobre o ABC. O resultado dessa revisão foi confrontado com fontes primárias, em especial matérias jornalísticas de periódicos da época e relatórios do período monárquico coletados no Arquivo do Estado de São Paulo. Por se tratar de categorias de trabalhadores e trabalhadoras marginalizadas, personagens comumente excluídos das pesquisas sobre o ABC, sua presença nos documentos costuma ser escassa e fragmentada. Escritos e testemunhos disponíveis frequentemente reproduzem a perspectiva das classes dominantes, razão pela qual buscamos pistas e indícios que afloram da documentação (Ginzburg, 1989, Revel 1998). Portanto, ao escapar deliberadamente das narrativas oficiais e consolidadas, a busca por sujeitos marginalizados e excluídos pretende trazer novas perspectivas acadêmicas, mas também exercitar a função do intelectual como membro ativo da luta de classes e da desmistificação da visão dominante da História (Decca, 1981) ao evidenciar outras experiências da classe trabalhadora. Como indicado anteriormente, o artigo está dividido em duas partes. Na primeira, analisamos os trabalhadores e trabalhadoras nacionais no contexto da 9 O sociólogo em vários momentos traz a tona esses trabalhadores nacionais em suas pesquisas sobre a região, inclusive de um ponto de vista crítico a respeito de sua marginalização e preconceitos sofridos (Martins, 1973, 1988a, 1988b, 1992 e 2015). Mesmo tendo como foco principal o cotidiano imigrante na virada do século XIX para o XX, devemos a ele a apresentação de situações importantes envolvendo os trabalhadores nacionais (Martins, 1973, 1992), em especial a revolta de 1883, que será discutida com detalhes na segunda parte deste artigo. 5
sociedade paulista do século XIX. Partimos dos estereótipos das elites políticas e econômicas para confrontá-los em relação ao cotidiano cultural e político. Na segunda parte, discutimos as experiências desses nacionais na região do ABC paulista a partir da segunda metade do século XIX e início do XX. Destacamos na análise aspectos do cotidiano, cultura, relação com os imigrantes europeus e a revolta ocorrida em uma fazenda em 1883, na região que fazia parte do distrito de São Caetano. Trabalhadores e trabalhadoras nacionais: contexto histórico e social na sociedade paulista do século XIX Antes de analisarmos o cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras nacionais do ABC Paulista, tecemos algumas considerações acerca dessa categoria no interior da sociedade paulista do século XIX. Trata-se de um percurso complexo em razão da heterogeneidade do grupo, escassez das fontes e multiplicidade das vivências, entre outros aspectos. Diante de tal complexidade, desenvolvemos uma “abordagem reversa”, ou seja, localizar tais personagens a partir da construção de antíteses em relação ao imigrante europeu. Sob tal perspectiva, emergem na segunda metade do século XIX, em sincronia com o crescimento dos fluxos imigratórios, as denominações de “caipira” ou “caboclo”, cunhadas por políticos e intelectuais para os nacionais, empregadas frequentemente com sentido pejorativo. Etnicamente, o trabalhador nacional na sociedade paulista era composto por brancos, indígenas, negros e mestiços pobres presentes no ambiente social desde a expansão econômica do período colonial. As bandeiras, com o intuito de expansão territorial, invasão de aldeias e escravização de indígenas no século XVI, forçaram o deslocamento de grandes levas de povos de etnias distintas, como tupinambás e guaranis, retirados de seus locais de origem para o trabalho forçado, em especial na economia rural de subsistência (Monteiro, 2022). Além do litoral e sertão paulista, indígenas de outras regiões do país, como o nordeste e o centro-oeste, foram igualmente retirados de suas terras e trazidos para São Paulo (Monteiro, 2022). Por outro lado, missões catequéticas, como os jesuítas, com objetivos também econômicos, ao se valerem da mão de obra indígena, converteram e alteraram muitas aldeias nos chamados aldeamentos - comunidades 6
rurais com o intuito de introduzir os povos originários ao mundo “civilizado” (Monteiro, 2022, Jecupé, 2020). Com o endurecimento das leis contra a escravização de indígenas no século XVII e o enfraquecimento das expedições bandeirantes, muitos dos ex-escravizados e mestiços formaram o campesinato pobre da sociedade paulista. Vivendo às margens das grandes propriedades rurais e nos próprios aldeamentos, continuaram a viver em condição similar a escravidão no status de administrado . Da mesma forma, brancos que, na condição de pequenos proprietários, sem capital para a aquisição de escravizados africanos, com o fim da mão de obra indígena ingressaram na pobreza (Monteiro, 2022, Jecupé, 2020). A partir do século XIX, muitos ex-escravizados negros, vindos diretamente do continente africano ou descendentes, passaram a compor grupos de trabalhadores nacionais, vivendo também das atividades rurais de subsistência e ofícios artesanais, nas proximidades dos locais onde foram escravizados (Moura, 1988). O trabalho pioneiro de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens Livres na Ordem Escravocrata , analisa grupos de trabalhadores nacionais no ciclo do café presentes do interior de São Paulo, na divisa com o Rio de Janeiro, ainda no período da escravidão no início do século XIX. Como não faziam parte da agricultura de monocultura e não eram a mão-de-obra escravizada, esses grupos produziam atividades de subsistência, como plantação de alimentos para consumo, extrativismo, caça e