V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
ECONOMIA
SOLIDÁRIA
E
MERCADO
DE
TRABALHO
PARA
AS
MULHERES
NEGRAS:
APROXIMAÇÕES
CRÍTICAS
1
Dandara
Vianna
de
Albuquerque
2
Adrianyce
Angélica
Silva
de
Sousa
3
Resumo
O
artigo
analisa
a
inserção
das
mulheres
negras
no
mercado
de
trabalho
a
partir
dos
fundamentos
da
formação
social
brasileira,
em
uma
perspectiva
de
totalidade,
elegendo
o
materialismo
histórico
como
referencial
teórico.
Tem
como
objetivo
realizar
uma
aproximação
critica
às
experiências
de
economia
solidária
voltadas
para
a
inserção
das
mulheres
negras
no
mercado
de
trabalho,
problematizando
como
àquelas
atualizam
as
atividades
desenvolvidas
pelas
mulheres
negras
no
período
da
escravidão
no
Brasil.
Palavras-chaves
:
escravidão;
formação
social
brasileira;
mulheres
negras;
mercado
de
trabalho.
ECONOMÍA
SOLIDARIA
Y
MERCADO
LABORAL
PARA
LAS
MUJERES
NEGRAS:
ENFOQUES
CRÍTICOS
Resumen
El
artículo
analiza
la
inserción
de
las
mujeres
negras
en
el
mercado
laboral
a
partir
de
los
fundamentos
de
la
formación
social
brasileña,
desde
una
perspectiva
de
totalidad,
eligiendo
el
materialismo
histórico
como
referente
teórico.
Pretende
abordar
críticamente
las
experiencias
de
economía
solidaria
orientadas
a
la
inserción
de
mujeres
negras
en
el
mercado
de
trabajo,
problematizando
cómo
actualizan
las
actividades
realizadas
por
las
mujeres
negras
durante
el
período
de
esclavitud
en
Brasil.
Palabras
clave:
esclavitud;
formación
social
brasileña;
mujeres
negras;
mercado
de
trabajo.
SOLIDARITY
ECONOMY
AND
LABOR
MARKET
FOR
BLACK
WOMEN:
CRITICAL
APPROACHES
Abstract
The
article
analyzes
the
insertion
of
black
women
in
the
job
market
based
on
the
foundations
of
Brazilian
social
formation,
from
a
perspective
of
totality,
choosing
historical
materialism
as
a
theoretical
reference.
It
aims
to
take
a
critical
approach
to
the
solidarity
economy
experiences
aimed
at
the
insertion
of
black
women
in
the
job
market,
problematizing
how
they
update
the
activities
carried
out
by
black
women
during
the
period
of
slavery
in
Brazil.
Keywords:
slavery;
Brazilian
social
formation;
black
women;
job
market.
3
Assistente
Social.
Doutora
em
Serviço
Social
pela
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ),
Rio
de
Janeiro.
Professora
Associada
04
da
Escola
de
Serviço
Social
e
do
Programa
de
Pós-graduação
em
Serviço
Social
e
Desenvolvimento
Regional.
Bolsista
de
Produtividade
Nível
2
do
CNPQ.
E-mail:
adrianyce@gmail.com
;
nutss.uff@gmail.com
Lattes:
https://lattes.cnpq.br/0371549565409132
.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-4092-3438
.
2
Mestranda
em
Serviço
Social
pela
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ),
Rio
de
Janeiro.
Assistente
Social
da
Secretaria
Municipal
de
Assistência
Social
e
Economia
Solidária
de
Niterói
(SMASES).
E-mail:
dandara.vianna@outlook.com
.
Lattes:
https://lattes.cnpq.br/4935517785503145
.
ORCID:
https://orcid.org/
0009-0000-1804-4472
1
Artigo
recebido
em
09/05/2024.
Primeira
Avaliação
em
29/08/2024.
Segunda
Avaliação
em
08/09/2024.
Aprovado
em
11/10/2024.
Publicado
em
05/12/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.62920.
1
Introdução
Na
ponta
do
abismo
lá
vai
a
mãe
preta
Aguenta
o
infinito
num
corpo
Que
o
grito
socorro
acusa
suspeito
(...)
Mãe
preta
resiste
desde
que
não
sabia
o
que
era
existir
Mãe
preta
teve
teus
calos
calejados
pela
falta
de
arrego
Dos
atrasos
da
história
que
traçaram
teu
destino
(Dall
Farra,
2019,
s/p)
O
poema
slam
de
Dall
Farra,
mulher
negra
da
baixada
fluminense
do
Rio
de
Janeiro,
expressa
o
sentido
das
opressões
sofridas
pelas
mulheres
negras
ontem
e
hoje.
Particularmente,
o
presente
artigo
busca
tecer
aproximações
acerca
destes
elementos
de
continuidade,
destes
“atrasos
da
história
que
traçaram
o
destino”
de
tantas
mulheres.
Nos
indagamos
se
a
realidade,
das
mulheres
negras
nas
relações
de
trabalho,
mudou
desde
a
escravidão?
Por
que
mulheres
negras
enfrentam
tantas
e
grandes
dificuldades
de
inserção
no
mercado
de
trabalho
durante
toda
sua
trajetória?
Mobilizadas
em
torno
dessas
questões,
temos
como
pressuposto
que
a
resposta
remete
às
determinações
que
atravessam,
a
nossa
formação
social,
a
partir
das
quais
as
relações
sociais
são
produtos
do
colonialismo
e
escravização
na
particularidade
do
capitalismo
brasileiro
conformando
relações
de
exploração
e
opressões
na
inserção
de
mulheres
negras
no
mercado
de
trabalho.
De
tal
modo,
que
se
nos
primeiros
três
séculos,
no
Brasil,
a
mulher
negra
era
escravizada,
hoje
ocupa
lugares
subalternizados
nas
relações
sociais
de
trabalho,
tendo
que
desenvolver
atividades
menos
valorizadas,
de
menores
rendimentos
e
altamente
precarizadas,
que,
a
nosso
ver,
atualizam
as
atividades
desenvolvidas
no
período
da
escravidão.
O
aprofundamento
do
neoliberalismo,
a
precarização
das
relações
de
trabalho,
o
desemprego
são
uma
realidade
na
vida
dos
trabalhadores
e
trabalhadoras.
Em
seu
processo
de
luta
e
organização,
vêm
desenvolvendo
iniciativas,
como
é
o
caso
da
economia
solidária,
para
tentar
responder
a
demanda
de
subsistência
da
classe
trabalhadora
a
partir
do
estímulo
ao
cooperativismo
e
autogestão,
assumindo
versões
supostamente
progressistas
na
pauta
de
segmentos
dos/as
trabalhadores/as.
Neste
ínterim,
identificamos
no
cruzamento
entre
experiências
de
economia
solidária,
e
a
inserção
de
mulheres
negras
no
mercado
de
trabalho
no
Brasil,
o
que
nos
parece
ser
o
velho
repertório
de
ocupações
laborais
ocupados
especialmente
pelas
mulheres
negras
na
divisão
social
e
sexual
do
2
trabalho
ao
longo
de
todo
processo
de
nossa
formação
social,
a
saber:
a
produção
e
a
comercialização
de
produtos
e
serviços
com
baixa
expressão
monetária
e
voltadas
a
atividades
específicas
como
vendas,
comidas,
artesanatos.
Neste
sentido,
nos
limites
deste
artigo,
buscamos
nos
aproximar
desse
debate
de
modo
a
refletir
sobre
a
inserção
das
mulheres
negras
nas
iniciativas
de
economia
solidária.
