V.22, 49 - 2024 (setembro-dezembro) ISSN: 1808-799 X DIGITALIZAÇÃO, PRECARIEDADE E (DES)INTEGRAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO. TRAJETÓRIAS DE JOVENS NEET RURAIS EM PORTUGAL 1 Isabel Roque 2 Ana Sofia Ribeiro 3 João Carlos Sousa 4 Resumo Embora a relação com o mercado de trabalho seja central para as experiências juvenis, a precariedade e vulnerabilidade estendem-se para além do mesmo. Num contexto de policrise e incertezas quanto ao futuro, este artigo centra-se nas trajetórias de vida dos jovens NEET. Entre outubro de 2022 e janeiro de 2024, realizaram-se focus group e entrevistas aprofundadas com stakeholders de centros de emprego e formação de jovens NEET em Portugal para analisar as suas aspirações, condições de vida e estratégias de mitigação das dificuldades através de programas de inclusão no mercado de trabalho. Palavras-chave : Jovens NEET;Portugal; Precariedade. Serviços Públicos de Emprego; Trajetórias. DIGITALIZACIÓN, PRECARIEDAD Y (DES)INTEGRACIÓN EN EL MERCADO LABORAL DE LOS JÓVENES NINIS EN PORTUGAL. Resumen Aunque la relación con el mercado laboral es central para enmarcar las experiencias de los jóvenes, la precariedad y la vulnerabilidad van más allá. En un contexto de policrisis e incertidumbre sobre el futuro, este artículo se centra en las trayectorias vitales de los jóvenes ninis. Entre octubre de 2022 y enero de 2024, se celebraron grupos de discusión y entrevistas en profundidad con partes interesadas de centros de empleo y formación y jóvenes ninis en Portugal para analizar sus aspiraciones, condiciones de vida y estrategias para mitigar las dificultades a través de programas de inclusión en el mercado laboral. Palabras clave: Jóvenes ninis; Portugal; Precariedad. Servicios Públicos de Empleo; Trayectorias. DIGITALIZATION, PRECARIOUSNESS AND (DIS)INTEGRATION IN THE LABOR MARKET. TRAJECTORIES OF RURAL NEETS IN PORTUGAL Abstract Although the relationship with the labour market is central in framing youth experiences, precariousness and vulnerability extend beyond it. In a context of polycrisIs and uncertainty about the future, this article focuses on the life trajectories of young NEETs. Between October 2022 and January 2024, focus groups and in-depth interviews were held with stakeholders from employment and training centres and young NEETs in Portugal to analyze their aspirations, living conditions and strategies for mitigating difficulties through market inclusion programs of work. Keyword: Young NEET; Portugal; Precariousness. Public Employment Services; Trajectories . 4 Doutor em Ciências da Comunicação pelo Iscte-Insituto Universitário de Lisboa. É bolseiro de investigação no ICS-ULisboa. E-mail: joao.carlos.sousa@iscte-iul.pt . ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7374-0152 . 3 Doutora em Educação pela Universidade de Bielefeld, Alemanha. Investigadora auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). E-mail: sofia.ribeiro@ics.ulisboa.pt . ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6648-611X . 2 Doutoranda em Sociologia Relações de Trabalho, Desigualdades, Sociais e Sindicalismo da Universidade de Coimbra, Portugal. Investigadora do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra. E-mail: isabelmbroque@gmail.com e isabelroque@ces.uc.pt . Lattes: https://lattes.cnpq.br/5458101187974080 . ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8581-5177 . 1 Artigo recebido em 16/07/2024. Primeira Avaliação em 11/09/2024. Segunda Avaliação em 07/09/2024. Terceira Avaliação em 13/10/2024. Aprovado em 27/11/2024. Publicado em 05/12/2024. DOI: https://doi.org/10.22409/tn.v22i49.63728 . 1
Introdução Em 2023, cerca de 11,2% dos jovens na União Europeia, com idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos, encontravam-se numa situação NEET (jovens nem-nem), ou seja, sem trabalhar, estudar ou frequentar qualquer tipo de formação (Eurostat, 2023). Embora o número de jovens NEET em Portugal, com idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos, tenha diminuído nos últimos anos, ainda são necessárias medidas para reduzi-lo. As informações acerca destes jovens resultam, sobretudo, de dados estatísticos (Eurofound, 2012; Silva, 2015), ocultando as suas trajetórias de vida, experiências no mercado de trabalho e formação. A condição NEET afeta não apenas aqueles que se encontram numa situação mais vulnerável e marginal, mas também aqueles que possuem uma forte bagagem educacional, cultural, social e monetária superior, e que, aparentemente, apresentam um menor risco para a marginalização (Eurofound, 2012, 2016; Simões et al., 2020b). Portugal apresenta um quadro empresarial pouco mobilizador em termos de conhecimentos tecnológicos avançados (Guerreiro, 1996), assim como uma ineficácia na inserção dos jovens com maiores recursos escolares no mercado de trabalho (Pais, 2001). No entanto, existe uma estreita relação entre o nível de qualificações escolares, a condição perante o trabalho e a profissão, em que os jovens que saem precocemente do sistema escolar encontram-se, geralmente, em condições sociais desfavorecidas. Existe um desfasamento entre as aspirações e planos concretos em termos de emprego que se encontram associados a riscos mais elevados em termos de depressão e exclusão social. A opção pela inserção prematura no mercado de trabalho, com baixas qualificações escolares, coloca o jovem numa situação de empregabilidade precária (Guerreiro e Abrantes, 2004, p. 74). Esta situação , resulta da impossibilidade de emancipação, sobretudo em termos de habitação e constituição de uma família. Trata-se de um grupo bastante complexo e afetado pela precariedade, vulnerabilidade, desocupação e risco de exclusão social, particularmente por conta dos fatores de risco associados com rótulos sociais estigmatizantes e segregadores e que se agravam com o género, raça, etnia, incapacidade física e/ou mental e imigração (Eurofound, 2012, 2020). 2
