V.22, 49 - 2024 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X JOVENS, TRABALHADORES E PRECARIZADOS: ELETRICITÁRIOS TERCEIRIZADOS E AS NOVAS FORMAS DE AÇÃO COLETIVA 1 Samuel Nogueira Costa 2 Resumo Nesse artigo, nosso intuito é destrinçar, ainda que preliminarmente, os mecanismos constituintes do cerne, ou, dito de outro modo, da essência da reestruturação do capital em nível mundial, i.e. , da reconfiguração dos processos produtivos , enquanto novas formas de flexibilização e precarização do trabalho na cadeia produtiva (alternativa ao modelo rígido do taylorismo/fordismo, do neoliberalismo e do seu inescapável tipo de racionalidade subjetivada, buscando identificar suas implicações para a ação coletiva da juventude trabalhadora eletricitária. Palavra-chave : Terceirização do trabalho; ação coletiva; Eletricitários. JÓVENES, TRABAJADORES Y PRECARIZADOS: ELECTRICISTAS TERCERIZADOS Y LAS NUEVAS FORMAS DE ACCIÓN COLECTIVA Resumen En este artículo nuestra intención es develar, aunque sea de manera preliminar, los mecanismos que constituyen el núcleo, o, en otras palabras, la esencia de la reestructuración del capital a nivel global, es decir, la reconfiguración de los procesos productivos, como nuevas formas de flexibilización y precariedad del trabajo en la cadena productiva (alternativa al modelo rígido del taylorismo/fordismo), el neoliberalismo y su ineludible tipo de racionalidad subjetiva, buscando identificar sus implicaciones para la acción colectiva de los jóvenes trabajadores eléctricos. Palabras clave : Tercerización del trabajo; acción colectiva; Electricistas. YOUTH, WORKERS AND PRECARIOUS: OUTSOURCED ELECTRICIANS AND NEW FORMS OF COLLECTIVE ACTION Abstract In this article, our intention is to unravel, even if preliminary, the mechanisms that make up the core, or, in other words, the essence of the restructuring of capital at world level, i.e., the reconfiguration of production processes, as new forms of flexibilization and precariousness of work in the production chain (alternative to the rigid model of Taylorism/Fordism), of neoliberalism and its inescapable type of subjective rationality seeking to identify its implications for the collective action of the working youth electrician. Keywords : Labor outsourcing; collective action; Electricians. 2 Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) - Brasil. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas para o Trabalho (GEPT SOL/UnB) E-mail: samuelnmonteiro@hotmail.com . Lattes: http://lattes.cnpq.br/2068612156860278 . ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4457-0374 . 1 Artigo recebido em 06/07/2024. Primeira Avaliação em 16/08/2024. Segunda Avaliação em 22/08/2024. Aprovado em 11/10/2024. Publicado em 05/12/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.63574 . 1
Introdução Um conjunto de fatores, entre os quais se acha o novo modo de organização da produção capitalista, os aspectos fundamentais da revolução tecnocientífica, o neoliberalismo enquanto projeto societário, razão estruturante de mundo e o novo modo de funcionamento da economia capitalista elementos estes que propiciaram mudanças significativas na produção e nas relações sociais como um todo –, entre outros, não interferiram no modo como se estabelecem os organismos de representação e associação de classe, abrangendo tanto seus aspectos de instituição (sindicato) quanto de movimento (sindical), como também influíram na forma de operacionalização de sua ação coletiva pela juventude trabalhadora. A nosso ver, a “crise” atual porque passa o sindicalismo tem, de acordo com a bibliografia pesquisada, os dados levantados e a pesquisa de campo realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, relação direta e em diferentes níveis: estrutural, conjuntural etc. com esse conjunto de fatores. Em resumo, acreditamos que formas variadas de ação coletiva sindical, como greves, negociação coletiva, paralisações e outras, foram afetadas em alguma medida pela reestruturação capitalista, de que a terceirização 3 é, sem sombra de dúvidas, parte integrante. Por outro lado, não compactuamos com a tese de que a terceirização do trabalho, em específico, tenha sido o único fator responsável pela crise de representatividade sindical. Esta última, carrega consigo elementos provenientes da expansão da terceirização, mas não somente, que também é resultado da ausência do sentimento de pertencimento dos associados à entidade sindical, pela “politização” dos sindicatos, pelo desvirtuamento de demandas, pela facilidade da subjetivação do ideário neoliberal, pelo processo de burocratização e envelhecimento das lideranças, pelo conflito geracional dos associados, entre outros, fatores esses que estão localizados não apenas em uma, mas em diversas esferas sociais. Nesse sentido, pensar a experiência sindical de jovens trabalhadores terceirizados que integram o setor elétrico brasileiro, numa conjuntura de crise estrutural do capitalismo não é uma tarefa nada simples. Essa empreitada exige, evidentemente, um trabalho hercúleo, e, por essa razão, não será nossa intenção 3 Considerando a ampliação da terceirização para atividades-fim, momento sui generis da atual conjuntura, essa afirmação é ainda mais preocupante. 2
