V.22, nº 49 - 2024 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X
O EMPREENDEDORISMO E A FORMAÇÃO DA JUVENTUDE:
UMA ANÁLISE DO NOVO ENSINO MÉDIO NOS
ESTADOS DO PARANÁ E SANTA CATARINA
1
Ana Cláudia Ferreira dos Santos
2
Aline Daniel dos Santos
3
Franciele Soares dos Santos
4
Resumo
Este artigo está vinculado às pesquisas que estão em desenvolvimento e aborda análises sobre a educação para
o empreendedorismo no Novo Ensino Médio em dois estados: Paraná e Santa Catarina. O objetivo é refletir
sobre a educação para o empreendedorismo presente em suas propostas curriculares. A metodologia adotada
foi o estudo documental e o bibliográfico, com base em pesquisadores que contribuem para o debate. Como
resultado, destaca-se, que paralelo às políticas neoliberais para o Ensino Médio brasileiro, o empreendedorismo
é uma estratégia de dominação da juventude da classe trabalhadora.
Palavras-chave
: Empreendedorismo; Ensino Médio; Formação; Juventude.
ESPÍRITU EMPRESARIAL Y EDUCACIÓN DE LOS JÓVENES: UN ANÁLISIS DE LA NUEVA ESCUELA
SECUNDARIA EN LOS ESTADOS DE PARANÁ Y SANTA CATARINA
Resumen
Este artículo está vinculado a una investigación en curso y analiza la educación empresarial en la Nueva Escuela
Secundaria en dos estados: Paraná y Santa Catarina. El objetivo es reflexionar sobre la educación
emprendedora presente en sus propuestas curriculares. La metodología adoptada fue un estudio documental y
bibliográfico, basado en investigadores que contribuyen al debate. Los resultados muestran que, paralelamente a
las políticas neoliberales para la enseñanza media brasileña, el emprendimiento es una estrategia para dominar
a la juventud de clase trabajadora.
Palabra clave:
Espíritu empresarial; Educación secundaria; Formación; Juventud.
ENTREPRENEURSHIP AND YOUTH EDUCATION: AN ANALYSIS OF THE NEW HIGH SCHOOL IN THE
STATES OF PARANÁ AND SANTA CATARINA
Abstract
This article is associated with ongoing research into entrepreneurship education in the New High School in two
states: Paraná and Santa Catarina. The aim is to reflect on the entrepreneurship education present in their
curricular proposals. The methodology adopted was a documentary and bibliographic study, based on
researchers who contribute to the debate. The results show that, in parallel with neoliberal policies for Brazilian
secondary education, entrepreneurship is a strategy for dominating working class youth.
Keyword
: Entrepreneurship; Secondary education; Training; Youth.
4
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul - Brasil. Professora do
curso de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (UNIOESTE). E-mail:
sfrancielesoares@gmail.com
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8310447915314417D
.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-5115-0127
.
3
Pedagoga. Professora da rede estadual de Santa Catarina. Mestre em Educação pela Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE). E-mail:
alinesantos@sed.sc.gov.br
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6356927402005458
.
ORCID:
https://orcid.org/0009-0007-3807-9737
.
2
Historiadora. Mestranda em educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Paraná - Brasil. E-mail:
anaaclaudiaferrreira@gmail.com
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1266090695607005
.
ORCID:
https://orcid.org/0009-0005-8516-119X
.
1
Artigo recebido em 17/06/2024. Primeira Avaliação em 02/10/2024. Segunda Avaliação em 13/10/2024.
Aprovado em 27/11/2024. Publicado em 05/12/2024. DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.63338
.
1
Introdução
Sabemos que a educação para o empreendedorismo não é novidade do
campo educacional, mas, nos últimos anos, experienciamos a sua disseminação,
especialmente no contexto do Ensino Médio brasileiro. Tem destaque, nesse
processo, a aprovação da contrarreforma do Ensino Médio, em um contexto de
intensificação ofensiva do capital sob a educação escolar, por meio de diferentes
estratégias que estão em consonância com a racionalidade neoliberal vinculada a
um novo modo de produção de si (Dardot; Laval, 2016).
De fato, a aprovação da Lei nº 13.415/2017, que instituiu o Novo Ensino
Médio (NEM), compõe agendas construídas em conjunto com o empresariado, as
quais, por sua vez, representam as coalizões da pedagogia do capital com o setor
empresarial, em que visivelmente compreende-se a educação como um insumo
econômico. Para uma melhor compreensão desse cenário, torna-se importante
considerar que a proposta formativa do NEM e que as determinações engendradas
pelo atual estágio do capitalismo são sustentadas pelo aparato ideológico do
neoliberalismo.
Neste texto, analisamos a inserção do empreendedorismo nas propostas
curriculares de dois estados da região Sul: Paraná e Santa Catarina. Para tanto,
primeiramente, discutimos sobre as transformações no mundo do trabalho, bem
como as estratégias econômicas e ideológicas do capital sob a influência do
neoliberalismo. Na sequência, expomos a origem do conceito de empreendedorismo
e abordamos aspectos da relação do empreendedorismo na educação brasileira.
Após isso, damos destaque ao empreendedorismo nas propostas curriculares do
NEM no Paraná e de Santa Catarina, com o intuito de ressaltar as suas implicações
para a formação da juventude trabalhadora.
Concluímos que, sob a ótica neoliberal, a educação para o
empreendedorismo contribui para a intensificação da competição entre os
indivíduos, por meio da lógica meritocrática, afastando a colaboração e a
solidariedade necessárias para enfrentar desafios coletivos. Dessa forma, os
currículos do NEM dos estados do Paraná e de Santa Catarina privilegiam o
empreendedorismo em detrimento das disciplinas da formação geral básica. Logo, a
prática empreendedora requer da juventude o trabalho incessante, sem momentos
2
de lazer, com um discurso ilusório que defende que o sucesso será alcançado por
meio do intenso esforço e da dedicação individual.
Capitalismo contemporâneo: acumulação flexível e neoliberalismo
No início da década de 1970, o modelo taylorista-fordista alcançou seu limite
estrutural. Foi nesse contexto que o capital passou de sua crise estrutural para a sua
reestruturação produtiva. O modelo toyotista trouxe como consequência uma larga
escala de desemprego; iniciou-se nesse período o desemprego estrutural, com
demissões em massa.
Reis (2019) destaca que, até 1973, os trabalhadores obtinham condições
estáveis de trabalho nas fábricas, pois elas também conviviam no mesmo contexto.
Contudo, a partir desse ano, ocorreu a transição no processo de acumulação do
capital, que se expressou no confronto com a rigidez do fordismo, apoiando-se na
flexibilização do trabalho, do mercado, do produto e do consumo. Nesse paradigma
de incertezas, decorrentes dessa crise, apresentou-se um novo regime de
acumulação, conhecido como acumulação flexível, que
[...] se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.
Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros,
novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de
inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 1993, p.
140).