prestação de serviço para os grandes fazendeiros, como agregados e pistoleiros (Franco, 1997). Vivendo em pequenos bairros, trabalhadores e trabalhadoras nacionais viviam, segundo a autora, um cotidiano marcado pela violência, mediado por momentos de solidariedade, como mutirões para as construções de casas e festividades locais (Franco, 1997). Apesar do pioneirismo de seu trabalho, Maria Sylvia observa esses nacionais sob a perspectiva de exclusão e marginalidade frente à monocultura agrária, valorizada pela ordem patronal na sociedade interiorana paulista (Franco, 1997). Embora se possa identificar certa exclusão econômica associada a uma condição social de “marginalização”, trabalhadores e trabalhadoras nacionais e pobres estavam em boa medida integrados dentro da economia paulista. Afinal, vendiam e trocavam nas cidades ou centros comerciais as mercadorias por eles produzidas, sobretudo alimentos colhidos nos roçados, lenha cortada ou derivados da caça (Moura, 1998). 7
Dependentes dos ciclos da natureza, como o período de plantio e colheita, meses corretos para o corte de madeira, tais grupos possuíam uma rotina de trabalho diversa da realizada nas grandes propriedades rurais. Tais práticas incidiam diretamente nas concepções de mundo e de cultura, como as festas religiosas: São João, em junho, encerrava o ciclo agrícola, enquanto São Roque, em agosto, reiniciava (Moura, 1998 , Tessari, 2012). As rotinas sazonais destoavam da perspectiva estabelecida pela construção da disciplina laboral assentada no tempo cronológico, horários fixos e dias certos de trabalho orientada pelo capitalismo industrial em ascensão na Europa 10 (Moura, 1998 , Tessari, 2012). Entre outros motivos, e em meio a temporalidades distintas, tornou-se comum o trabalhador nacional ser visto como “preguiçoso”, “vadio” e inapto para o trabalho na sociedade moderna capitalista (Moura, 1998 , Naxara, 1998, Tessari, 2012). Mas esse trabalhador não ficava imóvel durante a sazonalidade de suas atividades: buscava sustento como mão de obra temporária nas grandes propriedades, a exemplo da mencionada função de agregado (Moura, 1998). A partir da segunda metade do século XIX, com a proibição do tráfico internacional de escravizados em 1850, a pressão inglesa e o avanço do movimento abolicionista, a questão da substituição do escravo pelo trabalhador livre tornou-se uma pauta constante nos debates das elites políticas brasileiras 11 . Os debates sobre quem assumiria o trabalho livre se dividiram entre os “nacionais”, incluindo futuros libertos, ou a introdução massiva de mão de obra imigrante, em especial europeia, pelo chamado regime de colonato (Azevedo, 1987). A partir dos estudos raciais, que advogavam a superioridade dos povos europeus, sugeria-se que o trabalhador nacional não estava apto para a lógica de trabalho livre na dinâmica capitalista. Com base nos estereótipos atribuídos, inclusive pela “má influência” dos negros africanos e dos indígenas na composição racial brasileira, venceu a corrente defensora da contratação de imigrantes (Moura, 1988). 11 Para um debate detalhado dos projetos em torno não do fim da escravidão, como também da inserção dos ex-escravizados na economia brasileira, ver Azevedo, 1987. 10 Sobre as diferentes visões de tempo no desenvolvimento da noção industrial de trabalho na Inglaterra, Thompson enfatiza: “Essa mediação incorpora uma relação simples. Aqueles que são contratados experienciam uma distinção entre o tempo do empregador e o seu “próprio” tempo. E o empregador deve usar o tempo de sua mão de obra e cuidar para que não seja desperdiçado: o que predomina não é a tarefa, mas o valor do tempo reduzido a dinheiro. O tempo é agora moeda: ninguém passa o tempo, e sim o gasta ”(Thompson, 1998, p. 272). 8
Além disso, mudanças na estrutura agrária decorrentes da Lei de Terras, também de 1850, limitaram a posse a propriedades juridicamente comprovadas, adquiridas por compra. Tal exigência expulsou pequenos proprietários nacionais e suas famílias que perderam a posse das terras que habitavam, expropriações marcadas pela ilegalidade, pistolagem, violência e grilagem (Martins, 1992). Vitorioso, o projeto de imigração promoveu em larga escala a substituição do trabalho escravizado pelo livre, principalmente no Sul e Sudeste do país. Para Clóvis Moura, dois motivos explicam a decisão. Primeiro, pela teoria do embranquecimento, concepção muito difundida por intelectuais como Sílvio Romero e Nina Rodrigues, fundamentava-se na premissa de que a introdução do europeu em massa na sociedade brasileira iria “embranquecer” o povo brasileiro, mitigando a influência negativa de africanos e etnias autóctones 12 , como apontado anteriormente (Moura, 1988). Segundo, pelo fator econômico, que o processo de imigração tornou-se bastante lucrativo para o Estado Monárquico e grupos privados encarregados de gerir a contratação, o transporte e a fixação de estrangeiros no país (Moura, 1988). Por outro lado, o próprio nacional estava inserido no processo de migrações internas. Ao analisar o oeste paulista, Denise Soares de Moura revela a presença de um número aproximado de 9 mil indivíduos de outros estados que migraram para a região entre 1854 e 1874 (Moura, 1998). Entre os exemplos, figuram contingentes oriundos do Nordeste, cerca de 3 mil naquele período, em sua maioria cearenses, que trabalharam em fazendas localizadas nos municípios de Guaratinguetá, Rio Claro e proximidades (Moura, 1998). A figura do trabalhador nacional e seus estereótipos negativos foram