V.22,
nº
49
-
2024
(setembro-dezembro)
ISSN:
1808-799
X
JOVENS,
TRABALHADORES
E
PRECARIZADOS:
ELETRICITÁRIOS
TERCEIRIZADOS
E
AS
NOVAS
FORMAS
DE
AÇÃO
COLETIVA
1
Samuel
Nogueira
Costa
2
Resumo
Nesse
artigo,
nosso
intuito
é
destrinçar,
ainda
que
preliminarmente,
os
mecanismos
constituintes
do
cerne,
ou,
dito
de
outro
modo,
da
essência
da
reestruturação
do
capital
em
nível
mundial,
i.e.
,
da
reconfiguração
dos
processos
produtivos
,
enquanto
novas
formas
de
flexibilização
e
precarização
do
trabalho
na
cadeia
produtiva
(alternativa
ao
modelo
rígido
do
taylorismo/fordismo,
do
neoliberalismo
e
do
seu
inescapável
tipo
de
racionalidade
subjetivada,
buscando
identificar
suas
implicações
para
a
ação
coletiva
da
juventude
trabalhadora
eletricitária.
Palavra-chave
:
Terceirização
do
trabalho;
ação
coletiva;
Eletricitários.
JÓVENES,
TRABAJADORES
Y
PRECARIZADOS:
ELECTRICISTAS
TERCERIZADOS
Y
LAS
NUEVAS
FORMAS
DE
ACCIÓN
COLECTIVA
Resumen
En
este
artículo
nuestra
intención
es
develar,
aunque
sea
de
manera
preliminar,
los
mecanismos
que
constituyen
el
núcleo,
o,
en
otras
palabras,
la
esencia
de
la
reestructuración
del
capital
a
nivel
global,
es
decir,
la
reconfiguración
de
los
procesos
productivos,
como
nuevas
formas
de
flexibilización
y
precariedad
del
trabajo
en
la
cadena
productiva
(alternativa
al
modelo
rígido
del
taylorismo/fordismo),
el
neoliberalismo
y
su
ineludible
tipo
de
racionalidad
subjetiva,
buscando
identificar
sus
implicaciones
para
la
acción
colectiva
de
los
jóvenes
trabajadores
eléctricos.
Palabras
clave
:
Tercerización
del
trabajo;
acción
colectiva;
Electricistas.
YOUTH,
WORKERS
AND
PRECARIOUS:
OUTSOURCED
ELECTRICIANS
AND
NEW
FORMS
OF
COLLECTIVE
ACTION
Abstract
In
this
article,
our
intention
is
to
unravel,
even
if
preliminary,
the
mechanisms
that
make
up
the
core,
or,
in
other
words,
the
essence
of
the
restructuring
of
capital
at
world
level,
i.e.,
the
reconfiguration
of
production
processes,
as
new
forms
of
flexibilization
and
precariousness
of
work
in
the
production
chain
(alternative
to
the
rigid
model
of
Taylorism/Fordism),
of
neoliberalism
and
its
inescapable
type
of
subjective
rationality
seeking
to
identify
its
implications
for
the
collective
action
of
the
working
youth
electrician.
Keywords
:
Labor
outsourcing;
collective
action;
Electricians.
2
Doutor
em
Sociologia
pela
Universidade
de
Brasília
(UnB)
-
Brasil.
Membro
do
Grupo
de
Estudos
e
Pesquisas
para
o
Trabalho
(GEPT
–
SOL/UnB)
E-mail:
samuelnmonteiro@hotmail.com
.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2068612156860278
.
ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-4457-0374
.
1
Artigo
recebido
em
06/07/2024.
Primeira
Avaliação
em
16/08/2024.
Segunda
Avaliação
em
22/08/2024.
Aprovado
em
11/10/2024.
Publicado
em
05/12/2024.
DOI:
https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.63574
.
1
Introdução
Um
conjunto
de
fatores,
entre
os
quais
se
acha
o
novo
modo
de
organização
da
produção
capitalista,
os
aspectos
fundamentais
da
revolução
tecnocientífica,
o
neoliberalismo
enquanto
projeto
societário,
razão
estruturante
de
mundo
e
o
novo
modo
de
funcionamento
da
economia
capitalista
–
elementos
estes
que
propiciaram
mudanças
significativas
na
produção
e
nas
relações
sociais
como
um
todo
–,
entre
outros,
não
só
interferiram
no
modo
como
se
estabelecem
os
organismos
de
representação
e
associação
de
classe,
abrangendo
aí
tanto
seus
aspectos
de
instituição
(sindicato)
quanto
de
movimento
(sindical),
como
também
influíram
na
forma
de
operacionalização
de
sua
ação
coletiva
pela
juventude
trabalhadora.
A
nosso
ver,
a
“crise”
atual
porque
passa
o
sindicalismo
tem,
de
acordo
com
a
bibliografia
pesquisada,
os
dados
levantados
e
a
pesquisa
de
campo
realizada
por
meio
de
entrevistas
semiestruturadas,
relação
direta
–
e
em
diferentes
níveis:
estrutural,
conjuntural
etc.
–
com
esse
conjunto
de
fatores.
Em
resumo,
acreditamos
que
formas
variadas
de
ação
coletiva
sindical,
como
greves,
negociação
coletiva,
paralisações
e
outras,
foram
afetadas
em
alguma
medida
pela
reestruturação
capitalista,
de
que
a
terceirização
3
é,
sem
sombra
de
dúvidas,
parte
integrante.
Por
outro
lado,
não
compactuamos
com
a
tese
de
que
a
terceirização
do
trabalho,
em
específico,
tenha
sido
o
único
fator
responsável
pela
crise
de
representatividade
sindical.
Esta
última,
carrega
consigo
elementos
provenientes
da
expansão
da
terceirização,
mas
não
somente,
já
que
também
é
resultado
da
ausência
do
sentimento
de
pertencimento
dos
associados
à
entidade
sindical,
pela
“politização”
dos
sindicatos,
pelo
desvirtuamento
de
demandas,
pela
facilidade
da
subjetivação
do
ideário
neoliberal,
pelo
processo
de
burocratização
e
envelhecimento
das
lideranças,
pelo
conflito
geracional
dos
associados,
entre
outros,
fatores
esses
que
estão
localizados
não
apenas
em
uma,
mas
em
diversas
esferas
sociais.
Nesse
sentido,
pensar
a
experiência
sindical
de
jovens
trabalhadores
terceirizados
que
integram
o
setor
elétrico
brasileiro,
numa
conjuntura
de
crise
estrutural
do
capitalismo
não
é
uma
tarefa
nada
simples.
Essa
empreitada
exige,
evidentemente,
um
trabalho
hercúleo,
e,
por
essa
razão,
não
será
nossa
intenção
3
Considerando
a
ampliação
da
terceirização
para
atividades-fim,
momento
sui
generis
da
atual
conjuntura,
essa
afirmação
é
ainda
mais
preocupante.
2
esgotar
aqui
todas
as
questões
que
porventura
decorram
desse
debate,
mas
esmiuçar
os
pontos
que,
a
nosso
ver,
são
mais
importantes:
os
impactos
na
ação
coletiva
sindical
e
nas
condições
de
vida
e
trabalho
da
juventude
trabalhadora
eletricitária.
A
partir
da
análise
de
um
conjunto
amplo
de
autores,
buscamos
compreender,
em
suas
múltiplas
dimensões,
dois
movimentos
de
um
mesmo
processo
(reestruturação
produtiva
e
neoliberalismo
=
reestruturação
do
capital),
norteadores
do
conjunto
de
respostas
do
capital
à
crise
estrutural
do
início
da
década
de
1970.
Temos
como
objetivo:
1)
lançar
luz
às
dinâmicas
macroestruturais
do
capitalismo
global
que
deram
origem
à
nova
morfologia
do
mundo
do
trabalho,
com
enfoque
em
três
aspectos
fundamentais:
político,
econômico
e
ideológico;
2)
e
levantar
quais
os
principais
impactos
derivados
dessa
reestruturação
para
os
jovens
trabalhadores
e
para
as
entidades
representativas
da
classe
eletricitária
e
sua
consequente
ação
política.
Para
a
investigação
por
nós
proposta,
proceder-se-á
metodologicamente
com
base
nas
técnicas
de
pesquisa
qualitativa
e
quantitativa.
Serão
empregados
os
recursos
da
pesquisa
qualitativa
de
caráter
bibliográfico
a
partir
do
levantamento
da
literatura
especializada
em
sociologia
do
trabalho
e
de
obras
de
suporte
das
áreas
da
ciência
política,
economia
e
sociologia
geral.
Com
base
nesse
ferramental
bibliográfico,
travar-se-á
a
discussão
teórica
em
torno
das
teses
sobre
o
mundo
do
trabalho
e
o
setor
elétrico,
em
especial
no
movimento
de
flexibilização
e
precarização
do
trabalho
da
juventude
eletricitária
terceirizada
e
suas
formas
de
ação
sindical.
