V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
A
NECESSÁRIA
AUTO-ORGANIZAÇÃO
DA
JUVENTUDE
TRABALHADORA
CONTRA
A
OFENSIVA
NEOLIBERAL
NA
AMÉRICA
LATINA
1
Andréa
Wahlbrink
Padilha
da
Silva
2
Resumo
Neste
artigo,
propõe-se
analisar
os
desafios
da
juventude
da
classe
trabalhadora
na
sociedade
capitalista,
compreendendo
a
atualidade
da
ofensiva
neoliberal
no
território
latino-americano.
Tem-se
como
método
de
análise
o
materialismo
histórico
e
dialético,
em
colaboração
com
análise
documental
e
entrevistas
semiestruturadas
a
partir
da
pesquisa
com
quatro
organizações
políticas
da
juventude.
Este
estudo
proporcionou
uma
maior
reflexão
acerca
da
posição
da
juventude
perante
as
condições
de
produção
capitalista
e
as
necessidades
de
(re)pensar
os
espaços
urbanos
e
a
emergência
de
um
projeto
de
direito
à
cidade
como
um
bem
público
e
universal.
Nesse
sentido,
faz-se
necessário
problematizar
a
importância
da
auto-organização
da
juventude
trabalhadora
como
um
instrumento
potencializador
de
transformação
radical
da
vida
nas
cidades.
Palavras-chave
:
Neoliberalismo;
Juventude
trabalhadora;
Auto-organização.
LA
AUTOORGANIZACIÓN
NECESARIA
DE
LA
JUVENTUD
TRABAJADORA
CONTRA
LA
OFENSIVA
NEOLIBERAL
EN
AMÉRICA
LATINA
Resumen
En
este
artículo,
se
propone
analizar
los
desafíos
de
la
juventud
de
la
clase
trabajadora
en
la
sociedad
capitalista,
comprendiendo
la
actualidad
de
la
ofensiva
neoliberal
en
el
territorio
latinoamericano.
Se
tiene
como
método
de
análisis
el
materialismo
histórico
y
dialéctico,
en
colaboración
con
análisis
documental
y
entrevistas
semiestructuradas
a
partir
de
la
investigación
con
cuatro
organizaciones
políticas
de
la
juventud.
Este
estudio
proporcionó
una
mayor
reflexión
acerca
de
la
posición
de
la
juventud
ante
las
condiciones
de
producción
capitalista
y
las
necesidades
de
(re)pensar
los
espacios
urbanos
y
la
emergencia
de
un
proyecto
de
derecho
a
la
ciudad
como
un
bien
público
y
universal.
En
este
sentido,
es
necesario
problematizar
la
importancia
de
la
autoorganización
de
la
juventud
trabajadora
como
un
instrumento
potencializador
de
transformación
radical
de
la
vida
en
las
ciudades.
Palabras
clave:
Neoliberalismo;
Juventud
trabajadora;
Autoorganización.
THE
NECESSARY
SELF-ORGANIZATION
OF
WORKING
YOUTH
AGAINST
THE
NEOLIBERAL
OFFENSIVE
IN
LATIN
AMERICA
Abstract
In
this
article,
the
proposal
is
to
analyze
the
challenges
of
the
working-class
youth
in
capitalist
society,
understanding
the
current
nature
of
the
neoliberal
offensive
in
Latin
American
territory.
The
method
of
analysis
is
the
dialectical
and
historical
materialism,
in
collaboration
with
documentary
analysis
and
semi-structured
interviews
based
on
research
with
four
youth
political
organizations.
This
study
provided
a
greater
reflection
on
the
position
of
youth
in
the
conditions
of
the
capitalist
production
and
the
need
to
(re)think
urban
spaces
and
the
emergence
of
a
project
for
the
right
to
the
city
as
a
public
and
universal
good.
In
this
sense,
it
is
necessary
to
problematize
the
importance
of
the
self-organization
of
the
working
youth
as
an
instrument
that
enhances
the
radical
transformation
of
life
in
cities.
Keywords
:
Neoliberalism;
Working
Youth;
Self-organization.
2
Doutora
em
Educação
pela
Universidade
Federal
do
Rio
Grande
do
Sul
(UFRGS)
-
Brasil.
Desenvolve
estudo
de
pós-doutorado
em
Educação,
com
bolsa
CAPES,
no
Programa
de
Pós-graduação
em
Educação
da
Universidade
de
Caxias
do
Sul
(PPGEDU/UCS),
Rio
Grande
do
Sul
-
Brasil.
E-mail:
andreawahlbrink@hotmail.com
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8575862926726892
.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-4105-1301
.
1
Artigo
recebido
em
08/05/2024.
Primeira
Avaliação
em
05/08/2024.
Segunda
Avaliação
em
04/10/2024.
Aprovado
em
21/10/2024.
Publicado
em
05/12/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.62910
1
Introdução
Considerando
a
temática
proposta
para
o
nº
49
da
edição
da
revista
e
a
partir
da
inserção
acadêmica
da
autora
no
desenvolvimento
de
pesquisas
no
campo
da
juventude
3
(Silva,
2022),
em
especial
na
área
do
trabalho,
educação
e
movimentos
sociais,
neste
artigo,
propomos
contextualizar
as
implicações
sobre
a
atualidade
da
ofensiva
neoliberal
no
Brasil
em
articulação
com
o
território
latino-americano,
e
os
desafios
encontrados
pela
juventude
trabalhadora
no
desenvolvimento
de
uma
práxis
organizativa
e
emancipadora
no
âmbito
das
lutas
sociais
e
nos
processos
coletivizadores
da
ação
juvenil.
As
problematizações
abordadas
neste
texto
fazem
parte
dos
resultados
de
uma
pesquisa
de
doutoramento
que
buscou
analisar
os
aspectos
educativos
das
organizações
políticas
de
juventude
4
,
em
especial
quatro
reconhecidas
organizações
presentes
em
todo
o
território
nacional,
a
saber:
União
da
Juventude
Comunista
(UJC),
União
da
Juventude
Socialista
(UJS),
Levante
Popular
da
Juventude
(Levante)
e
Juntos.
A
motivação
da
escolha
das
organizações
de
juventude
pesquisadas
decorre
da
importância
das
mesmas
no
contexto,
e
na
temporalidade
ao
qual
a
pesquisa
foi
desenvolvida.
Na
ocasião,
as
quatro
organizações
encontravam-se
presente
em
todos
os
Estados
brasileiros,
nas
médias
e
grandes
cidades,
e
com
uma
atuação
muito
presente
no
movimento
de
massas.
Tais
escolhas,
não
descartam
a
importância
de
outras
organizações
políticas
da
juventude
que
não
foram
diretamente
analisadas,
mas
que
compõem
o
escopo
das
lutas
sociais
juvenis.
Entendendo
que
todas,
em
sua
diversidade,
ocupam-se
em
compreender
e
organizar
politicamente
a
juventude
brasileira.
Destaca-se
que
as
quatro
organizações
da
juventude
pesquisadas,
correspondem
aquilo
que
é
considerado
como
o
‘braço
juvenil’
de
partidos
políticos
e
4
Quando
mencionamos,
no
decorrer
do
texto,
“movimentos
de
juventude”,
“organizações
de
juventude”
ou
“auto-organização
da
juventude”,
referimo-nos
aos
coletivos
políticos
de
jovens.
Estes
são
instrumentos
de
auto-organização
da
ação
juvenil
como
a
União
da
Juventude
Comunista
(UJC),
a
União
da
Juventude
Socialista
(UJS),
o
Levante
Popular
da
Juventude
(Levante)
e
Junto,
entre
outros
que
não
foram
estudados
durante
a
pesquisa,
mas
fazem
parte
de
um
apanhado
histórico
de
instrumentos
de
auto-organização
cunhados
por
sujeitos
jovens,
como
as
entidades
representativas
estudantis
como
a
União
Nacional
dos
Estudantes
(UNE)
e
a
União
Brasileira
dos
Estudantes
Secundaristas
(UBES).