difundidos por políticos e intelectuais brasileiros ao longo do século XIX e início do XX, colocados em contraste com o imigrante europeu. Exemplo conhecido é o personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato no artigo Urupês 13 de 1914, retratando negativamente o trabalhador brasileiro, destacando como características inerentes sua ignorância, atraso cultural e intelectual, além do parasitismo, alcoolismo, formação física e portador de doenças (Naxara, 1998). Em 13 Interessante citar que a palavra Urupê vem do tupi para designar um tipo de fungo que surge em árvores. Analogia que Lobato usou para a representar o parasitismo que via no trabalhador rural brasileiro (Naxara, 1998) 12 Sobre a discussão em torno da figura do “caboclo” nas páginas das publicações do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) no século XIX, influenciada pelos estudos raciais, ver Silva, 2014. 9
contraponto, o imigrante europeu era representado como forte, inteligente, sadio, ”moderno” e dotado de espírito desbravador (Naxara, 1998) 14 . A seguir, veremos com mais detalhes o exemplo dos trabalhadores e trabalhadoras nacionais na região do ABC. A pesquisa empírica indica a existência desse grupo como sujeitos ativos no processo de expansão econômica de São Paulo, perspectiva que contraria o mito estabelecido de uma região formada por migrantes no contexto da industrialização e urbanização. O cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras nacionais no ABC: trabalho, conflitos com imigrantes e revolta A inauguração das linhas ferroviárias na Freguesia de São Bernardo a partir de 1867, com as estações de Paranapiacaba, Santo André e Rio Grande da Serra, atraiu a atenção de empresas e empresários do nascente ramo industrial para a instalação de fábricas na região. A proximidade do Porto de Santos e da capital paulista, além do interesse adicional da ferrovia para atrair trabalhadores e transportar matérias primas e produtos contribuíram para a expansão da região (Martins, 1992). Inicialmente, prevaleceu o trabalho fabril de imigrantes europeus e seus descendentes, mão-de-obra majoritariamente empregada até o declínio da imigração e o processo de migração interestadual, que se intensificou a partir da década de 1940 para a região Sudeste (French, 1985, Gomes, 1988). As origens da imigração europeia no ABC Paulista, em especial italiana, encontram-se ligadas a formação de espaços coloniais para o trabalho no regime de produção agrícola em pequenas propriedades rurais, a partir dos núcleos de São Bernardo e São Caetano, criados no ano de 1877 15 (Martins, 1992, Santos, 1992). A chegada dos grupos de imigrantes, somada a decadência das atividades rurais, promoveu o grande escoamento dessa mão-de-obra para o trabalho nas indústrias, como apontado acima. O primeiro grande advento industrial na região, segundo John French, foi a fábrica de tecidos do Ipiranguinha, fundada no final do século XIX no distrito de Santo André, então subsidiário do recém fundado Município de São Bernardo (French, 1985). 15 O núcleo colonial de Ribeirão Pires foi fundado posteriormente, em 1888 (Santos, 1992, 2007). 14 Importante frisar que não estamos aqui colocando o imigrante europeu como um sujeito que não sofreu dificuldades quando imigrou para o Brasil, especialmente para a região sul e sudeste. Foram igualmente submetidos a péssimas condições de trabalho, castigos físicos e privações, principalmente nas primeiras experiências de trabalho nas fazendas de café paulista (Janotti, 1999). 10
A continuidade do fluxo de imigrantes europeus para a região no final do século XIX, e o crescente processo de urbanização e industrialização incrementado pelas estações ferroviárias, são apontados como elementos relevantes para a expansão econômica do ABC, a fundação dos bairros e criação cidades (Medici, 1985, 1987, Botacini; Silene, 1976). Tais aspectos são recorrentes na construção da memória local do ABC Paulista e se encontram vinculados com a noção de progresso local. A concepção se fortaleceu a partir da década de 1950, quando o expressivo desenvolvimento industrial decorrente da instalação das montadoras permitiu que o ABC Paulista se destacasse no processo de regionalização metropolitana da capital (Almeida, 2008). Para José de Souza Martins, a construção da memória local foi marcada pelo triunfalismo. Nessa direção cita, por exemplo, a formação de uma “memória triunfalista” na região de São Caetano do Sul, sobretudo a partir de 1927 com o cinquentenário do núcleo colonial. Naquele contexto, ruas e praças foram renomeadas para homenagear os “pioneiros” da imigração, em particular, os de maior sucesso econômico, como o Conde Matarazzo e seus empreendimentos industriais (Martins, 1992). Apesar da fabricação de uma memória positiva aliada ao desenvolvimento industrial e urbano, a vida dos imigrantes, especialmente nas primeiras décadas, não foi gloriosa. Muitos dos que chegaram, vindos da região de Vêneto, não encontraram as oportunidades prometidas, enfrentaram demora e obstáculos para a posse dos lotes e sofreram com fome e doenças, a exemplo das mortes causadas pela varíola nos núcleos de São Caetano e São Bernardo. As diferentes adversidades enfrentadas desencadearam uma série de revoltas e evasões da região (Martins, 1992) 16 . As precárias e desumanas condições de trabalho na indústria mobilizaram operários que formaram grupos de ajuda mútua e se engajarem nas lutas operárias, como as greves de 1906 na fábrica do Ipiranguinha e a de cortadores de pedras em Ribeirão Pires, na década de 1910 (French, 1985, Medici, 1987) 17 . 17 Esse período de lutas de operários imigrantes na região foi muito marcado pelo assassinato do tecelão Constantino Castellani, de apenas 18 anos, pela polícia em 5 de maio de 1919 , enquanto participava de uma manifestação em apoio a greve na fábrica do Ipiranguinha. O fato mobilizou uma série de reações e tornou-se referência nas lutas políticas do início do século XX. Em 2019, no 16 Sobre o núcleo de São Caetano, José de Souza Martins traz alguns dados. Das 70 famílias italianas, dezessete (24,3%) venderam suas terras antes de passados 11 anos de seu recebimento, seis dos quais as venderam menos de 5 anos depois de recebê-las” (Martins, 1992, p. 31). 11