Ainda
no
que
tange
à
pesquisa
qualitativa,
serão
utilizados
trechos
de
entrevistas
semiestruturadas
com
quatro
jovens
(dirigentes
sindicais
da
nova
geração),
cujo
destaque
na
condução
política
dos
afazeres
do
aparato
de
representação
dos
trabalhadores
é
inegável,
filiados
ao
Coletivo
Nacional
de
Eletricitários
–
CNE,
a
fim
de
apreender
em
seus
relatos
os
problemas
relativos
à
terceirização
e
precarização
do
trabalho,
os
motivos
de
sua
implementação,
os
conflitos
existentes
nos
postos
de
trabalho,
bem
como
se
dá
a
atuação
dos
sindicatos
enquanto
movimento
frente
a
essa
nova
forma
de
gestão
laboral.
De
maneira
conjunta,
será
utilizada
a
pesquisa
quantitativa
no
levantamento
de
dados
em
torno
da
terceirização,
tendo
em
vista
o
recorte
de
análise
e
os
3
objetivos.
Para
auxílio
no
mapeamento
do
quantitativo
de
trabalhadores
terceirizados
e
seus
níveis
de
acidentalidade,
recorrer-se-á
aos
bancos
de
dados
e
arquivos
da
Agência
Nacional
de
Energia
Elétrica
–
ANEEL
e
as
informações
disponibilizadas
nas
demonstrações
contábeis
das
empresas
do
setor.
Para
dados
gerais
que
venham
a
apoiar
a
argumentação
em
relação
à
referências
ao
mercado
de
trabalho,
serão
usados
relatórios
e
pesquisas
produzidos
por
fontes
oficiais
como
a
Relação
Anual
de
Informações
Sociais
–
RAIS,
vinculada
a
o
Ministério
do
Trabalho
e
Emprego
–
MTE
e
Departamento
Intersindical
de
Estatística
e
Estudos
Socioeconômicos
–
DIEESE.
O
texto
está
dividido
da
seguinte
maneira:
debate-se,
inicialmente,
os
retratos
da
crise
e
o
contexto
da
ação
sindical;
a
partir
daí,
adentra-se
na
discussão
do
Zeitgeist
brasileiro,
i.e.
,
terceirização
total
e
suas
consequências
para
ação
coletiva
sindical;
na
sequência
faz-se
uma
radiografia
do
setor
elétrico,
discute-se
o
processo
de
reestruturação
produtiva
do
setor,
as
péssimas
condições
laborais
a
que
os
trabalhadores
estão
submetidos;
por
fim,
argumenta-se,
nos
apontamentos
finais,
os
desafios
e
estratégias
para
a
renovação
da
ação
política
dos
sindicatos
e
o
papel
da
juventude
trabalhadora
nesse
contexto.
A
reestruturação
global
capitalista
iniciada
em
1970
Marcelino
(2013)
destaca
que
a
reorganização
da
estrutura
produtiva
dentro
das
empresas
e
o
neoliberalismo
enquanto
projeto
societal
são
elementos
constituintes
de
um
mesmo
processo:
a
reestruturação
global
do
capital.
Essa
“nova
fase”
do
modo
de
produção
capitalista
resultou
em
desdobramentos
multifacetados,
porquanto
foi
impulsionada
pela
subjetivação
de
um
tipo
específico
de
racionalidade
,
uma
nova
“razão”
de
mundo
que
incidiu
em
múltiplas
esferas
da
vida
4
(Dardot
e
Laval,
2016).
A
reestruturação
capitalista
pode
ser
entendida
como
um
processo
inacabado,
em
cinesia
e
não
estático
até
o
instante
de
ruptura;
uma
descontinuidade
no
interior
de
uma
continuidade
plena;
um
evento
de
proporções
sistêmicas
que
é
composto
4
Vieira
(1997)
destaca
cinco
dimensões
desse
conjunto
de
transformações:
econômica,
política,
social,
ambiental
e
cultural.
Outros
autores,
como
Alves
(2007),
Antunes
(2011),
Chesnais
(1996)
e
Soares
(2006),
esclarecem
que
o
processo
mencionado
também
se
estende
a
outros
níveis,
como
o
comunicacional,
tecnológico
etc.
4
pela
reorganização
mundial
do
capital
(Lencioni,
1998).
Tal
ocorrência
está
circunscrita
à
“nova
Divisão
Internacional
do
Trabalho”
–
da
qual
são
parte
integrante
disputas
políticas,
econômicas
e
sociais,
além
de
classes
sociais
com
inclinações
visivelmente
antagônicas
–,
compondo,
por
seu
turno,
um
sistema
produtivo
mundializado
e
hierarquizado,
necessário
à
nova
fase
da
acumulação
do
capital.
Esse
fenômeno
está
assentado
na
aliança
entre
as
classes
burguesas
em
nível
global,
orientando
o
atual
estágio
de
desenvolvimento
do
modo
de
produção
capitalista.
Apoiada
nessa
aliança,
a
dominância
das
finanças
alcançou
uma
centralidade
inquestionável,
tornando-se,
sobretudo
a
partir
do
final
da
década
de
1970,
uma
característica
estrutural
do
atual
regime
de
acumulação
(Chesnais,
1996;
Alves,
1999).
Esse
processo
de
profundas
modificações
envolveu
aspectos
contidos
nas
mais
diversas
áreas
de
todas
as
sociedades
que
a
integram.
A
raiz
sociopolítica
das
circunstâncias
atuais
do
modo
capitalista
de
produção
reside,
justamente,
nessa
multiplicidade
de
domínios.
Atendendo
a
interesses
comuns
baseados
na
cooperação
entre
as
burguesias
nacionais
e
na
remoção
dos
entraves
particulares
a
cada
nação,
irrompe,
a
partir
do
capital
monopolista
mundializado,
uma
nova
consciência
mundial
(Chesnais,
1996;
Alves,
1999).
Sendo
essa
a
tônica
do
padrão
de
desenvolvimento
e
ampliação
do
capital,
é
importante
observar
que
desde
a
segunda
metade
do
século
XVIII
–
etapa
característica
do
capitalismo
industrial
–
ocorrem
intensos
processos
de
reestruturação
produtiva
(Alves,
2007).
Essas
constantes
transformações,
tanto
no
plano
sociopolítico
como
no
institucional,
com
o
neoliberalismo,
quanto
no
plano
da
organização
produtiva,
com
a
reestruturação
do
aparato
tecno-organizacional,
corroboram
o
fato
de
que
“a
contínua
revolução
da
produção,
o
abalo
constante
de
todas
as
condições
sociais,
a
incerteza
e
a
agitação
eternas
distinguem
a
época
burguesa
de
todas
as
precedentes”
(Marx,
2004,
p.
48).
Do
ponto
de
vista
teórico-analítico,
entendemos
que
o
momento
atual
do
“capitalismo
atravessa
(...)
crises
estruturais
e
as
supera
através
de
transformações
profundas
em
seu
funcionamento”
(Duménil
e
Lévy,
2003,
p.
16),
assim
como
a
experimentada
no
último
quartel
do
século
XX.
Autores
como
Alves
(2000),
Corsi
(2009),
Antunes
(1995
e
1999),
Braga
(1995),
Katz
e
Coggiola
(1996)
e
Mészáros
(1989)
afirmam
que
as
mutações
acarretadas
pelo
processo
de
reestruturação
foram
5
consequência
da:
1)
diminuição
expressiva
das
taxas
de
lucro
em
virtude
do
aumento
do
preço
da
força
de
trabalho
e
das
constantes
lutas
operárias
que
ocorriam
desde
o
final
dos
anos
1960;
(2)
dominância
e
hipertrofia
da
esfera
financeira;
(3)
aumento
da
concentração
de
capitais
(fusões
e
aquisições)
de
empresas;
(4)
e
dissolução
do
Estado
de
bem-estar
social
em
decorrência
da
crise
fiscal.
Esse
conjunto
de
transformações
que
impactou
significativamente
o
mundo
do
trabalho
emergiu,
segundo
os
autores,
em
meio
a
um
contexto
de
crise
aguda,
ensejando
múltiplas
formas
de
expressão
e
manifestação.
Diante
da
ruptura
abrupta
ensejada
pela
crise
estrutural
do
modo
de
produção
capitalista
em
1970,
fenômeno
este
que
adquiriu
proporções
de
grande
envergadura,
o
capitalismo
forjou
inúmeros
mecanismos
com
o
objetivo
de
aumentar
a
produtividade
e
a
competitividade
das
empresas.
No
campo
da
reestruturação
produtiva,
foram
inaugurados
métodos
de
gestão
da
mão
de
obra,
como:
subcontratação
da
força
de
trabalho,
através
da
terceirização
das
atividades
de
apoio
à
produção,
Círculos
de
Controle
de
Qualidade,
Just
in
Time
(do
inglês:
no
tempo
justo,
na
hora
certa),
Trabalho
em
Grupo,
Trabalho
Polivalente,
Kaizen
(do
japonês:
mudar
para
melhor),
Kanban
(sistema
cuja
função
é
informar
os
trabalhadores
sobre
a
necessidade
de
cada
componente
produzido,
o
coração
do
just
in
time
)
e
outros.