Nosso
pressuposto
é
de
que
a
economia
solidária
recompõe
o
processo
histórico
das
mulheres
negras
nas
relações
precarizadas
de
trabalho
atualizando
as
formas
históricas
que
foram
cristalizadas
como
“aptas”
paras
àquelas
desde
o
período
da
escravidão
no
país.
Para
tanto,
na
primeira
parte
do
texto
retomamos
elementos
da
formação
social
brasileira
para
evidenciar
o
lugar
dessas
mulheres
negras.
Na
sequência
discutimos
o
mercado
de
trabalho
e
a
inserção
das
mulheres
negras.
Finalmente,
problematizamos
a
relação
das
experiências
de
economia
solidária
e
as
atividades
das
mulheres
negras
e,
tecemos
algumas
considerações
finais.
Formação
social
brasileira:
determinações
histórico-sociais
“do
lugar
da
mulher
negra”
A
condição
da
mulher
negra
nas
relações
de
trabalho
na
atualidade,
a
nosso
ver,
explicita
a
particularidade
pela
qual
se
dá
o
desenvolvimento
do
capitalismo
no
Brasil
impactando
nas
relações
sociais
e
de
trabalho.
Neste
sentido,
pensar
o
presente
é
retomar
os
elementos
da
nossa
formação
social.
Diferentemente
das
revoluções
tipicamente
burguesas,
como
na
França,
por
exemplo,
que
foi
movida
por
ampla
persuasão
das
massas
populares
e
efetiva
supressão
dos
vestígios
da
estrutura
feudal,
-
que
implicou
para
essas
formações
sociais
um
processo
no
qual
a
luta
de
classes
explicita
um
caráter
progressista,
encampado
pela
classe
trabalhadora,
contrário
ao
projeto
de
desenvolvimento
capitalista,
em
seu
conjunto
estrutural
–,
no
Brasil
verifica-se
um
processo
lento
de
substituição
do
trabalho
escravo,
pelo
trabalho
livre
nas
grandes
unidades
agrárias
que
articulam
momentos
de
mudança
e
de
permanência.
Trata-se
de
uma
formação
social
marcadamente
não
clássica
4
,
que
se
articula
4
Conforme
Sousa
(2016)
dentro
da
tradição
marxista,
no
Brasil,
esta
discussão
é
bastante
polêmica.
Foi
recorrente
uma
leitura
de
que
teríamos
vivenciado
aqui
uma
passagem
do
sistema
feudal
para
o
capitalismo.
Este
equívoco
encontra-se
presente
e
foi
dominante
nas
formulações
do
Partido
Comunista
Brasileiro
e
de
seus
quadros
intelectuais.
A
problematização
dessa
interpretação
foi
realizada
inicialmente
por
Caio
Prado
Júnior
e
posteriormente
rigorosamente
analisado
por
Florestan
3
de
maneira
combinada
e
dependente
ao
mercado
capitalista
mundial,
e,
por
isso,
desenvolve-se
marcada
pelo
forte
traço
da
colonização,
e,
pelo
forte
peso
do
escravismo.
Nos
termos
de
Ianni
(1987,
p.
24)
“uma
economia
produtora
de
mercadorias
para
o
mercado
internacional”.
Às
colônias
se
constituíram
como
estruturas
produtivas
integradas
ao
modo
de
produção
capitalista,
nas
quais
a
produção
baseada
no
trabalho
escravo
serviu
para
adensar
a
acumulação
de
capitais
em
países
de
capitalismo
avançado,
demarcando,
dessa
forma,
a
relação
de
subordinação
e
dependência
das
economias
latino-americanas,
e,
em
especial
a
brasileira.
Moura
analisando
a
realidade
brasileira
chega
mesmo
a
afirmar
que
o
mercado
mundial
“(...)
somente
poderia
dinamizar
o
seu
papel
de
comprador
e
acumulador
de
capitais
se
aqui
existisse,
como
condição
indispensável,
o
modo
de
produção
escravista”
(Moura,
1994,
p.
38).
O
próprio
processo
de
independência
do
país,
evidencia
àquela
condição,
quando
não
atinge
a
estrutura
do
sistema
escravista,
demarcando
apenas
o
fim
do
sistema
colonial,
a
constituição
de
uma
economia
mercantil
escravista,
e,
a
transferência
dos
mecanismos
reguladores
do
sistema
para
o
Estado
(Moura,1994,
p.48)
Desse
modo,
no
Brasil,
-
diferente
de
países
europeus
nos
quais
ocorreram
a
ruptura
com
as
relações
de
servilidade,
a
partir
da
imposição
dos
mercados
como
intermédio
entre
produção
e
consumo,
-
o
que
ocorre
é
que
a
colonização
e
sua
base
escravista
foram
fundamentais
para
que
houvesse
a
consolidação
do
modo
de
produção
capitalista
no
país.
Tem-se,
pois,
um
fenômeno
de
modernização
conservadora
(Moore
Júnior,
1983)
que
explica
justamente
como
no
Brasil
realizou-se
uma
articulação
complexa
de
adaptação
ao
capitalismo,
com
a
permanência
de
importantes
elementos
da
antiga
ordem.
Logo,
o
país
experimenta
um
processo
de
modernização
capitalista
sem
por
isso
ser
obrigado
a
realizar
uma
revolução
democrático-burguesa.
Mais
do
que
isso,
no
processo
brasileiro
a
burguesia
brasileira
conciliava-se
com
a
estrutura
produtiva
colonial,
de
modo
a
que
isso
não
alterasse
seu
poder
político
(Mazzeo,
1997,
p.
133).
Assim,
estas
determinações
brevemente
destacadas,
possibilitam
compreender
as
repercussões
sobre
a
dinâmica
das
classes
no
país.
Pois
como,
bem
analisam
Cisne
e
Ianael
não
se
trata
de
“legado
do
passado”
apenas,
mas
Fernandes.
4
como
uma
relação
social
dinâmica
que
articula
aos
processos
de
exploração
de
classe
uma
particularidade
no
que
se
refere
aos
processos
de
desigualdade
estabelecidos
nesta
dinâmica
social.
Nas
palavras
das
autoras,
O
controle
do
trabalho
da
população
negra
e
indígena
durante
a
escravização
traz
reverberações
até
a
atualidade,
não
apenas
como
um
legado
do
passado,
mas
como
relação
social
dinâmica
e
estrutural
que
continua
estabelecendo
lugares
de
inferioridade
e
desigualdade
no
interior
da
sociedade.
Logo,
o
racismo
não
pode
ser
compreendido
apenas
como
construção
ideológica,
mas
como
elemento
primordial
da
nossa
formação
social,
indispensável
para
consolidação
do
capitalismo
mundial
emergente
(Cisne
&
Ianael,
2022,
p.
193)
Particularmente,
para
mulheres
e
homens
negros
o
desenvolvimento
desta
dinâmica
explicita
o
racismo
e
o
patriarcado
como
funcionais
ao
capitalismo,
servindo
às
formas
de
opressão,
exploração
e
dominação,
sobretudo,
dos
sujeitos
marcados
por
raça
e
sexo
(Cisne
&
Ianael,
2022,
p.
193).
Esta
compreensão
também
está
presente
nas
análises
de
Davis
(2016)
acerca
da
mulher
negra
escravizada,
quando
a
autora
destaca
que
a
postura
dos
senhores
em
relação
às
escravas
era
regida
pela
“conveniência”.
Diz
a
autora,
[...]
quando
era
lucrativo
explorá-las
como
se
fossem
homens,
eram
vistas
como
desprovidas
de
gênero;
mas,
quando
podiam
ser
exploradas,
punidas
e
reprimidas
de
modos
cabíveis
apenas
às
mulheres,
elas
eram
reduzidas
exclusivamente
à
sua
condição
de
fêmeas
(Davis,
2016,
p.
25).
