V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
Memória
e
Documentos
JUVENTUDE
E
DITADURA
MILITAR
NO
ARQUIVO
DE
MEMÓRIA
OPERÁRIA
DO
RIO
DE
JANEIRO
(AMORJ)
1
Rodrigo
de
Vasconcellos
M.
Guedes
Batista
2
Resumo
O
passado
é
um
campo
em
disputa.
Em
vista
disso,
destacamos
a
dimensão
política
de
arquivos
e
centros
de
documentação
histórica
por
abrigar
a
memória
daqueles
que
não
se
conciliaram
com
o
poder
e
com
o
discurso
hegemônico.
Não
é
diferente
com
o
Arquivo
de
Memória
Operária
do
Rio
de
Janeiro,
um
núcleo
de
pesquisa
e
documentação
cujo
acervo
possui
mais
de
80
coleções
sobre
sindicatos,
movimentos
sociais
e
partidos
políticos.
Seguindo
o
recorte
proposto
neste
texto,
destacamos
as
coleções
e
os
documentos
relacionados
às
temáticas
“juventude”
e
“ditadura
militar”
combinadas.
As
lutas
do
presente
e
as
esperanças
no
futuro
não
podem
prescindir
dessas
memórias.
Palavras-chave:
Memória;
Arquivo;
Centro
de
documentação;
Classe
trabalhadora;
Política.
JUVENTUD
Y
DICTADURA
MILITAR
EN
EL
ARQUIVO
DE
MEMÓRIA
OPERÁRIA
DO
RIO
DE
JANEIRO
(AMORJ)
Resumen
El
pasado
es
un
campo
en
disputa.
En
vista
de
esto,
resaltamos
la
dimensión
política
de
los
archivos
y
centros
de
documentación
histórica
que
albergan
a
la
memoria
de
quienes
no
se
han
reconciliado
con
el
poder
y
el
discurso
hegemónico.
No
es
diferente
con
el
Arquivo
de
Memória
Operária
do
Rio
de
Janeiro
,
un
centro
de
investigación
y
documentación
cuyo
acervo
cuenta
con
más
de
80
fondos
sobre
sindicatos,
movimientos
sociales
y
partidos
políticos.
Siguiendo
el
enfoque
propuesto
en
este
texto,
destacamos
colecciones
y
documentos
relacionados
con
los
temas
“juventud”
y
“dictadura
militar”
combinados.
Las
luchas
del
presente
y
las
esperanzas
del
futuro
no
pueden
prescindir
de
estos
recuerdos.
Palabras
clave
:
Memoria;
Archivo;
Centro
de
documentación;
Clase
trabajadora;
Política.
YOUTH
AND
MILITARY
DICTATORSHIP
IN
THE
ARQUIVO
DE
MEMÓRIA
OPERÁRIA
DO
RIO
DE
JANEIRO
(AMORJ)
Abstract
The
past
is
a
field
in
dispute.
In
view
of
this,
we
highlight
the
political
dimension
of
archives
and
centers
of
historical
documentation
that
both
house
the
memory
of
those
who
have
not
been
reconciled
with
power
and
hegemonic
discourse.
It
is
no
different
with
the
Arquivo
de
Memória
Operária
do
Rio
de
Janeiro
,
a
research
and
documentation
center
whose
collection
contains
more
than
80
funds
on
unions,
social
movements
and
political
parties.
Following
the
proposed
approach
in
this
text,
we
highlight
collections
and
documents
related
to
the
themes
“youth”
and
“military
dictatorship”
combined.
The
struggles
of
the
present
and
the
hopes
of
the
future
cannot
do
without
these
memories.
Keywords
:
Memory;
Archive;
Documentation
center;
Working
class;
Politics.
2
Mestre
em
Letras
(Ciência
da
Literatura)
pela
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ)
-
Brasil.
Técnico
em
Assuntos
Educacionais
da
Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro
(UFRJ).
E-mail:
rodrigoguedes@ifcs.ufrj.br
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7322198295993263
.
ORCID:
https://orcid.org/0009-0005-6729-6832
.
1
Artigo
recebido
em
05/07/2024.
Aprovada
pelos
editores
em
31/10/2024.
Publicado
em
05/12/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.63563
.
1
Um
enorme
passado
pela
frente
A
repercussão
do
falecimento
de
Maria
da
Conceição
Tavares
foi
grande.
Nos
últimos
anos,
as
plataformas
sociais
alavancaram
a
imagem
da
economista
para
fora
do
circuito
acadêmico
cerrado.
Sua
eloquência
grave
tem
sido
prato
cheio
para
as
formas
de
“conteúdo”
digital.