3
As
análises
contidas
no
artigo
fazem
parte
das
reflexões
desenvolvidas
na
tese
de
doutorado
em
Educação,
intitulada:
“A
pedagogia
da
juventude:
uma
reflexão
sobre
a
dialética
da
práxis
do
movimento
de
juventude”
2
movimentos
sociais
populares,
ou
melhor
dizendo;
coletivos
juvenis
que
integram
a
estratégia
política
e
organizativa
de
partidos
e
movimentos
sociais
naquilo
que
compõem
a
diversidade
da
esquerda
brasileira.
Sendo
eles:
UJC
do
Partido
Comunista
Brasileiro
(PCB),
a
UJS
do
Partido
Comunista
do
Brasil
(PCdoB),
o
Levante
Popular
da
Juventude
da
Consulta
Popular
(CP),
e
o
Juntos
do
Partido
Socialismo
e
Liberdade
(PSOL).
A
pesquisa
contou
com
a
análise
de
documentos
e
entrevistas
semiestruturadas,
ancoradas
na
análise
de
conteúdo
(Bardin,
1977)
e
no
procedimento
de
triangulação
de
dados
(Triviños,
1987).
Os
documentos
estudados
foram:
estatutos,
resoluções,
cartas,
manifestos,
cartilhas,
boletins,
jornais,
artigos,
vídeos,
podcast,
redes
sociais,
materiais
gráficos
e
digitais,
totalizando
168
documentos
e
oito
entrevistas,
sendo
dois
entrevistados
para
cada
organização
de
juventude.
Apresentamos
dados
parciais
das
análises,
em
específico
as
que
se
relacionam
aos
desafios
da
juventude
trabalhadora
e
ao
mundo
do
trabalho.
As
análises
produzidas
no
decorrer
deste
estudo
fundamentam-se
nos
pressupostos
teóricos
e
metodológicos
do
Materialismo
Histórico
e
Dialético
de
compreensão
de
pesquisa,
como
modo
de
pensar
as
contradições
da
realidade,
investigar
e
interferir
no
mundo
como
essencialmente
contraditório
e
permanentemente
em
transformação
(Konder,
2008).
Em
colaboração
com
os
estudos
sobre
a
juventude
(Mannhein,
1968;
Margulis;
Urresti,
1996),
neoliberalismo
(Antunes,
2018;
Chauí,
2020;
Katz,
2016),
a
questão
urbana
e
o
direto
à
cidade
(Castels,
1983;
Harvey,
2013;
Vainer,
2002),
e
a
Teoria
Marxista
da
Dependência
(Bambirra,
1992;
Marini,
2005;
Traspadini,
2016).
O
movimento
da
investigação
exposta
foi
realizado
na
possibilidade
de
apresentar
algumas
problematizações,
fundamentadas
na
investigação
das
quatro
organizações
políticas
da
juventude
pesquisadas,
em
relação
às
problemáticas
e
às
contradições
da
atualidade
da
ofensiva
neoliberal
no
contexto
brasileiro
em
articulação
com
o
território
latino-americano
na
sua
relação
entre
a
totalidade
e
as
múltiplas
dimensões
da
condição
da
juventude
trabalhadora
na
construção
de
um
projeto
de
auto-organização
da
sua
ação
política
e
educativa
no
tecido
social.
Considerando
as
implicações
da
categoria
juventude
em
nosso
momento
histórico
e
na
sua
relação
com
a
construção
do
tecido
social,
representa
compreendê-la
com
profundidade
e
articulada
aos
diferentes
contextos
sociais,
3
políticos,
históricos,
econômicos
e
culturais
que
permeiam
a
totalidade
dessa
posição
social
no
desenvolvimento
da
sociedade
capitalista.
Na
expressão
da
construção
dessa
categoria,
que
ganhou
demarcado
lugar
de
posição
social
principalmente
a
partir
do
século
XX,
da
qual
se
forjam
algumas
das
concepções
sobre
juventude
que
ainda
hoje
estão
presentes
em
nosso
cotidiano
em
consonância
com
o
desenvolvimento
das
forças
produtivas
capitalistas
e
da
classe
trabalhadora.
A
juventude
como
uma
categoria
historicamente
construída
a
partir
de
uma
abordagem
dialética
corresponde
a
uma
totalidade
social,
permeada
por
diversidades,
em
uma
posição
geral
e
particular
das
condições
materiais
objetivas
de
cada
jovem
em
sua
relação.
Podemos
afirmar
que
não
é
possível
analisarmos
a
juventude
de
forma
homogênea,
mas,
sim,
com
particularidades
e
singularidades,
que
podem
ser
de
classe,
de
raça,
de
gênero,
de
sexualidade,
entre
outras.
Mesmo
que
a
juventude
em
sua
compreensão
ampla
corresponda
à
mesma
fase/etapa
da
vida
–
biológica
e
social
–,
para
o
conjunto
desses
jovens
em
sociedade,
a
juventude
como
uma
posição
na
esfera
social
representa
uma
etapa
da
vida
determinada
por
uma
moratória
vital
e
social,
segundo
Margulis
e
Urresti
(1996).
O
exercício
dessa
condição
social
determinada
pela
moratória
em
uma
sociedade
marcada
por
extremas
desigualdades
sociais
como
a
nossa
estará
amplamente
legitimado
para
poucos.
Ainda
mais,
é
possível
dizer
que
a
juventude,
como
uma
condição
construída
socialmente,
carrega
em
si
as
propriedades
e
as
ligações
que
são
próprias
e
singulares
do
tempo
e
do
lugar
de
sua
existência,
em
conexão
com
formas
distintas
de
viver
a
condição
juvenil,
como
é
o
caso
da
juventude
trabalhadora,
articuladas
a
características
comuns,
no
geral,
que
denominam
os
jovens
socialmente.
Assim,
nos
afastamos
de
uma
visão
abstrata,
generalista,
essencialista
e
fragmentada
desses
sujeitos,
compreendendo
que
a
constituição
da
juventude
na
sociedade
de
classe
é
atravessada
pela
materialidade
que
os
constituem
em
coletividade
no
movimento
da
contradição.
A
partir
dessa
compreensão
de
juventude,
destacamos
o
papel
histórico
da
juventude
trabalhadora
como
uma
força
social
em
movimento
e
do
lugar
destacado
das
gerações
nos
processos
da
formação
social
e
política
da
sociedade
–
no
desenvolvimento
coletivo
de
sua
ação
juvenil,
na
direção
de
entender
e
intervir
nas
4
contradições
societárias
em
curso.
Para
a
abordagem
deste
artigo,
destacamos
principalmente
a
força
da
coletividade
dos
jovens,
que,
na
ação
auto-organizada
em
movimentos
políticos,
ocupam
espaços
de
representação
e
mobilização
da
condição
juvenil.
Relacionando
as
forças
políticas
dos
movimentos
de
juventude
no
desafio
da
organização
da
juventude
trabalhadora.
Assinalamos
a
auto-organização
(Lenin,
2017;
Pistrak,
2013)
como
uma
possibilidade
histórica
de
um
instrumento
de
organização
da
classe
trabalhadora.
Ela
se
dá
por
meio
de
experiências
de
agrupamentos
e
de
coletivos
em
torno
de
espaço
de
construção
da
coletividade,
de
reflexão,
de
estudo,
de
mobilização
e
da
ação
da
organização
do
pensar
e
do
fazer
político
dos
mais
diversos
sujeitos
oriundos
da
classe
que
vive
do
seu
trabalho.
Este
artigo,
além
desta
introdução,
está
dividido
em
mais
duas
seções,
seguidas
das
conclusões.
Na
próxima
seção,
apresentamos
o
contexto
da
ofensiva
neoliberal
na
América
Latina,
ancoradas
nos
estudos
da
Teoria
Marxista
da
Dependência,
como
uma
possibilidade
de
compreensão
a
partir
de
uma
leitura
de
nosso
território.
Na
sequência,
abordamos
a
questão
urbana
e
o
direito
à
cidade
e
a
necessidade
de
construção
de
processos
de
auto-organização
da
juventude
trabalhadora
contra
a
barbárie.
A
ofensiva
neoliberal
e
a
juventude
trabalhadora
latino-americana
A
crise
hegemônica
do
capital
na
atualidade
do
contexto
da
ofensiva
neoliberal
produz
mudanças
significativas
no
mundo
do
trabalho,
causando
um
impacto
ainda
mais
profundo
nas
condições
de
vida
do
conjunto
da
juventude
da
classe
trabalhadora,
que
enfrenta
o
desemprego
e
a
informalidade,
o
trabalho
precarizado
e
terceirizado,
o
empobrecimento,
além
da
perda
de
poucos
direitos
sociais
adquiridos.