5
O
objetivo
fundamental
desse
conjunto
de
transformações
foi
fazer
frente
à
rigidez
do
sistema
fordista.
Se
há
uma
palavra
capaz
de
expressar
as
mudanças
desse
novo
paradigma
de
acumulação
que
atingiu
o
período,
esta
é
flexibilidade.
O
Zeitgeist
brasileiro:
terceirização
total
e
suas
consequências
para
ação
coletiva
sindical
Mesmo
havendo
algumas
similitudes,
processos
de
terceirização
em
diversos
países
carregam
consigo,
evidentemente,
suas
diferenças.
O
modo
como
conquistas
e
garantias
trabalhistas
são
tratadas
nos
Estados
Unidos
e
em
países
escandinavos
não
é
homogêneo.
Isso
porque,
ainda
que
os
aspectos
avaliados
sejam
os
mesmos,
há
inúmeras
formas
de
tratá-los.
Caso
estejam
incluídas
na
análise
determinadas
5
Para
uma
análise
mais
acurada,
consultar
o
glossário
da
reestruturação
produtiva
escrito
por
Neto
(2003).
6
concepções,
intenções
ou
mesmo
ênfases
específicas,
os
resultados
para
aqueles
cuja
força
de
trabalho
é
sua
única
garantia
de
subsistência
poderão
variar
bastante.
Em
solo
brasileiro,
assim
como
na
grande
maioria
dos
países,
é
difundida
a
ideia
de
que
a
terceirização
do
trabalho
tem
como
atributo
universal
o
foco
na
produção,
já
que
ela
contribui
para
a
elevação
dos
índices
de
produtividade
e
qualidade,
elementos
indispensáveis
para
a
competitividade
no
mercado.
Contudo,
por
aqui,
a
alternativa
de
reduzir
os
custos
de
produção
transformando-os
em
custos
variáveis
é
tão
significativa
que,
geralmente,
tais
processos
acabam
se
traduzindo
no
objetivo
basilar
da
terceirização.
Na
visão
de
Krein
(2017)
,
a
possibilidade
de
redução
de
custos
com
o
trabalho
foi
o
que
estimulou
a
terceirização
no
Brasil.
De
acordo
com
o
Dieese
(2007,
p.
80),
nos
processos
de
terceirização
do
trabalho,
dois
pontos
basilares
sempre
estiveram
associados
ao
modelo
de
terceirização
à
brasileira:
⇨
O
cliente
efetua
o
pagamento
somente
do
valor
contratado
pela
quantidade
de
bens
ou
serviços
solicitada
e
efetivamente
recebida.
⇨
O
custo
fixo
da
atividade
de
produção
antes
da
sua
terceirização,
que
por
ser
fixo
não
depende
do
volume
de
negócios,
converte-se
em
custo
variável,
ou
seja:
⇨
X
volume
=
X
custo
=>
custo
proporcional
ao
volume
⇨
Nenhum
volume
=
Nenhum
custo.
A
terceirização
do
trabalho,
como
mecanismo
de
recomposição
das
taxas
de
lucro,
captura
da
subjetividade,
controle
e
domínio
sobre
os
trabalhadores,
concentra
os
elementos
mais
importantes
das
mudanças
estruturais
iniciadas
com
a
reestruturação
capitalista
em
1970.
Ao
tempo
que
ela
reorienta
as
estruturas
de
gestão
e
organização
dos
processos
de
trabalho
no
interior
das
empresas,
vincula-se
a
um
contexto
político
–
econômico
específico
(neoliberalismo),
colaborando
para
a
constituição
de
uma
nova
forma
de
organização
da
produção
capitalista.
Mas
o
que
de
fato
significa
terceirização
do
trabalho?
Esse
processo
pode
ser
entendido
como
o
momento
em
que
uma
empresa
escolhe
deixar
de
executar
uma
ou
mais
atividades
realizadas
por
empregados
diretamente
contratados
e
os
repassa
7
para
outra
empresa.
A
empresa
que
terceiriza
a
atividade
é
comumente
chamada
de
“empresa-mãe
ou
contratante”;
já
a
empresa
responsável
por
executar
a
atividade
que
fora
terceirizada
é
chamada
de
“empresa
terceira
ou
contratada”.
Esse
processo
se
dá
sempre
entre
duas
empresas.
O
que
define
a
condição
de
empresa
contratante
e
contratada
é
o
modo
como
são
estabelecidos
os
vínculos
específicos
entre
elas,
podendo,
portanto,
em
um
determinado
momento
uma
empresa
ser
caracterizada
como
contratante
e,
em
outro,
como
contratada.
Segundo
as
entidades
empresariais,
as
principais
atividades
ou
setores
em
que
se
podem
reduzir
custos
são:
1)
água,
energia
e
telefone;
2)
área
física
da
empresa;
3)
manutenção
das
instalações;
4)
investimentos
em
instalações;
5)
substituição
e
upgrade
de
equipamentos;
6)
manutenção
e
calibragem
de
equipamentos;
7)
investimentos
em
equipamentos
e
softwares
;
8)
problemas
com
fornecedores
diversos;
9)
aquisição,
armazenamento
e
controle
de
insumos;
10)
seguros;
11)
treinamento
de
pessoal;
12)
seleção,
contratação
e
demissão
de
pessoal;
13)
encargos
trabalhistas;
14)
administração
burocrática
da
atividade;
15)
férias,
faltas,
doenças
e
licenças
de
pessoal,
13º
salário,
gratificações
e
horas
extras;
16)
problemas
sindicais,
negociações,
greves;
17)
problemas
judiciais
com
pessoal
etc
(Dieese,
2017;
Leiria,1992).
A
partir
da
utilização
dos
códigos
da
CNAE,
é
possível
perceber
que
a
própria
caracterização
das
atividades
sugere,
com
um
grau
de
certeza
satisfatório,
que
se
referem
a
atividades
tipicamente
terceirizadas.
Entre
as
atividades
econômicas
avaliadas
como
tipicamente
terceirizadas
estão
atividades
de
apoio,
manutenção
e
reparação,
atividades
relacionadas
a
recuperação,
serviços
de
preparação,
serviços
especializados,
representantes
comerciais,
atividades
auxiliares,
suporte
técnico,
fornecimento
e
gestão
de
recursos
humanos
para
terceiros,
atividades
de
monitoramento,
serviços
combinados
e
atividades
de
cobranças.
A
terceirização
também
recai
sobre
outras
atividades
além
das
elencadas.
Entre
as
prevalecentes
estão:
confecção
de
roupas,
fabricação
de
calçados,
construção
civil,
coleta
de
resíduos,
serviços
de
catering
,
armazenamento,
atividades
de
teleatendimento,
serviços
de
engenharia
e
consultoria
em
tecnologia
da
informação.
Mas
o
que
justificaria
a
terceirização
nas
empresas?
Para
Leiria
(1992,
p.
53),
um
dos
maiores
consultores
empresariais
no
Brasil,
seria:
1)
diminuição
do
desperdício;
2)
aumento
da
produtividade;
3)
melhor
qualidade;
4)
maior
controle
da
8
qualidade;
5)
agilização
de
decisões;
6)
liberação
da
criatividade;
7)
otimização
de
serviços;
8)
melhor
administração
do
tempo
da
empresa;
9)
redução
do
quadro
direto
de
empregados;
10)
desmobilização
dos
trabalhadores
para
reivindicações;
11)
desmobilização
para
greves;
12)
eliminação
das
ações
sindicais;
13)
eliminação
das
ações
trabalhistas;
14)
um
novo
relacionamento
sindical.
Note-se
que
há
questões
muito
particulares
umbilicalmente
ligadas
à
ação
política
dos
sindicatos.
Dos
14
resultados
positivos
oriundos
dos
processos
de
terceirização,
cinco
têm
relação
direta
com
a
desmobilização
das
ações
sindicais
e
o
enfraquecimento
do
poder
político
das
instâncias
de
organização
dos
trabalhadores;
portanto,
não
dizem
respeito
exclusivamente
à
produção.
Isto
se
dá,
de
acordo
com
Leiria
(1992),
porque
a
terceirização,
como
mecanismo
de
gestão
e
organização
dos
processos
de
trabalho
no
interior
das
empresas,
tem
como
uma
de
suas
principais
características,
do
ponto
de
vista
da
organização
política
dos
trabalhadores,
a
fragmentação
de
classe.
Nessa
direção,
ainda
conforme
Leiria
(1992)
–
diga-se
de
passagem,
um
célebre
defensor
da
terceirização
do
trabalho
–,
uma
palavra
poderia
definir
o
processo
de
terceirização:
desmobilização.