Existem vários estudos em Portugal sobre o conceito de jovem NEET que referem que a maior percentagem destes se encontra nas zonas rurais (Simões et al., 2020b), revelando desigualdades territoriais no acesso a oportunidades de emprego e educação, sobretudo para aqueles que não possuem experiência profissional ou qualificação adequadas. O relatório da OCDE (2020) salientou que as regiões rurais enfrentam fortes tendências de despovoamento, reduzindo as economias de escala necessárias para a prestação de serviços de qualidade de uma forma viável. Para a Comissão Europeia (2020a), é necessário mapear os recursos disponíveis e as competências necessárias para fornecer serviços sociais e quebrar barreiras à participação dos NEET rurais (OCDE, 2010; Korv et al., 2022). Barbosa e Pimentel (2022) analisaram as características e trajetórias de vida dos jovens NEET na zona geográfica norte de Portugal. Ao nível da União Europeia, a faixa etária NEET foi inicialmente definida pelo Comité de Emprego da Comissão Europeia como compreendendo os 15 e 24 anos, e integrando os indicadores da estratégia Europa 2020. No entanto, atualmente o indicador NEET compreende a faixa etária entre os 15 e os 34 anos, o que significa que não existe um padrão globalmente aceite nesta matéria (Eurostat, 2020; Simões et al., 2022). Esta ampla faixa etária experiência a fragmentação das trajetórias da escola para o trabalho, que se tornaram múltiplas, longas e erráticas, especialmente entre os NEET, combinando decisões educacionais e profissionais (Walther, 2006; Arnett et al., 2011; Simões et al, 2022). A nível europeu, foram elaborados artigos sobre a orgânica, desenvolvimento, objetivos e desafios de implementação do Quadro do Garantia Jovem (Andor, 2016; Escudero e Moruelo, 2015; Comissão Europeia, 2013, 2018, 2020; Ferreira et al., 2021; Pantea e Polocnik, 2019; Tosun et al., 2021). No entanto, em Portugal verifica-se uma escassez de literatura acerca das percepções e experiências vivenciadas pelos jovens NEET no mercado de trabalho e a afetação da implementação de programas de inserção. Neste contexto, este artigo irá preencher essa lacuna e centrar-se nas trajetórias ocupacionais dos jovens NEET em Portugal, com idades entre os 15 e 35 anos, que não se encontram a trabalhar, estudar ou a frequentar qualquer tipo de formação (Eurofound, 2021). Pretende-se analisar o impacto da precariedade nos percursos ocupacionais dos jovens NEET e as suas percepções sobre as instituições de emprego, as suas condições de vida, 3
motivações e estratégias para a entrada no mercado de trabalho, estratégias para mitigar as dificuldades através da frequência de programas de inclusão no mercado de trabalho. A análise dos percursos escolares e profissionais pretende aprofundar e sistematizar o conhecimento acerca dos jovens NEET, nacionais e imigrantes, residentes em meios rurais em Portugal. Embora a relação com o mundo do trabalho seja considerada central no enquadramento das experiências juvenis, a precariedade e vulnerabilidade estendem-se para além da instabilidade contratual, abarcando outras esferas do quotidiano (Carmo e Matias, 2019). Como tal, pretende-se dar voz não apenas aos técnicos dos Serviços Públicos de Emprego (SPE), mas, sobretudo aos jovens NEET rurais que frequentaram estes programas. Incluindo a introdução, o artigo divide-se em sete seções: a segunda detalha a metodologia; a terceira apresenta o cenário de precarização do mercado de trabalho em Portugal; a quarta retrata a Garantia Jovem; a quinta detalha os programas Jovem + Digital e NeetMaker; a sexta descreve as percepções e experiências dos jovens NEET; e a sétima apresenta a discussão e conclusões. 5 Metodologia Entre outubro de 2022 e janeiro de 2024, optou-se por uma metodologia qualitativa que consistiu numa revisão bibliográfica, entrevistas semi-diretivas com vários stakeholders de instituições, como ONG’s e técnicos de serviços de formação e de emprego em Portugal ONG’s, vinte entrevistas aprofundadas com jovens NEET, e dois focus group para obtenção de informações mais esclarecedoras sobre o universo NEET. Para tal, foram enviados mais de quinhentos emails, com o apoio do escritório do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) de Faro e do mentor do Fablab HIESE - Habitat de Inovação Empresarial nos Sectores Estratégico que também participou numa sessão de focus group . Foram igualmente estabelecidos contactos através dos centros de emprego e grupos de redes sociais associados a estes programas. As entrevistas foram realizadas presencialmente, mas também recorrendo a meios telefónicos e digitais, como o Zoom, seguindo um 5 Este artigo foi elaborado no âmbito do Projeto Internacional Track-In, Public employment services tracking effectiveness in supporting rural NEET ( RF-YOUTH-0031 ). Este projeto teve o apoio do Iceland, Liechtenstein, and Norway através da EEA e Norway Grants Fund for Youth Employment. 4
roteiro semiestruturado de 35 questões. Os jovens tinham idades compreendidas entre os 23 e os 35 anos, eram residentes em Portugal Continental e ilhas, e, na sua maioria, tinham concluído uma licenciatura e frequentado o Programa Jovem + Digital ou o Programa NeetMaker. Realizaram-se dois focus group , em abril e maio de 2023 para averiguar quem são realmente estes jovens, ou seja, para analisar o seu perfil a partir do relato na primeira pessoa acerca da vivência das dificuldades e expectativas perante o mercado de trabalho. As sessões de focus group foram realizadas via Zoom e contaram com a participação de cerca de 10 pessoas na primeira sessão e seis pessoas na segunda, duas investigadoras e um técnico de formação. Em termos de análise qualitativa recorreu-se ao software MaxQda para codificação e apresentação dos dados. Durante as visitas ao Centro de Emprego do Algarve procedeu-se ao registro fotográfico, quando permitido, observação presencial não participante, para conhecer o funcionamento destas instituições, e conversas informais. A precariedade dos jovens NEET do mercado de trabalho Portugal tem vindo a enfrentar desafios e oportunidades no mercado de trabalho, moldados por mudanças tecnológicas e sociais, sobretudo através dos processos de digitalização e automação, desenvolvimento da inteligência artificial, compreendendo uma nova realidade em diversos setores. O ritmo acelerado da (r)evolução tecnológica obrigou os trabalhadores a atualizarem as suas competências para permanecerem atrativos no mercado de trabalho global, sobretudo nas áreas da indústria, construção, energia e água, e, maioritariamente, serviços 6 . Segundo a Organização Internacional do Trabalho (2008) 7 , o conceito de trabalho digno resume as aspirações de homens e mulheres no domínio profissional, abrangendo oportunidades para realização de um trabalho produtivo com uma remuneração justa, segurança no local de trabalho, proteção social, perspetivas de desenvolvimento pessoal e integração social, em condições de liberdade, equidade e dignidade. A escolha de uma profissão é uma etapa importante na transição da 7 Disponível em: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/trabalho-digno . Acesso em 10 de julho de 2024. 6 Disponível em: https://eures.europa.eu/living-and-working/labour-market-information/labour-market-information-portug al_pt. Acesso em 10 de julho de 2024. 5