É
justamente
a
juventude,
a
maior
parcela
da
sociedade,
que
se
encontra
nessa
realidade.
Segundo
o
Censo
de
2022
–
Pesquisa
Nacional
por
Amostra
de
Domicílios
Contínua
–
do
Instituto
Brasileiro
de
Geografia
e
Estatística
–
IBGE
(DESEMPREGO
[...],
2024),
o
Brasil
possui
uma
média
de
8,5
milhões
de
desempregados,
uma
porcentagem
de
7,8%
da
população
economicamente
ativa.
Contudo,
esse
índice
é
ainda
maior
entre
os
mais
jovens,
pois
a
taxa
de
desocupação
entre
brasileiros
com
idade
entre
18
e
24
anos
é
de
18%
mais
que
o
5
dobro
da
média
nacional
(Pilar,
2023).
Vale
ressaltarmos
que
esses
números
ainda
podem
ser
maiores,
se
considerarmos
a
flexibilização
do
trabalho
e
o
ideário
do
empreendedorismo
com
o
regime
de
Microempreendedor
Individual
(MEI)
como
forma
de
registro
dos
índices
dos
postos
de
trabalhos
ativos
no
país.
O
avanço
do
neoliberalismo
e
a
intensificação
da
exploração
nos
territórios
dependentes
da
América
Latina
ganham
contornos
específicos
no
arranjo
do
capital
globalizado,
agudizando
as
marcas
do
processo
de
constituição
de
nossa
formação
social
sob
o
capitalismo.
A
categoria
de
superexploração
da
força
do
trabalho
e
da
transferência
de
valor/riqueza
como
fundamento
dessa
totalidade
integrada
e
dependente
de
capitais
em
um
contexto
mundial
de
seu
sistema
de
produção,
desenvolvida
por
estudiosos
da
teoria
Marxista
da
Dependência
(TMD),
como
Marini
(2005)
e
Bambirra
(1992),
demonstram
as
formas
dessa
expropriação,
contidas
no
baixíssimo
valor
do
pagamento
da
força
de
trabalho
e
na
elevada
e
prolongada
jornada
de
trabalho,
dentro
dos
marcos
formais
vigentes,
como
o
tipo
de
capitalismo
produzido
em
nosso
território.
Se
analisarmos
as
condições
materiais
de
existência
da
juventude,
podemos
facilmente
perceber
que
esses
marcos
são
ainda
maiores.
A
juventude
trabalhadora
ocupa
os
piores
postos
de
trabalho,
na
condição
de
subemprego,
com
moradias
precárias
e
ausência
de
sistemas
de
proteção
social
e
de
políticas
públicas
de
saúde
e
educação.
Segundo
recentes
dados
da
Organização
das
Nações
Unidas
para
a
Educação,
a
Ciência
e
a
Cultura
–
Unesco
(2021),
a
América
Latina
e
o
Caribe
registram
que
há
mais
de
45
milhões
de
pessoas
em
situação
de
pobreza.
Um
número
que
pode
representar
37%
da
população
da
região.
No
caso
da
juventude,
esse
número
ainda
pode
ser
maior.
Ainda,
faz-se
necessário
sublinhar
que
a
formação
social
latino-americana
está
marcada
historicamente
pela
ocupação
colonial,
pela
violência,
pelo
extermínio
dos
povos
originários,
pelo
modo
de
produção
colonial
escravista,
pela
alta
concentração
da
propriedade
privada,
em
uma
dependência
particular
aos
interesses
do
imperialismo,
como
territórios
anexos
ao
centro
de
exportação
de
capitais,
por
meio
da
superexploração,
principalmente
da
terra
e
do
trabalho.
Segundo
Traspadini
(2016,
p.
120),
as
bases
dessa
exploração
estão
sustentadas
em
“[...]
uma
riqueza
originária
que
serviu
ao
fim
mercantil
da
acumulação
primitiva
–
baseada
no
saqueio,
na
espoliação
–
e,
não
menos
importante,
na
implementação
6
interna
de
novos
processos
produtivos
ancorados
na
abundância
de
terra
e
de
trabalho”.
Essas
marcas
se
reproduzem
ainda
com
mais
rigor
no
extermínio
sistemático
da
juventude
negra
e
periférica,
em
uma
estrutura
social
demarcada
pelo
conservadorismo
e
preconceitos
que
repudia
e
se
utilizam
de
todas
as
formas
de
violência,
principalmente
contra
os
corpos
indígenas,
LGBTQIA+
e
de
mulheres.
São
marcas
de
nossa
formação
social,
de
uma
classe
dominante
de
caráter
dominada,
altamente
subserviente
aos
interesses
imperialistas
e
de
uma
estrutura
produtiva
afastada
das
necessidades
das
massas
e
do
desenvolvimento
nacional.
É
constituída
em
uma
relação
de
extremas
desigualdades
sociais
e
de
uma
mentalidade
arcaica
e
conservadora,
e
de
uma
política
de
ódio
contra
as
classes
populares.
Sobre
os
territórios
latino-americanos,
agudiza-se
profundamente
o
“exército
de
reserva”,
em
que
uma
parcela
da
classe
trabalhadora
não
possui
assalariamento,
um
posto
fixo
de
trabalho
e
se
encontra
imersa
em
uma
realidade
de
subempregos
e
desemprego
estrutural
(Marini,
2005).
Para
compreendermos
a
atual
fase
do
desenvolvimento
do
neoliberalismo
no
território
latino-americano,
parece-nos
necessário
entender
as
leis
estruturais
apresentadas
pela
TMD,
juntamente
com
o
avanço
da
formação
das
cidades
e
o
papel
que
elas
ocupam
na
sociabilidade
da
juventude
no
contexto
da
ofensiva
neoliberalista.
Castells
(1983)
ressalta
o
avanço
das
forças
produtivas
da
dominação
e
do
poder
em
relação
de
dependência
e
subordinação,
em
detrimento
do
avanço
do
capitalismo,
das
necessidades
do
imperialismo
e
de
suas
formas
de
sociabilidade
e
relações
culturais
–
principalmente
a
relação
de
dependência
e
de
subordinação
à
que
as
cidades
latino-americanas
estão
submetidas.
Uma
sociedade
é
dependente,
quando
a
articulação
de
sua
estrutura
social,
a
nível
econômico,
político
e
ideológico,
exprime
relações
assimétricas
com
outra
formação
social
que
ocupa,
frente
a
primeira,
uma
situação
de
poder.
Por
situação
de
poder,
entendemos
o
fato
de
que
a
organização
das
relações
de
classe
na
sociedade
dependente
exprime
a
forma
de
supremacia
social
adotada
pela
classe
no
poder
na
sociedade
dominante
(CASTELLS,
1983,
p.
59).
Trata-se,
portanto,
de
uma
relação
de
“subdesenvolvimento”
de
alguns
territórios,
em
detrimento
de
um
“desenvolvimento”
de
outros.
O
processo
de
urbanização
torna-se,
por
conseguinte,
sua
expressão,
sua
formação
econômica,
7
política,
social,
determinado
pelas
relações
de
dependência
e
de
subordinação
às
grandes
metrópoles,
território
das
grandes
capitais,
de
concentração
de
riquezas.
O
neoliberalismo
estabelece
um
planejamento
competitivo,
que
se
pretende
flexível
e
amigável,
principalmente
para
a
economia
norte-americana,
trazendo,
segundo
Chauí
(2020,
p.
3020),
“[...]
a
fragmentação
e
desarticulação
de
todas
as
esferas
e
dimensões
da
vida
social”.
A
noção
de
flexibilização
da
economia
e
das
relações
sociais
remete
à
ideia
de
eficiência
empresarial,
supondo
uma
forma
de
gestão
capaz
de
aproveitar
as
oportunidades
mais
rapidamente
que
os
demais
concorrentes.