Do
ponto
de
vista
empresarial,
ao
desmobilizar
o
coletivo
de
trabalhadores
fazendo
uso
de
mecanismos
indissociáveis
e
articulados
entre
si,
a
terceirização
do
trabalho
obtém
como
resultado
um
melhor
relacionamento
com
os
sindicatos.
Isso
não
significa
dizer
que
não
há
questões
não
aparentes
(subjetivas)
neste
processo.
Conforme
apontado,
a
reestruturação
produtiva
não
só
foi
capaz
de
ditar
alterações
bastante
objetivas
na
esfera
produtiva,
como
foi,
de
igual
modo,
hábil
em
constituir
uma
poderosa
engrenagem
atuante
também
no
campo
subjetivo,
moldando
novas
mentalidades,
sentimentos,
gostos
e
até
mesmo
os
sonhos
dos
trabalhadores.
Em
suma,
todo
esse
processo
foi
responsável
por
constituir
uma
nova
razão
de
mundo
que
perpassa
inúmeras
esferas
da
vida.
Disso
decorre
que
os
sindicatos
precisam
enfrentar
novos
desafios
para
mobilizar
suas
bases,
sobretudo
atualmente,
quando
se
considera
o
fato
de
que
o
processo
de
terceirização
reduziu
postos
de
trabalho
de
empregados
diretos,
afetando
a
receita
sindical.
Mas
não
só
isso,
também
dificultou
a
articulação
de
mobilizações,
uma
vez
que
a
ideologia
neoliberal
conformou
o
sujeito-empresa,
a
ideologia
da
gestão,
a
participação
nos
lucros
e
resultados
etc.,
resultando
num
9
“culto
narcísico”
ao
individualismo.
A
sociedade
do
capitalismo
tardio
é
a
sociedade
do
poder
da
ideologia
onde
se
disseminam
os
valores-fetiches,
sonhos,
expectativas
e
valores
de
mercado.
A
gestão
como
prática
ideológica
opera
a
“captura”
da
subjetividade,
possui
um
efeito
ideologicamente
estressante
sobre
a
subjetividade
do
homem-que-trabalha,
corroendo
a
dimensão
do
ser
genérico
do
homem
como
espécie
–
esta
é
a
precarização
do
homem-que-trabalha.
A
precarização
existencial
não
se
reduz
ao
estresse
ideológico
provocado
pela
precarização
do
homem
como
ser
humano-
genérico,
mas
diz
respeito
também
à
degradação
das
condições
de
existência
do
trabalho
vivo
no
território
das
metrópoles
e
nos
espaços
públicos
de
desenvolvimento
humano,
isto
é,
as
condições
da
reprodução
social
como
circulação,
territorialidade,
consumo
e
lazer.
Com
a
vigência
do
novo
modo
de
desenvolvimento
capitalista
(o
capitalismo
flexível)
e
o
bloco
histórico
do
capital
de
feição
neoliberal,
a
ideologia
do
mercado
se
dissemina
(ALVES,
2013,
p.
243).
Se
a
ideologia
é
todo
fenômeno
que
exerce
efeito
sobre
a
subjetividade
do
ser
humano,
no
atual
estágio
do
desenvolvimento
capitalista,
cuja
mentalidade
neoliberal
é
conditio
sine
qua
non
,
o
mercado
enquanto
ordenador
universal
da
economia
consagra-se
como
uma
entidade
irretocável
–
uma
espécie
de
“fada”
da
transparência
e
confiança.
Ainda
que,
não
raras
vezes,
escândalos
diversos
venham
à
tona,
nada
parece
atingi-lo.
O
fato
inconteste
é
que
a
terceirização
tornou-se
uma
condição
inexorável,
o
Zeitgeist
,
o
“espírito
do
tempo”
do
neoliberalismo,
a
característica
mais
elementar
do
capitalismo
flexível
e
“a
principal
forma
de
flexibilização
da
contratação,
a
partir
dos
anos
90,
no
Brasil”
(Krein,
2013).
Sua
ampliação
para
todas
as
atividades
“tipicamente
terceirizáveis”
está
relacionada,
segundo
Alves
(2015),
ao
contexto
de
crise
estrutural
do
capitalismo,
circunstância
em
que
as
promessas
civilizatórias
do
capital
são
impedidas
de
ser
realizadas
pela
incapacidade
candente
do
seu
sistema
de
controle
do
metabolismo
social.
Uma
breve
radiografia
do
setor
elétrico
Existem
três
tipos
de
atividades
predominantes
no
setor
elétrico:
geração,
transmissão
e
distribuição
de
energia
elétrica.
Essas
atividades
apresentam
certas
particularidades
responsáveis
por
determinar
a
composição
da
força
de
trabalho
do
setor.
10
A
função
da
transmissão
é
levar
a
energia
produzida
nas
usinas
geradoras
às
empresas
distribuidoras.
Assim
como
na
geração,
emprega
um
contingente
bastante
reduzido
de
trabalhadores,
já
que
a
maior
parte
de
suas
atividades
é
programada.
A
distribuição
tem
como
incumbência
garantir
o
fornecimento
de
energia
elétrica
para
diferentes
classes
de
consumidores,
sejam
eles
residenciais,
industriais,
produtores
rurais,
comerciais,
do
setor
público
etc.
As
empresas
de
distribuição
de
energia
elétrica
no
Brasil
têm
como
clientes
os
consumidores,
ao
passo
que
são,
simultaneamente,
compradoras
das
empresas
de
geração
e
transmissão.
Nesse
sentido,
a
distribuição
é
uma
área
com
grande
necessidade
de
mão
de
obra,
haja
vista
que
reúne
o
maior
número
de
atividades
e
uma
parcela
considerável
delas
acontece
no
atendimento
à
rede
elétrica
de
distribuição,
podendo
demandar
de
forma
extraordinária
uma
grande
soma
de
trabalhadores,
já
que
possui
menor
previsibilidade.
Em
2014
inicia-se
uma
forte
retração
de
vínculos
empregatícios
no
setor,
associada,
entre
outros
fatores,
à
grande
desaceleração
econômica
que
o
Brasil
experimentou
posteriormente.
Com
uma
queda
dos
vínculos
empregatícios
na
casa
dos
-
8,6%,
o
ano
de
2014
termina
contando
com
139,8
mil
empregados,
i.e
.,
13,2
mil
a
menos.
Por
outro
lado,
o
ano
de
2015
apresenta
uma
recuperação
de
3,8%,
alcançando
145.100
vínculos
empregatícios.
Essa
recuperação
estende-se
até
2016,
ano
em
que
atinge
177
mil
empregados,
um
aumento
de
21,9%,
decorrente
da
construção
de
empreendimentos
como
usinas
(hidrelétricas,
termelétricas,
fotovoltaicas
e
eolioelétricas)
e
extensão
das
linhas
de
transmissão
de
energia,
conforme
o
anuário
estatístico
de
energia
elétrica
(EPE,
2017).
Apesar
desse
breve
esboço
de
recuperação,
o
ano
de
2017
encerrou
com
uma
forte
baixa
(-19,2%)
no
número
de
empregados
formais,
resultando
em
143
mil
vínculos
empregatícios,
praticamente
retornando
ao
patamar
de
2015.
Em
linhas
gerais,
esse
resultado
pode
ser
atribuído
às
privatizações,
sobretudo
no
setor
de
distribuição.
Entre
2017
e
2018,
o
número
de
empregados
do
setor
elétrico
manteve-se
praticamente
inalterado,
com
um
acréscimo
de
apenas
mil
empregados.
De
2018
a
2019,
por
outro
lado,
houve
um
crescimento
de
14,2%,
passando
de
143,1
mil
para
163,5
mil
empregados
ao
final
da
série.
Desses
pouco
mais
de
163
mil
empregados
no
setor
elétrico
em
2019,
a
maior
parcela
estava
distribuída
principalmente
na
região
Sul
do
país,
concentrando
11
40%
(64,8
mil)
dos
postos
de
trabalho.
O
segundo
lugar
é
ocupado
pela
região
Sudeste,
com
aproximadamente
26%
(ou
42
mil
empregados),
seguida
da
região
Nordeste,
com
17%
(28,2
mil)
dos
postos
de
trabalho.
As
regiões
Norte
e
Centro-Oeste
apresentaram
15
mil
e
13,5
mil
postos,
um
percentual
de
9,2%
e
8,3%,
respectivamente.
No
geral,
a
principal
mudança
na
distribuição
dos
postos
de
trabalho
no
setor
elétrico
brasileiro
por
região
entre
2004
6
e
2019,
foi
o
deslocamento
de
postos
para
a
região
Sul
do
Brasil.
No
que
diz
respeito
aos
subsetores
de
atividade,
a
maior
parte
dos
vínculos
empregatícios
está
associada
à
atividade
de
distribuição
de
energia,
com
93,2
mil
(57%)
postos.
A
geração
de
energia
vem
em
segundo
lugar,
com
53
mil
(32%),
seguida
da
transmissão,
com
15,5
mil
(9,5%),
e
comércio,
com
1,8
mil
(1,1%)
empregos.