O processo de acumulação flexível intensifica o desemprego e precariza tanto
o trabalho quanto o trabalhador, com salários escassos e exigências de novas
habilidades; esse foi também um momento de um intenso retrocesso sindical. Em
síntese, flexibilizando as formas de trabalho, impôs-se um outro regime, agora com
contratos flexíveis (Reis, 2019).
Netto e Braz (2012) observam que o capital passa a operar em um processo
de desterritorialização da produção, que acentua ainda mais o caráter desigual. Com
a incorporação das tecnologias às forças produtivas, houve uma redução constante
dos trabalhadores, impacto exposto pelos autores em três sentidos.
3
O primeiro observa o trabalhador coletivo, visto pela expansão das fronteiras.
seguinte refere-se às implicações das novas exigências impostas aos trabalhadores,
como, por exemplo, a necessidade de mão de obra qualificada e polivalente, porém,
com uma consequente insegurança no trabalho.
O terceiro compreende a gestão da força de trabalho, em que o sistema do
toyotismo ganhou relevo. Nesse momento, observou-se também o avanço das
ideias neoliberais por meio do combate ao sindicalismo, fortalecendo, na realidade, o
sindicalismo de empresa (Netto e Braz, 2012).
No plano administrativo, o modelo toyotista é considerado a proposta de
reestruturação do capital; nos planos econômico e plano ideológico, temos o
neoliberalismo
5
, que visa a intervenção mínima do Estado e predominância dos
setores privados. Por outro lado, é uma proposta hegemônica de uma reforma
ideológica da sociedade, impulsionada pela classe dominante. Os governos
neoliberais reformam em diferentes aspectos a realidade, a política, a economia e
demais elementos, com o discurso de ser a única saída para a crise.
Assim, os fundamentos teóricos do liberalismo são aproveitados para a
construção de uma nova política. O neoliberalismo “[...] “reinventado” reside no fato
de se poder pensar a ordem de mercado como uma ordem construída, portanto, ter
condições de estabelecer um verdadeiro programa político [...] visando a seu
estabelecimento e sua conservação permanente” (Dardot; Laval, 2016, p. 82). Sobre
a “agenda”, ou seu programa político, os autores ressaltam:
A agenda do neoliberalismo é guiada pela necessidade de uma
adaptação permanente dos homens e das instituições a uma ordem
econômica intrinsecamente variável, baseada numa concorrência
generalizada e sem trégua. A política neoliberal é requerida para
favorecer esse funcionamento, combatendo os privilégios, os
monopólios e os rentistas. Ela visa a criar e preservar as condições
de funcionamento do sistema concorrencial (DARDOT; LAVAL, 2016,
p. 89-90).
5
As raízes do neoliberalismo estão localizadas no liberalismo, surgido ainda no século XVII, sendo
um conjunto de pensamentos ou teorias políticas e econômicas que defendia como princípio a
liberdade individual. O liberalismo lutava contra um regime político monárquico, embora esse sistema
liberal também buscasse a ascensão de uma classe ao poder, a burguesia. Assim, a ideia era formar
o estado burguês, naturalizando práticas e instituições, sustentando a ideia de liberdade, mas
realmente se tratava de liberdade para a burguesia, que dominava os meios de produção, o aparato
do Estado e os corpos subalternos. Segundo Bianchetti (2001), o termo liberalismo pode ser expresso
em três sentidos: como uma visão de mundo ou de conhecimento focado no indivíduo; como princípio
político que se importa com a origem do poder; e como pensamento econômico baseado nas leis do
mercado que alicerçam as produções capitalistas.
4
Nessa perspectiva, as políticas neoliberais devem “[...]
mudar o próprio
homem
. Numa economia em constante movimento, a adaptação é uma tarefa
sempre atual para que se possa criar uma harmonia entre a maneira como ele vive e
pensa e as condicionantes econômicas às quais deve se submeter” (Dardot; Laval,
2016, p. 91, grifos do autor). Nesse complexo contexto, com a fragmentação da
classe trabalhadora, vivencia-se um momento de crises individuais, conforme
esclarecem Dardot e Laval (2016), em que se transferem todas as causas em
responsabilidades ou fracassos individuais. Dessa maneira, “[...] o indivíduo deve ser
responsável por si mesmo, responder por seus atos diante dos outros e ser
inteiramente calculável” (Dardot; Laval, 2016, p. 350-351). Desse modo, ser
“empreendedor de si mesmo” significa conseguir ser o instrumento de seu próprio
sucesso social e profissional. Almeja-se, então, um sujeito que se expõe à
concorrência e que intensifica o seu desempenho, pois “o empreendedor de si é um
ser feito para “ganhar”, ser “bem-sucedido”” (Dardot; Laval, 2016, p. 353). A
concorrência generalizada faz com que o sujeito esteja inserido em uma “luta pela
vida”, na qual somente os mais fortes e aptos sobrevivem, e todos querem ser os
campeões. Ainda conforme ponderam os autores,
[...] é pela combinação da concepção psicológica do ser humano, da
nova norma econômica da concorrência, da representação do
indivíduo como “capital humano”, da coesão da organização pela
“comunicação”, do vínculo social como “rede”, que se construiu
pouco a pouco essa figura de “empresa de si” (DARDOT; LAVAL,
2016, p. 358).
A chave para um bom desempenho é a motivação, como salientam Dardot e
Laval (2016), e o sucesso, nessa lógica, é considerado o valor supremo, “a gestão
neoliberal da empresa, interiorizando a coerção de mercado, introduz a incerteza e a
brutalidade da competição e faz os sujeitos assumi-las como um fracasso pessoal,
uma vergonha, uma desvalorização” (p. 363). Por sua vez, o trabalho não oferece
mais estabilidade aos trabalhadores, os quais, muitas vezes, construíam carreiras
sólidas, como já mencionado, porém, a instabilidade faz parte do mundo profissional
do século XXI, e o trabalhador não conta mais com a experiência que adquiriu
realizando determinada função.
5
Nesse cenário, o empreendedorismo surge como a iniciativa de gerar
negócios novos (empresas, microempresas) ou alterar a organização dos já
existentes. Relaciona-se com a criação de novos produtos e modelos empresariais,
com novas tecnologias e com a capacidade de assumir risco no mercado. Reis
(2019) argumenta que a questão de geração de renda varia conforme a capacidade
individual de empreender, contudo, os sistemas educacionais são necessários para
a inserção dessa proposta, sendo “[...] incentivados a criar um novo perfil de
trabalhador, o trabalhador/empreendedor” (Reis, 2019, p. 61).