Contudo, além da presença europeia e das disputas decorrentes da industrialização e da urbanização local, outras experiências de trabalhadores e trabalhadoras nacionais foram relevantes no processo de formação social, cultural e política do ABC Paulista. Nesse sentido, é possível recuperar a presença desses grupos na composição da região desde o século XVIII, quando a população habitava a localidade, então conhecida como Borda do Campo. Para o século XIX, registros de modesto crescimento da população com a chegada de mestiços livres, além da vinda de escravizados fugidos de outras localidades (Martins, 1973). Segundo Octaviano Gaiarsa, em 1822 a população da Freguesia de São Bernardo contava com 1.916 habitantes, sendo 864 brancos, 465 pretos e 587 mulatos (Gaiarsa, 1968). Pelos registros, uma quantidade significativa de pessoas se dedicava à pequena agricultura. Havia também a manufatura, representada pelo trabalho de escravizados nas olarias das duas fazendas beneditinas em São Bernardo e São Caetano, onde eram produzidos tijolos, telhas, vasos e outros objetos (Martins 1988a, 1988b) 18 . Em 1874, três anos antes da formação dos núcleos coloniais, a população era de 2.787 habitantes (French, 1985). Em referência ao ofício dos trabalhadores e trabalhadoras nacionais, segundo José de Souza Martins, três eram as principais atividades na freguesia de São Bernardo em meados do século XIX: tropeiros, foreiros e lenhadores (Martins, 1973). A primeira se desenvolvia em torno do Caminho do Mar, com o aluguel de veículos, animais e condutores para transporte de mercadorias, atividade muito utilizada até a construção das ferrovias na região a partir da década de 1860 (Martins, 1973). Por demandar investimentos, a atividade era controlada por indivíduos mais abastados, que realizavam a contratação local dos nacionais (Martins, 1973). A segunda atividade necessitava de menos estrutura e capital, sendo realizada com uma simples carroça, um animal de tração e um curral, espaço 18 Mesmo com o vasto crescimento econômico da indústria na região, a partir do início do século XX, alguns autores reconhecem as olarias como a primeira atividade significativa pelo caráter industrial (Martins 1988a, Staschower, 2023). A produção nas olarias pelos escravizados atingia um mercado intraregional, sendo comercializada em São Paulo, muitas vezes transportada por via fluvial, utilizando canoas que navegam pelo rio Tamanduateí (Martins 1988a, Staschower, 2023). Havia também antes das fábricas um mercado significativo de serrarias no decorrer do século XIX (“O Ciclo das Serrarias em São Bernardo”, disponível em: https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/o-ciclo-das-serrarias-em-sao-bernardo?inheritRedirec t=true . Acesso em 05 de janeiro de 2024. centenário de sua morte, várias atividades culturais e políticas foram organizadas com o intuito de homenagear a memória de Constantino (Costa, 2020). 12
beneficiado pelo caráter de uso comum de algumas partes da terra local, aspecto que será discutido com detalhes mais adiante (Martins, 1973). A extração de lenha era realizada em São Caetano desde o século XVIII 19 (Martins, 1992) e registros da atividade em outras localidades da região. Por exemplo, além do consumo próprio, muitos desses lenhadores, chamados de “caboclos” e habitantes da futura cidade de Mauá, vendiam a lenha em mucutas , conjuntos de madeiras cortadas e amarradas em cipó, que eram mandadas para São Paulo (Medici, 1987). O transporte das mucutas para a capital também era realizado por carreiros, dada a incerteza do trabalho na terra em alguns períodos (Martins, 1973). Podemos observar aqui a sobreposição de atividades antigas e enraizadas, que atendiam a subsistência, mas também integravam relações comerciais e econômicas mais ampliadas. O relatório do engenheiro José de Cupertino Coelho Cintra apresentado ao inspetor geral de terras e colonização Bernardo Augusto Nascente de Azambuja, datado de 2 de setembro de 1876, descreve os futuros núcleos coloniais de Santana, Glória, São Caetano e São Bernardo, os dois últimos localizados nas citadas fazendas da ordem Beneditina. Ao comparar a fazenda de São Bernardo em relação a São Caetano, o documento aponta: “Sobre a qualidade das terras, me parece que se lhes pode aplicar as mesmas considerações que acima fiz, é porém, muito maior, tem ainda restos de grandes mattos, e apesar das terras serem interiores tem muitos moradores, que geralmente se ocupam com a plantação de cereais, e corte de madeira” (Grifos nossos) 20 Pelo relato, confirma-se a atividade do corte de madeira em paralelo à agricultura de subsistência como atividades comuns aos trabalhadores e trabalhadoras nacionais, como apontado anteriormente. Por outro lado, havia também sitiantes em torno das fazendas dos monges beneditinos que em alguns casos não contestavam a permanência, entre os quais de escravizados e recém libertos, mediante cobrança de foro (Martins 1988b) . Em 1871, pela pressão e resistência de escravizados, a ordem beneditina concedeu a liberdade a todos os 20 Fundo Secretaria da Agricultura, Apesp, C.O. 7214. 19 Sobre o corte de madeira, esses trabalhadores, chamados na região de “caboclos”, estavam inseridos em atividade muito comum localmente, que o historiador Jorge Jacobine chama do ciclo das serrarias, com registros das primeiras atividades do corte de lenha desde 1798. “O Ciclo das Serrarias em São Bernardo” disponível em:” https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/o-ciclo-das-serrarias-em-sao-bernardo?inheritRed irect=true . Acesso em 05 de janeiro de 2024. 13