Nestes
termos,
o
entendimento
da
exploração
de
classe
no
Brasil,
supõe
considerar
a
exploração
da
população
negra
e
indígena
na
economia
colonial
do
país,
“desenvolvida
pelo
trabalho
forçado
e
relações
de
apropriação
sobre
o
corpo
e
a
vida
desses
povos,
[...]
diferenciadamente
sobre
as
mulheres
que,
além
do
trabalho
forçado,
tiverem
seus
corpos
apropriados
para
exploração
sexual”
(Cisne
&
Santos
2018,
p.
100).
Desta
forma,
como
asseveram
de
maneira
contundente
Cisne
e
Ianael,
há
uma
persistência
nos
estudos
sobre
formação
social
brasileira,
da
ideia
da
miscigenação
sob
visão
idílica,
cercada
pelo
discurso
da
democracia
racial
e
da
livre
união
entre
colonizadores
e
cativas.
Basta
ampliarmos
nossa
perspectiva
sobre
a
posição
da
mulher
negra
na
sociedade
escravista
patriarcal
para
percebermos
que
a
fantasiosa
integração
entre
raças
é
fruto
do
estupro
(Cisne
&
Ianael,
2022,
p.
195).
5
Numa
linha
de
análise
similar,
Raimundo
(2003)
explicita
que
no
caso
das
mulheres
negras
a
escravização
combinou
uma
exploração
que
pode
ser
considerada
produtiva
e
reprodutiva.
Produtiva
quando
inserida
em
ocupações
como
amas-de-leite,
mucamas,
cozinheiras,
dentre
outras.
E,
reprodutivas,
no
sentido
direto,
pois
diferente
dos
homens
negros,
as
mulheres
negras
eram
usadas
para
gerar
mais
mão-de-obra
para
o
sistema
escravista.
Nestes
termos,
considerando
que
o
estatuto
colonial
marca
os
processos
componentes
do
desenvolvimento
do
capitalismo,
é
na
constituição
do
Estado
Nacional,
mediante
a
negociação
pelo
processo
de
independência,
com
o
surgimento
de
novos
agentes
econômicos,
com
o
desenvolvimento
da
divisão
do
trabalho,
que
se
redireciona
a
organização
das
relações
de
poder.
Contudo,
e,
aqui
reside
o
ponto
nodal,
esta
inflexão,
de
um
lado,
não
afeta
a
perpetuação
da
ordem
social
dependente,
subordinada
e
incapaz
de
promover
a
sua
autonomia
e,
de
outro,
marca-se
fortemente
a
ausência
de
qualquer
compromisso
da
burguesia
brasileira
para
com
as
massas
populares,
especialmente
a
população
negra.
Fernandes
(1976)
explicita
este
movimento
quando
afirma
que
a
marca
da
nossa
formação
social
é
tanto
a
heteronomia
,
ou
seja,
a
dificuldade
de
a
burguesia
efetivar
a
construção
do
projeto
nacional,
uma
vez
que
o
país
está
inserido
na
lógica
do
capitalismo
internacional
de
forma
subalterna,
como
também
o
fato
de
que
a
democracia
liberal
não
se
realiza
revolucionariamente
para
o
conjunto
da
sociedade,
mas
apenas
para
os
interesses
específicos
da
própria
burguesia.
Em
outras
palavras,
a
transformação
capitalista
tem
lugar
graças
ao
acordo
entre
as
frações
das
classes
economicamente
dominantes
com
total
exclusão
das
forças
populares
e
com
a
utilização
permanente
dos
aparelhos
repressivos.
E,
desta
forma,
espraia-se
na
estrutura
social
um
comportamento
particular
da
burguesia
brasileira
que
reverberou
em
valores,
ações
sociais
e
na
relação
com
a
coisa
pública.
Neste
processo
a
generalização
do
trabalho
livre
não
significou,
do
ponto
de
vista
sociocultural,
a
ruptura
com
os
valores
que
alicerçavam
a
escravatura.
Ao
contrário,
este
traço
se
estenderá
também
para
as
relações
de
trabalho
livre,
na
medida
em
que
o
Estado
se
utiliza
“da
violência
e
do
favor
deletério”
(Mazzeo,
1997)
sobre
os
trabalhadores
de
uma
maneira
geral,
e,
para
as
pessoas
negras
de
uma
forma
particular.
Para
estes
últimos,
se
constitui
uma
inserção
subalternizada
imposta
pela
questão
racial
(Theodoro,
2008;
Martins,
2012
e
Neto
2015).
É
este
movimento
que
vai,
ao
nosso
ver
explicar,
porque
mulheres
e
homens
negros
são
6
condicionados
ao
mercado
de
trabalho
informal,
subalternizado
e
precarizado,
com
baixas
remunerações
ou
até
mesmo
ao
desemprego.
A
provocação
de
Lélia
Gonzalez
em
seu
texto
“
E
a
trabalhadora
negra,
cumé
que
fica?”
torna-se,
pois,
super
atual,
quando
a
autora
indaga
“Afinal,
que
abolição
foi
essa
que,
94
anos
depois
de
ter
acontecido,
a
gente
continua
praticamente
na
mesma
situação?”
(Gonzalez,
2020,
p.
217).
Atualiza-se,
na
nossa
compreensão,
àquela
indagação,
-
mesmo
em
face
a
luta
e
avanços
da
luta
da
classe
trabalhadora,
em
especial
dos
movimentos
negros
pela
defesa
e
ampliação
dos
direitos
sociais
e
direitos
humanos
e,
da
participação
dos/as
negros/as
no
mercado
de
trabalho,
-
pois
identifica-se
um
continumm
dos
traços
socioculturais
que
sustentaram
a
escravização
e
que
se
mantém
atualizados
como
uma
desigualdade
racial
no
Brasil
que
se
expressa
em
todas
as
dimensões
e,
de
forma
acentuada
nas
inserções
e
relações
de
trabalho.
O
atual
mercado
de
trabalho
e
as
mulheres
negras:
fios
que
ligam
ao
passado
colonial
As
observações
anteriormente
feitas
ao
entendimento
da
formação
social
brasileira,
sintetizam
as
determinações
que
possibilitam
apreender
a
inserção
das
mulheres
negras
no
mercado
de
trabalho.
A
nosso
ver,
a
inserção
da
mulher
negra
no
mercado
de
trabalho,
em
suas
configurações
atuais,
precisam
ser
refletidas
a
partir
desta
visão
de
totalidade,
na
qual,
os
fundamentos
anteriormente
sumariados,
explicitam
como
a
subalternidade
no
mercado
de
trabalho
é
produto
de
relações
sociais
capitalistas,
na
particularidade
brasileira,
que
se
construíram
e
tiveram
por
base
a
exploração
da
força
de
trabalho
de
negros
e
negras
primeiramente
como
pessoas
escravizadas
e
posteriormente
como
desigualmente
inseridas
na
divisão
social
do
trabalho.
Considerando
que
foram
quase
400
anos
de
escravização
no
Brasil,
podemos
afirmar
que
esse
longo
período
foi
um
elemento
fundamental
para
o
processo
de
acumulação
de
capital.
Neste
sentido,
as
atuais
configurações
do
atual
mercado
de
trabalho
são
produtos
da
construção
histórico-social
da
sociedade
burguesa
,
em
cujas
determinações
econômicas
cristalizaram
para
as
mulheres
negras,
o
não
reconhecimento
e/ou
não
acesso
a
direitos,
a
inferiorização
da
sua
imagem,
uma
profunda
desumanização
do
seu
ser
e
demais
violências
e
violações
“definidas
pelo
7
racismo
e
pelo
sexismo”,
como
destaca
Gonzalez
(2020).