Cortes
e
memes
com
montagens
visuais
e
sonoras
fizeram
dela
uma
mescla
oldschool
pop
um
tanto
extravagante.
Mas
o
fundamental
é
o
seu
lugar
de
destaque
nos
cenários
intelectual
e
político
da
vida
pública
nacional.
Tavares
dedicou
a
maior
parte
dos
seus
94
anos
para
entender
e
intervir
neste
“continente
enlouquecido
que
é
o
Brasil”
3
.
Chegando
aqui
em
1954
4
e
pelas
décadas
seguintes,
leu
e
debateu
muito
daquilo
que
havia
disponível
no
campo
do
pensamento
social
brasileiro:
Caio
Prado
Jr,
Florestan
Fernandes,
Celso
Furtado,
Sérgio
Buarque
e
Gilberto
Freyre.
Estes
e
outros,
cuja
leitura
fez-se
indispensável.
No
entanto,
recomenda-se
cautela.
“Tudo
isso
é
preciso
e
nada
disso
é
suficiente
para
decifrar
esta
esfinge”
5
.
Com
tanto
potencial
de
emancipação,
como
o
Brasil
poderia
insistir
no
“atraso”?
Considerando
a
provocação
da
economista
brasileira,
admitiremos
momentaneamente
a
impossibilidade
de
decifrar
o
Brasil
“somente”
pelos
clássicos
da
ciência
contemporânea,
para
em
seguida
cometermos
uma
heresia
intelectual:
nossa
verdade
tropical
repousa
num
aforismo,
a
saber
“o
Brasil
tem
um
enorme
passado
pela
frente”.
Recorreremos
ao
humor
sagaz
de
Millôr
Fernandes
para
evitar
a
voracidade
da
esfinge.
Na
contramão
daquilo
que
se
convencionou
chamar
de
desenvolvimentismo,
com
prioritária
ênfase
no
progresso
e
no
futuro,
voltemos
nossas
atenções
ao
“enorme
passado”
que
nos
constitui.
Tiremos
a
lição
de
O
anjo
da
história
(2012)
6
,
de
Walter
Benjamin
7
.
Nosso
encontro
não
é
com
a
promessa
de
futuro.
Nosso
encontro
é
com
o
passado,
fazendo
com
que
os
oprimidos
de
hoje
rememorem
os
vencidos
de
ontem.
Não
se
trata
de
retorno
nostálgico
ou
impulso
romântico.
Sabemos
que
tanto
História
quanto
7
Walter
Benjamin
(1892-1940),
crítico
literário
e
filósofo
alemão.
6
Inspirado
no
quadro
Angeus
Novus
,
de
Paul
Klee.
“O
anjo
estaria
de
costas
para
o
futuro
por
estar
olhando
para
o
passado
e
para
os
vencidos
e
derrotados
pelo
progresso
da
história”.
Ver
<https://aterraeredonda.com.br/o-anjo-da-historia/>.
5
Tavares,
ibid.
4
Veio
de
Portugal
para
o
Brasil
fugindo
da
ditadura
salazarista
do
Estado
Novo
(1933-1974).
3
Em
entrevista
concedida
em
1997
à
revista
Praga,
Tavares
sentenciou:
“não
é
possível
entender
apenas
pela
razão
este
país”.
Blog
BVPS,
ver
<https://blogbvps.com/2024/06/09/maria-da-conceicao-tavares-1930-2024/>.
2
Memória
são
campos
em
disputa,
sendo
fundamental
tomar
partido,
sobretudo
em
momentos
de
crise
do
capitalismo,
dos
quais
emergem
os
revisionismos
de
extrema
direita
e
a
barbárie
fascista.
Lembremos
o
impeachment
de
Dilma
Roussef
8
,
em
2016,
quando
um
deputado,
em
voto
favorável
ao
impedimento
da
presidenta,
reivindicou
a
“memória
do
coronel
Brilhante
Ustra,
o
pavor
de
Dilma
Roussef”.
Dois
anos
mais
tarde,
com
o
funcionamento
normal
das
instituições,
Jair
Bolsonaro
seria
eleito
presidente
da
república.
O
torturador
Ustra
foi
frequentemente
alçado
por
Bolsonaro
à
condição
de
herói
nacional,
sem
maiores
embaraços.
Em
08
de
janeiro
de
2023,
com
apoio
de
setores
das
Forças
Armadas,
por
muito
pouco
um
golpe
de
Estado
não
foi
consumado.
Como
sugere
o
curso
das
investigações,
seguindo
o
noticiário
jornalístico,
o
próprio
Bolsonaro
seria
o
centro
de
gravidade
do
golpe.