cativos sob seu jugo, posteriormente vendendo suas terras para o Estado (Martins, 1988a). registros também de pequenos proprietários afetados por sesmeiros, além da cobrança de foro que os beneditinos tentaram realizar em algumas propriedades (Martins, 1973) 21 . Com a formação dos núcleos coloniais de São Caetano e São Bernardo em 1877, instalados nas regiões das antigas fazendas beneditinas, a dinâmica da região se modificou progressivamente. Contudo, dada a demora na distribuição dos lotes coloniais, as primeiras levas de imigrantes padeceram de pobreza profunda, como indicado acima. Mesmo com a obtenção do lote, muitos não lograram sucesso na produção agrícola por várias razões. A plantação de uva para a fabricação de vinho em São Caetano, por exemplo, foi a primeira atividade que teve breve rentabilidade mas acabou afetada pela propagação de pragas (Martins, 1973, 1992). O corte de lenha realizado pelos nacionais era tido como atividade marginal, socialmente rebaixada, sinal de decadência. Porém, a situação extremamente precária de muitos imigrantes obrigou que, em busca de sobrevivência, se voltassem também para essa a atividade (Martins, 1973, 1992 , Barbosa, 1975) Um desses exemplos é o caso de Francesco Bortoloni, proprietário do lote colonial n°30, denunciado em 1880 por não utilizar o terreno e realizar corte de madeira em propriedade de terceiros (Martins, 1973, Santos, 1992) 22 . As disputas entre nacionais e imigrantes nos núcleos coloniais e nas proximidades redundaram em hostilidades. Em 1881, habitantes de São Bernardo reclamaram à câmara de São Paulo sobre a construção de um Moinho pelo imigrante italiano Palharini Veneri, que obstruía a vida da população ao impedir o acesso às águas de um afluente do Tamanduateí (Santos, 1992). A câmara municipal apoiou Palharini Veneri, desconsiderando o uso comum de certas áreas da freguesia (Martins, 1973). Dois anos depois, em janeiro de 1883, a propriedade de Palharini foi ocupada e um grande grupo de homens e mulheres destruíram os 22 Em ofício de 4 de Dezembro de 1879, respondendo aos pedidos de realização de aberturas e manutenção de estradas pelos colonos de São Bernardo, o engenheiro Leopoldo José da Silva, encarregado do núcleo, diz não serem necessárias tais obras. O autor ainda afirma que os pedidos foram assinados, entre outros, por indivíduos que não são do núcleo colonial e alguns colonos que não estão produzindo em seus lotes e que “querem derrubar e entregar-se à vendagem somente da madeira existente em seus lotes”. Ofício N°680, Fundo Secretaria da Fazenda, Apesp, C.O. 7216. 21 Ainda em 1854 a Câmara Municipal atendeu o pedido de uma moradora de São Bernardo que julgou o campo como local público para moradores e foreiros. Negando o apelo de foro dos monges beneditinos, essa interpretação se baseou na sesmaria que delimitava o campo para o pasto concedida a Amador de Medeiros pelo Capitão de São Vicente em 1571 (Martins, 1973). 14
cercamentos feito pelo colono que bloqueavam o acesso ao rio 23 . Por outro lado, muitos colonos tiveram desavenças com proprietários antigos da região, a exemplo do ocorrido com Samuel Mesquita, envolvido em brigas constantes dos italianos com os funcionários de suas olarias (Martins, 1992). Ademir Medici recolheu depoimentos de moradores antigos da cidade de Mauá, em sua maioria imigrantes europeus e descendentes que relataram hostilidades entre imigrantes e nacionais. Membros da família Cyrillo e Fiorellini, por exemplo, diziam ter comprado as terras que possuíam na região no início do século XX de Brasileiros. Segundo o autor, por um preço baixo, 400 mil réis, que supostamente os donos não davam valor para as terras. Teria sido comum na época, aponta o relato, afirmar “que os proprietários vendiam suas terras a troco de uma garrafa de pinga, um lenço vermelho e um chapéu largo” (Medici, 1987, p. 75). A afirmação reproduz estereótipos apontados anteriormente, associando grupos de nacionais à ignorância com o relato de comércio da terra em trocas irrisórias como bebidas e adereços. A suposta passividade e ignorância dos trabalhadores e trabalhadoras nacionais perante a propriedade rural permite questionar a veracidade do relato, sobretudo pela centralidade do trabalho na pequena agricultura e nas atividades extrativistas correlatas. A dimensão dos conflitos então existentes pode ser dimensionada a partir de evento ocorrido em São Caetano em 1883 e analisado em diferentes oportunidades por José de Souza Martins (Martins, 1973, 1992, 2015). Além do material coligido e analisado por Martins, acrescentamos informações coletadas no jornal A Província de São Paulo e procuramos observar os fatos descritos sob a ótica dos nacionais e da noção de moral popular, como antecipado na introdução. O evento em questão foi assim reportado na edição de 05 de abril de 1883 de A Província de São Paulo 24 Fato Revoltante No dia do corrente ano foi na localidade de S.Caetano, assaltado o sítio do sr. dr. Paulo Hamelin, por uma phalenga (sic) de vagabundos que, sem causa alguma justificativa , invadiu aquela propriedade, levando na frente desfraldada uma insígnia representada por uma vara com um lenço de tabaco na ponta: foi debaixo de tão significativo emblema, que essa chusma, dando pasto 24 A mesma reportagem foi reproduzida no jornal Correio Paulistano . Disponível em: http://memoria.bn.br/pdf/090972/per090972_1883_07969.pdf . 