Esses
mecanismos
têm
penetrado
na
formação
da
juventude
trabalhadora
em
uma
ideia
bastante
apurada
da
meritocracia,
utilizando-se
do
imaginário
coletivo
de
a
juventude
trabalhadora
ter
os
mesmos
direitos
e
as
mesmas
oportunidades,
dependendo
exclusivamente
do
seu
empenho
e
de
sua
adaptação
aos
diferentes
contextos
do
mundo
do
trabalho
altamente
instáveis,
competitivos
e
intercambiáveis.
Vainer
(2002)
demonstra
que
os
territórios
têm
cumprido
o
papel
de
cidades/empresas,
cuja
função
social
é
determinada
por
pressupostos
empresariais
de
qualidade
total.
O
autor
refere
que,
alicerçada
a
uma
noção
de
flexibilização
e
de
competitividade
da
economia,
outra
análise
entra
em
questão:
a
quebra
do
paradigma
do
processo
de
urbanização
moderno
para
o
pós-moderno,
que
projeta,
para
o
tecido
social,
a
intensificação
da
individualização
e
da
vida
em
pequenos
“guetos”.
A
juventude,
por
sua
vez,
reproduz,
em
sua
sociabilidade,
uma
infinidade
de
“guetos/tribos”,
que
demarca
a
fragmentação
e
a
dissociabilidade,
além
de
um
elevado
apresso
pela
subjetividade
de
sua
individualidade.
Os
interesses
públicos
e
coletivos
confrontam-se
cada
vez
mais
aos
dos
atores
privados,
cada
caso
de
maneira
específica
e
com
uma
falsa
ideia
de
particularidade.
As
cidades
passam
a
se
voltar
cada
vez
mais
para
os
interesses
privados.
Sua
projeção,
seu
planejamento,
sua
mobilidade,
sua
arquitetura,
sua
infraestrutura
e,
propriamente,
seus
espaços
públicos
acompanham
os
interesses
privados
e
particulares
de
corporações,
empresas,
de
empresários
de
sucesso,
sempre
com
uma
roupagem
de
movimentos
espontâneos
da
competitividade
e
da
ideia
da
meritocracia
do
‘empresário
de
si
mesmo’.
O
ideário
neoliberal
de
meritocracia
afirma
uma
visão
que
todos
têm
as
mesmas
oportunidades
de
ascensão
e
que
a
felicidade
dependeria
exclusivamente
do
esforço
de
cada
jovem.
8
Dado
o
contexto,
os
jovens
da
classe
trabalhadora,
em
especial,
vivenciam
a
ausência
do
Estado
e
o
abandono
das
políticas
públicas,
na
configuração
de
uma
sociedade
fragmentada,
competitiva,
segregada
e
individualista,
com
pouca
esperança
no
futuro.
Os
jovens
da
classe
trabalhadora,
nesse
contexto
de
precariedade,
são
aqueles
que
têm
dificuldade
de
concluir
sua
escolarização
e
de
construir
uma
vida
mais
autônoma
longe
dos
vínculos
familiares.
No
mundo
do
trabalho,
sua
inserção
é
precária,
com
baixíssimos
salários
ou,
ainda,
com
a
ausência
de
um
trabalho
formal
e
de
seguridade
social,
que
se
manifesta
de
forma
expressiva,
sistêmica
e
condicionante.
Os
espaços
de
lazer
de
caráter
público
encontram-se
cada
vez
mais
resumidos
para
a
juventude
trabalhadora.
Na
América
Latina,
com
a
fragilidade
dos
projetos
de
governo
de
esquerda,
produziu-se
um
conjunto
de
políticas
compensatórias
de
alívio
à
pobreza,
de
caráter
conjunturais
e,
portanto,
não
de
superação
da
pobreza,
perseverando
em
essência
o
modelo
dependente,
neoliberal
de
suas
forças
produtivas.
Com
isso,
o
avanço
–
ainda
que
neodesenvolvimentista
(KATZ,
2016)
em
alguns
países
da
América
Latina,
como
o
Brasil
–
acabou
por
sofrer
ataques
de
uma
direita
e
de
uma
extrema-direita
oligárquica,
conservadora
e
subserviente
aos
interesses
imperialistas,
que,
por
meio
de
seu
poder
econômico,
político
e
midiático,
construíram
duras
disputas
no
interior
das
relações,
criando
um
golpe
parlamentar,
empresarial,
midiático,
misógino
à
democracia,
abrindo
espaço
para
a
chegada
de
um
governo
pró-fascista
e
da
intensificação
da
expropriação
da
riqueza
no
território
latino-americano.
Entendendo
a
complexibilidade
da
vida
sob
a
condição
neoliberal,
e
os
desafios
impostos
à
humanidade,
não
podemos
deixar
de
demarcar
a
potencialidade
da
construção
dos
seres
humanos
em
sujeitos
históricos,
que,
a
partir
da
correlação
de
força,
na
luta
de
classe,
na
contraposição
dos
direitos
individuais,
os
direitos
coletivos
entram
em
disputa.
Podemos
perceber
esse
movimento
de
disputa
pelos
caminhos
da
humanidade,
quando,
dentro
de
um
sistema
tradicionalmente
conservador,
emerge
com
força
a
luta
pelos
direitos
humanos,
tomando
forma
de
lutas
mais
coletivizadoras
da
sociedade.
É
a
partir
desse
ponto
que
debateremos
os
limites
do
neoliberalismo
como
organização
societária
e
a
capacidade
de
reinvenção
dos
caminhos
da
humanidade
por
intermédio
da
ação
organizada
da
sociedade
–
em
especial
o
recorte
da
organização
da
juventude
em
cooperação
com
os
demais
seguimentos.
O
intuito
é
demarcarmos
o
papel
dos
coletivos
de
juventude
como
um
9
movimento
social,
que,
na
história
de
nosso
país,
ocupa
um
lugar
de
construção
de
resistência
e
de
alternativas
políticas.
Na
próxima
seção,
aprofundamos
esse
entendimento.
A
juventude
e
o
direito
à
cidade:
a
necessária
auto-organização
da
juventude
trabalhadora
contra
a
barbárie
neoliberal
São
inúmeros
os
momentos
em
que
a
juventude
preconiza
manifestações
e
ocupa
os
espaços
públicos
como
forma
de
denúncia
da
precariedade
das
condições
de
vida.
Nas
últimas
duas
décadas,
presenciamos
protestos
contra
o
aumento
das
passagens
do
transporte
coletivo
e
a
defesa
da
tarifa
zero
5
;
a
ocupação
das
escolas
públicas
como
ato
de
reivindicação
contra
a
precariedade
da
educação
pública
6
;
e
os
atos
massificados
nas
ruas
contra
o
projeto
de
privatização
das
universidades
públicas
e
institutos
federais
do
país
7
.
Podemos,
ainda,
sublinhar
um
conjunto
maior
de
movimentos
preconizados
pela
juventude
que
influenciaram
os
caminhos
da
política.
Entretanto,
nos
limites
deste
texto,
o
esforço
é
demonstrar
o
significado
de
uma
geração
no
desenvolvimento
dos
rumos
do
país,
perpassando
pela
questão
do
tipo
de
sociedade
que
enfrentamos
e
que
necessariamente
precisamos
transformar.
Analisarmos
a
atualidade
da
sociedade
neoliberal
passa
por
questionarmos
os
tipos
de
laços
sociais
que
estamos
construindo
e
que
relação
estabelecemos
com
a
natureza.
Sobre
essas
questões,
as
abordagens
sobre
o
direito
à
cidade,
desenvolvidas
por
Harvey
(2013)
e
Lefebvre
(1973),
nos
auxiliam
a
refletir
o
lugar
do
direito
como
uma
condição
coletiva
irrevogável
–
como
um
direito
urgente
de
sobrevivência
da
7
Tsunami
da
Educação
foram
os
movimentos
ocorridos
em
2019
preconizados
por
estudantes
secundaristas,
do
ensino
universitário
e
da
pós-graduação
na
realização
de
protestos,
atos
e
passeatas,
por
todo
o
país,
contra
os
cortes
na
educação
pelo
governo
do
ex-Presidente
Jair
Bolsonaro.
6
Primavera
Secundarista
representa
os
movimentos
de
mobilização
estudantil
e
ocupação
de
escolas
públicas
no
Brasil
em
2016.