Na
juventude,
Dilma
Rousseff
participou
da
resistência
à
ditadura
militar.
Em
1970,
foi
presa
e
torturada.
Tinha
22
anos.
Atuou
na
Vanguarda
Armada
Revolucionária
Palmares
(VAR
–
Palmares).
Estudou
economia
na
UFMG
antes
de
seguir
para
a
clandestinidade.
“O
Brasil
é
a
prova
mais
cabal
de
que
quando
você
não
acerta
suas
contas
com
a
história,
a
história
te
assombra.
E
ela
está
assombrando
o
Brasil
como
em
nenhum
outro
país
da
América
Latina”
9
,
disse
Vladimir
Safatle
10
em
entrevista
à
agência
Pública.
Sabemos
da
impossibilidade
de
retroagir
no
tempo
para
mudar
o
passado,
mas
os
sentidos
do
passado
são
alvos
de
disputa.
Em
vista
disso,
destacamos
a
dimensão
política
de
arquivos
e
centros
de
documentação
histórica,
por
abrigar
a
memória
daqueles
que
não
se
conciliaram
com
o
poder
e
com
o
discurso
dos
vencedores.
Um
simples
documento,
em
sua
pequena
escala,
permite
o
“salto
de
tigre”
no
passado
para
investir
em
experiências
de
luta
e
de
resistência.
Na
ausência
de
um
horizonte
nítido
de
superação
para
os
impasses
do
capitalismo,
esses
acervos
contêm
fagulhas
incendiárias
que
ajudam
a
destravar
a
imaginação
política.
Não
é
diferente
com
o
Arquivo
de
Memória
Operária
do
Rio
de
Janeiro
(AMORJ),
criado
em
1987,
período
de
grande
expectativa
em
torno
do
protagonismo
10
Vladimir
Pinheiro
Safatle,
filósofo
e
professor
da
USP.
9
Entrevista
concedida
por
Vladimir
Safatle
à
agência
Pública
de
jornalismo
investigativo,
em
2018.
Ver
<https://apublica.org/2018/10/quando-voce-nao-acerta-suas-contas-com-a-historia-a-historia-te-asso
mbra/>.
8
Foi
reeleita
presidenta
em
2014,
superando
o
candidato
Aécio
Neves
no
segundo
turno.
3
da
classe
trabalhadora.
Entre
fins
da
década
de
1970
e
ao
longo
dos
anos
80,
trabalhadoras
e
trabalhadores
da
cidade
e
do
campo
estavam
conscientes
da
necessidade
de
ampliar
o
poder
de
negociação
por
melhores
condições
de
vida
ou,
até
mesmo,
de
transformação
efetiva
da
realidade
social
pela
via
do
socialismo.
Não
foram
poucos
os
avanços:
o
movimento
de
abertura
política
e
anistia;
as
greves
e
o
novo
sindicalismo;
a
fundação
do
PT,
da
CUT
e
do
MST;
o
movimento
pelas
Diretas
Já!;
e
mais
adiante
os
debates
na
Assembleia
Constituinte
e
as
eleições
presidenciais.
O
surgimento
do
AMORJ
foi
precedido
por
um
grupo
de
pesquisadores
empenhados
nos
estudos
sobre
a
classe
operária
do
Rio
de
Janeiro,
formado
por
professores
e
alunos
de
Ciências
Sociais
da
UFRJ,
com
sede
no
Largo
S.
Francisco
de
Paula.
As
pesquisas
de
campo
possibilitaram
maior
aproximação
com
determinados
segmentos
do
operariado
carioca
e,
gradativamente,
esse
núcleo
de
pesquisa
passou
a
ser
reconhecido
como
um
centro
de
documentação
com
ênfase
nos
trabalhadores
e
no
mundo
do
trabalho,
adquirindo
coleções
principalmente
por
instrumento
de
doação.
Temos
de
fato
um
passado
que
não
é
pequeno
pela
frente.
Seu
tamanho
é
proporcional
à
dívida
social
com
os
trabalhadores
precarizados,
com
os
desempregados,
com
os
assassinados
pelas
violências
rural
e
urbana,
com
os
sem-teto
e
os
sem-terra,
com
os
que
morrem
por
falta
de
assistência
médica
básica,
enfim,
com
a
tragédia
da
vida
cotidiana.
O
AMORJ
nos
faz
olhar
a
cara
feia
da
realidade
sem
consolo.
Ao
mesmo
tempo,
permite
ao
pesquisador
testemunhar
a
trajetória
de
tantas
companheiras
e
companheiros
que
“desafinaram
o
coro
dos
contentes”
11
,
contagiados
pelo
sentimento
de
solidariedade
e
movidos
pelo
interesse
coletivo.