esgotar aqui todas as questões que porventura decorram desse debate, mas esmiuçar os pontos que, a nosso ver, são mais importantes: os impactos na ação coletiva sindical e nas condições de vida e trabalho da juventude trabalhadora eletricitária. A partir da análise de um conjunto amplo de autores, buscamos compreender, em suas múltiplas dimensões, dois movimentos de um mesmo processo (reestruturação produtiva e neoliberalismo = reestruturação do capital), norteadores do conjunto de respostas do capital à crise estrutural do início da década de 1970. Temos como objetivo: 1) lançar luz às dinâmicas macroestruturais do capitalismo global que deram origem à nova morfologia do mundo do trabalho, com enfoque em três aspectos fundamentais: político, econômico e ideológico; 2) e levantar quais os principais impactos derivados dessa reestruturação para os jovens trabalhadores e para as entidades representativas da classe eletricitária e sua consequente ação política. Para a investigação por nós proposta, proceder-se-á metodologicamente com base nas técnicas de pesquisa qualitativa e quantitativa. Serão empregados os recursos da pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico a partir do levantamento da literatura especializada em sociologia do trabalho e de obras de suporte das áreas da ciência política, economia e sociologia geral. Com base nesse ferramental bibliográfico, travar-se-á a discussão teórica em torno das teses sobre o mundo do trabalho e o setor elétrico, em especial no movimento de flexibilização e precarização do trabalho da juventude eletricitária terceirizada e suas formas de ação sindical. Ainda no que tange à pesquisa qualitativa, serão utilizados trechos de entrevistas semiestruturadas com quatro jovens (dirigentes sindicais da nova geração), cujo destaque na condução política dos afazeres do aparato de representação dos trabalhadores é inegável, filiados ao Coletivo Nacional de Eletricitários CNE, a fim de apreender em seus relatos os problemas relativos à terceirização e precarização do trabalho, os motivos de sua implementação, os conflitos existentes nos postos de trabalho, bem como se a atuação dos sindicatos enquanto movimento frente a essa nova forma de gestão laboral. De maneira conjunta, será utilizada a pesquisa quantitativa no levantamento de dados em torno da terceirização, tendo em vista o recorte de análise e os 3
objetivos. Para auxílio no mapeamento do quantitativo de trabalhadores terceirizados e seus níveis de acidentalidade, recorrer-se-á aos bancos de dados e arquivos da Agência Nacional de Energia Elétrica ANEEL e as informações disponibilizadas nas demonstrações contábeis das empresas do setor. Para dados gerais que venham a apoiar a argumentação em relação à referências ao mercado de trabalho, serão usados relatórios e pesquisas produzidos por fontes oficiais como a Relação Anual de Informações Sociais RAIS, vinculada a o Ministério do Trabalho e Emprego MTE e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos DIEESE. O texto está dividido da seguinte maneira: debate-se, inicialmente, os retratos da crise e o contexto da ação sindical; a partir daí, adentra-se na discussão do Zeitgeist brasileiro, i.e. , terceirização total e suas consequências para ação coletiva sindical; na sequência faz-se uma radiografia do setor elétrico, discute-se o processo de reestruturação produtiva do setor, as péssimas condições laborais a que os trabalhadores estão submetidos; por fim, argumenta-se, nos apontamentos finais, os desafios e estratégias para a renovação da ação política dos sindicatos e o papel da juventude trabalhadora nesse contexto. A reestruturação global capitalista iniciada em 1970 Marcelino (2013) destaca que a reorganização da estrutura produtiva dentro das empresas e o neoliberalismo enquanto projeto societal são elementos constituintes de um mesmo processo: a reestruturação global do capital. Essa “nova fase” do modo de produção capitalista resultou em desdobramentos multifacetados, porquanto foi impulsionada pela subjetivação de um tipo específico de racionalidade , uma nova “razão” de mundo que incidiu em múltiplas esferas da vida 4 (Dardot e Laval, 2016). A reestruturação capitalista pode ser entendida como um processo inacabado, em cinesia e não estático até o instante de ruptura; uma descontinuidade no interior de uma continuidade plena; um evento de proporções sistêmicas que é composto 4 Vieira (1997) destaca cinco dimensões desse conjunto de transformações: econômica, política, social, ambiental e cultural. Outros autores, como Alves (2007), Antunes (2011), Chesnais (1996) e Soares (2006), esclarecem que o processo mencionado também se estende a outros níveis, como o comunicacional, tecnológico etc. 4
pela reorganização mundial do capital (Lencioni, 1998). Tal ocorrência está circunscrita à “nova Divisão Internacional do Trabalho” da qual são parte integrante disputas políticas, econômicas e sociais, além de classes sociais com inclinações visivelmente antagônicas –, compondo, por seu turno, um sistema produtivo mundializado e hierarquizado, necessário à nova fase da acumulação do capital. Esse fenômeno está assentado na aliança entre as classes burguesas em nível global, orientando o atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Apoiada nessa aliança, a dominância das finanças alcançou uma centralidade inquestionável, tornando-se, sobretudo a partir do final da década de 1970, uma característica estrutural do atual regime de acumulação (Chesnais, 1996; Alves, 1999). Esse processo de profundas modificações envolveu aspectos contidos nas mais diversas áreas de todas as sociedades que a integram. A raiz sociopolítica das circunstâncias atuais do modo capitalista de produção reside, justamente, nessa multiplicidade de domínios. Atendendo a interesses comuns baseados na cooperação entre as burguesias nacionais e na remoção dos entraves particulares a cada nação, irrompe, a partir do capital monopolista mundializado, uma nova consciência mundial (Chesnais, 1996; Alves, 1999). Sendo essa a tônica do padrão de desenvolvimento e ampliação do capital, é importante observar que desde a segunda metade do século XVIII etapa característica do capitalismo industrial ocorrem intensos processos de reestruturação produtiva (Alves, 2007). Essas constantes transformações, tanto no plano sociopolítico como no institucional, com o neoliberalismo, quanto no plano da organização produtiva, com a reestruturação do aparato tecno-organizacional, corroboram o fato de que “a contínua revolução da produção, o abalo constante de todas as condições sociais, a incerteza e a