A emergência do empreendedorismo e sua inserção na educação brasileira
Na atualidade, o desemprego estrutural, a fragmentação e a precarização do
trabalho fazem surgir um novo tipo de trabalhador ou o novo proletariado de
serviços. Antunes explica que esse novo proletário “[...] aparece nesse personagem
como descrente em relação ao futuro, resignado e ao mesmo tempo descontente
quanto ao presente” (2020, p. 25). Observamos, nessa nova forma de trabalho, a
instabilidade e a insegurança como constantes, pois o trabalho não é determinado
pela quantidade de horas trabalhadas, e não há muitas vezes sequer contrato,
consequentemente, não há direitos assegurados. Podemos, portanto, denominá-lo
de trabalho intermitente, situação na qual as grandes empresas se aproveitam
(exploram) dos trabalhadores, em um contexto que “[...] expande-se a “uberização”,
amplia-se a “pejotização”, florescendo uma nova modalidade de trabalho: o escravo
digital. Tudo isso para disfarçar o assalariamento” (Antunes, 2020, p. 25).
Antunes (2020) explica que, a Indústria 4.0
6
insere tecnologias no processo
produtivo tornando-o mais automatizado, robotizado e controlado digitalmente. Para
o pesquisador, isso produz um vilipêndio com relação ao trabalho, provocando a
“escravidão digital”, pois o trabalhador não tem mais uma quantidade de horas a
cumprir, mas fica sempre disponível ao trabalho em tempo integral, negligenciando a
sua vida fora do trabalho. Ainda na obra supracitada, o autor complementa:
6
Conforme pontua Antunes (2020), a Indústria 4.0 nasceu na Alemanha, em 2011, com objetivo de
promover um salto tecnológico para o mundo produtivo, estruturando-se na utilização das novas
tecnologias da informação e comunicação (TICs). O autor destaca que “a principal consequência da
Indústria 4.0 para o mundo do trabalho será a ampliação do trabalho morto, [...] com a consequente
redução do trabalho vivo, viabilizada pela substituição de atividades tradicionais e mais manuais por
ferramentas automatizadas e robotizadas, sob o comando informacional-digital” (ANTUNES, 2020, p.
14).
6
Quando entram em cena os enxugamentos, as reestruturações, as
“inovações tecnológicas da
Indústria 4.0
”, enfim, as reorganizações
comandadas pelos que fazem a “gestão de pessoas” e pelos que
formulam as tecnologias do capital, o que temos é mais
precarização, mais informalidade, mais subemprego, mais
desemprego, mais trabalhadores intermitentes, mais eliminação de
postos de trabalho,
menos pessoas trabalhando com os direitos
preservados
. Para tentar “amenizar” flagelo, propaga-se em todo o
canto um novo subterfúgio: o “empreendedorismo”, no qual todas as
esperanças são apostadas e cujo desfecho nunca se sabe qual será
(ANTUNES, 2020, p. 41, grifos do autor).
Diante desse cenário, o empreendedorismo surge como uma palavra
mistificadora. Conforme salienta Antunes (2020), ela expressa que basta ao
indivíduo querer que ele consegue. Utilizando-se da imagem ilusória da
prosperidade, instigam-se os indivíduos, principalmente os jovens, a serem
empreendedores, retirando-se da condição de assalariados. Esse fenômeno tem
como ferramenta para expansão do seu discurso ideológico a mídia, atraindo os
indivíduos para fazerem parte desse novo proletariado, que, como apregoa esse
discurso, não é submisso, mas sim patrão e empresário de si mesmo.
Para o autor, “a transferência de capacidades intelectuais para a maquinaria
informatizada, que se converte em linguagem da máquina própria da fase
informacional, por meio dos computadores, acentua a transformação de
trabalho
vivo
em
trabalho morto
” (2009, p. 216, grifos do autor).
Potencializa-se, desse modo, o maquinário e alavancam-se o desemprego;
homens e mulheres que dependem do trabalho para sobreviver, nesse contexto,
[...] encontram, cada vez mais, situações instáveis, precárias, ou
vivenciam diretamente o flagelo do desemprego. Isto é, ao mesmo
tempo que se amplia o contingente dos trabalhadores e
trabalhadoras em escala global, há uma redução imensa dos
empregos; aqueles que se mantêm empregados presenciam a
corrosão dos seus direitos sociais e a erosão de suas conquistas
históricas, consequência da lógica destrutiva do capital que,
conforme expulsa centenas de milhões de homens e mulheres do
mundo produtivo (em sentido amplo), recria, nos mais distantes e
longínquos espaços, novas modalidades de trabalho informal,
intermitente, precarizado, “flexível”, depauperando ainda mais os
níveis de remuneração daqueles que se mantêm trabalhando
(ANTUNES, 2020, p. 27).
7
O autor afirma que essas novas formas de trabalho ocultam o assalariamento
por meio do trabalho autônomo, exemplificando essa nova categoria com a empresa
Uber:
[...] trabalhadores e trabalhadoras com seus automóveis, isto é, com
seus instrumentos de trabalho, arcam com suas despesas de
seguridade, com gastos de manutenção dos veículos, de
alimentação, limpeza etc., enquanto o “aplicativo” – na verdade, uma
empresa privada global de assalariamento disfarçado sob a forma de
trabalho desregulamentado – apropria-se do mais-valor gerado pelo
serviço dos motoristas, sem preocupações com deveres trabalhistas
historicamente conquistados pela classe trabalhadora (ANTUNES,
2020, p. 37).
Com esse exemplo, podemos analisar o quanto o capital explora da classe
que trabalha; a lucratividade é, acima de tudo, o que importa, e o sujeito é
esquecido, coisificado, visto como um mero objeto a ser manipulado, submetido à
nova organização do trabalho. Assim, “[...] com contratos “zerados”, “uberizados”,
“pejotizados”, “intermitentes”, “flexíveis”, os trabalhadores ainda são obrigados a
cumprir “metas”, impostas frequentemente por práticas de assédio capazes de gerar
adoecimentos” (Antunes, 2020, p. 37).
Antunes (2020) afirma ainda que o capital introduz o sistema de metas, além
da concorrência generalizada já mencionada. O sistema de metas ocasiona no
trabalhador a escravidão digital; não há mais um horário para trabalhar. O capital lhe
informa o que deseja como meta mínima a ser atingida, devendo o trabalhador
laborar mais e mais para que não fique apenas no mínimo, mas para que se
sobressaia diante de seus colegas, que, são na verdade, seus concorrentes.
Antunes também pondera que o precariado é uma classe que se difere das
outras: essa “[...]
nova classe
mais desorganizada, oscilante, ideologicamente difusa
e, por isso, mais vulnerável, mais facilmente atraída por “políticas populistas”,
suscetíveis de acolher inclusive apelos “neofascistas” (2020, p. 60, grifos do autor).
Trabalhos informais, com atividades parciais e até mesmo intermitentes, acentuam a
heterogeneidade da classe trabalhadora.
É possível dizer que há um desmonte na esfera trabalhista. Como resultado,
os índices de desemprego estrutural e as formas precarizadas do trabalho têm se
elevado, assim como a instabilidade é constante e atormenta todos os
trabalhadores. Para Antunes, o trabalhador torna-se “[...] um déspota de si próprio.
8
Ele é instigado a se autorrecriminar e se punir, se a sua produção não atingir a
chamada “qualidade total” (essa falácia mistificadora do capital)” (2009, p. 203).