As
esperanças
e
utopias
no
futuro
não
podem
prescindir
dessas
memórias.
Sob
a
coordenação
de
Elina
Pessanha
12
,
o
AMORJ
mantém
uma
rotina
de
debates
e
seminários
em
parceria
com
sindicatos,
movimentos
sociais
e
outros
centros
universitários.
O
AMORJ
possui
hoje
um
acervo
bastante
amplo,
somando
mais
de
80
coleções,
alargando
em
muito
as
ambições
iniciais
da
geração
pioneira
de
1987.
O
AMORJ
é
um
centro
de
documentação
aberto
ao
público
em
geral.
Sejam
bem-vindos.
12
Elina
Gonçalves
da
Fonte
Pessanha,
antropóloga
e
professora
da
UFRJ.
Coordena
o
Arquivo
de
Memória
Operária
do
Rio
de
Janeiro
(AMORJ).
11
Let's
Play
That
,
composição
de
Jards
Macalé
e
Torquato
Neto.
“Vai
bicho
desafinar
/
o
coro
dos
contentes”.
4
Movimento
estudantil:
um
brevíssimo
panorama
Em
31
de
março
de
1964,
a
União
Nacional
dos
Estudantes
(UNE)
inaugurava
seu
teatro
no
subsolo
do
prédio
localizado
na
praia
do
Flamengo,
no
Rio
de
Janeiro.
No
novíssimo
palco,
com
cheiro
da
madeira
viva
pelo
trabalho
recente
da
carpintaria,
foi
encenada
A
mais-valia
vai
acabar,
seu
Edgard
,
de
Vianinha
13
,
pelo
Centro
Popular
de
Cultura
(CPC).
Ou
talvez
fosse
Os
Azeredo
mais
os
Benevides
,
do
mesmo
Vianinha.
Uma
ou
outra,
provavelmente,
a
confiar
naquilo
que
a
memória
de
Paulo
Arantes
14
foi
capaz
de
reter.
Em
depoimento
ao
canal
Tutaméia
15
,
Arantes
contou
aos
jornalistas
Eleonora
de
Lucena
e
Rodolfo
Lucena
“o
que
viu
do
golpe”.
Falou
do
sentimento
comum
entre
os
estudantes
reunidos
no
teatro
da
UNE,
naquela
terça-feira,
quando
souberam
do
deslocamento
da
guarnição
do
general
Olímpio
Mourão
Filho,
vinda
de
Juiz
de
Fora
em
direção
ao
Rio
de
Janeiro.
Havia
um
clima
de
tranquilidade.
A
coluna
de
Mourão
não
punha
medo
algum,
armados
e
treinados
precariamente,
como
um
exército
de
Brancaleone,
lembrou
Arantes.
O
desdém
daqueles
estudantes
não
foi
desarrazoado,
nem
fruto
de
desinformação.
Eles
acreditavam
na
eficácia
do
dispositivo
militar,
sob
o
comando
do
general
Assis
Brasil,
para
enquadrar
o
golpismo
aparentemente
tresloucado
de
Mourão.
Não
contavam,
no
entanto,
com
a
capitulação
do
presidente
João
Goulart,
que
optou
pelo
exílio
no
Uruguai
em
vez
de
liderar
uma
resistência.
Naquela
noite
do
dia
31
de
março,
depois
da
apresentação
teatral,
Paulo
voltou
para
a
república
estudantil
em
Laranjeiras
na
companhia
dos
colegas
da
Juventude
Universitária
Católica
(JUC)
sem
desconfiar
da
tormenta
pesada
que
logo
viria.
O
golpe
de
64
marcou
uma
inflexão
decisiva
nos
rumos
do
país.
Abriu
caminho
para
um
tipo
novo
de
desenvolvimento
capaz
de
conciliar
concentração
de
riqueza
com
crescimento
econômico,
dinamizado
pelo
consumo
de
bens
duráveis.
15
Serviço
jornalístico
criado
por
Eleonora
de
Lucena
e
Rodolfo
Lucena,
ambos
com
atuação
na
imprensa
sindical
e
de
resistência
à
ditadura
militar,
desde
a
década
de
1970.
Trabalharam
ainda
na
chamada
“grande
imprensa”.
O
Tutaméia
faz
transmissões
ao
vivo
de
entrevistas
com
intelectuais,
políticos,
artistas
e
esportistas
dos
Brasil
e
do
mundo.
Sobre
o
episódio
com
Arantes,
ver
<https://www.youtube.com/live/Nru_nXlfhMI?si=h0nTPEsLg-qciX_9>.
14
Paulo
Eduardo
Arantes,
filósofo
e
professor
da
USP.