escola para o trabalho, e uma decisão importante na vida de um indivíduo. No entanto, os mercados de trabalho europeus oferecem contratos inseguros, temporários, a tempo parcial ou casuais, conduzindo a trajetórias de vida intermitentes, informais e vulneráveis (Carmo et al., 2021). Cada vez mais os jovens transitam entre empregos no mercado de trabalho, sendo marcados pela intermitência que implica a pura e simples alternância de trabalho e não trabalho, implicando uma maior dificuldade na integração no mercado de trabalho desigual. A maioria dos trabalhadores que aceitam estas formas atípicas de emprego, geralmente associadas a baixos salários, são frequentemente relativamente jovens. Em alguns casos, este poderá ser o seu primeiro emprego, uma vez que procuram passar da educação ou formação para o mercado de trabalho (Carmo e Matias, 2019; OCDE, 2016). Para estes jovens, o impacto da precariedade na vida pessoal e social poderá vir a tornar-se num modo de vida (Alves et al, 2011). A forma como as economias negam aos jovens o acesso à segurança e à qualidade do emprego, à estabilidade emocional e ao sentimento de pertença a uma comunidade de identidade baseada no trabalho, compreende novas formas de opressão e sofrimento que levam à precariedade (Kalleberg, 2009; Sennett, 2011). A incerteza quanto ao futuro gera sentimentos de desintegração em relação ao que se esperava deles no mercado de trabalho, promovendo sentimentos de insegurança sobre si próprios e sobre as suas capacidades e esgotamento emocional e físico (Camo e Matias, 2019). Neste sentido, serão necessárias políticas ativas e específicas para garantir o acesso a todos. A longo prazo, poderão existir riscos quer para o indivíduo, quer para a sociedade, se os jovens adultos se encontrarem desligados da educação e do mercado de trabalho (Eurostat, 2023). No entanto, aqueles que se encontram empregados regressam à educação ou à formação para melhoria das suas qualificações. O Fórum Económico Mundial identificou a melhoria de competências e a requalificação como dois dos principais instrumentos para redução do risco de desemprego. A entrevista realizada com a Diretora Executiva do Plano Nacional de Implementação do Programa de Garantia Jovem, em outubro de 2022, revelou que a definição de Jovens NEET não se refere apenas aos jovens vulneráveis em contextos pobres, ou com trajetórias de vida complicadas, como mães adolescentes que tiveram filhos na adolescência e que não conseguem encontrar emprego. O 6
indicador NEET constitui uma ferramenta essencial para uma melhor compreensão da extensão da vulnerabilidade multifacetada da juventude em termos da sua participação no mercado de trabalho e risco de exclusão social. Os jovens com baixas qualificações, profundamente marcados por situações de exclusão social e vulnerabilidade económica e de abandono precoce do sistema educativo, podem cair na condição NEET. Existem jovens qualificados e não qualificados, com circunstâncias financeiras favoráveis que não sugerem uma situação NEET, mas que, na verdade, não estudam, não trabalham ou não estão em formação. Em suma, podem existir NEET temporários e regulares. Segundo a Diretora Executiva do Plano Nacional de Implementação do Programa de Garantia Jovem: Temos os NEET temporários que, dependendo do ciclo econômico, são em maior número, mas cujo número diminui rapidamente e depois estabiliza e, por isso, chamamos-lhes NEET temporários, e os jovens mais vulneráveis tendem a ser NEET permanentes, condicionando toda a sua trajetória. De acordo com os SPE, as tipologias de jovens que fazem parte do grupo heterogéneo NEET incluem os desempregados de curta duração (jovens que procuram emprego até um ano); os desempregados de longa duração (jovens que procuram emprego mais de um ano); aqueles que voltaram a ser NEET (jovens que esperam regressar a uma situação de emprego, educação ou formação); inativos por doença ou invalidez; inativos por responsabilidades familiares (por exemplo, cuidadores de familiares idosos ou doentes e mães jovens); trabalhadores desencorajados; outras pessoas inativas. Além disso, a pandemia da COVID-19 teve um forte impacto nos jovens. Durante a pandemia de Covid-19, assistiu-se a uma aceleração do processo de digitalização que afetou o setor dos serviços, sobretudo os SPE. Tornou-se necessário assegurar a rápida implementação de respostas de políticas públicas adequadas à formação profissional, promovendo a empregabilidade e ativos de formação em áreas estratégicas, como as competências digitais. A taxa de desemprego tem vindo a aumentar em todas as faixas etárias, afetando, particularmente grupos vulneráveis, como os jovens de minorias raciais e étnicas, as pessoas com deficiência, que vivem em zonas rurais, remotas ou urbanas desfavorecidas, e as mulheres e os refugiados, que enfrentam barreiras 7
adicionais no acesso o mercado de trabalho. Em 2022, a taxa de desemprego dos jovens NEET em Portugal era de 9,9% para os jovens entre os 20 e os 24 anos e de 12% para os jovens entre os 25 e 29 anos. Esta diferença de género resulta principalmente das estruturas familiares, da criação dos filhos, do cuidado dos familiares e de outras questões étnicas. A elevada taxa de desemprego jovem em Portugal conduziu à elaboração de iniciativas políticas e apoios financeiros direcionados para o tecido empresarial, com o intuito de criar e fomentar a criação de postos de trabalho. Perante este cenário, muitos jovens adotam estratégias de resposta imediata às necessidades quotidianas; envolvendo-se em ações de autovalorizarão profissional e pessoal (Smithson et al., 1998). Em 2018, o Plano Nacional de Implementação de uma Garantia Jovem procurou desenhar uma estratégia de intervenção através da colaboração entre várias entidades no campo do emprego, da educação e da formação (Vieira et al., 2018). No entanto, verificaram-se alguns entraves no alcance dos seus objetivos, visto que uma grande parte dos jovens não se encontra nas bases de dados das instituições, tornando-se extremamente difícil captá-los e recrutá-los. Os jovens NEET compreendem o proletariado que circunscreve uma coletividade de despojados, identificados, como no caso da Geração à Rasca que se trata de uma geração sem trabalho, sem casa, sem acesso a direitos, ou como na condição dos Indignados em Espanha. A precariedade estrutural do mercado de trabalho flexível, instável, e inseguro determina que este crescente contingente de jovens trabalhadores adultos, sobretudo com elevados níveis de qualificação profissional, construam trajetórias de vida com identidades fragmentadas. Encontram-se imersos na insegurança do presente, vivendo submersos num presente contínuo, no aqui e no agora, sem uma relação orgânica com o passado e sem quaisquer perspectivas de futuro, visto que o mesmo se encontra continuamente hipotecado. Existe uma impossibilidade de realização de planos vincada na frustração com a educação como via de inserção no mundo do trabalho (Alves, 2012; Carmo et al., 2021). A condição de proletariedade ou precariedade (Standing, 2011) é concebida como a expressão social suprema da alienação, desvalorizando e destruindo o desenvolvimento da personalidade humana de inúmeros jovens-adultos NEET que se veem sem rumo, sem perspetiva e sem projeto de vida, rumo a uma crescente precarização existencial (Alves, 2012). 8