Nesse cenário, o empreendedorismo exerce importante função para a
reprodução do capitalismo. Ferraz e Ferraz (2022), ao citarem Sandoval (2020),
afirmam que “[...] o empreendedorismo canaliza a atividade humana, dada a sua
lógica capitalista, reduzindo-a ao individualismo, à competição e à racionalidade
instrumental, não sendo possível, portanto, mobilizá-lo sob uma perspectiva
progressista” (p. 106). Analisamos que a problemática do empreendedorismo não
está somente entrelaçada ao viés de uma ideologia empreendedora, mas também
às relações sociais, as quais são determinantes para esse sujeito (Ferraz; Ferraz,
2022).
Nessa perspectiva, para Reis, “o empreendedorismo se constitui num
fenômeno que leva ao avanço da irracionalidade da vida político-social e de
desorganização de formas pregressas de vida, fundado na hegemonia dos novos
arranjos produtivos flexíveis” (2019, p. 123). De acordo com autor, a ideologia do
empreendedorismo exige uma nova organização do Estado, conforme já
mencionado, que passa a se chamar Estado neoliberal, que se caracteriza pelas
políticas que promovem o capital, estando presente em diferentes contextos, como
nas determinações comportamentais para a produtividade e nas políticas de controle
sob a população desempregada.
Desde a década de 1990, no Brasil, estudos têm demonstrado o despertar do
interesse do empresariado ao horizonte pedagógico. Para alguns autores, os
empresários haviam percebido o “valor da educação”. Assim, com as inovações
tecnológicas implementadas pelas empresas, haveria necessidade de
intelectualização do trabalho e a elevação da qualidade educacional dos
trabalhadores. Todavia, analisa-se também que o objetivo do empresariado estava
mascarado, haja vista que a pretensão dos empresários, ao se inserirem no âmbito
educacional, era uma só: formar os trabalhadores para cumprir com as
necessidades do capital (Rodrigues, 2002).
Nessa lógica, o empreendedorismo adentra ao âmbito educacional, como
política neoliberal, e como um projeto pedagógico dominante, veicula a educação ao
mercado de trabalho, com vistas à pedagogia do capital, das competências e da
empregabilidade. O capital vê na educação a forma de concretizar seu maior
9
objetivo, formar um cidadão mínimo, acessível à manipulação e à exploração
(Frigotto, 2002). É imprescindível, nesse momento, destacar o pensamento de
Rodrigues, quando afirma que
A educação foi chamada para resolver as demandas da
industrialização fordista; a educação está sendo agora conclamada a
atender às novas demandas do padrão de acumulação flexível. Em
suma: até então, a educação vem sendo usada como álibi para os
rejeitos de toda a ordem do modo de produção capitalista
(RODRIGUES, 2002, p. 115).
Oliveira (2023) assevera que o capital busca caminhos que aprofundam e
naturalizam a exploração do trabalhador, conformando, assim, a subjetividade do
trabalho em sua nova forma de organização. Sob essa ótica, o discurso ideológico
empreendedor defendido nas políticas neoliberais, e que chega à Educação Básica,
mascara e oculta a precarização e a informalidade. Com uma lógica destrutiva, tem
como escopo formar os jovens trabalhadores para a desqualificação e para o
desemprego. O autor afirma que
[...] o empreendedorismo, cuja implementação atual está
subordinada e interligada ao desemprego, à informalidade e a
precarização, cria condições para o aprofundamento da alienação e
da fetichização, uma vez que em um contexto em que cada
trabalhador é autônomo e trabalha para si, as causas da
intensificação, da desigualdade e da exploração tornam-se cada vez
mais ocultas (OLIVEIRA, 2023, p. 3).
Oliveira (2023) também expõe que a estratégia do empreendedorismo “[...]
vende a crise do capital como uma oportunidade de negócio em que o desemprego,
a precarização e a informalidade funcionam como realidades que justificam e
fundamentam a prática empreendedora como uma realidade necessária” (p. 17). O
empreendedorismo torna-se, desse modo, um discurso contundente do capital para
a classe trabalhadora. O autor ressalta que os empreendedores da classe que
trabalha geralmente não fazem isso como forma de oportunidade, mas sim como a
única forma de sobrevivência.
Coan (2011) atribui a gênese do empreendedorismo aos estudos clássicos da
economia e a autores que discutem a sua vertente no campo da Administração, da
Psicologia e da Sociologia. A popularização do termo foi impulsionada por teóricos
10
econômicos como Richard Cantillon, no século XVIII, e, posteriormente, por
economistas como Joseph Schumpeter, no século XX (Coan, 2011).
As origens do empreendedorismo remontam, como já observamos, ao
contexto econômico no início do século XVI, e seu significado foi sendo
transformado com o tempo. Estudos no século XX indicaram que o
empreendedorismo estava relacionado a características que podiam ser ensinadas.
Essa ideia se espalhou, sendo absorvida e, consequentemente, incorporada ao
currículo de universidades.
No contexto brasileiro, o empreendedorismo encontrou suas raízes no início
da década de 1980, sendo inicialmente difundido pelas universidades e, mais tarde,
em outros níveis de ensino (Coan, 2011). Associado ao contexto neoliberal, o
empreendedorismo emerge como um movimento ou corrente, destacando o
empreendedor como um agente de crescimento econômico e de mudança social. Na
visão neoliberal,
[...] o empreendedorismo é uma estratégia pela qual é transferida ao
trabalhador a atribuição de gerar postos de trabalho, de modo a
garantir ‘ordem e progresso’ capitalistas; é um ardil engendrado pelo
capital e viabilizado pelo Estado, para confundir a oposição das
classes sociais; é uma tentativa de obscurecer a figura do
trabalhador proletário e, desse modo, pôr fim ao sujeito
revolucionário; é, enfim, uma forma pela qual se quer combater o
desemprego, sem possibilitar a relação de emprego (TAVARES,
2018, p. 110).
Além disso, o esforço individual e a resiliência servem como uma base para
esse discurso, que além de culpabilizar o trabalhador por sua condição, também
exige dele uma espécie de resignação para com essa, de forma a minimizar os
questionamentos e isentar o Estado ou a estrutura capitalista pelas mazelas sociais.
Conforme mencionado, uma das características que torna o empreendedorismo uma
peça-chave para a ideologia neoliberal é a sua versatilidade. Se, inicialmente, havia
a necessidade de se incentivar a criação de empresas para suprir as demandas das
grandes corporações, ao longo do tempo, a demanda central foi se alterando, de
acordo com a realidade do mercado, e o discurso empreendedor também foi se
adaptando às novas necessidades do capital.
