V.22, 48 - 2024 (maio-agosto) ISSN: 1808-799 X
Dissertação de Mestrado1
SILVA, Luciano Edison da2.Educação e força de trabalho em uma economia
primário-exportadora: o panorama das ocupações para egressos do ensino
médio da microrregião de Capanema PR. 2020. 220f. Dissertação (Mestrado em
Educação) UNIOESTE, Cascavel.
Resumo expandido
As inquietações que motivaram esta pesquisa remontam à trajetória discente
desde a educação básica até a universitária, sempre ponderando a continuidade dos
estudos versus a inserção no mercado de trabalho. Como docente, a mesma
angústia é vivenciada diante da alta evasão de jovens na última etapa da educação
básica. A partir de 2016, com as primeiras experiências de pesquisa no Instituto
Federal de Rondônia, essa aflição adquiriu um contorno mais científico, investigando
as motivações desse movimento centrífugo no ensino médio.
Partindo de uma leitura mais mediada, esse abandono escolar é entendido
como parte de um "cálculo escolar", onde o ensino médio pode se tornar uma
terceira jornada de trabalho para filhos da classe trabalhadora (Kuenzer, 2007). A
pesquisa se ancorou em dados de 2007 a 2017, de diversas fontes como o
Ministério da Educação, Ministério do Trabalho e Emprego, Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados, Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Outros estudos
e relatórios, com dados tratados e fundamentados em referência teórico sobre a
temática transição escola-trabalho, possibilitou um quadro com mais fundamentação
sobre a temática. Para mensurar a movimentação desse cenário de empregos
2Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Professor de
Sociologia no Instituto Federal do Paraná, campus Capanema. E-mail: Luciano_soc@yahoo.com.br.
Lattes: https://lattes.cnpqbr/4941396946231360. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6449-3447.
Dissertação defendida em 04 de dezembro de 2020, orientado pelo Prof. Drº Roberto Antonio Deitos.
Link para a dissertação: https://tede.unioeste.br/handle/tede/5269.
1Resumo expandido de dissertação, recebido em 22/05/2024. Aprovado pelos editores em
25/07/2024. Publicado em 07/08/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i48.63044.
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disponíveis, foram tratados somente aqueles formais, ativos no sítio do MTE nos
referidos anos para admissão, filtrados pela Classificação Brasileira de
Ocupações(CBO).
A partir da adoção desta metodologia, um movimento catalisador significativo
na dinâmica do mercado de trabalho foi a análise da estrutura econômica brasileira,
historicamente marcada pela produção de commodities, notadamente
agropecuárias. Assim, partiu-se de uma fundamentação materialista, segundo a qual
a estrutura econômica influencia a superestrutura. Logo, a educação, bem como
todas as políticas de Estado, ajusta-se para atender sua demanda. É a partir dela,
com suas relações de produção, que se constitui o fundamento sobre o qual se
edificam as instituições e ideias de uma sociedade, conforme explica Marx (1996).
É nesse contexto que a educação se posiciona para fornecer força de
trabalho nos termos dessa economia. A provocação de Mészáros (2008), “[...]
digam-me onde está o trabalho em um tipo de sociedade que eu te direi onde está a
educação” (p. 17), aponta a bússola para desvelar a escola. Nesse sentido, Frigotto
(2006) explica que a educação internaliza os princípios formativos e educativos do
sistema econômico, moldando-se ao tipo de economia em curso. No mesmo
caminho, Xavier (1990) reforça que a escola se adequa às condições materiais e
ideológicas geradas pelos avanços econômicos.
A figura abaixo confirma uma participação cada vez mais reduzida da
indústria manufatureira na economia brasileira, o que trará influxos sobre a
educação e os postos de trabalho para atender os setores básicos em crescimento.