Em
todos
os
segmentos
da
atividade
econômica
nacional,
a
questão
da
mensuração
da
terceirização
do
trabalho
segue
sendo
um
grave
problema,
o
que
não
constitui
uma
exclusividade
do
setor
elétrico.
O
cadastro
Nacional
de
Informações
Sociais
–
CNIS
é
a
principal
fonte
de
dados
primários
que
possibilita
diferenciar,
de
forma
cristalina,
os
trabalhadores
terceirizados
dos
trabalhadores
do
quadro
próprio
das
empresas.
Todavia,
o
governo
federal
não
tem
permitido
que
nenhum
pesquisador
ou
instituição
de
pesquisa
tenha
acesso
a
essa
base
de
dados
7
.
A
partir
da
base
de
dados
da
Rais,
por
exemplo,
não
é
possível
obter
a
mesma
clareza
de
informação
que
os
dados
do
CNIS
proporcionam.
Isso
acontece
porque
os
vínculos
empregatícios
não
estão
diretamente
relacionados
ao
Código
de
Classificação
da
Atividade
Econômica
–
CNAE
das
concessionárias
de
energia,
e
sim
das
empresas
contratadas
que,
em
inúmeras
situações,
estão
classificadas
no
segmento
da
construção
civil.
Para
termos
um
panorama
da
dimensão
da
terceirização
no
setor
elétrico,
recorremos
aos
números
levantados
pela
Fundação
Coge,
instituição
fundada
e
administrada
por
empresas
do
setor.
Para
se
ter
uma
ideia,
em
2003
havia
por
volta
de
40
mil
trabalhadores
terceirizados.
Ao
final
de
2014
esse
número
saltou
para
135
mil,
o
que
representa
um
aumento
de
241%.
No
mesmo
intervalo
de
tempo,
o
7
Atualmente,
o
CNIS,
ligado
ao
Dataprev,
segue
sem
dar
transparência
aos
dados
sobre
a
terceirização
no
Brasil.
6
Considerando
os
números
apresentados
para
o
ano
de
2004
no
estudo
“Perfil
ocupacional
dos
empregados
do
setor
de
energia
elétrica
no
Brasil:
1998/2004”
(DIEESE,
2006).
12
contingente
de
trabalhadores
do
quadro
próprio
diminuiu
de
97,4
mil
em
2003
para
96,8
mil
em
2014,
uma
queda
de
1%.
Ao
final
de
2014,
os
trabalhadores
do
quadro
próprio
representavam
somente
42%
do
total
da
força
de
trabalho,
enquanto
em
2003
esse
percentual
era
superior,
correspondendo
a
71%
(Dieese,
2017).
Logo,
conclui-se
que
o
contingente
de
trabalhadores
terceirizados
ultrapassou
o
número
de
próprios
(uma
“espécie”
de
privatização
por
dentro
das
empresas),
restando
evidente
o
crescimento
exponencial
da
terceirização
nas
empresas
distribuidoras
de
energia
elétrica,
assim
como
a
maior
proporção
de
terceirizados
em
relação
aos
empregados
do
quadro
próprio.
Cabe
destacar
que
a
terceirização
da
mão
de
obra
é
uma
das
principais
marcas
deixadas
pelo
processo
de
privatização
iniciado
a
partir
da
segunda
metade
dos
anos
1990.
Antes
desse
período,
tal
prática
era
praticamente
inexistente
no
setor
elétrico.
Como
salientamos,
a
terceirização
é
uma
das
faces
da
reestruturação
do
capital,
um
processo
que
exige
reestruturação
produtiva
dentro
das
empresas
(e,
evidentemente,
ela
cumpre
um
papel
de
destaque
neste
processo)
e
neoliberalismo,
enquanto
mentalidade
unificadora,
a
nova
ratio
do
projeto
político
de
sociedade.
Quando
analisamos
a
tabela
1,
abaixo,
é
possível
identificar
que
as
empresas
de
distribuição
de
energia
elétrica
no
Brasil
operam
em
sua
maioria
esmagadora
com
um
elevadíssimo
percentual
de
trabalhadores
terceirizados.
Considerando
a
amostra
de
88.751
trabalhadores
das
dez
concessionárias
de
distribuição
com
maior
proporção
de
terceirizados,
é
possível
constatar
que,
em
2019,
aproximadamente
82%
dos
trabalhadores
eram
terceirizados,
número
que
representa
um
contingente
de
72.573
trabalhadores,
em
face
de
16.178
(18%)
do
quadro
próprio.
A
concessionária
Celg
D,
e.g.
,
vendida
em
2017
para
a
italiana
Enel,
é
a
que
mais
se
destaca
quando
o
assunto
é
terceirização.
Num
universo
de
10.946
trabalhadores,
somente
1.098
–
10%
do
quadro
–
são
próprios;
os
outros
9.848
trabalhadores,
90%
da
força
de
trabalho,
compõem
a
massa
de
terceirizados.
Entre
as
dez
maiores
com
maior
proporção
de
trabalhadores
terceirizados,
a
empresa
que
opera
com
o
menor
percentual
é
a
EDP
SP.
Em
2019
esta
empresa
contava
com
3.933
trabalhadores
em
suas
fileiras.
Destes,
2.661
(67,7%)
eram
terceirizados
e
apenas
1.272
integravam
o
quadro
próprio
da
empresa.
13
Tabela
1
–
Concessionárias
de
distribuição
com
maior
proporção
de
terceirizados
Como
observado,
o
crescimento
da
terceirização
no
setor
elétrico
tem
acontecido
na
esteira
de
sucessivos
processos
de
privatização.
Desse
modo,
áreas
como
a
geração,
a
transmissão
e,
fundamentalmente,
a
distribuição
têm
experimentado
progressivamente
a
mão
de
obra
terceirizada,
inclusive
a
de
jovens
eletricitários
inexperientes
que,
não
raras
vezes,
vão
a
campo
sem
o
equipamento
de
proteção
individual,
não
recebem
o
tempo
de
treinamento
8
adequado
para
operar
com
segurança
a
rede
elétrica
etc.
Ainda
assim,
o
Estado
brasileiro
mantém
participação
importante
em
setores
como
geração
e
transmissão
de
energia.
Por
outro
lado,
se
a
qualidade
dos
serviços
de
energia
elétrica
no
Brasil
for
medida
pelo
quesito
segurança,
os
números
certamente
apontariam
o
inverso
,
i.e.
,
uma
alta
periculosidade.
No
intervalo
compreendido
entre
2009
e
2021,
foram
registrados
10.973
acidentes
com
terceiros
(população)
envolvendo
a
rede
elétrica,
resultando
em
3.698
mortes,
conforme
os
indicadores
de
segurança
do
trabalho
e
das
instalações
disponibilizados
pela
Agência
Nacional
de
Energia
Elétrica
–
Aneel
9
.
Como
afirmam
Alves
(2015),
Costa
(2019),
Druck;
Franco
(2007),
Dau;
Rodrigues;
Conceição
(2009),
outro
problema
do
processo
de
terceirização
é
o
fato
de
que
ela
tem
como
marca
predominante
a
precarização
das
condições
de
trabalho.
Não
só
a
incidência,
mas
também
o
número
de
acidentes
fatais
com
9
Dados
disponíveis
em:
https://www.aneel.gov.br/seguranca-do-trabalho-e-das-instalacoes.
Acesso
em
28
de
maio
de
2024.
8
O
documentário
“Dublê
de
Eletricista”
é
um
excelente
material
onde
se
pode
verificar
a
duríssima
situação
vivida
pelos
eletricitários
terceirizados.
Por
meio
de
relatos
de
trabalhadores,
são
reveladas
condições
de
trabalho
inóspitas
e
degradantes
no
setor
industrial
elétrico
brasileiro.
Encontra-se
disponível
em:
https://www.youtube.com/watch?v=PuCoggk8_l8.
Acesso
em
28
de
maio
de
2024.
14
terceirizados
é
disparadamente
superior
quando
comparados
às
ocorrências
com
trabalhadores
do
quadro
próprio,
sobretudo
porque
as
funções
(em
sua
maioria
de
manutenção)
desempenhadas
pelos
trabalhadores
terceirizados
são
mais
perigosas
(Costa,
2019).
No
mesmo
período
(2009-2021),
foram
registradas
673
mortes
decorrentes
de
acidentes
com
trabalhadores,
112
de
trabalhadores
do
quadro
próprio
e
561
mortes
de
trabalhadores
terceirizados.
Logo,
num
intervalo
de
13
anos,
a
rede
elétrica
apresentou
um
total
de
4.371
mortes,
uma
média
de
uma
morte
por
dia,
considerando
trabalhadores
do
quadro
próprio,
terceirizados
e
população,
como
se
pode
verificar
no
gráfico
1,
abaixo.
Gráfico
1
–
Evolutivo
de
mortes
no
setor
elétrico
entre
empregados
próprios,
terceirizados
e
população,
2009
–
2021
Fonte:
ANEEL,
Indicadores
de
segurança
do
trabalho
e
das
instalações|
Elaboração
própria.