As
manifestações
visavam
barrar
projetos
e
medidas
dos
governos
estaduais
de
Geraldo
Alckmin
(São
Paulo),
Marconi
Perillo
(Minas
Gerais),
José
Ivo
Sartori
(Rio
Grande
do
Sul),
Beto
Richa
(Paraná),
Luiz
Fernando
Pezão
(Rio
de
Janeiro)
e
do
governo
do
ex-Presidente
Michel
Temer.
Os
estudantes,
além
de
denunciarem
a
precariedade
das
escolas
públicas,
protestaram
contra
a
“Proposta
de
Emenda
à
Constituição
(PEC)
do
teto
de
gastos”,
a
PEC
241,
o
projeto
“Escola
sem
Partido”
e
a
Medida
Provisória
do
Novo
Ensino
Médio.
5
As
Jornadas
de
2013,
como
ficaram
conhecidas,
representam
um
conjunto
de
manifestações
organizadas,
inicialmente,
pelo
Movimento
Passe
Livre
(MPL),
uma
organização
majoritariamente
formada
por
jovens
que
defendia
a
adoção
da
tarifa
zero
para
transporte
coletivo.
O
movimento
foi
fundado
em
uma
plenária
no
Fórum
Social
Mundial,
em
2005,
em
Porto
Alegre,
e
ganhou
destaque
na
organização
e
condução
de
um
conjunto
de
manifestações
que
se
espalharam
pelo
Brasil
inteiro.
10
humanidade
e
do
planeta,
que
representa
“[...]
o
direito
de
mudar
a
nós
mesmos
pela
mudança
da
cidade”
(Harvey,
2013,
p.
42).
Além
disso,
um
direito
comum
antes
de
individual
já
que
essa
transformação
depende
inevitavelmente
do
exercício
de
um
poder
coletivo
de
modificar
o
processo
de
urbanização.
A
juventude,
quando
se
mobiliza
contra
o
alto
valor
pago
pelo
transporte
urbano,
questiona
o
direito
à
mobilidade
urbana
e
à
democratização
do
acesso
à
cidade;
o
direito
de
vivenciar
a
cidade
como
um
bem
público
universal.
As
Jornadas
de
2013
representam
um
desses
eventos
que
questionam
a
possibilidade
de
viver
a
cidade
como
um
bem
comum,
público,
coletivo,
plural
e
democrático.
A
atualidade
do
debate
sobre
a
questão
urbana
remete-nos
a
pensar
que
tipo
de
cidade
queremos,
ou
melhor,
que
tipo
de
sociedade
queremos.
Harvey
(2013),
quando
aponta
a
profundidade
do
que
significa
a
luta
pelo
direito
à
cidade,
questiona
que
tipo
de
relações
humanas
necessariamente
é
preciso
construir.
Segundo
Harvey
(2013,
p.
32),
“[...]
o
direito
à
cidade
não
pode
ser
concebido
simplesmente
como
um
direito
individual.
Ele
demanda
um
esforço
coletivo
e
a
formação
de
direitos
políticos
coletivos
ao
redor
da
solidariedade
social”.
As
cidades
necessitam
incluir
as
diferenças
de
todas
as
ordens,
precisamos
expandir
as
esferas
da
liberdade,
do
acesso
e
dos
direitos.
Para
isso,
o
direito
às
mudanças
não
é
de
forma
alguma
abstração,
mas
a
materialização
das
rupturas
e
da
construção
de
novos
caminhos.
A
juventude,
principalmente
a
juventude
trabalhadora,
sente
a
cada
dia
mais
a
dificuldade
em
acessar
o
que
é
público
e
sua
riqueza,
produto
do
seu
próprio
trabalho.
Divide-se,
assim,
cada
vez
mais,
a
vida
nas
cidades
daqueles
que
podem
consumir
a
cidade
dos
que
não
podem,
condenando-os
à
exclusão
urbana.
A
questão
urbana,
na
atualidade,
expressa,
por
sua
vez,
todo
o
jogo
político
em
disputa.
Por
mais
que
a
hegemonia
do
capitalismo
busque
suas
estratégias
para
vencer
suas
próprias
crises,
os
processos
contra-hegemônicos
pulsam
no
interior
das
relações
nas
cidades,
forjando
um
contingente
de
lutadores,
assim
como
uma
parcela
da
juventude,
que
reivindica
um
novo
modelo
societário.
Analisada
as
últimas
décadas,
o
movimento
orientado
pelo
capital,
que
reorganizou
o
mundo
do
trabalho,
aprofundou
significativamente
a
mercantilização
das
cidades.
Apropriou-se
do
patrimônio
e
da
poupança
pública,
desempregou
e
remanejou
a
cadeia
produtiva
e
não
impediu
a
crise
de
seus
próprios
paradigmas.
A
população
sofre
com
a
aceleração
das
mudanças
tecnológicas,
fundamentalmente
11
pela
rápida
urbanização
e
pela
favelização
das
periferias
das
grandes
metrópoles
(Bogo,
2008).
Nossa
formação
social
está
marcada
por
um
contingente
enorme
da
população
que
vive
nas
periferias,
em
grandes
favelas
e
subúrbios,
em
um
país
produtor
de
grandes
riquezas,
que
convive
ao
mesmo
tempo
com
a
extrema
pobreza,
com
a
precariedade
das
condições
básicas
de
vida,
com
longas
jornadas
de
trabalho,
e,
também,
em
longos
trajetos
de
transporte
público
nos
centros
urbanos.
Vivemos
em
um
momento
em
que
o
capital
é
altamente
destrutivo,
do
trabalho,
da
natureza,
do
campo
e
da
cidade,
das
relações
humanas,
enfim,
da
vida
em
sociedade.
O
debate
do
direito
à
cidade
é
parte
e
totalidade
do
tipo
de
civilização
que
temos,
a
qual,
inevitavelmente,
precisamos
construir.
Os
desafios
que
cercam
essa
construção
passam
por
entender
a
profunda
crise
econômica,
política
e
ambiental
que
vivemos,
e
propor
uma
alternativa
em
médio
e
longo
prazo
para
a
auto-organização
da
classe
trabalhadora,
a
fim
de
propor
tensionamentos
e
horizontes
de
superação
de
tal
precarização
da
condição
de
vida
e
da
crise
ambiental
que
nos
assola.
Entendemos
que
a
auto-organização
da
juventude,
principalmente
a
juventude
trabalhadora,
como
parte
de
um
campo
político
em
atuação,
é
necessária
e
urgente.
Refletiremos
nesta
seção
do
artigo
sobre
a
possibilidade
de
vislumbrarmos
processos
autogestionários
da
juventude
trabalhadora
como
formas
coletivizadoras
de
novas
relações
sociais
–
com
o
exemplo
do
processo
das
lutas
assumidas
pela
juventude
no
passado
e
na
necessidade
de
construção
de
um
projeto
de
auto-organização
para
o
presente
e
o
futuro.
Dialogar
sobre
o
potencial
da
relação
entre
juventude
e
política,
passa
por
observá-la
como
uma
categoria
sociológica,
como
nos
estudos
de
Mannheim
(1968).
O
autor
aborda
a
categoria
como
uma
força
revigorante
da
sociedade,
um
olhar
visto
de
fora
que
observa
a
sociedade
e
questiona
seus
padrões
–
não
como
uma
questão
inerente,
mas
como
uma
potencialidade
latente
de
renovação
das
gerações.
Esse
mesmo
movimento
pode
ser
percebido
no
interior
das
organizações
políticas
8
,
cujos
coletivos
juvenis
representam,
em
muitos
casos,
uma
força
revigorante
dos
8
Quando
abordamos
as
“organizações
políticas”,
referimo-nos
aos
instrumentos
políticos
construídos
pela
classe
trabalhadora,
como:
partidos
políticos,
movimentos
sociais,
associações
comunitárias,
pastorais
sociais,
sindicatos,
entidades
representativas
de
seguimentos
sociais
e
trabalhistas,
organizações
não-governamentais,
coletivos
culturais,
entre
outros.
12
processos
de
rupturas
e
renovação
da
política
e
de
problematizações
sobre
a
ordem
social
vigente.
Muitas
das
lideranças
políticas
eram
jovens
“desajustados,
“desvinculados”,
que
questionavam
sua
condição
social.