Ao passo que se necessitava reduzir os postos de trabalho informal, ou
mesmo mascarar a questão do desemprego, o empreendedorismo se apresentou
11
como alternativa, por meio da responsabilização mencionada, tornando o
trabalhador informal um empreendedor, alguém que assume os riscos e movimenta
a economia, diminuindo a carga do desemprego sob a roupagem de uma iniciativa
empresarial, com a promessa de uma riqueza que somente o empreender pode
proporcionar. Essa riqueza é enfatizada no discurso midiático e vendida como
consequência da iniciativa de empreender, sendo ocultado desse discurso, muitas
vezes, o fato de que os resultados apresentados correspondem a uma parcela
ínfima da quantidade de indivíduos que são considerados empreendedores. Isso é
confirmado por Carmo
et al
. (2021):
O que se percebe no Brasil é um empreendedorismo de subsistência
sustentado por pequenos negócios, já que cerca de 82% dos
negócios iniciais e estabelecidos não possuem nenhum empregado,
ou seja, envolvem apenas um empreendedor individual. Outra
característica que sustenta esta interpretação é a estimativa de renda
dos empreendedores: segundo o GEM Brasil (2018), a metade
desses negócios tem um faturamento de até R$ 12 mil por ano, o
que representa cerca de um salário-mínimo por mês (CARMO
et al
.,
2021, p.19).
Mesmo com os números indicando uma realidade muito menos glamurosa
daquela que é vendida pelo esforço midiático, o discurso empreendedor tem
ganhado cada vez mais espaço e sido difundido de diversas formas na educação.
Parte importante dos esforços governamentais, em função do empreendedorismo,
aconteceu com a criação da Lei Complementar nº 128/2008, que introduziu a figura
do Microempreendedor Individual (MEI), servindo como um meio para formalizar as
atividades já desenvolvidas por trabalhadores autônomos e informais.
A categoria de MEI é composta, em sua maioria, por indivíduos que prestam
serviços pontuais e que, na maioria das vezes, são trabalhadores não absorvidos
pelo mercado de trabalho formal, realizando atividades de natureza braçal e de
pouca qualificação.
Há ainda um agravante na situação dos MEIs: as subcontratações. Muitas
vezes, empresas contratam funcionários que atuarão em seu quadro profissional,
porém, ao invés de um registro trabalhista, são contratados como prestadores
autônomos, tendo seu próprio Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Essa
prática reduz os encargos trabalhistas para o empregador, assim como os seus
riscos em uma eventual condição de insalubridade ou periculosidade. O funcionário,
12
por sua vez, ao depender do trabalho, aceita essa condição, mesmo sem a
compreensão da totalidade dos impactos desse tipo de contratação.
A cultura empreendedora influencia a percepção dos trabalhadores com
relação às condições de trabalho. Eles são estimulados a se verem como
empreendedores individuais, inovadores de mercado, assumindo riscos em prol do
negócio e do sucesso, mesmo diante de condições de emprego precárias. Embora
promova flexibilidade e adaptabilidade, o empreendedorismo pode resultar em uma
pressão intensa por resultados e competição.
O empreendedorismo transformara significativamente as relações de trabalho,
imbuindo no sujeito o conceito de autorresponsabilização, uma característica da
chamada racionalidade neoliberal, a qual, segundo Dardort e Laval (2016), “[...]
produz o sujeito de que necessita ordenando os meios de governá-lo para que ele
se conduza realmente como uma entidade em competição e que, por isso, deve
maximizar seus resultados” (p. 323). Nesse modelo emergente, os sujeitos se
tornam os responsáveis por suas condições econômicas e sociais. Os
pesquisadores complementam:
[...] se o indivíduo é o único responsável por seu destino, a sociedade
não lhe deve nada; em compensação, ele deve mostrar
constantemente seu valor para merecer as condições de sua
existência. A vida é uma perpétua gestão de riscos que exige
rigorosa abstenção de práticas perigosas, autocontrole permanente e
regulação dos próprios comportamentos, misturando ascetismo e
flexibilidade (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 208).
Essa influência ideológica que molda o sujeito agir como empreendedor é
amplamente disseminada na educação. Há um claro objetivo de moldar as novas
gerações de acordo com as demandas do neoliberalismo, obscurecendo as lutas de
classe e a superação da desigualdade. Nessa compreensão,
[...] a educação para o empreendedorismo tem o propósito e a
mediação prática desenvolvida por diversas iniciativas de formar um
homem trabalhador de novo tipo: o trabalhador/empreendedor e, de
modo simultâneo, construir um novo modelo de escola: a escola
empreendedora. O trabalhador/empreendedor deve desenvolver
competências adaptáveis às novas situações, tanto para gerir um
negócio próprio, criando, dessa forma, seu autoemprego, como para
atuar dentro das organizações, agindo como intraempreendedor ou
endoempreendedor. Essa ideologia consiste em fazer com que o
trabalhador se convença da necessidade do empreendedorismo
13
como forma de enfrentar as crises do mundo atual, notadamente no
que diz respeito à realidade do trabalho (COAN, 2013, p. 38).
O propósito da promoção do empreendedorismo é moldar indivíduos de
acordo com as novas exigências capitalistas. Nesse sentido, a elite capitalista busca
integrar essa mentalidade à educação brasileira. Observamos isso nos currículos,
que, ao incorporarem o empreendedorismo, esvaziam as disciplinas da formação
geral básica, mantendo, assim, uma formação precária aos estudantes da classe
trabalhadora. Na próxima seção, analisamos a Lei nº 13.415, de 2017, que
implementou o NEM, cuja proposta se pauta na perspectiva da educação para o
empreendedorismo.
Empreendedorismo, formação da juventude e Novo Ensino Médio no PR e SC
Nos últimos anos, notamos uma intensificação nas iniciativas voltadas ao
empreender durante as gestões mais alinhadas a esse pensamento. Um exemplo
disso é a implementação do empreendedorismo como disciplina no NEM, instituído
por meio da contrarreforma do Ensino Médio, proposta em 2016, aprovada em 2017,
no então governo do presidente Michel Temer. Salientamos que Temer assumiu a
presidência após um golpe realizado contra a presidenta Dilma Rousseff. A
contrarreforma foi implementada por meio da Lei nº 13.415/2017, e o processo foi
conduzido de maneira acelerada por meio de uma Medida Provisória (MP), sem uma
ampla discussão com a sociedade em geral. A contrarreforma, por sua vez,
introduziu uma série de alterações significativas para essa etapa do ensino básico.
Antes da contrarreforma, os estudantes cursavam 2.400 horas de Formação
Geral Básica (FGB). Com as novas alterações, esse número foi ampliado para 3.000
horas. Inicialmente, aparenta ser algo atrativo e alinhado à promessa de oferecer
ensino integral aos alunos, no entanto, uma análise mais aprofundada revela que
apenas 1.200 das 3.000 horas são de fato direcionadas para a FGB; o restante da
carga horária é destinado aos chamados Itinerários Formativos (IFs).
Os IFs são divididos em cinco grandes áreas: Ciências da Natureza e suas
tecnologias; Linguagens e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas;
Matemática e suas tecnologias; e Formação Técnica e Profissional. A aplicação
específica de cada área varia entre os estados, resultando em 27 modelos distintos
de Ensino Médio no Brasil, uma vez que cada estado tem autonomia para
14
determinar o que oferecer dentro de cada IF, conforme expresso na Lei nº
13.415/2017:
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base
Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão
ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos
curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino, a saber (Lei 13.415, 2017,
s/p.).