Ao
mesmo
tempo,
estas
determinações
históricos
sociais
são
acentuadas
pelos
processos
e
dinâmicas
do
capitalismo
contemporâneo
nas
quais
a
flexibilização
dos
processos
produtivos,
o
desemprego
estrutural
e
a
imposição
de
vínculos
e
condições
cada
vez
mais
precárias
para
o
trabalho
reiteram
o
tom
da
sociedade
burguesa
(Antunes,
2020).
Logo,
o
racismo
e
sexismo
dinamizados
na
sociedade
burguesa
combinam
exploração
e
opressão
e,
relegam
os
piores
contornos
possíveis
as
condições
laborais
dessas
mulheres.
Ao
afirmar
que
a
situação
das
mulheres
negras
continua
praticamente
a
mesma,
Gonzalez
(2020)
questiona
o
mito
da
democracia
racial
e
determinados
aspectos
da
cultura
brasileira
que
ele
oculta.
Esse
mito
prevaleceu
no
racismo
“à
brasileira”
como
um
arsenal
das
práticas
discriminatórias
que
se
manifestam
cotidianamente.
Entretanto,
conforme
tratado
anteriormente,
o
desvelar
da
história
confronta
o
mito.
A
realidade
é
que
o
Estado
brasileiro
foi
o
último
a
abolir
a
escravidão
e,
nada
fez
para
modificar
a
realidade
da
população
negra.
Como
aponta
Gonzalez
(2020),
o
13
de
maio
de
1888
trouxe
benefícios
para
todo
mundo,
menos
para
a
massa
trabalhadora
negra.
Logo,
sem
muitas
opções,
negros
e
negras
continuaram
ora
no
trabalho
análogo
a
escravidão,
ora
como
“a
carne
mais
barata
do
mercado”
5
2
.
Durante
mais
de
300
anos,
o
suor,
o
sangue
e
as
lágrimas
negras
regaram
o
solo
brasileiro
nos
martírios
da
escravidão,
nos
quais
trabalharam
compulsoriamente
em
todos
as
funções
possíveis
e,
sobretudo,
nas
atividades
centrais
da
economia.
Após
a
abolição,
como
ex-escravizados,
foram
preteridos
pelos
empregadores
e
empurrados
para
a
periferia
do
sistema
produtivo
(Moura,
2021).
Nas
palavras
de
Gonzalez
(2020),
até
aquela
data
elas
e
eles
haviam
sido
considerados
bons
para
o
trabalho
escravo.
A
partir
de
então
passaram
a
ser
considerados
ruins,
incapazes
para
o
trabalho
livre.
Além
da
construção
dessa
“estratificação
social”
das
pessoas
negras
através
de
preconceitos
que
atribuíam
uma
falsa
incapacidade
de
exercer
determinadas
funções
no
mercado
de
trabalho,
diversos
atos
tomados
em
favor
dos
imigrantes
estrangeiros,
criaram
as
premissas
econômicas
para
empurrar
os/as
negros/as
para
a
periferia
do
sistema
produtivo
(Moura,
2021).
Daí
a
preferência
pelo/a
5
Música,
“A
Carne”
escrita
por
Marcelo
Yuka,
Seu
Jorge
e
Ulisses
Cappelletti.
8
trabalhador/a
branco/a,
até
hoje
reveste-se
de
“meritocracia”,
a
partir
da
qual
somente
brancos/brancas
conseguem
o
acesso.
Dessa
maneira,
a
população
negra
fica
com
o
que
sobra
para
garantir
a
sua
sobrevivência,
alternando-se
majoritariamente
entre
o
subemprego
e
o
desemprego,
e
assim,
sofrendo
uma
não
inserção
progressiva.
Quando
Gonzalez
(2020)
indaga
e
a
trabalhadora
negra,
cumé
que
fica?
Ela
fica
“na
ponta
do
abismo”,
como
diria
a
poeta
Dall
Farra
(2019),
na
luta
pela
sobrevivência
em
um
contexto
brutalizado,
no
qual
as
possibilidades
materiais
das
mulheres
negras
não
permitiram
e
não
permitem
que
elas
escapassem
da
ocupação
de
espaços
e
papéis
que
lhe
foram
atribuídos
nos
primeiros
300
anos
de
história
do
Brasil.
Como
afirma
Gonzalez
(2020),
Nossa
situação
atual
não
é
muito
diferente
daquela
vivida
por
nossos
antepassados:
afinal,
a
trabalhadora
rural
de
hoje
não
difere
tanto
da
“escrava
do
eito”
de
ontem;
a
empregada
doméstica
não
é
muito
diferente
da
“mucama”
de
ontem;
o
mesmo
poderia
se
dizer
da
vendedora
ambulante,
da
“joaninha”,
da
servente
ou
da
trocadora
de
ônibus
de
hoje
e
da
“escrava
de
ganho”
de
ontem
(Gonzalez,
2020,
p.
217).
Partindo
das
noções
de
“mulata”,
“doméstica”
e
“mãe
preta”,
a
autora
traça
algumas
reflexões
sobre
o
lugar
desenhado
para
as
mulheres
negras
na
sociedade
brasileira.
O
engendramento
dessas
atribuições
se
faz
a
partir
do
trabalho
da
mucama
no
Brasil
colonial.
A
mulher
negra
transita
por
elas,
sendo
objeto
de
desejo
sexual
exaltado
no
Carnaval
e/ou
a
trabalhadora
doméstica
da
prestação
de
bens
e
serviços
no
dia
a
dia
do
cuidado
à
família
dos
outros
(Gonzalez,
2020).
Não
esqueçamos
também
do
trabalho
por
conta
própria,
ocupação
comum
as
mulheres
negras,
com
forte
simetria
com
as
ganhadeiras
que
trabalhavam
pelas
ruas
comercializando
gêneros
de
primeira
necessidade
ou
prestando
serviços,
entre
os
séculos
XVIII
e
XIX.
A
partir
da
pesquisa
historiográfica
de
Faria
(2000)
esta
determinação
fica
evidenciada
no
que
se
constitui,
a
nosso
ver,
como
um
prolongamento
dos
preconceitos
das
atividades
desenvolvidas
pelas
mulheres
negras
escravizadas
mesmo
após
a
abolição
e
sua
entrada
no
mercado
de
trabalho
como
força
de
trabalho
livre.
Faria
(2000)
destaca
em
suas
análises,
a
partir
de
uma
crônica
portuguesa
de
1552,
a
constituição
de
um
ideário
acerca
da
“aptidão
para
a
venda”
das
mulheres
negras.
A
autora
também
observa
que
este
e
outros
tipos
de
trabalho
9
também
eram
estigmatizantes
como
“carregar
água
era
feito
pelas
‘negras
de
pote’,
assim
como
a
limpeza,
inclusive
o
ato
de
levar
dejetos
em
recipientes
como
‘canastras’
e
eram
conhecidas
como
negras
de
canastra”
(Faria,
2000,
p.77)
sendo
estas
últimas
consideradas
de
“mais
baixo
espírito”
do
que
as
que
andavam
com
água.
Dessa
forma,
compreendemos
que
a
atual
configuração
do
mercado
de
trabalho,
é
produto
das
relações
econômicas
e
sociais
construídas
desde
a
colonização
pelo
processo
de
escravização,
fundamentando
relações
de
poder
desiguais
e
impondo
uma
divisão
sexual
e
racial
do
trabalho
para
as
mulheres
negras.
Segundo
Nascimento
(2021),
a
estas
experiências
se
superpõem
os
mecanismos
atuais
de
manutenção
de
privilégios
por
parte
do
grupo
dominante.