23 Ofício do subdelegado João Antonio de Camargo para o il.mo Ex.mo Sr Dr Chefe de Polícia da Capital , 2 de Abril de 1883. Fundo SSP Polícia, APESP, CO 2623. 15
às iras que lhe acendia o álcool, quebrou uma porteira, entupiu vallos e demoliu uma casa. levando sua audácia ao ponto de intimar um empregado do sítio que se retira-se quanto antes com sua família da casa que ocupava, dando-lhe d’isso conhecimento sem perda de tempo, a fim de continuar ella na sua obra de demolição. Pasma tão estupendo e vandálico ataque à propriedade particular, cometido em um subúrbio da capital da província de S. Paulo, por uma horda de vadios, intitulando-se “povo que exerce sua soberania”! É com pesar que registramos tão triste acontecimento; e, se o fazemos, é com o único fim de inteirar o público e as autoridades, do perigo que todos corremos: pedindo a estas uma desafronta aos foros de civilização de que gosa esta capital, e aquele, que se acautele contra semelhantes agressões, que visam roubar a garantia ao proprietário, menosprezando a lei e ameaçando a paz do lar doméstico. S. Paulo, 4 de abril de 1883” (Grifos nossos) 25 O relato da revolta não descreve fisicamente os seus atores. Contudo, é possível inferir a partir do vocabulário empregado: vagabundos, chusma, vadios , adjetivos que fazem referência direta aos estereótipos associados aos grupos nacionais, como apontado anteriormente. Cabe destacar que não havia equivalência com a linguagem utilizada para descrever revoltas protagonizadas por imigrantes no mesmo período e local 26 . Além disso, a simbologia descrita, vara com o lenço de tabaco na ponta , pode ser associada a elementos da bandeira imperial, sugerindo a identificação como brasileiros, inclusive pelos dizeres povo que exerce sua soberania ”. Por outro lado, é possível também analisar mais detidamente a passagem sem causa alguma justificativa” . José de Souza Martins aponta para como a noção de terra na região se modificou após a implantação da Lei de Terras em 1850. Lembra o sociólogo, que desde o século XVI a terra era vista como um bem comum, inclusive com respaldo jurídico no caso do campo, de modo a assegurar o pasto para animais (Martins, 1973, 1992). 26 José de Souza Martins compara essa notícia com outra, de 1878, postada no Diário de São Paulo , na qual grupos de imigrantes se rebelaram em reação às péssimas condições que viviam no núcleo Colonial de São Caetano (Martins, 1992). Na reportagem, não são atribuídos aos revoltosos adjetivos negativos relacionados a vadiagem, desordem ou algo similar. Registra em tom de denúncia a situação precária, indicativo da maneira como os imigrantes eram vistos pelas elites paulistas. O evento atraiu, inclusive, a atenção do presidente da câmara de São Paulo e inspetor do sistema de imigração Antônio da Silva Prado, que compareceu ao núcleo e prestou ajuda aos colonos (Martins, 1992). 25 A Província de São Paulo , 05 de abril de 1883, p. 1. Disponível em https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18830405-2412-nac-0001-999-1-not . Acesso em 29 de setembro de 2023. 16
Após a implantação da lei, mesmo alguns posseiros possuindo o registro de terras, grandes proprietários da região, como Hermann Juncker e o próprio Paulo Harmelin passaram a negociar várias parcelas do território, impondo perdas a muitos nacionais (Martins, 1992). Hamelin, por exemplo, engenheiro de família nobre, desfrutava de elevado prestígio social e afirmava que havia comprado as terras de Antônio Maria no chamado sítio do Moinho Velho, região posteriormente anexada à capital (Martins, 2015). Um elemento que contribui para elucidar essa revolta pode ser encontrado nos apontamentos de E.P. Thompson, em suas análises sobre as revoltas camponesas na Inglaterra pré-industrial. Trata-se do conceito de Economia Moral que, como indicado na introdução, aborda a quebra de acordos antigos e informais estabelecidos pela população nacional a respeito dos territórios de uso comum da freguesia e proximidades, como o campo para pasto. Além disso, a produção nas pequenas propriedades e atividades extrativistas realizadas por nacionais “caboclos”, libertos ou ainda escravizados nas posses beneditinas, formavam um pequeno mercado de subsistência local. Com a venda das terras beneditinas e com a implantação da Lei de Terras, a noção de uso comum permaneceu na cultura da população camponesa, mas em conflito com a crescente quebra do consenso implícito, perante a perda do acesso com a chegada dos colonos europeus. Portanto, mais que mera reação às perdas, identifica-se também a reivindicação da legitimidade dos acordos informais estabelecidos previamente. A quebra de pactos implícitos contribui para explicar a ênfase dos revoltosos na perda de soberania, como apontado acima. Tais eventos podem ser visto como elos de uma cadeia: além da citada quebra dos cercamentos para beneficiar o moinho do colono Palharini Veneri, outra nota na mesma edição de 05 de abril de 1883 27 indica que situação semelhante teria ocorrido pouco tempo antes nas terras de Gracia Amzalak, moradora do Cambuci 28 . 