13
Oduvaldo
Vianna
Filho,
dramaturgo
e
compositor.
Foi
um
dos
principais
nomes
do
Teatro
Arena.
Contra
o
“imperialismo
cultural”,
fundou
o
Centro
Popular
de
Cultura
(CPC)
da
UNE
e
o
Grupo
Opinião.
No
movimento
estudantil
atuou
na
União
da
Juventude
Comunista
(UJC)
e
na
União
Brasileira
dos
Estudantes
Secundaristas
(UBES).
Ver
<https://www.coletivovianinha.org/oduvaldo-vianna-filho>
e
<https://dicionariompb.com.br/artista/oduvaldo-vianna-filho/>.
5
Esse
novo
capítulo
da
modernização
conservadora
brasileira
aparece
originalmente
em
Além
da
estagnação
(1972),
texto
de
Maria
da
Conceição
Tavares
e
José
Serra.
Enquanto
frações
da
burguesia
acumulavam
riqueza
e
a
classe
média
sonhava
com
automóveis
e
eletrodomésticos,
arrocho
salarial
e
carestia
para
a
ampla
maioria
dos
trabalhadores.
Em
duas
décadas,
o
país
tornou-se
mais
injusto
e
desigual,
mantido
por
um
aparelho
de
Estado
violento
e
autoritário.
E
quanto
à
juventude?
Em
Memórias
estudantis
(2007),
Maria
Paula
Araújo
16
situa-nos
sobre
a
importância
dos
estudantes
no
contexto
da
resistência.
Na
sequência
do
golpe,
os
alvos
imediatos
dos
aparelhos
de
repressão
foram
os
trabalhadores
de
esquerda,
os
sindicatos
urbanos
e
rurais.
Estudantes,
intelectuais
e
artistas
dispuseram
de
comparativa
liberdade
até
a
promulgação
do
Ato
Institucional
n.5
(AI5).
Tanto
assim
que
uma
das
primeiras
manifestações
públicas
de
flagrante
oposição
ao
golpe
militar
veio
do
grupo
Opinião,
ligado
ao
CPC
da
UNE,
cuja
estreia
deu-se
em
dezembro
de
1964.
Foi
escrito
por
Vianinha,
Paulo
Pontes
e
Armando
Costa.
No
elenco,
Zé
Keti,
João
do
Vale
e
Nara
Leão,
com
direção
de
Augusto
Boal.
Entre
1966
e
1968
houve
significativo
incremento
das
manifestações
de
rua,
com
passeatas
e
ocupação
de
praças
pela
juventude.
A
reação
policial
foi
escalonando
em
violência
até
culminar
com
a
morte
do
estudante
secundarista
Edson
Luís,
assassinado
por
policiais
militares
dentro
do
restaurante
Calabouço,
em
março
de
1968.
No
Rio
de
Janeiro,
a
cidade
parou
no
dia
do
enterro.
Para
expressar
seu
protesto,
os
cinemas
da
Cinelândia
amanheceram
anunciando
três
filmes:
“A
noite
dos
Generais”,
“À
queima
roupa”
e
“Coração
de
luto”.
Com
faixas,
cartazes
e
palavras
de
ordem,
a
população
protestava.
Edson
Luís
foi
enterrado
ao
som
do
hino
nacional
brasileiro,
cantado
pela
multidão.
Na
manhã
de
4
de
abril,
foi
realizada
a
missa
de
sétimo
dia
de
Edson
Luís
na
Igreja
da
Candelária.
Ao
término
da
cerimônia
religiosa,
as
pessoas
que
deixavam
a
igreja
foram
cercadas
e
atacadas
pela
cavalaria
da
polícia
militar
a
golpes
de
sabre.
Dezenas
de
pessoas
ficaram
feridas.
17
O
aumento
da
violência
policial
e
das
perseguições
produziu
um
refluxo
nas
manifestações
públicas,
direcionando
parte
da
juventude
para
a
luta
armada.
Este
capítulo
marcou
decisivamente
a
memória
do
movimento
estudantil,
a
exemplo
das
homenagens
prestadas
pelo
DCE
Fernando
Santa
Cruz
da
UFF
e
pelo
DCE
Mario
17
Sobre
Edson
Luís,
ver
<https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/edson-luiz-lima-souto/>.
16
Maria
Paula
Nascimento
Araujo,
historiadora
e
professora
da
UFRJ.
Coordena
o
Núcleo
de
História
Oral
e
Memória
do
Laboratório
de
Estudos
do
Tempo
Presente
da
UFRJ.
6
Prata
da
UFRJ.
18
Fernando
Santa
Cruz,
26
anos,
estudante
universitário
e
funcionário
público,
atuou
pela
Ação
Popular
(AP).