Logo,
as
mulheres
negras
permanecem
majoritariamente
subalternizadas
e
relegadas
aos
trabalhos
não
qualificados
que
substituíram
as
atribuições
da
mucama
ou
nas
fileiras
do
exército
industrial
de
reserva,
indispensável
para
efetiva
realização
da
superexploração
(Gonzalez,
2020;
Moura,
2021).
O
jornal
Agência
Brasil
(Vilela,
2022)
evidenciou
dados
que
retratam
isso
ao
destacar
que
as
mulheres
negras
são
65%
das
trabalhadoras
domésticas
6
no
país
e,
apresentam
renda
média
inferior
a
um
salário-mínimo.
Em
matéria
correlata
do
jornal
G1
Economia
(
Martins,
2023),
aponta
que
a
maioria
dos
10,9
milhões
de
jovens
com
idade
entre
15
e
29
anos
que
não
estudam
nem
trabalham
são
mulheres,
o
que
corresponde
a
6,7
milhões
de
pessoas.
A
grande
razão
de
não
estarem
no
mercado
de
trabalho
é
a
responsabilidade
com
os
afazeres
domésticos
ou
cuidado
com
parentes.
Essa
desigualdade
de
gênero
tem
contornos
racializados
já
que,
em
2022,
cerca
de
66,6%
das
pessoas
que
não
estudavam
nem
trabalhavam
para
cuidar
de
casa
ou
de
parentes
eram
mulheres
negras
(Pinhoni,
2023).
Evidencia-se,
pois,
que
as
mulheres
negras,
ainda
são
o
braço
do
trabalho
do
cuidado
no
Brasil.
Particularmente,
cabe
destacar
que
as
mulheres
negras
também
são
a
maior
parcela
dos
microempreendedores
por
necessidade
-
aqueles
que
criam
pequenos
negócios
para
sobreviver
e
que
detém
apenas
a
sua
força
de
trabalho.
Este
tipo
de
negócio
geralmente
apresenta
rendimento
volátil
e
grandes
dificuldades
de
sobrevida
(Carrança,
2023).
Pesquisa
realizada
pela
SEBRAE
(2023),
corrobora
este
fenômeno,
quando
destaca
que
a
população
negra
é
o
grupo
que
mais
sonha
em
desenvolver
o
próprio
negócio.
Estes
elementos
são
relevantes
para
a
6
É
importante
ressaltar
que
a
regulamentação
do
trabalho
das
domésticas
só
foi
realizada
em
2013.
10
argumentação
que
desenvolvemos
posteriormente
no
que
se
refere
às
atividades
de
economia
solidária.
Observa-se
assim,
que
a
cultura
do
autoemprego
e
a
racialização
que
atravessam
o
mercado
de
trabalho
são
fatores
que
contribuem
para
isso.
Repercutindo
com
maior
brutalidade
sobre
a
população
negra,
e
as
mulheres
em
especial,
a
construção
ídeo-cultural
do
neoliberalismo
estimula
a
formação
de
uma
nova
subjetividade
para
trabalhadores/as,
na
qual
a
liberdade
dos
indivíduos
é
realizável
apenas
na
competição
do
mercado.
Ou
seja,
empreender
se
torna
uma
virtude
valorizada
pelo
e
para
o
mercado.
Os
trabalhadores
são
estimulados
a
serem
microempresários,
autônomos
ou
qualquer
outro
termo
para
o
trabalho
por
conta
própria
(Barbosa,
2007).
Contudo,
esta
reificação,
é
duramente
confrontada
pela
própria
realidade.
Dados
disponibilizados
pelo
próprio
SEBRAE
(2023)
mostram
que
as
mulheres
negras
apresentam
o
mais
baixo
rendimento
entre
os
empreendedores,
com
uma
diferença
de
renda
média
de
74%
entre
elas
e
os
homens
brancos,
grupo
que
possui
os
maiores
rendimentos.
Também
identificou-se
que
os
empreendedores
negros
possuem
menor
nível
de
escolaridade,
sendo
os
que
estão
menos
formalizados
e,
os
que
menos
contribuem
à
previdência.
No
segundo
trimestre
de
2022,
72%
dos
empreendedores
brasileiros
negros
não
contribuíam
para
o
INSS,
comparado
a
52%
dos
brancos
(Carrança,
2023).
Assim,
a
desigualdade
de
raça
e
gênero
entre
empreendedores
em
idade
ativa
tende
a
se
reproduzir
também
na
velhice,
quando
não
acessarão
a
aposentadoria.
A
tabela
01
abaixo
apresenta
uma
fotografia
recente
das
atividades
econômicas
realizadas
por
brasileiros,
considerando
raça/cor
e
sexo,
em
2022.
11
Tabela
1.
Estimativa
de
ocupados,
por
raça/cor
e
sexo,
segundo
grupamento
de
atividade
principal
do
empreendimento
do
trabalho
principal
–
Brasil
–2º
trimestre
de
2022
(em
%)
Fonte:
IBGE.
Pnad
Contínua
Elaboração:
DIEESE
Obs.:
Negros
=
Pretos
+
Pardos;
Não
Negros
=
Brancos+
Amarelos
+
Indígenas.
A
tabela
demonstra
que
no
segundo
trimestre
de
2022,
entre
as
mulheres
negras
ocupadas,
19,7%
estavam
no
setor
de
educação,
saúde
humana
e
serviços
sociais;
19,2%
no
comércio;
e
16,4%
nos
serviços
domésticos
(DIEESE,
2022).
Estes
dados
corroboram
a
argumentação
desenvolvida
até
aqui
no
que
se
refere
ao
prolongamento
dos
tipos
de
ocupação
das
mulheres
pretas
desde
a
escravização
num
continuum
que
se
atualiza
a
medida
em
que
se
amplificam
os
processos
de
exploração
no
capitalismo
com
particular
truculência
para
os
segmentos
negros.
Também
é
importante
demarcar
que
as
desigualdades
historicamente
constituídas
não
se
limitam
ao
tipo
de
ocupação,
mas
na
qualidade
do
vínculo
no
mercado
que
é
substancialmente
inferior
à
da
população
branca.
Observemos
a
tabela
02
abaixo
que
apresenta
a
distribuição
dos
ocupados
por
posição
na
ocupação,
por
raça/cor
e
sexo
no
segundo
trimestre
de
2022.
12
Tabela
2.
Distribuição
dos
ocupados
por
posição
na
ocupação,
por
raça/cor
e
sexo
–
Brasil
–2º
trimestre
de
2022
(em
%)
2º
Fonte:
IBGE.
Pnad
Contínua
Elaboração:
DIEESE
Obs.:
Negros
=
Pretos
+
Pardos;
Não
Negros
=
Brancos+
Amarelos
+
Indígenas
A
tabela
evidencia
a
desproteção
da
trabalhadora
negra.
Ela
tem
o
menor
percentual
de
empregos
no
setor
privado
com
carteira
assinada,
sendo
de
31,5%.
No
trabalho
doméstico,
12,6%
eram
trabalhadoras
domésticas
sem
carteira
e
3,7%
com
carteira.
As
mulheres
negras
também
têm
um
índice
de
21,1%
no
trabalho
por
conta
própria
e
10,8%
no
assalariamento
sem
carteira.
No
total,
quase
metade
(47,3%)
das
negras
trabalhavam
sem
proteção.
Evidencia-se,
pois,
que
mediante
as
desigualdades
no
mercado
de
trabalho
formal,
muitas
mulheres
negras
ocupam
trabalhos
desprotegidos
para
sobreviver
(DIEESE,
2022).
Outro
indicador
importante
para
demonstrar
a
desigualdade
no
mercado
de
trabalho
é
o
desemprego.
Nas
palavras
de
Carneiro
(2011),
o
acesso
ao
emprego
e
ao
trabalho
é
condição
primordial
para
a
reprodução
da
vida,
e,
sua
exclusão
é
também
a
primeira
forma
de
negação
desse
direito
básico
da
cidadania.