Figura 1: Brasil: Participação da indústria de transformação no PIB, em %
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Em recrudescimento desde o final dos anos 1980 (Cano, 2012), a exportação
de commodities, que era de 50% em 1994, atingiu 64,6% em 2010 (ApexBrasil,
2011). Em 2017, contudo, o país registrou 62,8% de exportações de produtos
primários, segundo a United Nations Conference on Trade and Development
(Unctad), caracterizando o Brasil como dependente desse mercado.
Esse processo reverberou na movimentação do mercado de trabalho de baixo
agregado tecnológico, com qualificações medianas, determinado pelo investimento
adotado pelas empresas (Maciente, 2013). Logo, as ocupações foram voltadas para
atividades menos complexas, conforme explica Saboia (2009). Isso ocorre porque o
mercado brasileiro exerce pouca pressão por força de trabalho de média e alta
qualificação tecnocientífica, devido à manutenção de atividades tecnicamente
arcaicas e de baixa produtividade, como sublinha Saboia.
Conforme indicado na tabela de ocupações, embora atividades mais
complexas, como os grandes grupos 2 (GG2) e 3 (GG3) (respectivamente
ocupações que requerem domínio do ensino superior e técnico), tenham
apresentado um avanço absoluto, elas recuaram em termos de representatividade
no total geral.
A apresentação desse quadro ocorreu através de quatro capítulos. O primeiro
expõe as motivações da pesquisa e os cenários identificados de forma preliminar. A
questão central da pesquisa, foi entender por que a melhoria nos indicadores
educacionais não se traduz em melhores postos de trabalho, especialmente para os
jovens concluintes da educação básica.
No segundo capítulo, investigou-se a formação do Estado brasileiro e os
mecanismos que levaram ao desenvolvimento de uma indústria subdesenvolvida
(FURTADO, 2005). A constituição do Brasil visava atender à exploração de produtos
primários destinados ao mercado europeu e, por isso, não demandava alta
qualificação nem níveis complexos de conhecimento na produção (Prado JR, 1981).
Esse modelo agressivo, de aperfeiçoamento técnico praticamente inexistente
até o início do século XIX, conduziu a um desenvolvimento econômico mais
quantitativo do que qualitativo (Holanda, 1995). Nem mesmo a independência da
metrópole visou romper com a estrutura colonial nos termos da revolução burguesa
europeia (Fernandes, 1976). A ruptura do pacto colonial permitiu constituir uma nova
ordem social e trouxe a autonomia que as elites nativas necessitavam.
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Nem mesmo os ventos liberais e democráticos foram capazes de abalar essa
estrutura, explica Faoro (2001). A revolução dentro da ordem deveria produzir,
segundo Fernandes (1976), os mesmos efeitos coloniais. Assim, o liberalismo
adotado pelas elites foi fundamentalmente econômico e apenas virtualmente político.
Dessa forma, sem completar o ciclo de uma industrialização madura, o que se
observa é uma economia caracterizada pela desindustrialização prematura e
reprimarização (Berriel, 2016; Bresser-Pereira, Marconi, Oreiro, 2014). A tabela
abaixo destaca o avanço dos NCITs (produtos não classificados pela indústria de
transformação) e o recuo naquelas de maior agregado tecnológico
Tabela 1 Brasil: Evolução da produção por intensidade tecnológico dos produtos exportados
entre 1997 e 2017, em dólar
Fonte: MDIC 1997; 2007; 2017
Com políticas receptivas a produtos agropecuários e outras commodities,
destaca Cano (2012), o movimento das ocupações para esse mercado e a formação
da força de trabalho segue o mesmo percurso, apresentado no terceiro capítulo.
Neste capítulo, sistematizamos os dados do Ministério do Trabalho e
Emprego para o período de 2007 a 2017, que revelam uma evolução lenta nas
ocupações mais complexas. Isso ocorre porque a estrutura econômica estaria
saturada para uma força de trabalho de alta qualificação, sendo incapaz de absorver
esses profissionais em ocupações de alta performance, como aponta Saboia (2009).