Em
1974,
Santa
Cruz
“foi
preso
e
morto
por
agentes
do
Estado
brasileiro
e
permanece
desaparecido”
19
.
Mario
de
Souza
Prata,
25
anos,
estudante
universitário,
atuou
pelo
MR8.
Em
1971,
Prata
“morreu
em
decorrência
de
ação
perpetrada
por
agentes
do
Estado
brasileiro”
20
.
Somente
a
partir
de
1974,
com
o
início
do
processo
de
abertura
política,
que
os
estudantes
retornaram
às
ruas,
integrando-se
ao
conjunto
de
reivindicações
em
curso
naquele
momento
21
,
principalmente
pela
anistia
de
exilados
e
presos
políticos.
Vale
ressaltar,
no
entanto,
que
muitos
estudantes
e
professores
não
retornaram
às
universidades,
mesmo
depois
da
lei
da
anistia
de
1979.
A
retomada
dos
movimentos
sociais
de
esquerda
foi
especialmente
importante
para
a
reintegração
de
intelectuais,
pesquisadores
e
professores
nas
universidades,
como
destacou
Andréa
Cristina
Queiroz
22
no
artigo
As
memórias
em
disputa
sobre
a
ditadura
civil-militar
na
UFRJ
(2021).
Juventude
e
resistência
no
AMORJ
Não
é
por
acaso
que
a
maior
parte
da
documentação
encontrada
no
AMORJ
sobre
movimento
estudantil
dá-se
a
partir
da
década
de
1970
e,
substancialmente,
dos
anos
80.
Coincide
com
o
processo
de
abertura
política
e
reorganização
da
juventude
em
torno
das
entidades
estudantis.
Consequentemente,
maior
volume
de
documentos
produzidos.
É
possível
ver
nos
diferentes
suportes
–
periódicos,
boletins
informativos,
22
Andréa
Cristina
de
Barros
Queiroz
é
historiadora
da
UFRJ
e
diretora
da
Divisão
de
Memória
Institucional
do
Sistema
de
Bibliotecas
e
Informação
(SiBI/UFRJ).
21
Esta
é
uma
característica
dos
movimentos
estudantis:
seguir
a
reboque
das
lutas
mais
gerais.
Por
isso
eles
mudam
constantemente,
seguindo
as
conjunturas
nacional
e
internacional.
Hoje,
esses
movimentos
são
marcados
por
coletivos
identitários
de
raça,
de
gênero
e
de
orientação
sexual.
Entrevista
de
Maria
Paula
Araújo
concedida
ao
Laboratório
de
Imagem,
Memória,
Arte
e
Metrópole
(IMAM)
da
UFRJ.
Ver
<https://imam.historia.ufrj.br/?p=823>.
20
Sobre
Mario
de
Souza
Prata,
ver
<https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/mario-de-souza-prata>.
19
Sobre
Fernando
Santa
Cruz,
ver
<https://memoriasdaditadura.org.br/personagens/fernando-augusto-santa-cruz-oliveira/>.
18
Muitos
outros
nomes
e
episódios
poderiam
ser
citados.
Apenas
na
UFRJ,
durante
o
governo
do
general
Médici,
24
estudantes
e
2
professores
da
UFRJ
foram
mortos
ou
estão
desaparecidos.
Cumpre
destacar
os
trabalhos
da
Comissão
de
Memória
e
Verdade
(CMV)
da
UFRJ,
criada
em
2013.
Com
efeito,
a
UFRJ
revogou
o
título
de
Doutor
Honoris
Causa
concedido
ao
Médici
em
1972.
A
participação
da
CMV-UFRJ
neste
caso
foi
fundamental.
Ver
<https://memoria.sibi.ufrj.br/index.php/12-noticias-da-ufrj/31-ufrj-revoga-titulo-de-doutor-honoris-causa
-de-emilio-medici>.
7
panfletos,
cartazes,
documentos
datilografados,
mimeografados,
ou
fotocopiados
–
o
espírito
inquieto
e
antinômico
da
juventude.
É
verdade
que
cada
segmento
estudantil
possui
uma
índole
política
diferente,
repercutindo
de
certa
forma
as
complexidades
da
dinâmica
partidária.
Apesar
das
novas
configurações
da
realidade
social,
a
pergunta
de
Rosa
Luxemburgo
(2019)
é
nossa
contemporânea
e
ainda
provoca
dissenso:
reforma
ou
revolução?
Malgrado
o
método
e
as
estratégias
de
ação,
duas
pulsões
unem
os
jovens
em
luta:
o
modo
imperativo
e
o
sentido
de
urgência.