Embora
compreendamos
que
a
juventude
é
parte
de
um
agrupamento
importante
na
luta
de
classe,
o
curso
da
história
demonstra
que
somente
juntos
com
a
totalidade
da
classe
é
possível
construir
uma
práxis
verdadeiramente
transformadora,
quando
a
tomada
de
consciência
se
faz
coletiva.
É
justamente
a
juventude
que,
neste
momento,
é
um
dos
segmentos
sociais
que
mais
sofre
com
a
destruição
dos
espaços
públicos
e,
em
contrapartida,
busca
mobilizar
a
sociedade
em
atos
massificados
de
denúncia
das
mazelas
sociais.
Em
especial,
gostaríamos
de
destacar
a
importância
histórica
das
organizações
políticas
da
juventude,
como
a
União
Nacional
dos
Estudantes
(UNE),
a
União
Brasileira
dos
Estudantes
Secundaristas
(UBES),
as
organizações
juvenis
partidárias,
pastorais
da
juventude,
as
organizações
comunitárias
juvenis
e
os
coletivos
culturais
de
jovens
que,
em
conjunto
com
movimentos
sociais,
partidos
políticos
e
setores
progressistas,
organizam
a
indignação
e
constroem
estratégias
organizativas
de
uma
intencionalidade
política,
no
intuito
de
buscar
saídas
para
a
elevação
da
qualidade
de
vida
da
classe
trabalhadora
nas
cidades.
A
auto-organização
da
juventude
como
a
possibilidade
de
construção
de
uma
infinidade
de
agrupamentos
políticos
e
educativos
das
distintas
formas
de
lutas
sociais,
como
um
movimento
de
ação
coletiva
das
demandas
juvenis,
merece
um
olhar
atento.
É
notório
que
a
juventude
estudantil
tenha
um
espaço
privilegiado
nas
lutas
juvenis,
ocupando
um
lugar
histórico
de
reivindicação
e
de
auto-organização
de
suas
demandas
–
em
sua
maioria
vinculadas
à
luta
pelo
direito
e
pela
qualidade
da
educação.
Entretanto,
há
momentos
em
que
as
demandas
sociais
são
tão
urgentes
que
estas
acabam
por
direcionar
as
pautas
do
movimento
estudantil
e
ultrapassam
a
agenda
educacional.
Um
bom
exemplo
foi
o
importante
papel
que
o
movimento
estudantil
teve
durante
a
Ditadura
Civil,
Militar
e
Empresarial.
As
lutas
encabeçadas
pelo
movimento
estudantil
ultrapassaram
os
limites
da
educação
e
se
transformaram
em
lutas
mais
amplas
pelo
projeto
de
sociedade
em
disputa.
O
movimento
estudantil,
quando
amplia
suas
forças
e
seus
canais
de
interferência,
acaba
por
mobilizar
outros
segmentos
da
sociedade.
Essa
afirmação
13
pode
ser
comprovada
não
só
no
Golpe
de
1964,
mas
também
mais
recentemente,
nas
Jornadas
de
2013.
Em
ambas
as
ocasiões,
os
atos
massificados
de
rua
foram
convocados,
inicialmente,
pela
juventude
estudantil
e,
depois,
ganharam
aderência
de
outros
setores
da
sociedade,
ampliando,
inclusive,
suas
palavras
de
ordem
.
Ao
refletirmos
sobre
a
juventude
trabalhadora
e
os
processos
de
auto-organização
e
mobilizações,
podemos
anunciar
que
é,
no
mínimo,
uma
tarefa
um
pouco
mais
complexa.
As
lutas
da
juventude,
historicamente,
como
já
mencionamos,
forjam-se
em
sua
maioria
no
campo
da
educação
e
na
formação
do
movimento
estudantil.
Ainda
são
poucos
os
movimentos
de
juventude
preocupados
em
organizar
a
juventude
do
mundo
do
trabalho.
E
esse
será
o
ponto
que
iremos
explorar
um
pouco
mais.
Os
documentos
das
organizações
pesquisadas
destacam
a
preocupação
em
organizar
a
juventude
para
além
do
movimento
estudantil,
de
modo
a
construir
um
planejamento
e
uma
ação
mais
direcionada
para
a
juventude
trabalhadora
e
periférica.
O
foco
na
juventude
trabalhadora
e
periférica
traz
para
as
organizações
uma
ampliação
significativa
do
seu
olhar
com
o
conjunto
da
juventude
e
do
papel
de
suas
organizações
para
além
das
pautas
estudantis.
Isso
foi
possível
ser
constatado
por
meio
da
pesquisa
realizada:
algumas
organizações
avançam
mais
em
seu
trabalho
do
que
outras,
em
relação
às
pautas
e
ao
trabalho
concreto
nos
bairros
e
nas
periferias
das
cidades.
Abre-se,
assim,
um
canal
de
organização
e
de
ação
direta
com
a
juventude
trabalhadora
e
periférica,
que
interfere
significativamente
no
fazer
político
e
pedagógico
dessas
organizações.
A
maior
parte
das
organizações
de
juventude
pesquisadas
possuem
ainda
limites
em
desenvolver
um
trabalho
com
a
juventude
da
classe
trabalhadora.
Isso
é
resultado
de
um
importante
acúmulo
teórico
e
metodológico
junto
à
juventude
estudantil,
mas
que
dialoga
muito
pouco
com
o
contexto
social
da
juventude
trabalhadora
no
território
periférico.
A
crítica
possível
de
ser
realizada
é
a
de
que,
em
geral,
os
movimentos
históricos
da
organização
da
juventude
concentram
seus
esforços
políticos
de
atuação
quase
que
exclusivamente
no
movimento
estudantil,
principalmente
em
uma
composição
dos
jovens
oriundos
dos
setores
médios
da
sociedade,
que
possuem
condições
materiais
de
existência
muito
mais
favoráveis
–
em
muitos
casos,
com
possibilidade
de
dedicação
exclusiva
para
os
estudos,
no
exercício
da
moratória
14
social
de
sua
condição
juvenil.
Margulis
e
Urresti
(1996)
destacam
que
a
moratória
social
concedida
aos
jovens
torna-se
um
período
da
vida
em
que
se
permite
postergar
diversas
exigências
sociais,
tais
como:
trabalho,
casamento,
filhos,
construção
do
próprio
lar
–
em
uma
espécie
de
tolerância
da
vivência
juvenil
para
com
o
mundo
adulto.
Já
a
negação
ou
as
poucas
possibilidades
de
viver
a
moratória
social
por
parte
dos
jovens
da
classe
trabalhadora,
em
especial
a
juventude
periférica,
condiciona(m)
um
conjunto
de
possibilidades
e
de
vivências
dessa
forma
organizativa
na
qual,
historicamente,
o
movimento
estudantil
se
constituiu.
A
juventude
trabalhadora,
por
esse
motivo,
carece
de
um
instrumento
de
organização
próprio
a
partir
de
sua
materialidade
social
e
de
suas
pautas,
principalmente
nos
territórios
periféricos
das
grandes
cidades.
O
desafio
de
pautar
um
trabalho
orgânico
com
a
juventude
trabalhadora
exige
que
as
organizações
assumam
um
compromisso
interno
de
priorizar
o
trabalho
com
a
periferia
–
como
contribuição
de
um
gás
vital
da
juventude
trabalhadora
e
periférica,
um
espaço
de
penetração
no
interior
da
população
mais
empobrecida
de
nossa
sociedade
e
que
também
mais
necessita
de
ferramentas
de
organização,
de
formação,
de
coletivização
e
de
aprofundamento
da
consciência
crítica.
Vale
ressaltarmos
que
são
inúmeros
os
entraves
para
a
realização
de
uma
ação
orgânica
junto
à
juventude
da
classe
trabalhadora.
Uma
delas
é
o
conjunto
de
condições
de
precariedade
da
vida
nas
cidades
que
dificulta,
também,
os
processos
de
auto-organização
da
juventude,
que
se
encontra
no
limite
de
garantir
cotidianamente
sua
sobrevivência,
sobrando
muito
pouco
ou
quase
nada
de
tempo
para
o
exercício
de
uma
prática
de
auto-organização.