Segundo o Eurostat (2023), Portugal apresentava em 2022 uma das percentagens mais baixas (8,4%) de jovens NEET (15 e 29 anos) a nível europeu, onde 8,6% são mulheres e 8,2%homens. Quanto aos níveis de escolaridade, 9% apresentam níveis de escolaridade mais elevados e 7% níveis mais baixos. As mulheres jovens possuem uma maior probabilidade de cair na condição NEET quando comparadas com os homens, situação que se encontra relacionada, sobretudo, com a educação, cultura e a maternidade. A Garantia Jovem A Garantia Jovem tem como objetivo a redução da percentagem dos jovens NEET, através de ofertas de emprego, formação profissional, educação contínua ou a frequência de estágios, num período de quatro meses após estes terminarem os seus estudos ou ficarem desempregados (Eurofound, 2020; Reis e Nofre, 2018). O Programa Jovem + Digital foi concebido para jovens, entre os 18 e 35 anos, inscritos nos serviços públicos de emprego, desempregados e com habilitações literárias secundárias ou académicas, para responder às necessidades atuais e futuras do mercado de trabalho, no âmbito das políticas públicas de formação profissional, visando desenvolver competências em tecnologias e aplicações digitais para melhoria da empregabilidade. De acordo com a OCDE, entre 2020 e 2021, a maioria dos serviços públicos de emprego (SPE) europeus afirmaram ter aumentado a utilização de medidas, em Portugal, especialmente no âmbito da Garantia Jovem e através de novas medidas implementadas pelos SPE para os jovens em resposta à crise da COVID-19. Estes centraram-se no fortalecimento da aprendizagem baseada no trabalho e estágios profissionais. O Plano Nacional de Implementação do Programa de Garantia Jovem, segundo a sua Diretora Executiva, foi apresentado em dezembro de 2013 como uma recomendação do Conselho da União Europeia 8 que surgiu num contexto de crise internacional de um elevado número de jovens NEET. A partir de março de 2014, os Estados-Membros da União Europeia comprometeram-se a garantir e oferecer um emprego decente e de qualidade, educação superior, aprendizagem, formação e 8 Recomendação do Conselho - 2013/C 120/01 - de 22 de abril de 2013. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2013:120:0001:0006:PT:PDF . Acesso em 10 de julho de 2024. 9
estágio, a todos os jovens com menos de trinta anos, seja no prazo de quatro meses após ficarem desempregados ou abandonarem os estudos (Countouris et al., 2023). Desde o inicio do Garantia Jovem se iniciou que cerca de 1,5 milhões de pessoas participaram, tendo a maioria idades entre os 15 e 24 anos. No entanto, esta faixa etária foi, posteriormente, alargada incluindo os jovens com idades entre 15 e os 34 anos (Simões et al., 2020). Todos os países da União Europeia se comprometeram a implementar a Garantia Reforçada para a juventude numa Recomendação do Conselho de outubro de 2020 que estabelece 20 princípios e direitos para apoiar mercados de trabalho e sistemas de proteção social justos e funcionais. Trata-se do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (Comissão Europeia, 2020a), baseado numa proposta da Comissão, integrando o pacote de Apoio ao Emprego dos Jovens que identifica os prazos e as medidas a tomar para implementar a Garantia Jovem em cada Estado-Membro, investindo na próxima geração (2020b). Todos os quadros e planos foram publicados sob a responsabilidade do Estado-Membro correspondente nos websites nacionais da Garantia Jovem, com atualizações regulares e/ou a possibilidade de os jovens se registarem online. Os SPE são responsáveis pela gestão do programa de Garantia Jovem e pela coordenação de parcerias em todos os níveis e setores do país. A sua implementação envolve ministérios, organizações de juventude, organizações comerciais, bem como organizações de parceiros sociais e outras instituições relevantes que trabalham na educação, formação profissional e inclusão social. A diretora do Garantia Jovem referiu que se trata de um quadro nacional continental, estabelecido a nível governamental, neste caso pelo Ministério do Trabalho, que reporta diretamente ao Secretário de Estado do Trabalho. O coordenador nacional da Garantia Jovem é responsável pela ligação política com o gabinete do Secretário de Estado do Trabalho, cujo coordenador é sempre membro do Conselho de Administração do IEFP, que é o instituto que coordena o quadro nacional da Garantia Jovem. O Diretor Executivo estabelece contactos entre gabinetes e departamentos dentro e fora do IEFP, prestando também apoio e informação sobre jovens NEET. Sempre que é necessário formular uma medida pública dirigida aos jovens NEET, recorre-se ao IEFP. As políticas da Garantia Jovem aplicam-se não apenas ao domínio do trabalho, mas também à economia e ao ensino superior. 10
Os jovens inscritos como desempregados no SPE e elegíveis para a Garantia Jovem são sinalizados em conformidade, enquanto os participantes não inscritos no SPE são contactados pelo IEFP, em parceria com outras entidades. Os indivíduos podem registar-se na Garantia Jovem através de um portal/website, lançado em janeiro de 2014, que apresenta informações sobre o programa, serviços e ofertas disponíveis. As organizações podem registar-se igualmente para aderir à rede de prestadores da Garantia Jovem. O direcionamento para as pessoas envolve a proximidade dos parceiros sinalizadores (instituições de caridade social, ONG, associações juvenis, municípios, etc.) com jovens NEET, sendo este um fator chave para recuperação da sua confiança. A Diretora do programa referiu que os cursos de formação foram concebidos para responder às necessidades de competências identificadas através da consulta a empresas e especialistas na área digital. Os cursos de formação são sujeitos a certificação no âmbito do Sistema Nacional de Qualificações e, paralelamente, alguns dos cursos preparam os formandos para exames e certificações específicas adicionais em academias de referência no mundo digital (Microsoft, CISCO). O Programa Jovem + Digital e o Programa NeetMaker O Programa Jovem + Digital foi criado através do Despacho governamental 250-A/2020, de 23 de outubro e incluído no Quadro de Garantia Jovem. O programa do governo definia a transição digital como a condição fundamental para a estratégia de desenvolvimento de Portugal, tendo como objetivo as prioridades de investimento da União Europeia no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual para o período entre 2021-2027. Neste sentido, num cenário de recuperação da atividade económica, procurava colocar Portugal na vanguarda dos países mais bem preparados para enfrentar os desafios e mudanças inerentes a uma transição global, garantindo que dela resultasse uma maior equidade e inclusão dos cidadãos, num aumento da competitividade da economia e na criação de valor pelo tecido empresarial Como consequência da pandemia, tornou-se necessário responder de forma eficaz e rápida através de políticas públicas para a formação profissional, como instrumento de promoção da empregabilidade e de ativos de formação em áreas estratégicas, como as competências digitais, dirigidas a públicos específicos como os jovens 11