Apontamentos
finais:
desafios
e
estratégias
para
a
renovação
da
ação
política
dos
sindicatos
e
o
papel
da
juventude
nesse
processo
A
crise
estrutural
do
capitalismo
contemporâneo
tem
sido
bastante
cruel
com
a
juventude.
Essa
tem
sido,
há
tempos,
a
faixa
etária
mais
afetada
pelo
desemprego.
De
acordo
com
os
dados
da
PNAD
contínua
do
IBGE,
em
2019
havia
13
milhões
de
desempregados
no
Brasil.
Destes,
32%
eram
jovens
entre
18
e
24
anos.
Isso
significa
que
nesta
faixa
etária
mais
de
4
milhões
de
pessoas
estiveram
à
procura
de
trabalho.
Entre
as
pessoas
com
idade
entre
25
e
34
anos,
a
taxa
foi
de
27%,
pouco
mais
de
3,5
milhões.
O
fato
é
que
esse
segmento
poderia
contribuir
significativamente
para
o
desenvolvimento
da
nação;
estando
ele
mais
vulnerável
aos
momentos
de
crise,
o
crescimento
econômico
fica
prejudicado,
assim
como
uma
15
parte
significativa
da
força
de
trabalho
acaba
subutilizada.
Portanto,
não
resta
dúvida
que
os
jovens
são
a
parcela
da
população
brasileira
mais
afetada
pela
deterioração
do
mercado
de
trabalho.
Logo,
não
sem
razão,
os
sindicatos
têm
sofrido
com
a
ausência
deles.
A
divisão
etária
expressa
no
gráfico
2
confirma
que,
em
2019,
a
associação
a
sindicatos
é
maior
em
meio
a
trabalhadores
mais
velhos,
atingindo
um
índice
de
adesão
de
24%
entre
associados
com
idade
entre
45
e
54
anos,
um
total
de
2,48
milhões
de
trabalhadores.
De
acordo
com
a
série
histórica,
entre
2012
e
2019,
trabalhadores
com
idade
entre
55
e
64
anos
tiveram
um
aumento
de
4%
no
índice,
saindo
de
16%
e
chegando
a
20%
na
taxa
de
filiação,
o
que
representa
um
contingente
de
2,11
milhões
de
associados.
Em
2012,
os
associados
com
idade
superior
a
25
anos
apresentavam
um
índice
de
adesão
de
22%
até
os
45
anos.
Por
outro
lado,
do
início
ao
fim
da
série
houve
uma
queda
de
22%
para
16%
(-6%)
na
representatividade
dos
trabalhadores
com
idade
entre
25
e
34
anos.
Essa
redução
traduziu-se
num
recuo
de
1,46
milhão
de
trabalhadores
nas
fileiras
sindicais
em
2019.
Em
menor
escala,
os
trabalhadores
ocupados
entre
18
e
24
anos
também
viram
sua
representatividade
diminuída
de
8%
para
4%,
percentual
que
corresponde
a
459,3
mil
trabalhadores
em
2019,
um
indicativo
de
que
não
tem
havido
jovens
na
renovação
dos
quadros
dos
associados
a
sindicatos
com
o
passar
dos
anos.
A
redução
da
densidade
sindical
foi
observada
ano
a
ano
–
de
16,1%
em
2012
para
11,2%
em
2019,
como
pontuado
–,
sendo
este
mais
um
indício
de
tendência
da
não
renovação
do
quadro,
como
se
pode
observar
no
gráfico
2,
abaixo:
Gráfico
2
–
Idade
dos
associados
a
sindicatos,
2012
a
2019
Fonte:
PNAD
contínua|
Elaboração
Própria.
16
Nesse
sentido,
a
crise
que
o
movimento
sindical
hoje
atravessa,
de
acordo
com
Caire
(1990),
é
bem
mais
complexa
do
que
a
enfrentada
no
período
posterior
à
Segunda
Guerra.
Primeiro,
por
conta
de
sua
extensão;
depois,
porque
o
fenômeno
do
desemprego
é,
atualmente,
infinitamente
superior.
Além
disso,
para
o
autor,
as
questões
subjetivas
também
estão
em
constante
transformação,
o
que,
por
consequência,
desdobra-se
num
fato
facilmente
perceptível:
os
jovens,
já
não
mais
se
sindicalizam
como
outrora
e
se
mostram
bastante
resistentes
a
essa
prática,
uma
vez
que
o
discurso
e
o
fazer
sindical
estão
muito
distantes
de
sua
realidade,
o
que
favorece
o
sentimento
de
desconfiança
em
relação
aos
sindicatos.
Isso
gera
um
problema
de
crise
de
identidade,
instabilidade
financeira
e
estratégia
reivindicativa.
O
protagonismo
do
Coletivo
Nacional
dos
Eletricitários
Do
ponto
de
vista
organizacional,
a
estrutura
sindical
brasileira
é
composta
por
sindicatos,
centrais
sindicais,
federações
e
confederações.
No
ramo
eletricitário,
uma
segmentação
semelhante
pode
ser
verificada
mediante
a
declaração
do
jovem
delegado
de
base
sindical,
Ikaro
Chaves
(23/4/2020),
do
Sindicato
dos
Urbanitários
no
Distrito
Federal
–
STIU/DF:
“A
nossa
estrutura
é
dividida
em
sindicatos,
federações,
confederação
e
a
central
sindical,
que
é
a
CUT.”
No
caso
específico
do
Coletivo
Nacional
de
Eletricitários,
há
uma
semelhança
organizacional
com
modelos
de
ação
política
interseccionais,
uma
vez
que
o
órgão
representativo
em
questão
busca
articular
demandas
além
das
específicas
no
interior
da
sua
própria
categoria,
ampliando
seu
horizonte
de
ação
para
outras
esferas
sociais
à
medida
que
se
baseia
em
identidades
como
raça/etnia,
orientação
sexual,
defesa
do
meio
ambiente
e
na
reiteração
de
direitos
específicos
(PCDs)
como
ferramentas
de
mobilização,
articulação
e
manutenção
da
coesão
do
grupo.
Essa
estratégia
foi
inaugurada
pela
teoria
dos
novos
movimentos
sociais
e
vem
se
consolidando,
no
Brasil,
ao
longo
dos
últimos
vinte
anos,
com
forte
protagonismo
da
CUT
(Antunes;
Silva,
2015).
Isso
tem
tido
um
rebatimento
no
padrão
da
ação
política
das
entidades
sindicais,
que
são
incentivadas
a
ampliar
sua
forma
de
intervenção
para
outras
esferas
da
sociedade,
como
programas
de
economia
solidária,
projetos
amplos
de
formação
profissional,
ou
mesmo
os
diversos
17
conselhos
consultivos
e/ou
deliberativos
que
nas
circunstâncias
atuais
povoam
o
aparato
estatal.
O
que
está
em
questão
é
o
deslocamento
do
discurso
de
“classe”
para
a
“cidadania”,
como
se
pode
atestar
na
declaração
da
dirigente
do
Sindicato
dos
Eletricitários
da
Bahia
–
SINERGIA/BA,
Julia
Margarida
(24/4/2020):
“Nosso
sindicato,
desde
sua
fundação,
sempre
foi
tido,
pelas
ações
que
empreende,
como
um
sindicato
cidadão.”
Isso
significa
que
a
cidadania
é
quem
deve
priorizar
a
ação
das
entidades
representativas
dos
trabalhadores,
distanciando-as
“(...)
também
da
construção
(e
até
mesmo
da
defesa)
de
um
projeto
político
alternativo
à
ordem
social
capitalista
(...)”
(Antunes,
2020,
p.
206).
Na
estrutura
da
Federação
Nacional
dos
Urbanitários
(FNU),
existem
sete
coletivos
cujo
objetivo
é
dar
vitalidade
à
luta
sindical.
São
eles:
1)
Coletivo
Nacional
dos
Eletricitários
(doravante
CNE);
2)
Coletivo
Nacional
de
Saneamento
(CNS);
3)
Coletivo
Nacional
de
Mulheres
Urbanitárias
(CNMU);
4)
Coletivo
Nacional
da
Juventude
Urbanitária
(CNJU);
5)
Coletivo
LGBTQIA+;
6)
Coletivo
de
Diversidade
Étnico-Racial;
e
7)
Coletivo
da
Pessoa
com
Deficiência
(PCD).
10
Em
linhas
gerais,
tais
organismos
foram
criados
para
propor
e
monitorar
políticas
públicas
e
nos
locais
de
trabalho
para
a
melhoria
da
qualidade
de
vida
dos
trabalhadores
em
suas
respectivas
empresas;
expandir
a
articulação
e
consolidar
a
mobilização
nos
cenários
municipal,
estadual,
nacional
e
internacional;
construir
parcerias,
do
nível
micro
ao
macro,
com
outros
sindicatos,
movimentos
sociais
e
demais
setores
da
sociedade;
buscar
desenvolver
projetos
que
beneficiem
os
trabalhadores,
a
juventude,
conscientizando-os
dos
seus
direitos.