Essa
questão
está
diretamente
ligada
ao
crescimento
exponencial
do
trabalho
informal,
sazonal
e
precário,
agravado
pelo
fenômeno
da
“uberização”
do
trabalho
–
como
fenômeno
crescente
dos
trabalhadores
do
setor
de
serviços,
correspondendo
ao
que
Antunes
(2018,
p.
32)
denomina
de
“novo
proletariado
de
serviços”,
composto,
em
sua
maioria,
por
trabalhadores
jovens.
Com
isso,
a
juventude
trabalhadora
encontra-se
imersa
em
longas
jornadas
de
trabalho,
com
baixíssima
remuneração
e
em
uma
condição
de
vida
que
impossibilita
momentos
para
a
família,
para
o
lazer,
para
os
estudos,
para
o
direito
ao
ócio,
para
espaços
de
socialização
e
reflexão.
O
ritmo
de
vida
sempre
emergencial,
sempre
acelerado,
dificulta
o
acesso
15
à
participação
da
juventude
trabalhadora
a
espaços
como
os
movimentos
de
juventude
aqui
pesquisados.
O
caminho
de
construir
raízes
mais
profundas
e
organizativas
nos
mais
diversos
territórios
de
vivência
da
classe
trabalhadora
juvenil,
seja
em
seus
locais
de
trabalho,
seja
de
moradia,
parte
da
capacidade
das
organizações
construírem
reflexão,
tática,
métodos,
ferramentas
pedagógicas
de
inserção
e
de
trabalho
concreto
e
cotidiano
no
interior
da
condição
de
vida
desses
sujeitos.
Exige,
por
parte
das
organizações,
uma
leitura
aprofundada
da
condição
de
vida
juvenil
da
classe
trabalhadora,
como
também
uma
agenda
programática
e
propositiva
que
permita
a
consolidação
das
organizações
nesses
espaços.
Isso
exige
um
nível
de
complexibilidade
maior,
de
mecanismos
que,
em
sua
maioria,
são
bem
distintos
aos
utilizados
no
movimento
estudantil.
Esse
desafio
de
reinvenção
pode
estar
conectado
com
as
experiências
mais
sistematizadas
até
então
vivenciadas,
que
partem
principalmente
do
trabalho
comunitário
e
das
ações
de
solidariedade
de
classe.
A
construção
de
cozinhas
comunitárias,
a
participação
nas
reuniões
das
associações
de
moradores,
nas
reuniões
do
conselho
de
saúde,
os
almoços
comunitários,
os
mutirões
de
limpeza
nos
bairros,
a
doação
de
cestas
básicas,
as
atividades
festivas,
como
o
Dia
da
Criança
e
o
Natal,
têm
sido
porta
de
entrada
para
o
diálogo
e
a
inserção
dos
movimentos
de
juventude,
principalmente
nos
territórios
periféricos.
Mesmo
que
essas
ações
de
solidariedade
de
classe
sejam
extremamente
importantes,
principalmente
em
tempos
de
carestias,
a
construção
de
um
processo
organizativo
autogerido
pelos
jovens
trabalhadores
ainda
é
um
caminho
mais
distante
nas
organizações.
O
que
percebemos
na
leitura
dos
documentos
e
nas
entrevistas
realizadas
é
que,
mesmo
que
haja
a
vontade
da
realização
de
um
trabalho
orgânico
com
a
juventude
trabalhadora,
em
suas
mais
diversas
condições
de
vida,
as
ações
programáticas
ainda
se
encontram
limitadas
em
ações
pontuais
de
solidariedade.
O
que
é
bem
pouco,
pensando
a
dimensão
da
luta
de
classe,
é
a
necessidade
da
organização
e
construção
do
poder
popular.
Como
parte
de
construção
de
vínculos
com
os
territórios
periféricos
e
com
o
desenvolvimento
de
uma
ação
concreta
com
a
juventude
mais
precarizada,
encontra-se,
por
exemplo,
a
estratégia
dos
cursinhos
pré-vestibulares
populares
e
dos
coletivos
de
cultura
popular.
As
organizações
que
possuem
tais
experiências
16
possuem
um
importante
acúmulo
teórico
e
metodológico
com
a
juventude
trabalhadora.
As
ações,
a
partir
de
uma
participação
mais
ativa
no
movimento
comunitário,
possibilitam
que
os
movimentos
de
juventude
sejam
reconhecidos
como
forças
políticas
para
além
dos
sujeitos
juvenis.
A
presença
marcante
dessas
organizações
de
juventude
qualifica
os
espaços
de
discussão
no
bairro,
interfere
no
conjunto
da
tomada
de
decisão,
impulsiona
a
ação
direta
e
as
manifestações
políticas
e
artísticas,
coloca
em
pauta
a
política
e
a
diversidade
de
debates
da
atualidade
e
nutre
a
dimensão
coletiva
da
auto-organização
nos
territórios
que
atuam.
Quando
efetivamente
as
organizações
conseguem
aprofundar
essa
relação
para
além
da
solidariedade,
o
que
se
expressa
é
um
instrumento
potente
de
auto-organização
e
de
implicações
formativas
e
contestatórias
na
luta
por
direitos
nos
territórios,
principalmente
os
periféricos,
em
uma
relação
da
execução
de
um
trabalho
de
base
no
interior
da
luta
de
classe,
com
os
sujeitos
mais
proletarizados
dessa
relação.
O
vínculo
da
juventude
periférica
e
trabalhadora
é
um
processo
mais
recente
nas
organizações,
que
exige
métodos
e
metodologias
ainda
pouco
explorados,
que
se
diferem
dos
utilizados
no
movimento
estudantil.
As
organizações
tendem
a
buscar
esse
canal
de
diálogo
por
intermédio
da
cultura,
das
associações
de
bairro
e
das
ações
de
solidariedade,
em
uma
caminhada
que
exige
um
acompanhamento
sistemático
e
bastante
enraizado
com
a
materialidade
e
o
contexto
social
e
cultural
de
cada
território
e
de
seus
militantes.
Faz
parte
dessas
dificuldades
de
executar
um
trabalho
no
chão
da
periferia
a
ausência
de
infraestrutura,
por
exemplo.
As
organizações
dispõem
de
pouquíssimo
ou,
até
mesmo,
a
inexistência
de
recursos
financeiros,
o
que
dificulta
o
deslocamento,
a
alimentação
e
a
execução
de
muitas
tarefas
que
cumpram
o
papel
de
criar
laços
sociais.
Em
muito
dos
casos,
as
organizações,
além
de
não
disporem
de
recursos
financeiros,
passam
pela
dificuldade
de
não
possuir
um
lugar
físico
para
se
reunir,
além
de
não
poderem
dispor
de
condições
mínimas
para
que
as
pessoas
participem
das
atividades
propostas.
As
organizações
de
juventude
pesquisadas
destacam
em
suas
entrevistas
o
espaço
que
as
igrejas
pentecostais
ou
neopentecostais
vêm
ocupando
nos
territórios
periféricos.
A
expansão
dessas
igrejas
resulta
em
uma
reorganização
também
dos
17
territórios.
Os
entrevistados
destacaram
que
as
igrejas
católicas
vêm
perdendo
espaço
para
as
igrejas
evangélicas
e,
com
isso,
também
a
juventude
acaba
por
migrar
para
esses
espaços
religiosos.
A
ausência
de
espaços
de
lazer,
de
auto-organização
das
questões
comunitárias
e
o
avanço
da
violência,
do
pensamento
conservador
e
moralista
abrem
espaços
para
que
os
jovens
encontrem
na
igreja
um
lugar
comum
de
socialização
de
sua
condição
juvenil.
O
resultado
dessa
inserção,
segundo
os
entrevistados,
é
o
crescimento
de
uma
postura
conservadora
e
fundamentalista,
de
um
pensamento
binário
entre
o
bem
e
o
mal,
e
na
reprodução
de
uma
consciência
alienada.
Estes
são
alguns
dos
aspectos
levantados
em
relação
aos
desafios
do
trabalho
de
auto-organização
da
juventude
trabalhadora
e
dos
territórios
periféricos.
Ainda,
como
parte
de
expansão
de
suas
ações,
observa-se
a
preocupação
com
as
novas
formas
de
auto-organização
da
juventude,
em
um
movimento
de
entender
mais
a
fundo
os
contornos
da
identidade
da
classe
trabalhadora,
em
conexão
direta
com
a
opressão/exploração
que
conformam
a
constituição
do
território
latino-americano.