28 Em 06 setembro de 1882, o jornal O Estado de São Paulo denunciava que, na madrugada do dia 05, a propriedade de Gracia Amzalak, localizada na antiga colônia da Glória, havia sido invadida e depredada por uma “legião de canibais enfurecidos . Os invasores quebraram por volta de 240 metros de cercamento e causaram danos em pequena caserna que a proprietária havia estabelecido naquele local, quase a demolindo completamente. “Ato de Vandalismo”. A Província de São Paulo, 06 de Setembro de 1882, p.2. Disponível em 27 A Província de São Paulo , 05 de abril de 1883, P. 2. Disponível em https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18830405-2412-nac-0002-999-2-not . Acesso em 29 de setembro de 2023. 17
Desse modo, a questão do direito à terra ressurge quando o ocorrido de de abril é retomado na edição do dia 21 do mesmo mês Direito de Propriedade cerca de quinze dias noticiamos a violência que havia sido vítima em sua casa, em S. Caetano, o dr Hamelin. Uma horda de desordeiros e malfeitores açulados por alguém que se esconde, e com o estúpido pretexto de reivindicar a tiro os logradouros publicos que dizem usurpados por terceiros , atacou a propriedade d’aquelle cavalheiro - devastando cercas e porteiras e destruindo completamente uma casa à qual deitaram fogo. Deram ao feitor, por causa da família, o prazo de oito dias para se mudarem, devendo, disseram eles, avisar logo que a mudança se efectuou a um dos malfeitores, cujo nome deram, para voltarem a completar a sua obra de destruição. Este facto deu-se aqui em S.Caetano, quase dentro da cidade. Narramos o facto e chamávamos para ele a atenção do sr. dr. chefe de polícia, pois que é realmente revoltante em um centro civilizado e que paga bem cara a sua polícia, vêr desrespeitada e saqueada a propriedade alheia - sem que se lhe siga o prompto e immediato correctivo. Correm agora boatos de novas tentativas; não sabemos, porém, até hoje, de medida alguma tomada neste sentido, e o dr. Hamelin e sua família, sob a ameaça de ver voltar os bandidos, vive assustado e sem confiança na proteção que tem o direito de esperar para si e para sua propriedade. Consta-nos que mais de uma vez tem sido mandada tropa para S. Caetano, por denuncia de novo assalto. Quer-nos parecer, porém, que o proceder da polícia deveria ser outro - assim sujeita-se a uns repetidos passeios que podem ser muito higiênicos para as praças, mas que de modo algum garantem a propriedade do dr. Hamelin. Pois não saberá ainda a polícia o nome desses desordeiros? talvez a vítima possa fornecer-lhe alguns, quantos bastem para as lhe cahir em cima com todo o peso da lei - mas logo sem delongas nem contemplações, de modo a dar um exemplo prompto e efficaz, que torne, de uma vez por todas, uma realidade na capital da província de S. Paulo, o que parece que por convenção se chamou até hoje - direito de propriedade.” (Grifos iniciais nossos) 29 A notícia introduz novos elementos e perspectivas sobre os fatos narrados. A parte grifada qualifica a invasão da propriedade como estupido pretexto de reivindicar” o acesso a área de interesse público e contrasta ostensivamente com o direito atribuído ao proprietário. Além disso, indica a perda do território por terceiros, 29 A Província de São Paulo , 21 de abril de 1883, p. 2. Disponível em https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18830421-2426-nac-0002-999-2-not . Acesso em 07 de março de 2024. https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18820906-2242-nac-0002-999-2-not . Acesso em 14 de agosto de 2024. 18
enfatizando a ideia da prevalência do direito de propriedade sobre os usos antes costumeiros. Um ano depois, na edição do dia 26 de abril de A Província de São Paulo , uma nota retorna o caso às páginas do jornal, indicando a acusação de 34 pessoas, defendidas pelos advogados Carlos Garcia e Evaristo Costa, que assinam o comunicado. O documento é vago na descrição dos acusados, apontando a condição de pobreza e destacando que as seguidas audiências e perseguições jurídicas significavam “a penúria, o sofrimento, as privações, visto não poderem trabalhar, e ser o seu trabalho cotidiano o único recurso de que dispõem” 30 . Segundo José de Souza Martins, sem elucidar em detalhes as fontes, as 34 pessoas foram descritas como “pobres lavradores e jornaleiros” pelo advogado Carlos Garcia (Martins, 2015). Para Martins, a defesa assumida pelos dois advogados teve como pano de fundo disputas políticas nas elites paulistas, que Hamelin era membro do Partido Conservador, enquanto Garcia era político republicano (Martins, 2015). Os advogados realizaram uma investigação sobre a veracidade da posse de algumas partes da região do Moinho Velho sob a propriedade de Hamelin (Martins, 2015) 31 . Garcia averiguou que o território havia sido adicionado em um complexo processo de compra e venda de sesmarias e a região do conflito, tida como terras de “bem comum”, fora equivocadamente anexada (Martins, 2015) 32 . Desse modo, um interessante comentário dos advogados foi incluído na nota de 29 de abril: Os acusados nunca pensaram em negar que destruíram os vallos (sic) que o dr Hamelin acabava de fazer nesses terrenos. Foi um acto consciente , o que praticavam: vendo um dia cercados esses terrenos, que eram de propriedade do estado e de uso e gozo das particulares, e de cujo uso e gozo elles acusados por tantos annos se serviram ; achando cortada por esses vales até a própria estrada que vae de S.Caetano à estrada de Santos; usaram de meio, unico que 32 A Província de São Paulo , 29 de abril de 1884, p.1. Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840429-2731-nac-0001-999-1-not . Acesso em 05 de abril de 2024. 31 A Província de São Paulo , 29 de abril de 1884, p.1. Disponível em https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840429-2731-nac-0001-999-1-not . Acesso em 05 de abril de 2024. 30 A Província de São Paulo , 26 de abril de 1884, p. 2. Disponível em https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840426-2729-nac-0002-999-2-not . Acesso em 05 de abril de 2024. 19