Entre
as
muitas
contribuições
dadas
por
esses
coletivos
para
a
constituição
de
políticas
públicas
no
Brasil,
cita-se,
em
especial,
o
exemplo
do
Coletivo
Nacional
de
Saneamento.
Com
sua
ajuda
foi
fundado
o
Ministério
das
Cidades
e
sancionada
a
Lei
11.445/07,
que
instituiu
as
diretrizes
para
o
setor,
tornando-se
um
instrumento
indispensável
para
a
discussão
e
o
custeio
do
saneamento
público
brasileiro.
11
Contudo,
ainda
que
o
CNE
venha
se
consolidando
como
um
profícuo
espaço
de
aprimoramento
da
ação
política
na
defesa
dos
interesses
de
sua
categoria,
ainda
há,
por
óbvio,
contradições
nesse
caminho,
sobretudo
quando
se
trata
das
11
Idem.
10
Informações
disponíveis
em:
https://www.fnucut.org.br/.
Acesso
em
28
de
maio
de
2024.
18
identidades
LGBTQIA+
e
da
pauta
feminista.
Há
muitos
negros,
alguns
homossexuais,
mas
pouquíssimas
mulheres
em
posição
de
liderança.
Em
razão
de
a
categoria
eletricitária
ser
composta
majoritariamente
por
homens,
a
questão
feminina
é,
por
consequência,
secundarizada.
Tratando-se
desse
tema,
esse
é,
a
nosso
ver,
o
contraste
mais
aparente
nas
instâncias
sindicais;
basta
ver
o
baixo
número
de
mulheres
integrantes
das
diretorias
sindicais
para
confirmar
que
a
reduzida
representatividade
feminina
ainda
é
um
obstáculo
a
ser
superado,
não
só
na
FNU,
não
só
no
CNE,
mas
no
movimento
sindical
como
um
todo.
Em
virtude
da
dupla
e
extenuante
jornada
de
trabalho,
restritas,
muitas
vezes,
ao
ambiente
privado,
responsáveis
pelas
atividades
domiciliares,
além
do
cuidado
com
idosos
e
crianças
(Hirata,
2004),
muitas
mulheres
são
excluídas
das
atividades
sindicais.
O
que
se
verifica
é
que
com
um
número
reduzido
de
mulheres
nas
posições
de
comando
das
entidades
representativas
de
trabalhadores,
suas
preocupações,
interesses
e
inquietações
não
recebem
muito
destaque
na
agenda
sindical.
Logo,
mesmo
havendo
conquistas,
elas
não
são
satisfatórias
aos
dilemas
do
sexo
feminino.
Trata-se
da
hipótese
de
que
“sindicato
não
é
lugar
de
mulher”
(Yannoulas,
2002,
p.68).
Essa
constatação
é
corroborada
pelo
depoimento
da
jovem
dirigente,
Julia
Margarida
(24/4/2020),
do
SINERGIA/BA:
“São
muito
machistas.
Como
eu
sou
um
pouco
mais
nova,
tenho
de
ouvir
com
frequência:
‘Você
tem
que
ouvir
a
gente,
porque
a
gente
tem
experiência.
Estamos
aqui
há
vinte
anos’.
Então
nós
mulheres
convivemos
com
isso,
é
um
choque
de
gerações.
É
uma
questão
machista
e
geracional”.
Entretanto,
a
despeito
dos
sindicatos
e
do
CNE
produzirem
comportamentos
sociais
inapropriados,
machistas
etc.,
que
se
refletem
no
interior
da
própria
categoria,
isso
não
tem
impedido,
felizmente,
que
se
avance
na
construção
de
estratégias
para
superá-los,
a
exemplo
do
próprio
coletivo
de
mulheres
eletricitárias.
Cabe
pontuar
outra
questão
importante:
o
fato
de
esse
coletivo
ser
pequeno
em
relação
à
densidade
estrutural
da
federação
à
qual
pertence,
e
de
essas
questões
estarem
postas
no
cotidiano
sindical,
obrigando-os
enquanto
grupo
a
perseguir
um
dinamismo
para
a
resolução
e
síntese
desses
conflitos,
resulta
no
protagonismo
do
grupo
ante
os
problemas
estruturais
que
também
estão
postos
na
19
federação.
A
luta
pela
superação
das
contradições
se
transforma,
então,
num
processo
pedagógico
e
dialético
no
interior
do
grupo.
Em
suma,
os
desafios
são
enormes.
Considerando
que,
no
âmbito
do
CNE,
a
representatividade
perpassa
não
só
a
questão
específica
das
mulheres,
mas
também
de
raça,
sexual,
ambiental
etc.,
além
dos
problemas
intrínsecos
à
própria
categoria,
como
aqueles
oriundos
do
processo
de
terceirização,
segmentação,
fragmentação,
falta
do
sentido
de
pertencimento
e
identidade
de
classe,
entre
outros
que
serão
mencionados
a
seguir,
o
CNE,
para
continuar
protagonista,
vivo
e
atuante,
deve
ser
capaz
de
canalizar
sua
ação
política
na
direção
da
resolução
de
problemas
endógenos
(de
sua
própria
agência)
e
exógenos
(vinculados
às
“forças”
da
reestruturação),
buscando
abordá-los
de
maneira
interseccional.
Filiando
terceirizados:
os
casos
concretos
do
setor
elétrico
O
que
fazer
quando
a
demissão
em
massa
é
uma
consequência
direta
da
privatização?
Quando
a
fragmentação
das
plantas
produtivas
via
terceirização
do
trabalho
é
uma
realidade?
Para
se
ter
uma
ideia
dessa
dimensão,
no
caso
da
privatização
da
concessionária
de
distribuição
do
estado
de
Goiás
(Celg-D),
logo
após
a
privatização
em
2016,
cerca
de
oitocentos
trabalhadores
foram
cortados
do
quadro
e
a
proporção
da
força
de
trabalho
terceirizada
aumentou
radicalmente.
Recuperando
a
pergunta
feita
acima,
menciona-se
um
caso
emblemático,
o
do
Sindicato
dos
Eletricitários
do
Estado
do
Ceará
(SINDELETRO/CE),
que
serve
de
exemplo
para
o
conjunto
do
movimento
sindical
a
nível
nacional,
não
só
do
ramo
eletricitário,
mas
para
o
sindicato
como
instituição
e
movimento
.
Como
se
sabe,
a
década
de
2000
caracterizou-se,
fundamentalmente,
pela
sanha
privatista,
pela
terceirização
e
defesa
da
superexploração
do
trabalho
−
traços
característicos
da
reestruturação
neoliberal
de
Fernando
Henrique
Cardoso,
presidente
à
época.
Nesse
contexto,
ainda
que
se
declarando
contrária
à
terceirização,
a
Central
Única
dos
Trabalhadores
–
CUT,
na
prática,
não
foi
capaz
de
traduzir
esse
posicionamento
em
ações
efetivas
na
cotidianidade
sindical
brasileira.
Por
consequência,
a
ação
política
dessas
entidades
foi
afetada
e
inúmeros
sindicatos
perderam
poder
de
influência,
recursos
e
filiados.
Contudo,
mesmo
estando
sob
“fogo
cruzado”,
o
SINDELETRO/CE,
em
2003,
tomou
uma
importante
20
decisão
que
marcaria
os
rumos
da
sua
ação
como
sindicato
no
ramo
eletricitário
nacional:
representar
estatutariamente
a
crescente
massa
de
trabalhadores
terceirizados
que
surgia
no
setor.
Essa
tarefa
não
seria
fácil,
pois,
até
então,
do
ponto
de
vista
legal,
era
algo
incomum
no
setor
elétrico,
mas
seria
determinante
para
a
vitalidade
do
sindicato,
uma
vez
que
o
estatuto
é
o
instituto
jurídico
que
define
quem
é
representado
pela
entidade
sindical.
Por
essa
razão,
“foi
feita
uma
reunião
para
mudarmos
o
estatuto
e
poder
representar
os
trabalhadores
de
empresas
terceiras”,
relata
a
dirigente
Luciana
Fonseca
(26/2/2021).
É
em
meio
a
essa
conjuntura
que
nasce,
em
Fortaleza,
a
primeira
Convenção
Coletiva
dos
trabalhadores
terceirizados
do
ramo
eletricitário.
Fonseca
ainda
destaca
que
houve
uma
greve,
em
dezembro
de
2020,
encabeçada
pela
direção
do
SINDELETRO/CE,
ela
se
deu
por
conta
de
salários
atrasados,
ganhando
maior
expressão
quando
o
sindicato
patronal
sugeriu
excluir
cerca
de
dez
cláusulas
da
convenção
coletiva,
todas
elas
envolvendo
benefícios
socioeconômicos
(auxílio
viagem,
vale-refeição,
hora
extra
etc.).