adultos que foram os mais afetados no mercado de trabalho. O Programa Jovem + Digital destina-se a jovens, desempregados e com cursos de formação de nível secundário, tendo a duração máxima de 300 horas, onde cada participante tem direito a uma bolsa de formação, subsídio de alimentação, e seguro de acidentes pessoais. Em março de 2023 foram entrevistadas duas técnicas do IEFP de Faro (Algarve): uma psicóloga, coordenadora do Núcleo de Gestão do Mercado de Trabalho da IEFP de Vila Real de Santo António, e uma socióloga, Técnica Superior nas áreas de formação e orientação profissional da IEFP de Faro e interlocutora do Quadro de Garantia Jovem. Ambas mencionaram que o perfil dos candidatos é maioritariamente compreendido por jovens com qualificações mais baixas, completamente desajustados, desmotivados, desinformados, e que não procuram trabalho. A diferença entre os jovens desempregados licenciados, mais informados, com maior abertura e perspetiva, e os jovens com o ano, é que estes últimos são considerados desempregados sazonais. Muitas vezes, a sazonalidade passa pela economia informal, normalmente caracterizada pela procura de rendimentos como meio de subsistência (biscates e/ou bicos), através de trabalho não declarado, como a apanha de morangos, mexilhões e mariscos, e realização ocasional de pequenos trabalhos manuais em lavagem de automóveis. E alguns deles trabalham ilegalmente, então não pagam impostos. Têm de tudo, e em Olhão muita gente que também apanha mexilhão durante todo o ano. [Socióloga]. A questão da segregação social e da etnicidade foi salientada, afetando especialmente as mulheres, embora o número total de homens NEET seja superior. O Quadro do Garantia Jovem foi criado para reduzir a taxa de desemprego juvenil, somando-se a algumas das medidas implementadas pelo IEFP. Portanto, as medidas surgiram naturalmente ao longo do tempo, sendo depois integradas dentro do Quadro do Garantia Jovem. Apenas na fase de reforço da Garantia foram criadas medidas específicas para este enquadramento. O Jovem + Digital foi um programa implementado em 2020, durante a pandemia, dirigido a jovens com idades compreendidas até 34 anos e ensino secundário. Idealizado pelo IEFP de Faro, trata-se de um dos primeiros programas de formação online criados, ministrando 12
formação online e presencial nas áreas digitais estratégicas, como a cibersegurança e análise de dados. Estas técnicas superiores referiram ainda que os estágios compreendem a melhor oferta do IEFP, conduzindo a uma integração mais rápida dos jovens NEET no mercado de trabalho, com a possibilidade de contrato de trabalho. No caso de cursos de formação, como o Jovem + Digital, com duração de 350 horas ao longo de quatro meses, não existe qualquer acompanhamento e integração, podendo conduzir à desmotivação. Uma pessoa faz uma formação com dupla certificação, por exemplo, e depois acaba não tendo experiência profissional nessa área. E eles voltam, quase ao ponto de partida.” [Socióloga]. “Acho que o que faltava era ter experiência prática e conseguir ter algum grau de empregabilidade (…) É mais uma forma de formação para a pessoa acrescentar ao seu currículo (…) A partir do momento em que ingressa na formação, não é NEET. Eles estão pedindo uma pausa. [Psicóloga]. A inexistência de uma boa rede de transportes foi também mencionada como um fator de agravamento dos problemas da região, impedindo que as pessoas possam deslocar-se para o local de trabalho ou cursos de formação, a menos que possuam um automóvel. Este problema reforça o isolamento das zonas rurais. No âmbito do programa Jovem + Digital, cujos campos gerais de aplicação foram previamente definidos pela Agência Nacional para a Qualificação e Educação Profissional, a Diretora Adjunta do Centro de Emprego e Formação Profissional, responsável por dois Centros de Formação Qualifica, em Faro e Albufeira. entrevistada sugeriu áreas específicas de formação. Segundo o relato da entrevista realizada em março de 2023. Porque estamos a falar de um público que tem licenciatura ou nível secundário. Portanto, o que procuram é sempre algo mais […] Começámos a tentar abranger a área da cibersegurança, da análise de dados, as áreas que acreditamos, neste momento, estarem muito mais adequadas ao mercado de trabalho. O programa foi implementado em 2020 e teve um sucesso razoável durante a pandemia. A sua divulgação é realizada através da Internet, redes sociais e IEFP. Segundo a diretora, em 2021 o Jovem + Digital atingiu a saturação de mercado e o público em geral perdeu o interesse, conduzindo à criação de novos módulos e/ou 13
cursos dentro do programa. Quando questionada sobre os jovens NEET, a diretora referiu que não havia qualquer informação sobre o público que frequentava este programa. O programa não está exatamente adaptado a este tipo de público […] Não posso dizer com precisão se temos jovens NEET como parte dos nossos programas. Isto sempre foi um problema: identificar quem são os NEET. […] Não temos essa identificação na ficha do candidato […] Não estamos propriamente à procura de NEET para participarem numa atividade de formação como esta. Para além da avaliação de cada módulo, através do preenchimento de um formulário pelos formandos, não existe o tratamento dos dados estatísticos recolhidos que permitam analisar os impactos deste programa. O programa NeetMaker, Formação e Estímulo à Empregabilidade e Inclusão Social, implementado entre 2020 e 2022, foi um projeto local voltado para jovens externos ao mercado de trabalho e instituições de ensino, procurando desenvolver competências num público-alvo definido socialmente como NEET. Este projeto foi iniciado pelo Município de Penela e pelo HIESE, tendo o IEFP como parceiro para fins de recrutamento. O programa de formação e estímulo à empregabilidade e inclusão social para jovens entre os 20 e 34 anos, organizado pelo HIESE, destinou-se ao desenvolvimento de novas aptidões e competências, nomeadamente soft skills , como networking e resolução de problemas, ativando algumas competências de empreendedorismo e making através do Fablab . Relativamente a este programa, o feedback foi bastante positivo por parte dos jovens NEET que revelaram que a formação e intervenção deveriam ter continuidade, salientando a aquisição de novos conhecimentos; desenvolvimento de competências interpessoais relacionadas com o empreendedorismo e aumento de competências de empregabilidade; reconhecimento de talentos/interesses e networking . Trata-se, portanto, de um facilitador entre os jovens NEET e as empresas, que auxilia a sua inserção no mercado de trabalho. Segundo o gestor e mentor do FabLab, o paradigma do mercado de trabalho mudou, ou seja, os licenciados não têm ligação com o mercado de trabalho, não sabem “vender-se” ou “promover-se” como pessoas empregáveis, carecendo ou apresentando competências de comunicação desajustadas de competências de comunicação. Além disso, não existe uma ligação 14