Crescem
entre
as
organizações
dos
jovens
as
pautas
de
gênero,
étnico-raciais,
e
de
sexualidade,
todas
elas
atravessadas
pela
concepção
de
classe,
expressadas
na
ampliação
das
organizações
por
intermédio
de
coletivos
antirracistas,
feministas
e
LGBTQIAPN+.
Podemos
dizer
que
a
ampliação
das
organizações,
para
além
do
movimento
estudantil,
modificam
profundamente
não
só
o
papel
das
organizações
historicamente
inseridas
no
movimento
estudantil,
mas
também
o
conjunto
da
própria
organização
do
seu
fazer
político
e
educativo.
As
necessidades
da
juventude
trabalhadora
e
periférica
proporcionam
um
mergulho
profundo
na
realidade
social
da
juventude
brasileira
e
em
seu
compromisso
de
classe.
As
bases
da
organização
política
precisam
estar
afinadas
com
os
contextos
locais,
com
a
precariedade
da
vida
nas
periferias,
com
o
subemprego,
com
a
falta
de
direitos
básicos
e
elementares,
com
a
baixa
escolaridade
e
a
falta
de
oportunidades,
com
pouquíssimo
capital
cultural
e,
muitas
vezes,
pela
falta
de
tempo
e
de
disposição
física
para
a
luta.
As
experiências
relatadas
pelas
organizações
pesquisadas
com
a
juventude
trabalhadora
e
periférica
demonstram
também
seu
potencial
organizativo
e
identitário,
quando
conseguem
ocupar
um
espaço
de
atuação
nos
territórios.
As
18
atividades
culturais
das
mais
diversas,
como
a
batucada,
o
grafite,
a
moralização,
o
slam
,
o
samba,
o
hip-hop
,
entre
outros,
têm
se
tornado
um
ponto
de
encontro
e
de
construção
de
identidade
com
os
movimentos
de
juventude
–
ao
contrário
da
juventude
oriunda
de
extratos
de
classe
mais
elevadas,
cuja
porta
de
entrada
para
as
organizações
de
juventude
se
dá
pelo
movimento
estudantil,
secundarista
ou
universitário.
O
trabalho
nos
territórios
periféricos,
a
partir
da
organização
da
juventude,
também
possibilita
uma
ação
para
além
desses
sujeitos,
interferindo
de
forma
positiva
no
conjunto
da
ação
política
nesses
espaços.
Colabora,
assim,
com
a
ampliação
das
discussões
e
das
ações,
em
uma
espécie
de
retomada
do
‘’trabalho
de
base
nas
comunidades,
o
que
muito
foi
feito
anteriormente
pelas
igrejas
católicas,
pelos
sindicatos
e
pelos
partidos
políticos.
Mesmo
que
percebamos
alguns
avanços
nas
proposições
das
organizações
da
juventude
nos
territórios
periféricos,
observamos
um
conjunto
de
ações
ainda
bastante
superficiais,
como
panfletagem,
passagem
de
carro
de
som,
comunicações
dispersas
que
pouco
convocam
processos
mais
orgânicos
e
propositivos
de
auto-organização
das
mais
diversas
comunidades
urbanas.
É
presente
a
necessidade
de
uma
maior
rede
de
interlocução
e
de
trabalho
cooperado
nos
territórios.
O
trabalho
autogestionário
nesses
espaços
passa
por
uma
articulação
ampla,
de
construção
de
núcleos
territoriais,
com
os
mais
diversos
movimentos
sociais,
movimentos
comunitários,
partidos
políticos,
ativistas
locais,
produtores
culturais
do
território,
equipamentos
públicos,
como
escola,
posto
de
saúde
e
centro
comunitário,
em
uma
ação
que
combina
objetivos
comuns
e
específicos
da
juventude
e
de
seus
territórios
de
moradia.
Entendemos
que
é
crescente
a
preocupação
das
organizações
da
juventude
com
um
trabalho
específico,
com
uma
pauta
direcionada
para
a
auto-organização
da
juventude
trabalhadora
e
para
o
território
periférico.
Essa
necessidade
é
fruto
da
atualidade
da
luta
de
classe
e
do
lugar
importante
que
as
organizações
da
juventude
vêm
assumindo
ao
longo
da
história.
19
Considerações
finais
Considerando
o
que
foi
exposto,
destacamos
a
preocupação
em
analisar
a
atualidade
da
ofensiva
neoliberal
no
Brasil
em
articulação
com
o
território
latino-americano
na
sua
relação
com
o
mundo
globalizado
em
seu
contexto
de
dependência
e
superexploração.
A
atualidade
do
debate
sobre
o
neoliberalismo
em
nosso
território
nos
remete
à
avaliação
do
crescimento
exponencial
do
empobrecimento
da
população,
da
produção
de
grandes
favelas
urbanas
e
da
intensificação
da
superexploração
da
força
de
trabalho
em
longas
jornadas
e
baixíssimos
salários.
É
justamente
a
juventude
trabalhadora
o
segmento
social
que
ocupa,
nesse
contexto,
os
piores
postos
de
trabalho,
na
condição
de
subemprego,
com
moradias
precárias
e
ausência
de
sistemas
de
proteção
social
e
de
políticas
públicas
de
saúde
e
educação,
entre
outros.
As
problematizações
sobre
a
questão
urbana
nos
remetem
a
pensar
em
que
tipo
de
cidade
vivemos
e
que
tipo
de
sociedade
necessariamente
devemos
construir
coletivamente.
A
luta
pelo
direito
à
cidade
questiona
que
tipo
de
relações
humanas
produzimos
e
as
relações
que
estabelecemos
com
a
natureza,
como
a
possibilidade
de
repensarmos
os
espaços
urbanos
como
constituidores
do
direito
de
viver
o
público
como
um
bem
comum.
Entendemos
a
juventude
como
uma
posição
social
que,
por
vezes,
representa
um
farol
das
lutas
sociais,
como
aqueles
que
deflagram
a
precariedade
da
vida
e
a
necessidade
da
luta
pelo
direito
à
cidade.
Reconhecemos
o
lugar
destacado
das
organizações
juvenis
como
instrumento
político
historicamente
importante
nas
lutas
pelos
direitos
humanos,
principalmente
no
âmbito
do
movimento
estudantil.
A
partir
dessas
análises,
buscamos,
então,
aprofundar
a
possibilidade
de
sua
ação
para
além
dos
agrupamentos
estudantis,
entendendo
a
juventude
trabalhadora
como
uma
possibilidade
de
ampliação
da
luta
de
classe.
A
auto-organização
da
juventude
trabalhadora,
como
a
possibilidade
de
construção
de
uma
infinidade
de
agrupamentos
políticos
e
educativos
das
distintas
formas
de
lutas
sociais,
é
um
movimento
de
ação
concreta
que
permite
repensar
as
cidades,
com
o
desafio
de
pautar
um
trabalho
orgânico
da
juventude,
principalmente
nos
territórios
periféricos.
É
um
gás
vital
de
penetração
no
interior
da
população
20
mais
empobrecida
de
nossa
sociedade,
a
qual
mais
necessita
de
ferramentas
de
organização,
de
formação,
de
coletivização
e
de
aprofundamento
da
consciência
crítica.
Concluímos
tendo
a
certeza
de
que
são
inúmeros
os
desafios
para
se
pensar
em
processos
de
auto-organização
da
condição
juvenil
sob
a
atual
fase
do
capitalismo
em
nosso
território
latino-americano.
Contudo,
sublinhamos
a
importância
de
(re)pensarmos
o
papel
das
organizações
políticas
da
juventude
e
a
necessidade
de
ampliação
dos
processos
de
auto-organização
com
a
juventude
trabalhadora
no
desenvolvimento
de
metodologias
e
de
instrumentos
próprios
a
partir
de
suas
materialidades.
É
preciso
considerar
a
capacidade
das
organizações
em
construírem
reflexões,
táticas,
métodos,
ferramentas
pedagógicas
de
inserção
e
de
trabalho
concreto
e
cotidiano
no
interior
da
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de
vida
da
juventude
trabalhadora.
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