Ao analisar as admissões, especialmente aquelas que exigem maior competência e
complexidade, como as atividades do GG3 da CBO, uma baixa representação no
cômputo geral.
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Tabela 2 Brasil: Admissão de ocupações registradas nos Grandes Grupos da CBO, para os
anos de 2017 e 2007, de janeiro a dezembro
Fonte: MTE/Caged, 2007; 2017
Mesmo apresentando variações positivas em admissões entre um período e
outro, os GG2 e GG3, a representação respectiva não ultrapassa 12% e 9% das
admissões gerais. Contudo, para o estrato juventude um avanço de 3,64% para o
primeiro e uma retração de 3,59% no segundo.
Na leitura desse quadro, Deitos e Lara (2016) explicam que a composição da
força de trabalho reflete a política educacional moldada pela base econômica.
Segundo eles, as habilidades mínimas oferecidas pelo sistema educacional são
suficientes para atender à estrutura econômica existente, preservando as vantagens
produtivas.
É nesse contexto que o quarto capítulo insere a Microrregião de Capanema
(MRC), composta por seus oito municípios: Ampére, Bela Vista da Caroba,
Capanema, Pérola d'Oeste, Planalto, Pranchita, Realeza e Santa Izabel do Oeste.
Concentrada pelo setor primário, a produção de soja e de frango da região se
destina em grande parte ao mercado externo, conforme dados do MDIC
Com registro de crescimento da monocultura, a região apresenta fortes laços
com a produção familiar, pequenas propriedades de produção de mandioca, fumo,
feijão, erva-mate, aveia, batata, cana-de-açúcar, mel, ovinos, caprinos etc. São
espaços que continuam como grandes empregadores e fonte de renda na região
(Martins, 2018). Contudo, com exceção de Ampére, Capanema e Pranchita, todos
os outros se enquadram como municípios de baixo desempenho na dimensão de
renda, mesmo registrando avanços na oferta em todos os níveis da educação, como
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é o caso da presença do Instituto Federal do Paraná, campus Capanema e
Universidades Federal da Fronteira Sul, campus Realeza.
Em declínio na região, o encolhimento da população jovem, segundo Bosi
(2016) e Martins (2018), é atribuído ao avanço da avicultura, que tem alterado a
estrutura fundiária da área. A avicultura tem se tornado a principal alternativa de
trabalho, especialmente para pessoas com baixa escolaridade, oferecendo salários
achatados, principalmente nos frigoríficos, e resultando em alta rotatividade,
demissões e abandono.
Tabela 3 MRC: 10 ocupações que mais admitiram em 2017 e 2007
Fonte: MTE/Caged, 2007; 2017
As ocupações mais corriqueiras na região, classificadas como GG6
(avicultura) e GG7 (alimentador de linha de produção), demandam um nível de
escolaridade fundamental. Porém, se observa que a maioria dos ocupantes dessas
ocupações possui formação de ensino médio. No cômputo geral das ocupações,
65,6% do total de trabalhadores na Microrregião de Capanema (MRC) possuem
esse nível de escolaridade, indicando uma tendência na composição do estoque de
trabalhadores.
Das considerações feitas, conclui-se que a educação, por si só, não consegue
converter a escolaridade em melhores postos de trabalho, uma vez que os
problemas educacionais não são exclusivamente intraescolares, mas também
extraescolares. Como explica Darcy Ribeiro, a crise da educação não é uma crise,
mas sim um projeto. Assim, as ocupações precárias e de baixa e média performance
que se vislumbram no horizonte dos egressos do sistema educacional brasileiro são
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essenciais para impulsionar o mercado constituído. Nesse sentido, as políticas
educacionais em disputa têm se direcionado predominantemente a atender as
demandas dessa economia, resultando em um investimento reduzido em ciência e
pesquisa, dada a escassa pressão por áreas mais complexas.
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