entre as universidades, ou mesmo os programas de formação, e o mercado de trabalho. Como mencionado pelo mesmo: As pessoas têm ensino superior e não conseguem emprego na área. Essa foi uma forma de sacudi-los e perceber: tudo bem, você tem uma formação aí, mas você pode fazer outras coisas, pegar sua formação e trabalhar nessas áreas, que é o que o mercado precisa. Esse é o nosso foco […] O paradigma mudou e é preciso fazer com que as pessoas se comuniquem. Segundo as entrevistas realizadas com os diretores dos centros de emprego, foi referido que, num cenário de digitalização, a abordagem remota dos cursos não é a mais adequada para todos os perfis NEET, principalmente no acompanhamento individual e presencial dos casos mais complexos. A região centro de Portugal é ainda caracterizada pelo despovoamento interior e a consequente dificuldade dos empregadores locais em recrutar recursos humanos com as qualificações adequadas às suas necessidades. Todos os parceiros envolvidos no projeto, especialmente o Município de Penela (investidor social) consideram que, apesar das características da região e da pandemia Covid-19, o projeto NeetMaker cumpriu integralmente os objetivos propostos, os quais foram superados, considerando eles como resultados excepcionais. Existe a convicção de que os jovens NEET que passaram pelos processos formativos do NeetMaker estavam completamente integrados e motivados para ingressar no mercado de trabalho ou para criar o seu próprio emprego. Percepções dos jovens NEET perante o mercado de trabalho Foram realizadas vinte entrevistas em profundidade, com doze mulheres e oito homens, tendo idades compreendidas entre os 19 e 35 anos, residentes em Portugal Continente e na Região Autónoma da Madeira. A maioria destes jovens possui formação acadêmica, mas encontra-se desempregada, e a residir com os pais. A família surge como um dos principais recursos e/ou garantia de apoio financeiro, ainda que a precariedade represente uma situação de “semiautonomia” que pode perpetuar-se ao longo da vida (Carmo e Matias, 2019). Alguns deles têm experiência profissional, trabalhando como empresários, sobretudo de forma remota, ou no mercado informal. Verificaram-se casos de emigração para fins de trabalho ou 15
estudo, ainda que seja uma experiência transitória. A falta de formação presencial e de oportunidades de emprego nas zonas rurais foi bastante apontada pelos entrevistados. Aliás, uma das jovens entrevistadas que tinha um atestado de deficiência, sentiu-se condicionada por esta situação, levando-a a frequentar cursos de formação. No entanto, tal acabou por se transformar num “modo de vida” (Alves et al., 2011) […]‘Mas, como tenho um grave problema cardíaco, foi difícil envolver-me em alguns trabalhos que eles queriam que eu fizesse. Tal como fiz o NeetMaker, fiz outros [...] O meu objetivo inicial era fazer cursos de formação, no sentido de ingressar neles para obter um grau académico superior. [E8, 19 anos, Coimbra]. A maioria dos participantes tomou conhecimento dos programas através da Internet ou dos centros de formação, raramente através do IEFP, do qual não revelaram ter qualquer grau de confiança ou crença no seu papel, sobretudo em termos de colocação no mercado de trabalho. […] sinto que não vale a pena (…) todas as entrevistas que fiz na altura através do Centro de Emprego, as empresas que me ligaram eram muito tortuosas […] acho que o Linkedin , por exemplo, é muito melhor. Sou eu que estou à procura e ele dá-me todas as empresas com base nos meus dados e é uma experiência muito melhor. [E19, 28 anos, Semide]. Na altura, tínhamos de recorrer ao Centro de Emprego, obrigatoriamente […] Havia estágios, mas os estágios que abriram tinham alguém. [E12, 25 anos, Pombal]. A maioria destes jovens possui licenciatura e trabalha como freelancer em regime de teletrabalho, sobretudo na área da informática. A falta de diversidade nas ofertas de emprego e a necessidade de mobilidade foram as principais dificuldades apontadas pelos entrevistados. Quando estava à procura do meu primeiro emprego, as principais dificuldades que senti na área foram a falta de ofertas e quando consegui uma entrevista tive que viajar muito e tive de logo de aceitar. Se eles quiserem, terei que mudar. [E17, 28 anos, Pombal]. Uma das jovens NEET era imigrante brasileira e referiu que a sua formação não era reconhecida em Portugal, impedindo-a de conseguir um emprego mais qualificado. O elevado custo de vida, sobretudo ao nível da habitação, levou-a a viver no meio rural e a criar o seu próprio emprego. Além disso, a situação de 16
freelancer suscitou-lhe diversas questões, pois tinha dúvidas, sobretudo quanto à elaboração do plano de negócios, algo que sentiu não ter sido abordado no IEFP, nem durante as formações que frequentou. A formação escolar me atrapalha muito porque as pessoas não validam o tipo de conhecimento que eu tinha [...] o facto de eu não ter tido formação aqui me impede muito de exercer o que eu sei fazer, porque eu fiz estágio no Brasil [...] então tem o obstáculo da formação como imigrante porque não pode ser validado [...] então moro no interior por questões financeiras [...] tive que criar o meu próprio emprego [...] Não tem como sustentar, morar hoje na cidade, não tem como viver com um salário mínimo. Acho isso frustrante. [E14, 26 anos, Figueiró dos Vinhos]. Relativamente ao papel do IEFP em termos da sua adaptação às necessidades dos jovens utilizadores NEET, os participantes referiram que era insuficiente e pouco apelativo. Foi fortemente destacada a falta de humanismo e empatia dos profissionais e a inadequação do perfil dos candidatos às ofertas de emprego que não eram atualizadas com frequência e aquelas que estavam disponíveis, geralmente não correspondiam às expectativas ou áreas de formação dos jovens. É uma instituição, algo muito chata, distante, formal e pouco comunicativa […] sinto que é automatizado, não é uma coisa que você tenha que pensar. [E18, 28 anos, Coimbra]. A minha experiência com o Centro de Emprego diz-me que deveriam estar mais atentos à individualidade de cada um, por isso não é como mandar todos para formação porque sim e estamos todos a ganhar uma ninharia por dia […] devem olhar encarar cada pessoa como um ser individual que tem suas próprias habilidades e aspirações e orientá-las nessa direção. [E12, 25 anos, Pombal]. Outro jovem referiu que o website e os formulários do Centro de Emprego não estavam adequados às mudanças do mercado de trabalho, ou seja, verifica-se um desfasamento nas expectativas e no acompanhamento dos utilizadores, para adequar as ofertas ao perfil de cada pessoa. Foi também destacada a falta de comunicação entre os utilizadores e empresas durante e após a colocação num determinado emprego. Acho que para trabalharem melhor têm de modernizar a plataforma, torná-la mais dinâmica, mais adaptável à dinâmica do próprio mercado de trabalho […] o meu chefe não gostou da experiência de 17