Assim,
dos
7
mil
trabalhadores
terceirizados
do
segmento
de
distribuição
que
compõem
a
base
do
SINDELETRO/CE,
pouco
mais
de
trezentos
(dentre
os
quais,
uma
vanguarda
radicalizada
com
cerca
de
cinquenta
jovens,
principalmente
trabalhadores
das
áreas
de
manutenção
preventiva,
manutenção
emergencial,
eletricistas
responsáveis
pela
ampliação
de
estruturas
pesadas
do
sistema,
como
fios
condutores
elétricos
e
postes
de
energia
em
locais
que
ainda
não
dispõem
desses
serviços,
em
resumo,
trabalhadores
terceirizados
e
extremamente
precarizados),
compareceram
à
assembleia
que
deflagrou
o
movimento
paredista.
Como
afirma
a
dirigente,
“esse
número
de
trabalhadores
foi
o
suficiente
para
fazer
com
que
os
patrões
sentissem
o
peso
da
mobilização,
que
ocorreu
durante
uma
semana
ininterrupta
de
‘braços
cruzados’”
(Luciana
Fonseca,
26/2/2021).
A
força
desse
movimento
expressou
a
justeza
das
reivindicações
atendidas,
com
o
pagamento
de
salários
atrasados,
o
fim
das
perseguições
aos
grevistas
(sobretudo
dos
setores
mais
radicalizados
em
que
se
encontrava
a
vanguarda
de
jovens
eletricitários)
e
a
recomposição
salarial
com
ganho
real
de
0,7%
da
inflação
do
período,
além
de
manutenção
de
todas
as
cláusulas
da
convenção
coletiva.
21
Por
outro
lado,
mesmo
havendo
exemplos
frutíferos
como
o
exposto
acima,
nem
tudo
são
flores.
De
acordo
com
o
jovem
dirigente
do
Sindicato
dos
Urbanitários
de
Alagoas
–
STIU/AL,
Vicente
Oliveira
(11/6/20),
de
cada
dez
terceirizados
da
Equatorial
Energia
(distribuidora
de
energia
elétrica
do
Estado
de
Alagoas),
quatro,
são
jovens
com
até
24
anos.
Para
o
representante
sindical,
ainda
que
o
sindicato
tenha
conseguido
representar
os
terceirizados
em
algumas
ações
políticas
pontuais,
a
taxa
de
filiação
desse
segmento
específico
é
de
apenas
10%.
Ao
ser
questionado
do
porquê
de
esse
índice
ser
tão
baixo,
o
sindicalista
argumenta
que
isso
decorre
de
duas
causas
principais:
1)
a
pouca
cultura
sindical
da
juventude;
e
o
2)
medo
da
demissão.
Entretanto,
reconhece
que
o
fato
de
a
contribuição
sindical
se
dar
em
folha,
acaba
por
favorecer
a
perseguição
da
mão
de
obra
terceirizada
e,
por
consequência,
é
um
estímulo
ao
desligamento
desses
jovens
trabalhadores.
Não
existe
uma
cultura
sindical
forte.
Somado
a
isso,
os
trabalhadores
têm
medo
de
se
aproximar
do
sindicato
e
de
ser
demitidos.
Lembro
de
uma
vez
em
que
fizemos
uma
ação
em
uma
determinada
empresa,
durante
um
acordo
coletivo
em
que
os
patrões
se
recusavam
a
dar
reajuste
salarial.
Fizemos
uma
ação,
uma
manifestação
política
interessante;
os
trabalhadores
reconheceram
isso,
de
modo
que
oito
deles,
oito
jovens
terceirizados,
se
filiaram.
Passado
esse
evento,
seis
foram
demitidos
em
menos
de
dois
meses.
O
fato
de
não
haver
uma
diretoria
que
cuide
desse
assunto
específico,
de
não
termos
diretores
terceirizados
(o
diretor
que
a
gente
chama
de
delegado
de
base),
que
falem
a
língua
da
juventude,
é
um
erro
nosso,
pecamos
nisso.
Portanto,
precisamos
melhorar
a
representatividade
sindical
desses
jovens
trabalhadores,
melhorar
os
acordos
trabalhistas
que
fechamos
com
as
empresas
terceiras,
e
isso
não
é
fácil.
Porque
diferente
de
outros
sindicatos,
não
temos
como
tocar
uma
greve
com
esses
terceirizados,
não
tem
como
fazer,
eles
não
têm
coragem
de
fazer
greve.
Até
existe
vontade,
mas
não
há
coragem
por
parte
desses
jovens
terceirizados,
que
têm
medo
da
demissão
(VICENTE
OLIVEIRA,
11/6/2020).
No
Brasil
os
sindicatos
representam
o
conjunto
de
trabalhadores
de
uma
determinada
categoria,
estando
eles
associados
ou
não
à
instância
sindical.
Isso
significa
que
os
benefícios
provenientes
de
uma
negociação
coletiva
também
podem
ser
usufruídos
por
aqueles
que
não
fizeram
parte
da
ação
política
do
sindicato,
uma
vez
que
as
conquistas
dela
decorrentes
são
estendidas
para
todos.
Logo,
tendo
essa
questão
como
ponto
de
partida
analítico,
entende-se
que
tanto
a
base
terceirizada
do
STIU/AL,
quanto
à
do
SINDELETRO/CE,
filiada
ou
não,
precisa
vivenciar
experiências
também
no
interior
do
sindicato,
para
que
a
partir
daí
a
representatividade
sindical
–
que
já
vem
sendo
construída,
conforme
os
exemplos
22
acima
–
possa
ser
ampliada,
assim
como
a
constituição
do
sentido
de
pertencimento
ao
grupo,
ao
coletivo
e
ao
sindicato
enquanto
instância
representativa.
Considerações
finais
Uma
contribuição
importante
em
direção
a
uma
ação
coletiva
sindical
qualificada
seria
o
entendimento
de
que
não
é
permitida
a
exclusão,
ante
nenhum
pretexto,
dos
trabalhadores
terceirizados
nas
instâncias
sindicais.
Para
que
os
sindicatos
consigam
revitalizar-se,
seja
através
de
greves,
paralisações
ou
negociações
coletivas,
i.e.
,
se
o
objetivo
último
for
construir
caminhos
vários
para
a
ação
política
organizada
dos
trabalhadores,
uma
agenda
em
prol
dos
terceirizados
–
que
seja
capaz
de
articular
temas
complexos
como
a
questão
de
gênero,
raça,
classe,
identidades,
a
juventude
precarizada,
ecologia,
saúde
pública,
por
exemplo,
impulsionando
uma
maior
interseccionalidade
entre
eles
–
deve
ser
levada
adiante
pela
agência
sindical,
tão
fragilizada
pela
fragmentação
decorrente
da
terceirização
total
do
trabalho.
Apenas
consciente
desse
diagnóstico
é
possível
dar
um
novo
fôlego
para
a
ação
coletiva
dos
sindicatos.
É
necessário
romper
com
a
postura
defensiva,
de
adequação,
de
consenso,
de
concertação
social,
afastando-se
da
política
de
parceria
com
o
grande
capital.
Para
combater
a
ofensividade
dos
mecanismos
capitalistas
sobre
o
trabalho,
é
fundamental
produzir
uma
ação
sindical
contundente
e
combativa,
intentando
estabelecer
vínculos
com
a
juventude,
uma
vez
que,
como
debatido
aqui,
os
sindicatos
têm
sofrido
com
a
ausência
dela,
já
que
somente
4%
dos
trabalhadores
ocupados
entre
18
e
24
anos
estavam
associados
a
sindicatos
em
2019;
instituir
relação
com
a
grande
massa
de
13
milhões
de
desempregados,
uma
vez
que
entre
os
jovens
esse
contingente
representava
mais
de
4
milhões
de
pessoas
com
idade
entre
18
e
24
anos;
organizar
as
mulheres,
que
estão,
neste
limiar
de
século,
em
sua
maioria
submetidas
a
uma
dupla
jornada
de
trabalho,
ausentes,
portanto,
dos
espaços
sindicais,
políticos
e
de
poder;
construir
laços
com
os
movimentos
sociais
organizados,
visando,
a
partir
desse
elo
relacional,
criar
iniciativas
que
envolvam
a
solidariedade
de
todos
os
trabalhadores
do
campo
e
da
cidade,
no
intuito
da
transformação
social.
Os
desafios
não
são
poucos,
muito
menos
triviais.
Em
grande
medida,
o
que
23
se
visa
combater
é,
inclusive,
o
pilar
de
sustentação,
manutenção
e
do
pleno
desenvolvimento
das
engrenagens
de
dominação
indispensáveis
à
racionalidade
neoliberal.
Justamente
por
isso
uma
reação
em
direção
à
renovação
sindical
deve
considerar
a
capacidade
de
reconstruir
o
imaginário
coletivo
dos
trabalhadores,
i.e.
,
os
móveis
subjetivos
para
a
mobilização.
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