Para
o
recorte
a
que
nos
propusemos,
destacamos
as
coleções
e
os
documentos
relacionados
às
temáticas
“juventude”
e
“ditadura
militar”
combinadas.
Indicamos
então
as
seguintes
coleções:
Movimento
Estudantil;
Partido
Comunista
Brasileiro;
Cartazes;
Movimento
Revolucionário
8
de
Outubro;
Organizações
de
Esquerda;
Coletivo
Gregorio
Bezerra;
Hamilton
Garcia;
Tibor
Sulik;
e
Fundo
PCB.
Com
exceção
da
Coleção
Movimento
Estudantil,
em
todas
as
outras
“juventude”
e/ou
“movimento
estudantil”
são
assuntos
transversais.
Sem
demora,
vamos
a
elas.
−
Coleção
Movimento
Estudantil
(1970
–
2019)
23
Doada
ao
Arquivo
por
Bárbara
Ramacciolli,
que
militou
no
movimento
estudantil
e
foi
pesquisadora
do
Núcleo
de
Memória
do
Movimento
Estudantil
na
UFRJ.
À
coleção
originalmente
doada
por
Ramacciolli
foram
acrescentados
novos
documento
ao
longo
dos
anos.
Contém
documentos
sobre:
UNE;
tendências
do
movimento
estudantil;
movimento
secundarista;
movimento
estudantil
na
UFRJ;
e
movimentos
estudantis
em
outras
universidades.
−
Coleção
Cartazes
(1979-2019)
Cartazes
provenientes
das
coleções
existentes
no
Arquivo
ou
doados
individualmente
por
militantes
de
diferentes
organizações
políticas.
Destaque
para
as
séries
sobre
movimento
estudantil
e
juventude
na
igreja
católica.
−
Coleção
Movimento
Revolucionário
8
de
Outubro
(1977-1994)
Documentação
sobre
o
MR8
reunida
por
Marcelo
Ayres
Camurça
de
Lima
em
pesquisa
para
o
doutorado,
sendo
posteriormente
doada
ao
AMORJ.
Camurça
defendeu
a
tese
“Os
melhores
filho
do
povo.
Um
estudo
do
ritual
e
do
simbólico
numa
organização
comunista:
o
caso
do
MR8”,
em
1994,
pelo
Museu
Nacional
da
UFRJ.
23
Datas-limite
dos
documentos
contidos
nas
coleções.
8
−
Coleção
Organizações
de
Esquerda
(1962-1972)
Produzida
por
Eduardo
Navarro
Stotz
e
posteriormente
doada
ao
AMORJ.
Stotz
foi
militante
politico
e
atualmente
é
pesquisador
titular
da
Fundação
Oswaldo
Cruz.
Contem
documentos
de
organizações
dissidentes
do
PCB,
depois
que
o
Partido
optou
pela
política
de
“coexistência
pacífica”
no
período
da
ditadura
militar.
Foram
acrescidos
novos
documentos
à
Coleção.
−
C
oleção
Coletivo
Gregorio
Bezerra
(1966
–
1992)
Produzida
e
doada
por
Luiz
Elias
Sanches,
membro
da
direção
municipal
do
Coletivo
Gregorio
Bezerra.
O
Coletivo
foi
organizado
em
consequência
da
luta
interna
no
PCB
depois
da
anistia
e
do
retorno
da
Direção
Nacional,
exilada
em
outros
países.
Parte
da
documentação
trata
da
atuação
do
CGB
em
diferentes
movimentos
sociais,
incluindo
o
movimento
estudantil.
−
Coleção
Hamilton
Garcia
(1968
–
1992)
Doada
por
Hamilton
Garcia
e
produzida
por
Hamilton
Garcia,
Henrique
Gracia,
Sergio
Rui
Barbosa,
Flavio
Elder
e
Eduardo
Szcheinbum,
militantes
do
PCB.
Contém
dossiê
sobre
movimento
estudantil
e
juventude,
reunindo
material
produzido
pela
UNE,
UEE,
UBES
e
pelo
PCB/RJ.
−
Coleção
Tibor
Sulik
(1964
–
1994)
Produzida
e
doada
por
Tibor
Sulik.
Foi
metalúrgico
e
presidente
nacional
da
Juventude
Operaria
Católica
(JOC).
Contém
dossiê
dos
trabalhos
realizados
por
Sulik
na
JOC.
−
Fundo
Partido
Comunista
Brasileiro
(1956
–
1992)
Produzida
pelo
PCB
e
doada
ao
AMORJ
pelo
Partido
Popular
Socialista
(PPS).
Contém
séries
sobre
juventude
comunista
e
movimento
estudantil.