na occasião tinham , destruiram os vallos, repondo as cousas em seu estado anterior (por exemplo) 33 A consciência e a deliberação do ato nas supostas propriedades de Paulo Hamelin demonstram a execução de uma economia moral , assentada na prerrogativa de uso das terras por vários anos e o conhecimento que dispunham de seu caráter público. Em seu conjunto, tais elementos contribuem para corroborar o argumento aqui desenvolvido, acerca da condição de nacionais daqueles que por longo tempo utilizavam a terra e conheciam o caráter público de acesso àquele território. Afinal, os imigrantes haviam se fixado na região menos de seis anos e não dispunham dos elementos que embasavam a atuação e reivindicação dos grupos nacionais. O caso não retornou para as páginas do jornal A Província de São Paulo e deixou de ser do conhecimento geral (Martins, 2015). A última notícia a respeito foi publicada por meio de nota do dia 28 de junho de 1884. Nela, os advogados de defesa obtiveram o adiamento do julgamento, dada a ausência de testemunhas chaves presentes na sessão do dia anterior 34 . Em 21 de julho de 1888, Paulo Hamelin faleceu no Rio de Janeiro, vítima de um acidente na estrada de ferro Pedro II (Martins, 2015). O caso abordado indica como a terra era elemento decisivo para essa categoria da classe trabalhadora, constituindo-se, portanto, como fundamental para o processo de fazer-se (Savage, 2011). Não era apenas importante pelo modo de vida e sustento, como as relações comerciais praticadas no Caminho do Mar, conforme analisado anteriormente. O uso comum de partes do território da Freguesia de São Bernardo era ponto de referência no estabelecimento de acordos e compartilhamento de experiências, tendo sido a ação contra a propriedade de Paulo Hamelin um meio de afirmação coletiva desses fundamentos. O evento somou-se ao conjunto das tensões entre nacionais e imigrantes e sua análise permite desvendar como a região, muito antes da industrialização plena, desenvolvia relações sociais, culturais e políticas complexas. Aponta, ainda, como categorias de uma classe trabalhadora em constante “fazer-se” tem sido 34 A Província de São Paulo , 28 de junho de 1884, p.2, disponível em https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840628-2780-nac-0002-999-2-not . Acesso em 05 de abril de 2024. 33 A Província de São Paulo , 29 de abril de 1884, p.1. Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18840429-2731-nac-0001-999-1-not . Acesso em 05 de abril de 2024. 20
desdenhada no processo de construção da memória e história local, a exemplo dos trabalhadores e trabalhadoras nacionais analisados ao longo do artigo. Considerações finais A região de municípios paulistas conhecida como ABC Paulista tem um longo histórico de experiências políticas dos trabalhadores e trabalhadoras. Mas sua memória e história mais evidenciada reteve uma construção centrada no processo de industrialização e urbanização, frutos da expansão econômica do século XX, referenciada sobretudo na prevalência da mão de obra imigrante. Em decorrência, firmou-se uma versão “triunfalista” do progresso caudatário da imigração europeia na região. Concepção enraizada que transita de figuras míticas, como a do quinhentista João Ramalho, desbravador português que supostamente teria iniciado o marco civilizatório local com a fundação da Vila de Santo André da Borda do Campo, até o imigrante europeu colonizador idealizado, detentor do trabalho honesto e do progresso. Contudo, como argumentou-se ao longo do artigo, outros personagens históricos estiveram presentes, ainda que silenciados e invisibilizados na historiografia. Trabalhadores e trabalhadoras nacionais, no contexto paulista do século XIX, eram categorias ativas da classe trabalhadora. A partir de dinâmicas econômicas, culturais e sociais próprias, desenvolveram uma rica e complexa rede de relações sociais e políticas. Como observamos, no interior da Freguesia, posterior município de São Bernardo que aglutinaria as futuras cidades do ABC Paulista, esses nacionais elaboraram códigos e estratégias próprias de cotidiano e sobrevivência por meio do trabalho na pequena agricultura, no extrativismo de madeira, na economia de subsistência, integrados aos ciclos econômicos de seu entorno. Mesmo com a maciça política em torno da imigração e o fortalecimento de estereótipos raciais negativos, observamos sua capacidade de resistência e reivindicação, conforme o exemplo analisado a partir da revolta de 05 de abril de 1883. Referências ALMEIDA, C. C. T. de. O grande ABC paulista: o fetichismo da região. 2008. 336f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - USP, São Paulo. 21
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