Segundo
matéria
publicada
pela
FGV
(Feijó,
2022),
a
taxa
de
desemprego
entre
as
mulheres
negras
tem
sido
bem
maior
do
que
as
reportadas
pelos
outros
grupos.
Com
base
na
Pesquisa
Nacional
por
Amostra
de
Domicílios
(PNAD)
Contínua,
no
primeiro
trimestre
de
2022,
a
taxa
de
desemprego
entre
as
mulheres
negras
foi
13
de
16,3%,
o
que
representa
mais
de
4,1
milhões
de
mulheres
negras
desempregadas.
Embora
tenha
tido
uma
queda
no
desemprego
no
último
ano,
os
dados
do
segundo
trimestre
de
2023
(DIEESE,
2023)
apontam
uma
taxa
de
desocupação
das
mulheres
negras
de
11,7%,
em
comparação
a
7%
das
mulheres
não
negras,
7,8%
dos
homens
negros
e
5,7%
dos
homens
não
negros.
Os
dados
do
3º
trimestre
de
2022,
a
nosso
ver,
revelam
também
a
expressão
do
racismo
e
sexismo
no
cenário
dos
desalentados
no
Brasil
–
aqueles
que
gostariam
de
trabalhar,
mas
que
desistiram
de
procurar
porque
acham
que
não
vão
encontrar.
Das
2,3
milhões
de
mulheres
desalentadas,
cerca
de
1,6
milhão
são
negras.
Face
a
esta
brutal
realidade,
e
como
parte
do
processo
de
resistência
e
organização
da
classe
trabalhadora
no
país,
verificam-se
“novas
alternativas”
para
fazer
frente
aos
processos
de
exploração.
Neste
ínterim
localizam-se
as
experiências
de
economia
solidária
que
cresceram
no
país
colocando-se
como
uma
“economia
alternativa”
dentro
do
capitalismo
voltada
a
romper
com
o
trabalho
subordinado
de
modo
a
supostamente
responder
aos
interesses
dos
segmentos
historicamente
alijados
do
assalariamento
formal.
Cabe-nos
refletir,
como
as
mulheres
negras
são
incorporadas
nestas
experiências.
Economia
Solidária
e
mulheres
negras:
uma
alternativa?
Não
será
possível
nos
limites
deste
artigo
desenvolver
o
amplo
campo
do
debate
que
se
refere
à
economia
solidária,
nem
muito
menos
seus
traços
e
relações
com
o
socialismo
utópico
e
configurações
na
particularidade
brasileira
7
.
Contudo,
a
partir
dos
consensos
entre
os
analistas
brasileiros
podemos
demarcar
que
denomina-se
de
economia
solidária
àquelas
experiências
de
práticas
econômicas
e
sociais,
-
organizadas
sob
a
forma
de
cooperativas,
associações,
empresas
autogestionárias,
redes
de
cooperação,
complexos
cooperativos,
entre
outras,
que
realizam
atividades
de
produção
de
bens,
prestação
de
serviços,
finanças,
trocas,
comércio
e
consumo
(Sousa,
2013),
-
que
pretendem-se
baseadas
na
solidariedade,
com
gestão
horizontal
e
construção
democrática
entre
os
trabalhadores.
No
Brasil,
a
economia
solidária
assume
status
de
uma
política
pública,
no
governo
Lula,
a
partir
da
criação,
em
2003,
da
Secretaria
Nacional
de
Economia
Solidária
–
SENAES
vinculada
ao
Ministério
do
Trabalho
e
Emprego
(MTE).
Como
7
Para
estes
aprofundamentos
ver
Neves,
2013.
14
observa
Sousa
(2008),
a
SENAES
é
resultante
do
investimento
de
setores
como
organizações
não
governamentais,
igrejas,
categorias
e
entidades
sindicais
e
movimentos
sociais
que
apostaram
no
cooperativismo
e
nos
arranjos
autogestionários
como
uma
forma
de
superação
da
crise
do
capital,
e
suas
repercussões
nas
relações
de
trabalho.
Estes
elementos
ficam
evidentes
nas
análises
de
Paul
Singer
8
quando
o
autor
enfatiza
que,
Esta
revivescência
[da
economia
solidária]
significa,
sobretudo
a
volta
aos
princípios,
a
valorização
da
democracia
e
da
igualdade
no
campo
de
produção,
distribuição
e
de
intermediação
financeira.
Já
que
parcela
cada
vez
maior
está
excluída
do
emprego
assalariado
regular
e,
portanto,
da
cidadania
operária,
há
mais
de
duas
décadas,
os
seus
componentes
não
têm
por
que
continuar
colocando
suas
esperanças
numa
restauração
do
pleno
emprego
e
dos
direitos
sociais,
que
seus
pais
haviam
conquistado
(Singer,
2018,
p.33).
Nestes
termos,
como
observa
Wellen
(2008)
a
economia
solidária
coloca-se
como
um
projeto
que
busca
substituir
a
centralidade
do
trabalho
como
fonte
de
valor
da
mercadoria
por
características
individuais
que
lhe
eram
peculiares,
qualidades
como
a
consciência
social.
Nos
termos
de
Yunus
e
Jolis,
"objetivos
sociais"
podem
substituir
a
ganância
como
uma
poderosa
força
motivadora.
Se
forem
bem
dirigidas,
às
empresas
orientadas
para
a
consciência
social
podem
se
sair
muito
bem
no
mercado,
competindo
com
as
outras
baseadas
na
ganância"
(Yunus;
Jolis,
2006,
p.
264).
Esta
compreensão
está
presente
nas
formulações
de
Singer
(2018)
quando
o
autor
defende
que
o
fazer
econômico
dos
grupos
autogestionários
baseado
na
solidariedade
é
a
chave
para
o
fim
da
exploração
do
trabalho
e
a
inauguração
de
um
novo
modelo
alternativo
ao
capitalismo.
Para
ele,
a
economia
solidária
não
teria
uma
conciliação
possível
com
o
capitalismo
porque
“o
ideal
dos
que
fazem
a
economia
solidária
é
uma
sociedade
de
iguais”,
ao
contrário
do
capitalismo
que,
nas
palavras
de
Singer,
“o
princípio
reitor
é
a
competição,
logo
a
prática
da
colaboração
entre
concorrentes
é
proibida
como
delito”
(Singer,
2018,
p.167).
Desta
forma,
para
o
autor
a
autogestão
tem
como
principal
mérito
o
desenvolvimento
humano
proporcionado
aos
participantes,
não
a
eficiência
econômica,
embora
ela
seja
necessária.
8
Paul
Singer
foi
um
economista
autodeclarado
socialista
utópico
e
um
dos
fundadores
do
PT.
É
reconhecido
como
o
maior
teórico
na
economia
solidária
no
Brasil.
Em
2003,
foi
escolhido
como
secretário
da
SENAES,
permanecendo
no
cargo
até
2016.
15
Em
nossa
interpretação
há
um
esvaziamento
das
determinações
histórico,
políticas
e
econômicas
que
atravessam
esta
experiência
ao
mesmo
tempo
em
que
os/as
trabalhadores/as
são
esvaziados
como
sujeito
políticos
nas
figuras
de
sócios
dos
empreendimentos
econômicos
solidários
(EES)
e
mobilizados
pela
solidariedade
aprofundando
a
reificação
de
que
os
EES
seriam
capazes
de
criar
no
seu
interior
relações
completamente
suspensas
do
capitalismo
ainda
vigente.
Neste
processo,
a
economia
solidária
passou
a
fomentar
e
apoiar
a
“inclusão
socioprodutiva”
de
grupos
reconhecidos
como
socialmente
vulneráveis
e
que
enfrentam
dificuldades
de
inserção
no
mercado
de
trabalho
assalariado
formal,
como
é
o
caso
das
mulheres
negras.