−
Coleção
Periódicos
(1902
–
2019)
Jornais
e
revistas
doadas
por
entidades
sindicais,
partidos
políticos
e
movimentos
sociais.
Na
Coleção
Periódicos
não
existe
série
ou
dossiê
sobre
juventude
ou
movimento
estudantil.
Os
jornais
e
as
revistas
estão
organizados
por
ordem
alfabética
e
não
por
assunto
ou
conjunto
temático.
Existe,
no
entanto,
9
publicações
estudantis
de
diferentes
coletivos
e
entidades
dispersas
na
coleção.
“Quando
se
pensa
que
uma
coisa
acabou,
ela
volta”,
disse
Maria
da
Conceição
Tavares
em
entrevista
já
citada.
Fiquemos
de
olhos
bem
abertos.
Não
é
por
falta
de
arquivo.
Exposição
de
documentos
33o
Congresso
da
UNE
“quando
um
muro
separa,
uma
ponte
une”,
canção
de
Paulo
César
Pinheiro.
Araruama,
1981
Coleção
Movimento
Estudantil
36o
Congresso
da
UNE
UNE
declarou
apoio
ao
candidato
Tancredo
Neves
na
eleição
indireta
para
presidente.
Congresso
organizado
no
Maracanãzinho,Rio
de
Janeiro,
1984.
Coleção
Cartazes
10
Travessia
O
inverno
foi
deles
a
primavera
será
nossa!
Informativo
da
chapa
Travessia.
Eleições
na
UEB
e
no
DCE,
UFBA.
Salvador,
1983
Coleção
Movimento
Estudantil
Mãos
à
obra
Reconstruindo
o
DCE
Cartaz
do
DCE
Mario
Prata,
UFRJ.
Rio
de
Janeiro,
1978
Coleção
Cartazes
11
Mãos
à
obra
Reconstruindo
o
DCE
Cartaz
do
DCE
Mario
Prata,
UFRJ
(arte
do
Ziraldo).
Rio
de
Janeiro,
1978
Coleção
Cartazes
Enterro
simbólico
do
GOLPE
DE
64
Panfleto
do
CACO,
UFRJ.
Rio
de
Janeiro,
1987.
Coleção
Movimento
Estudantil
12
Jornal
do
DAHJ/UFF
Lições
da
greve:
os
operários
existem.
Niterói,
1978,
Fundo
PCB
DCE
Fernando
Santa
Cruz
Informativo
de
boas-vindas
aos
calouros.
Mapa
dos
campi
da
UFF.
Niterói,
1981
Coleção
Cartazes
13
Abaixo
o
terror
fascista!
Convocação
do
DCE/UFF
para
a
missa
de
7o
dia
pelo
assassinato
de
Lyda
Monteiro,
secretária
da
OAB.
Niterói,
1980.
Fundo
PCB
14
Frente
Periódico
da
juventude
do
PCB.
Santos,
1981
Coleção
PCB
Alicerce
Periódico
da
AJS.
São
Paulo,
1983
Coleção
Periódicos
15
ALN
Panfleto
sobre
a
ALN,
escrito
por
Iuri
Xavier
Pereira,
estudante
e
militante
político.
Iuri
morreu
em
1972,
“a
partir
de
ações
perpetradas
por
agentes
do
Estado
brasileiro,
em
um
contexto
de
sistemáticas
violações
de
direitos
humanos
promovidos
pela
Ditadura
Militar
implantada
no
país
a
partir
de
abril
de
1964”.
S/l,
1972
Coleção
Organizações
de
Esquerda
Referências
ARAÚJO,
M.
P.
Memórias
Estudantis,
1937-2007:
da
fundação
da
UNE
aos
nossos
dias.
Rio
de
Janeiro:
Relume
Dumará,
2007.
BENJAMIN,
W.
O
anjo
da
história.
São
Paulo:
Autêntica,
2012.
LOWY,
M.
Walter
Benjamin:
aviso
de
incêndio.
Uma
leitura
das
teses
“Sobre
o
conceito
de
História”.
São
Paulo:
Boitempo,
2005.
LUXEMBURGO,
R.
Reforma
ou
revolução?
São
Paulo:
Expressão
Popular,
2019.
QUEIROZ,
A.
C.
As
memórias
em
disputa
sobre
a
ditadura
civil-militar
na
UFRJ:
lugares
de
memória,
sujeitos
e
comemorações.
Tempo
27,
2021.
TAVARES,
M.
C.
e
SERRA,
J.
Além
da
estagnação.
In:
Da
substituição
de
importações
ao
capitalismo
financeiro.
Rio
de
Janeiro:
Zahar,
1972.
16