Cada escola é obrigada a oferecer apenas duas dessas cinco grandes áreas,
o que, em muitos casos, pode não ser possível considerando as condições sociais
das instituições escolares. Isso acaba forçando os alunos a optarem por caminhos
que não escolheram, contribuindo para o aumento das disparidades entre os
estudantes que não têm acesso aos outros IFs e que, no Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem)
7
, competem pelas mesmas vagas.
O NEM, no plano discursivo, propõe o rompimento com o modelo chamado
de tradicional, substituindo-o por uma abordagem inovadora, na qual o estudante
teria maior autonomia e liberdade para escolher o que estudar por meio do IFs.
Esses, por sua vez, devem oferecer percursos curriculares diversificados que
auxiliariam, em tese, os estudantes a se adequar às novas demandas do mercado
de trabalho. Nesse contexto, o empreendedorismo emerge como um dos eixos
estruturantes, sugerindo uma mudança de paradigma na formação da juventude.
A formação da juventude pautada no empreendedorismo faz parte da
proposta que compõe a tríade formativa do NEM brasileiro, composta ainda pelo
“projeto de vida” e o “protagonismo juvenil”. Esses conceitos estão presentes nos
principais direcionamentos do NEM e objetivam a formação de jovens que se
adequem às demandas do capitalismo flexível. Esse sistema é marcado pelo avanço
da tecnologia e pela flexibilização das relações de trabalho, requerendo, desse
modo, um trabalhador resiliente, que saiba tomar decisões e, principalmente, que
assume os riscos e as consequências.
A tríade do NEM não representa uma novidade na educação. Em anos
anteriores, o protagonismo juvenil e o projeto de vida já eram abordados em alguns
7
O Enem é uma avaliação criada pelo Ministério da Educação (MEC), que tem como objetivo medir o
nível de conhecimento dos estudantes que terminaram de cursar o Ensino Médio, a fim de destinar
vagas nas universidades para as melhores notas. O exame avalia o conhecimento dos estudantes
sobre todas as cinco grandes áreas do conhecimento.
15
documentos propostos pelo setor educacional brasileiro, alinhados às
recomendações de organismos internacionais. Como já mencionado, o
neoliberalismo tem exercido influência há anos sobre os projetos educacionais,
visando a formar o indivíduo conforme as demandas do capitalismo contemporâneo.
No entanto, somente com os avanços recentes da influência neoliberal que essas
ações ganharam maior visibilidade e passaram a impactar ainda mais diretamente a
formação das juventudes brasileira.
Com o objetivo de formar trabalhadores adaptáveis, o NEM começou a ser
implementado na maioria das escolas brasileiras entre 2020 e 2022. Dessa forma,
no que tange ao processo de organização do NEM nos estados brasileiros, a
elaboração dos currículos ficou a cargo das Secretarias Estaduais de Educação,
que, por sua vez, tiveram liberdade para organizar disciplinas, trilhas de
aprendizagem e IFs.
De acordo com um levantamento realizado pela revista Poli (2023), há uma
variedade curricular nos estados brasileiros no que se refere principalmente aos IFs.
Todavia, permanece em comum a preocupação com a tríade formativa do NEM:
projeto de vida, empreendedorismo e protagonismo juvenil. Esse tripé tornou-se o fio
condutor para implementar as mudanças promovidas pelo NEM brasileiro.
No Estado do Paraná, a contrarreforma iniciou em 2018, com a presença de
escolas-pilotos, termo que designa as escolas selecionadas para implementar um
currículo provisório, uma espécie de teste antes da aprovação do currículo em lei.
Entretanto, foi somente em dezembro de 2020, que a Secretaria de Estado da
Educação do Paraná (SEED-PR) promulgou a primeira Instrução Normativa
Conjunta nº 011/2020, que propôs alterações da matriz curricular do Ensino Médio
na rede pública estadual, com a versão final aprovada em 2021. Esses documentos
estabeleceram as orientações gerais para a implementação da nova matriz
curricular, porém, sem contar com a participação popular em nenhum dos processos
(DA SILVA
et al
., 2022).
O Referencial Curricular para o Ensino Médio do Paraná (RCEM-PR),
sancionado em 2021, segue a orientação exarada pela Resolução nº 3, de 21 de
novembro de 2018, que estabeleceu as diretrizes para a elaboração dos currículos
estaduais no Brasil. Nesse documento, foram firmados cinco eixos principais pelos
16
quais IFs devem ser norteados, sendo o empreendedorismo um deles. A Resolução
determinou que:
§ 2º Os itinerários formativos orientados para o aprofundamento e
ampliação das aprendizagens em áreas do conhecimento devem
garantir a apropriação de procedimentos cognitivos e uso de
metodologias que favoreçam o protagonismo juvenil, e organizar-se
em torno de um ou mais dos seguintes eixos estruturantes: [...] IV -
empreendedorismo: supõe a mobilização de conhecimentos de
diferentes áreas para a formação de organizações com variadas
missões voltadas ao desenvolvimento de produtos ou prestação de
serviços inovadores com o uso das tecnologias (BRASIL, 2018).
Além de ser um dos pilares estruturais do NEM, o empreendedorismo é
delineado no currículo de referência do Paraná como uma trilha de aprendizagem
denominada “Aprendendo a Empreender: O mundo do trabalho no século XXI".
Segundo o RCEM-PR (2021), “[...] esta trilha pretende abordar os desafios do
trabalho na sociedade contemporânea e as possibilidades que a perspectiva do
empreendedorismo pode oferecer aos estudantes que buscam a qualificação para o
mundo do trabalho” (p. 1025).
O RECEM-PR focaliza a promoção de uma “juventude empreendedora”,
expressão utilizada no documento 88 vezes. Além disso, o “projeto de vida”
tornou-se parte obrigatória do currículo, buscando orientar os alunos na escolha de
seus IFs, termo que aparece associado ao conceito de protagonismo juvenil (Da
Silva
et al
., 2022). Nesse sentido, a atual contrarreforma do Ensino Médio se justifica
como uma forma de adequar o ensino às novas demandas do mercado de trabalho
impostas pelo avanço tecnológico. Segundo o MEC,
A mudança tem como objetivos garantir a oferta de educação de
qualidade a todos os jovens brasileiros e de aproximar as escolas à
realidade dos estudantes de hoje, considerando as novas demandas
e complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade
(BRASIL, 2018).