trabalhar com eles […] reclamou de alguns obstáculos e falta de comunicação com o Centro de Emprego do ponto de vista do empregador. [E17, 28 anos, Pombal]. Os participantes referiram que quando pretendiam transmitir as suas ideias ou problemas ao IEFP sentiam que não eram ouvidos, nem consultados no processo de tomada de decisão. Um dos jovens NEET enfatizou que a maioria dos cursos de formação eram desinteressantes e “fadados ao fracasso”. Porém, algumas pessoas frequentaram os mesmos não apenas como uma possível preparação para o mercado de trabalho, mas como uma forma de sobrevivência. De certa forma, não é uma escolha porque o que é que acontece? Foi uma situação em que recebi um apoio social de 200 euros e não posso simplesmente pegar no dinheiro e seguir em frente. Também estou moralmente consciente disso. Eu tenho de ficar lá. [E14, 26 anos, Figueiró dos Vinhos]. Comparando a maior parte dos cursos de formação oferecidos pelo Centro de Emprego com o programa NeetMaker, foi mencionado que é um programa mais humano, organizado e orientado para as necessidades dos jovens NEET. As principais deficiências apontadas pelos participantes referem a questão da curta duração de algumas formações do programa, que lhe confere um aspecto superficial em determinadas disciplinas. A dinamização pessoal através da aquisição de soft skills e a importância do networking entre contatos também foram valorizadas. Vários participantes mencionaram a questão da comunicação relativamente a oportunidades de formação ou ofertas de emprego que não foram apresentadas, nem divulgadas da forma mais estratégica, especialmente nas zonas rurais, embora alguns revelassem a existência de parcerias com outros centros de formação. Foi também destacada a inexistência de comunicação, na maioria dos casos, entre as universidades e os centros de emprego em que poderia ser criada uma ponte académica com os locais de trabalho e estabelecida uma agenda de formação. Todos os jovens NEET entrevistados mencionaram problemas relacionados com a inexistência de ofertas de emprego de qualidade, mas também com a falta de resposta das empresas para as quais enviam os seus currículos. Estou à procura de formação agora. Estou envolvida num programa de estágio no Centro de Reabilitação Profissional de Gaia. Recentemente tive uma entrevista de emprego, mas aparentemente não tive sucesso. [E4, 35 anos, Porto]. 18
De facto, alguns dos participantes mencionaram não apenas a falta integração no mercado de trabalho, mas também a precariedade das suas próprias vidas que eram constantemente adiadas devido ao estatuto de desempregado e NEET. Nestes casos, a imigração ou emigração colocavam-se como projetos de vida. As dificuldades financeiras que tenho não me permitem sair de casa [...] Queria ir morar com meu companheiro, mas, infelizmente, ainda moro com meus pais. [E3, 25 anos, Santarém]. A falta de experiência e oportunidades no mercado de trabalho, incluindo estágios, foram frequentemente salientados. E toda vez que vou a entrevistas é sempre tipo: ah, não tem experiência. Então, se não tenho experiência, quero ter experiência, mas nunca me dão essa oportunidade! [E3, 25 anos, Santarém]. Uma jovem também salientou o mesmo problema e referiu que, por vezes, se sentia rejeitada por ser imigrante de Angola e não ter a experiência exigida pelo mercado de trabalho que alegou não lhe ter sido concedida. Além disso, quanto às competências, o facto de não saber falar línguas estrangeiras limitava as suas oportunidades de trabalho. Estes jovens referiram que seria necessário criar oportunidades de emprego, sobretudo nas zonas rurais, e que os cursos de formação que frequentassem fossem reconhecidos. Nós, jovens NEET, somos pessoas que querem trabalhar. Estamos aqui para ajudar os outros e somos pessoas como todas as outras que querem trabalhar. Gostaria que criassem oportunidades para nós podermos prosseguir com as nossas carreiras. [E3, 25 anos, Santarém]. Estas situações não deixam outra alternativa aos jovens NEET senão continuar a frequentar cursos de formação ou trabalhar através de vínculos informais e precários. De facto, como referiu um entrevistado, continuar a frequentar cursos de formação poderá vir a tornar-se numa forma de (sobre)vivência num território onde os empregos são escassos. Foi justamente o que aconteceu durante a pandemia de Covid-19. Durante o curso houve pessoas que desistiram [...] foram mais jovens com 25 anos ou menos [...] Acho que as pessoas são movidas mais pelo dinheiro do que pela experiência ou 19
aprendizagem. Desistiram porque viram outras oportunidades, outras ofertas. Não os julgo porque na altura a vida também não era tão fácil [...] Acredito que se oferecessem um valor igual ou superior ao salário mínimo, os jovens teriam ficado [...] Muita gente entrou porque, realmente, não tinha mais o que fazer, estavam aguardando resposta de outro emprego. [E7, 30 anos, Algarve]. Embora alguns jovens tenham mencionado que a formação online do Programa Jovem + Digital não foi transmitida de forma envolvente em termos pedagógicos, a falta de ligação com o mercado de trabalho e a comunicação inadequada, em termos de divulgação, foram as principais fragilidades destacadas. No entanto, outros salientaram que receberam apoio dedicado durante o curso, o que se revelou numa experiência positiva. Além disso, uma das jovens mencionou que quando frequentou o programa o seu portátil pessoal avariou e não lhe foi oferecido qualquer apoio, nem obteve sequer o certificado, quando lhe restava apenas um módulo para concluir o programa. Esta entrevistada referiu ainda que além de ter vindo para Portugal para frequentar um curso de gestão, foi obrigada a abandoná-lo após o primeiro ano, e a arranjar um emprego no sector hoteleiro devido ao elevado custo das propinas para estudantes internacionais. Foi destacada a falta de oportunidades e de apoio, sobretudo para os jovens que pretendem ser empreendedores e iniciar o seu próprio negócio. Os participantes mencionaram que as ofertas de emprego no Algarve são sazonais e relacionadas, maioritariamente com os setores do turismo, restauração e hotelaria, que não oferecem oportunidades na construção de uma carreira. As pessoas trabalham no verão e no inverno e vivem daquilo que ganharam. Uma jovem da zona centro referiu que as ofertas de emprego são escassas e os resultados das entrevistas do IEFP nem sequer são comunicadas ao candidato, conduzindo a um estado de desespero e frustração. [...] tenho ido a entrevistas, mas depois não dizem nada, nem sequer me pedem para ir trabalhar. Não sei que obstáculos enfrento. Não sei, não entendo. [E3, 26 anos, Santarém]. Em termos de formação, quer académica, quer profissional, foi apontado que no contexto do envio de uma candidatura a uma oferta de emprego esta é secundarizada, ou até negligenciada, em favor da experiência profissional. Um dos participantes mencionou que não ter um diploma torna quase impossível o acesso a ofertas de emprego mais qualificadas. 20