Num
primeiro
momento
convém
destacar
que
há
uma
invisibilidade
da
mulher
negra
no
âmbito
da
própria
economia
solidária
que
se
expressa
na
ausência
da
incorporação
da
dimensão
de
gênero
e
raça/etnia
no
âmbito
do
programa,
conforme
aponta
Leite
e
Souza
(2010).
Também
se
expressa,
nos
ainda
poucos
dados
e
estudos,
que
enfatizam
a
condição
das
mulheres
negras
nessas
atividades.
Apesar
disso,
através
dos
dados
disponibilizados
pelo
Sistema
de
Informação
em
Economia
Solidária
9
(SIES),
desenvolvido
pela
SENAES,
mapeamos
alguns
elementos
que
auxiliam
na
nossa
reflexão.
De
modo
mais
geral,
as
condições
de
trabalho
encontradas
nos
empreendimentos
de
economia
solidária
não
fogem
muito
aos
demais
trabalhos
precários,
que
como
já
vimos
anteriormente,
são
um
traço
permanente
no
histórico
das
mulheres
negras.
Silva
e
Kappes
(2016)
explicitam
algumas
características
comuns
aos
empreendimentos
solidários
que
são
grandes
empecilhos
para
os/as
trabalhadores/as:
o
alto
nível
de
informalidade,
a
falta
de
garantias
trabalhistas
e
os
problemas
de
viabilidade
econômica.
Das
quatro
formas
de
organização
dos
grupos
de
economia
solidária
identificadas
no
último
mapeamento
nacional
(2009-2013)
–
associações,
9
Os
dados
referentes
aos
Empreendimentos
Econômicos
Solidários
(EES)
tem
base
no
Segundo
Mapeamento
Nacional
de
Empreendimentos
Solidários
no
Brasil,
realizado
entre
2009
e
2013.
A
pesquisa
foi
organizada
pela
Secretaria
Nacional
de
Economia
Solidária
(SENAES)
e
deu
continuidade
ao
primeiro
mapeamento
realizado
em
2007.
Em
2013
também
foi
realizada
uma
pesquisa
amostral
através
da
aplicação
de
um
questionário,
nas
cinco
regiões
do
país,
trazendo
detalhes
de
quase
3
mil
pessoas
associadas
aos
EES
e
mostrando
os
impactos
gerados
por
sua
participação
na
Economia
Solidária.
Contudo,
em
2017,
a
Secretaria
foi
rebaixada
a
Subsecretaria
pelo
então
presidente
Michel
Temer
e,
em
2019,
no
Governo
de
Jair
Bolsonaro,
foi
extinta,
assim
como
o
Ministério
do
Trabalho.
Nesse
contexto,
não
houve
novos
mapeamentos.
A
SENAES
foi
reativada
pelo
governo
Lula
em
2023,
mas
ainda
não
apresentou
uma
nova
pesquisa.
Embora
os
dados
não
sejam
recentes,
em
nossa
perspectiva,
as
tendências
apresentadas
continuam
atuais.
16
cooperativas,
grupos
informais
e
sociedades
mercantis
–
observamos
a
predominância
de
associações,
com
60%
do
total
e
de
grupos
informais,
com
30,5%.
Esses
números
sinalizam
a
fragilidade
institucional
da
maioria
dos
empreendimentos.
Tanto
as
associações
10
5
quanto
os
grupos
informais
são
limitados
em
termos
de
atividade
comercial
e
capacidade
de
crescimento,
mas
são
os
formatos
mais
acessíveis
para
as
parcelas
da
população
que
se
inserem
na
economia
solidária
(Silva
e
Carneiro,
2016).
Vale
ressaltar
que
é
nesses
grupos
que
a
maioria
das
mulheres
sobressaem,
ou
seja,
como
dito
anteriormente
dentre
o
grupo
daqueles
que
empreendem
por
necessidade.
A
falta
de
garantias
trabalhistas
também
é
corriqueira.
Nos
ESS
voltados
à
produção,
menos
de
2%
dos
participantes
têm
direito
a
férias
remuneradas
e
7,19%
à
previdência
social.
Essa
realidade
não
muda
muito
nos
demais.
Isso
porque
nos
EES
de
comercialização
os
números
são
respectivamente
6,7%
e
12,6%,
nos
EES
de
serviços
são
respectivamente
8,7%
e
15,6%
e
nos
EES
de
consumo
1,3%
e
4,3%.
Apenas
nos
empreendimentos
de
poupança
há
mais
40%
dos
sócios
com
direito
a
descanso
remunerado
e
previdência.
Segundo
Silva
e
Kappes
(2016),
a
maioria
dos
sócios
não
têm
acesso
a
nenhum
direito
trabalhista,
característica
que
não
se
restringe
apenas
aos
empreendimentos
informais.
A
sustentabilidade
dos
grupos
produtivos
autogestionários
também
é
frágil
e
suas
atividades
têm
baixíssimo
impacto
econômico.
Os
rendimentos
gerados
pelos
empreendimentos
mal
sobram
após
os
pagamentos
das
despesas
básicas.
Cerca
de
76%
dos
EES
tem
como
finalidade
comercializar
bens
e
serviços,
e
enfrentam
grandes
dificuldades
para
realizar
isso.
Segundo
Silva
e
Carneiro
(2016),
dos
EES
mapeados,
61,7%
afirmou
ter
alguma
dificuldade
na
comercialização.
Entre
as
principais
dificuldades
elencadas
por
eles,
destacamos:
a
falta
de
capital
de
giro,
a
estrutura
inadequada
para
a
comercialização
e
o
elevado
custo
de
transporte,
além
da
concorrência
dos
intermediários
comerciais.
O
cenário
exposto
acima
reitera
mais
uma
vez
como
o
fetiche
do
autoemprego
é
duramente
confrontado
pela
própria
realidade.
Embora
a
economia
solidária
se
autodeclare
uma
outra
“economia
alternativa”
os
“ditos
segmentos
vulneráveis”
são
tratados
como
uma
mera
consequência
dos
parcos
marcos
legais
10
Silva
e
Carneiro
(2016)
sinalizam
que
as
associações
constituam
uma
alternativa
intermediaria
de
formalização
que,
devido
a
sua
simplicidade
jurídica,
são
limitadas
em
termos
de
atividade
comercial.
Sendo
proibidas
pelo
Código
Civil
brasileiro
de
exercer
atividade
econômica
e
emitir
nota
fiscal
de
seus
produtos.
17
para
regulamentação
dos
empreendimentos
solidários.
São
como
pontas
soltas
reparáveis
a
partir
da
devida
formação
e
assessoria
técnica.
Contudo,
ao
levarmos
em
consideração
os
processos
históricos
e
contemporâneos
de
transformação
da
sociedade
capitalista,
compreendemos
que
a
economia
solidária
não
se
diferencia
das
demais
atividades
informais
que
proliferam
na
contemporaneidade,
respondendo
inclusive,
às
necessidades
atualizadas
do
padrão
de
acumulação.
Segundo
Barbosa
(2007)
encontramos
no
programa
economia
solidária
atividades
que
se
associam
a
gestão
da
pobreza
e
barateamento
da
reprodução
da
força
de
trabalho
mal
remunerada
da
informalização
e
atividades
que
subordinam
seus
processos
de
trabalho
a
grandes
empresas
contratantes
para
conseguir
prolongar
sua
sobrevivência,
sendo
uma
maneira
de
manter
a
acumulação
capitalista
atualizada
e
rentável.