O propósito da contrarreforma é que o estudante se torne responsável pelas
suas oportunidades de crescimento, se ele não consegue emprego, precisa ser
criativo, inovador e criar a sua própria forma, uma fonte de geração de renda e
ocupação. Contudo, essa visão mascara as adversidades apresentadas atualmente
pelo mundo do trabalho. De acordo com Caetano e Costa (2022),
17
Na educação, o empreendedorismo passou a ser incentivado pelos
organismos internacionais como solução para o desemprego em
função dos processos de reestruturação do capitalismo. A BNCC e o
Novo Ensino Médio integram o quadro das atuais reformas e são
políticas educacionais que materializam a nova etapa neoliberal em
que instituições não estatais e do terceiro setor têm influenciado a
construção e a execução da política curricular e o seu conteúdo
(CAETANO; COSTA, 2022, p. 79).
Nesse contexto, têm sido observados o estreitamento curricular e a crescente
ênfase no empreendedorismo como um elemento fundamental na formação
educacional (Da Silva
et al
., 2022). Essa perspectiva, influenciada pelas habilidades
e competências delineadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), reflete
uma visão predominantemente econômica, visando a moldar os jovens para se
tornarem empreendedores de si mesmos, integrando, assim, o discurso empresarial
no ambiente educacional (Da Silva
et al
., 2022).
É evidente que a contrarreforma do Ensino Médio tem sido implementada sem
um amplo debate com os principais envolvidos, sendo promovida, em grande parte,
pelo setor empresarial. O intuito é adequar os indivíduos à nova lógica de
reestruturação produtiva, sob a égide do empreendedorismo.
Da mesma forma que no estado do Paraná, em Santa Catarina, o processo
de implementação do NEM vem ocorrendo de cima para baixo. O estado de Santa
Catarina, assim como no Paraná, promoveu a elaboração da proposta ao NEM em
2018, por meio da organização curricular, iniciando-se em 2020 a efetivação de 120
escolas-piloto. Em 2020, iniciou-se também a formação dos professores e gestores
para a implementação do NEM no estado, ofertada pela Secretaria de Educação
(SED– SC) em parceria com o Instituto Iungo
8
, de Belo Horizonte (MG).
Conforme a – SED-SC, um dos objetivos é ampliar o currículo, diversificar os
conteúdos e fazer com que a escola seja um espaço para a discussão de temas
atuais e que interessam os estudantes, enriquecendo e ampliando as suas vivências
e aprendizagens, também por meio do alinhamento da formação dos jovens por
meio da tríade protagonismo juvenil, projeto de vida e empreendedorismo. Os eixos
que compõem os Componentes Curriculares Eletivos (CCEs) são voltados para
8
O instituto Iungo é um grupo educacional privado, com sede em Belo Horizonte - MG, mantido pelo
Movimento Bem Maior e o Instituto MRV. Em seu site, o Instituto se apresenta da seguinte forma:
“Iungo, em latim, significa reunir, atrelar, unir aos pares. Nosso nome sintetiza todos os sentidos que
orientam a nossa atuação: trabalhamos em parceria e colaboração, em especial com os educadores”
(IUNGO, 2023, s/p).
18
habilidades variadas e estruturadas por diferentes focos pedagógicos: Investigação
Científica; Mediação e Intervenção Sociocultural; Processos Criativos; Educação
Empreendedora.
Para a escolha dos CCEs, foi necessária uma escuta diagnóstica, que
primeiramente partiu do diálogo com os professores na escola, observando quais
componentes poderiam ser ofertados. Assim, a escolha do CCEs depende da oferta
da rede de ensino e da disponibilidade de professores para neles atuarem. Após a
escuta dos profissionais da escola, e definidas quais eletivas serão ofertadas,
realiza-se uma escuta com os estudantes, oferecendo-lhes eletivas, as quais são
instigados a fazer, visto que não há outra opção. Mediante o exposto, podemos
visualizar que existe uma disputa pela hegemonia na formação das juventudes, pois
a escolha do CCE não é somente do estudante, bem como tal escolha não abrange
a todos.
Dessa forma, o NEM em SC tem como foco pedagógico a Educação
Empreendedora, um dentre os 25 CCEs ofertados no currículo catarinense. O
Componente Curricular Eletivo de Educação Empreendedora
[...] propõe a realização de ações que apoiem os(as) estudantes a
desenvolver competências e conhecimentos empreendedores; a
identificar possibilidades de atuação empreendedora, tendo em vista
o bem comum do território; e a construir planos de negócio na
perspectiva do empreendedorismo empresarial (SANTA CATARINA,
2020, p. 253).
Vale ressaltar que esse CCE é encontrado no Caderno 4 (2021),
justificando-se, conforme o documento, por propiciar a interlocução de
conhecimentos do empreendedorismo às vivências dos jovens. Dessa forma,
promove o autoconhecimento e o entendimento do outro, dos problemas da
sociedade em que vive, no intuito de articular soluções pelo bem da comunidade. O
mesmo documento explana que esse CCEs impactam a formação dos jovens,
promovendo o desenvolvimento da criticidade, da criatividade, da autonomia, do
senso de responsabilidade, da liderança, da persistência, do protagonismo e do
trabalho em equipe.
No entanto, destaca que se deve preparar os jovens para uma leitura da
realidade, visando ao enfrentamento de desafios sociais, econômicos, ambientais
e/ou tecnológicos, tomando decisões éticas. O componente pauta-se no
19
desenvolvimento de atitudes empreendedoras, em “[...] fundamentos de economia e
modelagem de negócio, vem preencher uma lacuna na formação dos (as) jovens e
atender à demanda de uma escola atualizada e atuante no tocante à escuta dos
discentes e das necessidades da sociedade” (Santa Catarina, 2021, p. 181).
O CCE fala sobre os estudantes, que devem demonstrar atitudes
empreendedoras em seu cotidiano, desenvolvendo a criatividade. Também destaca
a busca pela realização de interesses individuais e coletivos por meio das práticas
aprendidas no ambiente escolar, para que possam servir em suas relações e ao seu
futuro profissional. Os estudantes ainda devem estabelecer metas e objetivos, com
interesses direcionados ao meio e ao mercado empreendedor. A postura de
liderança é algo em destaque, promovendo ações que contribuem para a resolução
de problemas em benefício de todos (Santa Catarina, 2021).
Sobre o comprometimento dos professores para com o componente, cita-se
no documento o interesse pelo desenvolvimento de estratégias que estimulem o
estudante ao empreendedorismo, ressaltando as suas potencialidades. Ademais, o
docente deve ter habilidade para repassar informações sobre o universo
empreendedor, trazendo os fatos históricos e atualidades sobre o empreender,
conhecer as ferramentas que possibilitem atividades empreendedoras, bem como
entender o componente e os recursos utilizados, a exemplo dos materiais didáticos,
das ferramentas administrativas e empresariais e das tecnologias digitais (Santa
Catarina, 2021).
Esse CCE é dividido em três unidades temáticas: i) - Introdução ao
empreendedorismo; ii) Empreendedorismo: Social e Sustentável; e iii)
Empreendedorismo Empresarial. Um ponto que nos chama a atenção são alguns
objetivos de aprendizagem desse componente curricular: desenvolver competências
socioemocionais como autonomia nos estudos, proatividade, autoconfiança e senso
de responsabilidade; e ser protagonista no mundo e para o trabalho, por meio de
ações empreendedoras.