Quando vou às entrevistas eles dizem, bom, você pode ter essa formação do IEFP, mas a graduação é aquilo que seria mais importante para nós. O diploma ou a própria experiência profissional. [E7, 30 anos, Algarve]. Embora a utilização do website seja intuitiva, uma das jovens entrevistadas referiu que tem de se deslocar ao IEFP para verificar ofertas de emprego que não são enviadas ou comunicadas. Foi destacada a falta de apresentação de um plano de emprego e de acompanhamento. A oportunidade de realização de estágios, a ligação entre a formação e o mercado de trabalho, ou seja, a integração no mercado de trabalho, foram as principais falhas identificadas. Quanto à instituição IEFP, os entrevistados mencionaram que é basicamente um centro de formação e não um centro de ofertas de emprego. [...] muitos cursos de formação (…) não ligação entre este curso e o emprego (...) Vejo o IEFP como um centro perfeito para formação, mas não para emprego (…) é 80% de formação e 20% de emprego (…) um IEFP deveria ter o emprego como prioridade. [E6, 26 anos, Algarve]. Em suma, depois de frequentarem este tipo de cursos, os Jovens NEET parecem ter regressado à anterior situação de precariedade, não tendo encontrado emprego para testar os seus conhecimentos e novas competências. Conforme destacou um entrevistado, o IEFP poderia estabelecer um plano de monitoria e construção de parcerias diretas ou consórcios com empresas nas áreas de formação oferecidas, mesmo com apoio estatal. Seria melhor para o IEFP formar parcerias diretas com as empresas, mesmo com apoio do Estado porque os empregadores não pagam bem para quem não tem experiência. Para ter um emprego é preciso ter experiência e se você precisa de experiência, precisa de um emprego. Muitas empresas não querem pagar uma pessoa que não tem experiência. E se houvesse parcerias entre o IEFP e o Estado, ou o Estado com as empresas, o Estado ou o próprio IEFP poderiam ajudar essas empresas. Seria mais barato para os empregadores e ao mesmo tempo o contratado não sairia perdendo. Não seria um estágio mal remunerado, mas sim o salário mínimo em que a empresa pagaria, digamos, 500 euros e o Estado ajudaria com 250 euros, ou algo semelhante. [E6, 26 anos, Algarve]. Conclusões 21
Em cenários de policrise como a Grande Recessão, a pandemia Covid-19, a crise climática e a crise bélica, as transições da juventude para a vida adulta complexificam-se e as identidades e estilos de vida tornam-se fragmentados e incertos (Pais, 2020). Neste contexto, estes jovens parecem ter sido, de certa forma, esquecidos pelas estruturas sociais, governamentais e institucionais de regulação social. Através da análise das entrevistas e focus group realizados foi possível perceber que os centros de formação profissional oferecem uma vasta gama de competências digitais e cursos de formação online . No entanto, os jovens NEET que frequentam os mesmos não conseguem entrar no mercado de trabalho e ter acesso a uma carreira profissional e trabalho digno que permita concretizar a sua emancipação e satisfação das necessidades físicas e mentais e qualidade pessoal. De facto, ainda que o conceito de trabalho permaneça como central para o bem-estar de qualquer indivíduo, muitos destes jovens percepcionam as suas trajetórias como não lineares, incertas e intermitentes. As exigências no recrutamento de pessoas qualificadas a custos cada vez menores (Ibid.). A nova era de serviços conduz a uma contradição entre o capital e trabalho, criando uma ilusão em termos de igualdade de oportunidades e qualificação dos indivíduos, através da valorização da educação e qualificação como projeto contínuo para a vida (Dwyer e Wyn, 2001). No entanto, o mercado de trabalho neoliberal desvaloriza as qualificações académicas, conduzindo a novas formas de dependência e sobre-exploração e empobrecimento da força laboral na qual recaem os custos do trabalho (Antunes, 1999; Lyon, 1992). Inclusivamente, os programas de inserção profissional, como o Jovem + Digital e NeetMaker, podem tornar-se num meio de sobrevivência ou ocupação temporária para aqueles que se encontram num contexto de desemprego. No final de cada programa de formação, o estado de precariedade permanece, visto que o jovem NEET regressa à condição de vulnerabilidade inicial, não conseguindo a integração no mercado de trabalho, nem a aplicação dos conhecimentos e competências adquiridos. Como indicado por alguns dos jovens NEET entrevistados, trata-se, portanto, de um estado de transição para algo melhor que poderá surgir na vida. Embora a formação online compreenda uma mais-valia para os jovens NEET que vivem em zonas rurais, a falta de compromisso com os perfis do mercado de trabalho local poderá dificultar a obtenção de uma saída para as competências 22
adquiridas. Segundo as entrevistas, as economias rurais dependem fortemente do turismo e hotelaria, resultando em padrões de trabalho sazonais e informais que militam contra o emprego estável. Foi também apontado pelos entrevistados que é praticamente impossível seguir uma carreira profissional e obter um salário atrativo em Portugal, levando muitos jovens a emigrar. Seria importante associar a formação às oportunidades oferecidas pelas empresas a nível local para que estas pudessem conduzir a colocações profissionais adequadas. Por último, não existem dados resultantes da avaliação dos programas de formação visto que não é efetuada uma análise estatística adequada, dificultando a medição dos reais impactos dos mesmos. Embora as dificuldades na definição do estatuto dos jovens NEET possam causar sérios problemas na monitorização das trajetórias destas pessoas (dada a natureza flutuante da categoria), manter contacto com os participantes do programa até um ano após a conclusão da formação poderia levar a uma melhor compreensão do impacto dos mesmos e melhorar a sua execução. A mudança dos padrões de comunicação no sentido de uma presença mais constante poderia igualmente conduzir a uma maior atratividade por parte dos jovens para utilização dos SPE quando tentassem singrar no mercado de trabalho para melhoria da sua empregabilidade, concebendo-os também como um apoio útil na prestação de apoio financeiro durante períodos de inatividade. As lições aprendidas de recessões e crises econômicas anteriores indicam que pode ser difícil (re)engajar os jovens na educação e no emprego após longos períodos de inatividade (OCDE, 2022). Além disso, a abordagem de digitalização ou da criação do próprio emprego, vista por muitos como uma solução para os jovens residentes em zonas rurais, não é adequada para todos os perfis, uma vez que muitos carecem de qualificações, competências e mesmo literacia adequados (Ribeiro et al., 2023). Referências ALVES, G. O enigma do precariado e a nova temporalidade histórico do capital partes 1, 2 e 3. [S. l.: s. n.], 2012. ANDOR, L. Youth Guarantee Four Years After - EU youth employment initiatives and their evaluation. European Economic and Social Committee, 2016. 23
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