Sendo
assim,
para
as
mulheres
negras,
as
condições
de
trabalho
encontradas
na
economia
solidária
evidenciam
uma
continuidade
da
precarização
do
trabalho.
No
entanto,
cabe
ainda
alguns
apontamentos
sobre
o
tipo
de
atividade
desempenhada
por
elas
já
que,
em
nossa
perspectiva,
reafirmam
o
velho
desenho
da
divisão
sexual
e
racial
do
trabalho.
Ao
questionarmos
sobre
o
lugar
da
trabalhadora
negra
na
economia
solidária,
nos
deparamos
com
a
deficiência
dos
dados
disponíveis
no
SIES
que
não
permitem
muitas
conclusões
a
respeito
da
população
segundo
a
raça/cor,
como
aponta
Leite
e
Souza
(2010).
No
entanto,
em
relação
ao
gênero
é
possível
perceber
a
recomposição
das
mulheres
nos
setores
que
representam
uma
extensão
do
trabalho
doméstico,
em
particular
o
predomínio
das
mulheres
nos
setores
de
costura
e
alimentação,
na
reciclagem
e
no
setor
de
calçados.
Os
homens
predominam
nas
fábricas
recuperadas
e
nos
empreendimentos
de
profissionais
(Leite;Souza,
2010).
Evidencia-se,
pois,
que
as
mulheres
se
inserem
na
economia
solidária
a
partir
do
velho
lugar
arranjado
pela
divisão
sexual
e
racial
do
trabalho.
Elas
buscam
as
atividades
que
correspondem
aos
seus
saberes
tradicionais
e
partilhados.
A
partir
do
que
foi
visto
até
aqui,
compreendemos
que
não
apenas
a
desigualdade
nas
relações
sociais
de
gênero
vem
moldando
os
contornos
da
inserção
das
mulheres
nos
EES.
Assim,
compreendemos
a
essência
das
semelhanças
entre
os
circuitos
de
feiras
de
economia
solidária
-
um
dos
principais
instrumento
de
escoamento
do
que
é
produzido
–
com
o
comércio
realizado
pelas
mulheres
negras
ganhadeiras
pelas
ruas
do
Brasil
oitocentista.
O
que
elas
fazem
hoje
na
economia
solidária
não
difere
18
tanto
do
que
suas
ancestrais
faziam
para
sobreviver:
a
venda
de
alimentos,
bebidas,
artesanatos,
tecidos,
roupas,
utensílios
e
outras
mercadorias
de
produção
própria.
Ressaltamos
que
essas
atividades
sempre
foram
de
grande
importância
para
a
população
negra
mediante
a
um
escasso
cenário
de
possibilidades
e
urgência
de
atendimento
às
necessidades
básicas
de
sobrevivência
imediatas.
Entretanto,
a
existência
desses
espaços
de
comercializações
nunca
foi
perigosa
para
o
desenvolvimento
do
modo
de
produção
vigente.
Ao
contrário,
parte
dos
ganhos
eram
designados
aos
senhores
de
engenho.
Além
disso,
precisamos
desnaturalizar
a
perpetuação
de
um
restrito
e
precário
lugar
para
as
mulheres
negras
no
mundo
do
trabalho.
Não
há
uma
aptidão
natural
para
essas
atividades,
mas
sim
as
desigualdades
sociais
costuradas
pela
questão
racial
e
das
relações
sociais
de
gênero
limitando
as
suas
possibilidades
como
vimos
anteriormente.
Conforme
Neves
(2021)
destaca,
a
partir
da
sua
inserção
enquanto
mulher
negra
nos
espaços
de
construção
política
do
fórum
de
economia
solidária,
as
mulheres
negras
têm
a
sua
ocupação
dificultada
nos
cargos
representativos
e
de
tomadas
de
decisões
internas.
Sob
o
pretexto
de
uma
falsa
incapacidade
ou
desinteresse
das
mulheres
negras
em
exercer
funções
na
gestão
dos
empreendimentos,
o
que
expressa
o
preconceito
e
o
racismo.
Além
disso,
mesmo
os
empreendimentos
sendo
desenvolvidos
majoritariamente
por
mulheres,
que
estão
incorporadas
nos
processos
de
organização,
produção
e
de
comercialização,
Neves
(2021)
alerta
que
a
gestão
interna
costuma
ser
feita
por
homens
que
estão
inseridos
na
coordenação
administrativa,
financeira
e
política
dos
empreendimentos,
das
entidades
de
apoio,
das
incubadoras
e
mesmos
nos
fóruns
de
economia
solidária.
Assim,
mesmo
evocando
valores
democráticos
e
solidários,
ainda
não
dissociaram
as
mulheres
negras
do
trabalho
meramente
braçal,
que
reproduz
os
fios
coloniais.
Considerações
Finais
As
análises
desenvolvidas
neste
artigo,
evidenciam
o
que
cantou
o
samba
da
Mangueira
de
2019,
há
em
nosso
país
uma
“história
que
a
história
não
conta”
um
“avesso
do
mesmo
lugar”.
A
realidade
da
população
negra
neste
país
é
esse
avesso.
No
caso
das
mulheres
negras,
desde
o
período
colonial,
baseado
na
escravização,
as
mulheres
são
exploradas
e
barbarizadas
não
apenas
na
sua
19
capacidade
de
trabalho,
mas
em
seus
corpos.
A
marca
da
escravização
se
espraia
para
as
relações
de
trabalho
livre,
marcando
a
ferro
o
lugar
e
as
atividades
que
são
destinadas
às
mulheres
negras,
consideradas
menos
“aptas”
para
as
atividades
consideradas
de
repertório
intelectual.
O
desenvolvimento
do
capitalismo
dependente
brasileiro
acentua
a
superexploração
sobre
os
corpos
negros
e,
atualiza,
no
avanço
neoliberal,
o
lugar
do
desemprego,
informalidade,
baixos
salários
e
condições
degradantes
ou
voltadas
ao
cuidado
como
as
mucambas
que
podiam
frequentar
a
casa
grande.
Dados
da
OIT
de
2013
confirmam
essa
afirmação
quando
destacam
que
meninas
negras
representam
93%
das
crianças
e
adolescentes
ocupadas
em
trabalhos
domésticos
(Sarres,
2013).
Neste
sentido,
compreender
a
condição
da
mulher
negra
no
mercado
de
trabalho
significa
resgatar
os
elementos
fundantes
da
nossa
formação
social
evidenciando
o
fio
de
continuidade
que
cristalizou
atividades,
e
“aptidões”
para
essas
mulheres.
Ao
mesmo
tempo,
quando
analisamos
as
configurações
atuais
do
mercado
de
trabalho,
especialmente
no
que
se
refere
à
economia
solidária,
identificamos
que
não
se
altera
o
lugar
subalternizado
a
que
mulheres
negras
estão
associadas
nas
ditas
atividades
“solidárias”.
Evidencia-se,
pois,
que
para
este
lugar
no
mundo
do
trabalho
da
mulher
negra
ser
deslocado,
é
fundamental
o
desmonte
do
sistema
que
alimenta
a
precarização
e
exploração
da
classe
trabalhadora.
Só
assim,
teremos
a
real
valorização
das
mulheres
negras
trabalhadoras.
Diferente
de
abordagens
que,
no
interior
do
debate
sobre
a
economia
solidária
e
feminista,
defendem
que
existe
certo
protagonismo
das
mulheres
nessas
experiências
que
acarretam
a
transformação
da
sociedade
via
trabalho
“solidário”
e
de
“proximidade”,
a
nosso
ver,
o
conteúdo
solidário
vêm
servindo
a
mistificação
das
situações
de
exploração,
precarização
das
condições
de
trabalho
e
baixas
remunerações
de
mulheres
que
incorporam
moldes
tradicionais
estratificados
por
gênero
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