Ao observarmos tais objetivos, verificamos que a educação empreendedora
emerge como resposta aos problemas de empregabilidade social, sendo
considerada a solução para preparar o jovem com habilidades socioemocionais, as
quais serão exigidas quando estiver inserido no mercado de trabalho. Assim sendo,
devido às constantes transformações tecnológicas, o jovem deve ser capaz de criar,
20
de inovar, de se adaptar às mudanças, de planejar, de solucionar problemas, dentre
outras habilidades contextualizadas para enfrentar os desafios do século XXI. De
acordo com Freitas,
Os cidadãos estão igualmente inseridos nessa lógica e seu esforço
(mérito) define sua posição social. [...] O modelo fundamental das
relações humanas nessa sociedade é o “empreendimento” que
expressa o “empreendedorismo” dos seres humanos, constituindo a
fonte de liberdade pessoal e social e cuja organização mais
desenvolvida é a “empresa” (2018, p. 31).
Ainda como sugestões do percurso formativo nesse componente, no que se
refere à Introdução ao Empreendedorismo, primeiramente, analisa-se o contexto em
que o jovem está inserido, tendo em vista os seus interesses. Nesse sentido,
realiza-se um mapeamento das expectativas no componente. Nessa fase inicial, o
empreendedorismo é conceituado, permitindo ao jovem o estabelecimento de metas
pessoais. Ao professor cabe desempenhar a função mediadora entre as
expectativas dos jovens e a realidade vivida e suas possibilidades de mudança
(Santa Catarina, 2021).
A segunda unidade temática corresponde ao Empreendedorismo: Social e
Sustentável. O percurso formativo caminha inicialmente pela compreensão de
aspectos sociais, econômicos e culturais do meio em que os jovens vivem. Nesse
processo, o jovem deve identificar formas de participação na comunidade, por meio
de práticas empreendedoras que visem a enfrentar os problemas vivenciados. A
terceira e última unidade temática – o Empreendedorismo: Foco Empresarial –
oferece ao jovem o conhecimento do empreendedorismo nas práticas do mercado
de trabalho, destacando tópicos como: o intraempreendedorismo (permanência no
mercado de trabalho); o empreendedorismo social (participação na sociedade); e o
empreendedorismo empresarial (fatores econômicos). O conhecimento dos
empreendedores locais de sucesso faz parte dessa última temática. Como atividade
final desse CCE, os estudantes devem construir seus próprios planos de negócios.
A formação da juventude pautada no empreendedorismo reflete ainda mais a
diferenciação educacional já existente, “[...] marcado por uma perspectiva
reducionista de ensino, reservou aos estudantes da classe trabalhadora, o
desenvolvimento de habilidades cognitivas instrumentais, caracterizando uma
formação que atende aos interesses da burguesia” (Costa; Caetano, 2021, p. 3).
21
De acordo com Frigotto (2008), a realidade social brasileira é de que os
jovens brasileiros, em sua maioria, não concluem o Ensino Médio, e quando
conseguem, fazem isso de maneira precária, em cursos supletivos ou em horário
noturno. Com a contrarreforma do Ensino Médio, constatamos ainda mais o
esvaziamento na formação pedagógica e o alargamento de uma formação voltada à
lógica capitalista, ao mercado de trabalho, para formar um jovem trabalhador
flexível, guiado pelo discurso pautado no empreendedorismo, no mérito e no esforço
pessoal. Assim, podemos afirmar que são organizadas novas formas de alienar o
trabalhador para sua inserção nesse modelo produtivo.
Essa perspectiva,
Subsumindo as escolas públicas aos interesses da classe dominante
local e internacional, promove uma formação aligeirada e minimalista
da classe trabalhadora e dificulta o acesso desta juventude aos
conhecimentos fundamentais para construção da interação crítica e
altiva no mundo do trabalho e, dialeticamente, de sua consciência de
classe (GAWRYSZEWSKI
et al
., 2023, p. 84).
Por fim, é importante dizer que, no Paraná, em Santa Catarina e nos demais
estados brasileiros, tais mudanças curriculares foram balizadas no discurso
“empoeirado” (Silva, 2018) de que o currículo do Ensino Médio estava ultrapassado
e precisava ser reelaborado e atualizado. No entanto, como diversos pesquisadores
apontam, o NEM reforça a dualidade e a desigualdade educacional (Araujo, 2019),
bem como esvazia a formação da juventude brasileira, com a narrativa falaciosa
da possibilidade de escolher o melhor caminho, por meio do protagonismo juvenil,
que cai por terra quando de fato conversamos com os jovens.
Considerações finais
Este texto objetivou discutir e analisar, mesmo que brevemente, a educação
para o empreendedorismo presente no NEM no estado do PR e de SC.
Evidenciamos como resultado que o empreendedorismo emerge como solução do
capital para as problemáticas existentes, disseminando-se no âmbito educacional,
nos últimos anos, por meio das contrarreformas educacionais.
Assim, as reflexões apresentadas neste texto expressam compreensões
sobre a inserção das políticas neoliberais e as suas implicações para a formação da
22
juventude da classe trabalhadora. Apresentamos o neoliberalismo como um projeto
hegemônico, que visa a sustentar o modo de sociabilidade do capitalista. Nesse
cenário, a educação para o empreendedorismo assume orientações que estão em
consonância com a racionalidade neoliberal (Dardot; Laval, 2016).
O empreendedorismo é o meio utilizado pelo capital para dominar a classe
trabalhadora e, com seu discurso solucionista, formar subjetividades. A prática
empreendedora expressa-se pelo trabalho incessante e sem momentos de lazer,
defendendo que o sucesso será alcançado mediante intenso esforço e dedicação
individual. Nesse sentido, essa prática não cumpre a sua promessa falaciosa,
tornando-se apenas um meio que intensifica e precariza o trabalho. “[...] um
mecanismo de romantizar a exploração e a intensificação do trabalho, uma vez que
a grande maioria dos empreendedores não conseguem, sequer, fazer dos seus
respectivos uma alternativa ao desemprego” (Oliveira, 2023, p. 19).
Demonstramos aqui que o empreendedorismo vem se inserido nas propostas
curriculares dos estados como um eixo estruturante. Em sentido contraditório ao seu
discurso, o empreendedorismo sinaliza o “[...] aprofundamento e justificação da
barbárie em que se encontra a classe que vive do trabalho” (Reis, 2019, p. 123).
Sem a pretensão de esgotar o debate, afirmamos que o receituário do
empreendedorismo focaliza o mérito e o esforço dos sujeitos para o sucesso no
trabalho e na vida, sob o argumento de que a igualdade de oportunidades é dada de
forma igualitária a todos os indivíduos. A diferença ocorre devido à dedicação de
cada um. Concluímos, desse modo, que a educação empreendedora presente no
NEM paranaense e catarinense sustenta o interesse do empresariado na educação,
atendendo à lógica do capital: da precarização, da pejotização e da uberização do
trabalho.
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